Arquivo da categoria: Volume 6, número 2 (2015)

O CONSUMO INFANTIL NA VISÃO DAS CRIANÇAS

O CONSUMO INFANTIL NA VISÃO DAS CRIANÇAS

CHILD CONSUPTION IN CHILDREN’S POINT OF FIELD

 

Alexandre Machado

Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo
Faculdade de São Vicente -UNIBR
Diretor Geral da Faculdade de São Vicente – UNIBR
machado@unibr.edu.br

RESUMO

A publicidade e o consumo infantil vêm sendo estudados há vários anos por especialistas e segmentos da sociedade brasileira e, com isso, são apresentados pontos de vista distintos sobre o papel da criança na sociedade de consumo contemporânea. Os órgãos governamentais, não governamentais, comércio atacadista e varejista, publicitários, psicólogos, psicopedagogos e pais são frequentemente ouvidos e emitem opiniões sobre o certo e o errado para o consumo infantil. Este artigo analisa um fragmento da tese “Publicidade e o Consumo Infantil: uma abordagem crítica”; observa o resultado da pesquisa elaborada com 433 crianças de escolas privadas da cidade de Santos, litoral sul do Estado de São Paulo. A abordagem específica da opinião das crianças sobre mesada, como gastam seu dinheiro, o que gostam de comprar, onde compram, produtos com personagem, com marcas famosas, táticas de persuasão para fazer com que os pais comprem os produtos que elas querem, como influenciam nas compras, como a mídia de massa interfere no seu cotidiano e o que acham das propagandas, foram itens abordados pela pesquisa e, desta forma, apresentada a opinião das crianças.

PALAVRAS-CHAVE: Consumo. Consumo infantil.

 

ABSTRACT

Publicity and child consumption have been studied for several years by specialists and Brazilian society segments and, with this, are presented different points of view about child role in society modern consumption. Government organs, and non-governmental wholesaler, and retail dealer commerce, publicity people, psychologists, psychopedagogist, and parents are frequently listened and give opinions about the right and the wrong to childish consumption. This article analyses a fragment of this thesis. “Publicity and childish consumption” a critical approach, it observes the results of a research done with 433 children from private schools in the city of Santos, South Coast of São Paulo State. This specific approach of children’s opinion, about allowance, how they spend their money, what they like to buy, where they buy, character’s products, famous brands, persuasion strategies to make their parents buy the products they want, how they influence in shopping, how the mass media interfere in their daily life and what they think about advertising, those were the items approached by the research and, in this way, presented children’s opinion.

KEYWORDS: Consumption. Child consumption.

 

INTRODUÇÃO

Conforme Machado (2014, p.40) na tese “Publicidade e o Consumo infantil: uma abordagem crítica”, a importância de constituir uma sociedade para o homem é para que “esse possa pertencer a um grupo organizado e que essa sociedade, formada por grupos organizados, passa a existir e é transformada de acordo com o tempo e o espaço, seguindo normas comuns que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo no corpo social.”

A evolução da sociedade para sociedade de consumo, aprendida e praticada pelo consumidor infantil demonstra, como diz Machado (2012), visões e extensões de pensamentos proeminentes à prática e à realidade atual. Veblen (1983) estabelece padrões e hábitos de vida na tentativa de compreender a dinâmica social, Baudrillard (1995) ampara-se nos princípios da realidade construída para buscar relação entre o papel da realidade virtual e a comunicação de massa. Campbell (2001) endossa o consumo autoilusivo àquele que nunca se concretiza e padroniza a busca insana pela satisfação; é pertinente incluir neste cenário o pensamento de Bauman (1998), o qual articula a vida para o consumo, transformando as pessoas em mercadorias. Em uma visão lúcida sobre a realidade da sociedade de consumo moderna, tal estudioso descreve a mais simples e racional percepção sobre o consumo.

A opinião dos especialistas sobre o consumo infantil se depara com os argumentos individualistas de uma sociedade que não unifica discursos e promove a autodefesa de seus próprios interesses, para gerarem suspeitas sobre a moralidade da propaganda direcionada às crianças. Um exemplo disto é o Projeto de Lei n° 5921/01 do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que proíbe a propaganda voltada para crianças até 12 anos na televisão, rádio e internet entre 5 e 22 horas, 14 anos tramitando na Câmara dos Deputados e não tendo nem previsão para ser encaminhada ao Senado.

Não é muito difícil entender por que não foi aprovada e quais os reais motivos por trás das falácias moralistas. Uma indústria bilionária com interesses bilionários, os quais envolvem vários setores da economia e simultaneamente vários empregos diretos e indiretos, sustenta uma máquina complexa e estruturada.

A pesquisa aplicada para fundamentar a opinião das crianças na tese “Publicidade e o Consumo infantil” foi desenvolvida no mês de agosto/2014, por meio de questionário com perguntas fechadas para crianças de 6 a 12 anos do 1° a 7° ano do ensino fundamental de escolas privadas da cidade de Santos, litoral sul do Estado de São Paulo.

De acordo com os resultados, as crianças pertencentes à sociedade contemporânea influenciam cada vez mais nas decisões de consumo de uma casa e sua opinião tem reflexos diretos na economia.

 

SOCIEDADE DE CONSUMO INFANTIL

Segundo Bauman (2008), a sociedade de consumidores, em outras palavras, representa o tipo de sociedade a qual promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista e rejeita todas as opções culturais alternativas. Para essa sociedade, as pessoas passaram a viver em função do consumo, ou seja, participam de um círculo vicioso nessa prática consumista.

Assim como a sociedade americana, maior economia do mundo, 99% do que é consumido hoje é descartado nos próximos seis meses, conforme o documentário The history of stuff (a história das coisas). O mais assustador ou revelador é a frase apontada por Victor Le Bout (2014), assessor econômico do governo americano:
A nossa enorme economia produtiva exige que façamos do consumo a nossa forma de vida, que tornemos a compra e o uso de bens em rituais e procuremos a nossa satisfação espiritual, a satisfação de nosso ego, no consumo precisamos que as coisas sejam consumidas, destruídas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez maior”. São pensamentos como esse e práticas como essas que criam a obsolescência programada, forçando a sociedade a ser consumista.(LE BOUT, 2014 apud LEONARD, Annie, 2014)
Assim como apontado por Machado (2014, p.51) “o consumo desproporcional, desordenado, despreocupado, capitalista e sem sentido para o cumprimento das necessidades básicas representa consumismo.” A definição de consumismo passa a ser, conforme Schweriner (2011):

[…] ato, efeito ou prática de consumir (‘compra em demasia’)… consumo ilimitado de bens duráveis, especialmente artigos supérfluos (a sociedade de consumo caracteriza-se por um consumo delirante)…para a economia – doutrina de que um consumo crescente e ininterrupto é vantajoso para a economia (é difícil conciliar consumismo e ecologia)”[…]”sistema que favorece o consumo exagerado… tendência a comprar exageradamente. (SCHWERINER, 2011, p.11)

A associação entre o documentário The history of stuff, o comentário do economista americano, a definição de consumismo e a obsolescência programada nos remetem à compreensão de que consumir de forma desenfreada passou a ser um mal necessário para o governo, indústrias e pessoas, e aceito por uma grande parcela da sociedade contemporânea.

O comportamento dos adultos relacionados ao hábito de consumir é transmitido e imitado pelas crianças. Segundo Vanti (2004):

o estudo etimológico da palavra infância, a partícula latina in significa não, usada como prefixo, e do latim fans, fantis, particípio presente de fãri, corresponde a falar, ter a faculdade da fala, forma-se o adjetivo latino infans, infantis, aquele que não fala, que tem pouca idade e que ainda é criança. Assim também o adjetivo infantilis, que diz respeito à criança, infantil, e o substantivo infantia incapacidade de falar, dificuldade em se exprimir. (VANTI 2004, p.13),

Sarmento (2006, p.2), complementa que a “criança é o que não fala (in/ans), a que não tem luz (o a-lunó)”, a que não trabalha, a que não tem direitos políticos, a que não é imputável, a que não tem responsabilidade parental ou judicial, a que carece de razão etc.

Para a sociedade contemporânea, essas crianças “sem expressão”, “sem voz” e “sem luz” não condizem mais com a realidade atual e, cada vez mais, proporcionam cenários e resultados significativos para se observar e ouvi-las cada vez mais.

 

IINDICADORES DO SETOR INDUSTRIAL

Alguns segmentos da indústria, cujos produtos e serviços são direcionados para o público infantil, apresentam números significativos e reveladores para compreensão do porquê de o projeto de lei ainda tramitar na Câmara dos Deputados sem previsão de aprovação. De acordo com a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), por exemplo, somente a indústria dos brinquedos nacionais participou em 2014 com R$ 2,1 bi do faturamento das indústrias que direcionam produtos às crianças. Somados com a indústria dos importados, o segmento proporcionou R$ 4,4 bi. O setor de vestuário, segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil e da Confecção (ABIT), informa que o segmento infantil representa 15% do mercado global de vestuário do país, com faturamento em torno de R$ 9,1 bi, isso em 2012. Somados ao setor de calçados e roupas infantis, esse faturamento vai para R$ 24 bi.

O Brasil é o primeiro mercado do mundo na categoria de produtos de higiene pessoal infantil, conforme a Associação Brasileira de Produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmético (ABIHPEC), com 15,6% de participação no mercado mundial, com faturamento em 2014 na casa dos R$ 42 bi.

Segundo pesquisa elaborada pelo Instituto Datafolha (2014), 15% dos paulistanos frequentam o shopping pelo menos uma vez por semana, isso significa um estímulo ao consumo. A pesquisa revela também que 54% fazem compras e 51% vão passear. Entre os mais ricos, esses números sobem para 66% e 67%, respectivamente. Cerca de 32% vão ao cinema e 22%, comer. As cifras desembolsadas a cada ida ao shopping é um retrato da sociedade consumista, 23% gastam até R$ 50,00; 12% entre R$ 100,00 e R$ 150,00; 13% entre R$ 150,00 e R$ 200,00; 5% entre R$ 200,00 e R$ 250,00 e outros 5% entre R$ 250,00 e R$ 300,00.

Uma das questões na pesquisa realizada com as crianças da cidade de Santos/SP diz respeito à ida ao supermercado e ao shopping com os pais, sobre os pedidos feitos e se os pais concordavam em comprá-los. 96% das crianças pesquisadas responderam gostar de ir ao supermercado com os pais e 100% preferem ir ao shopping. A quantidade dos pedidos diz respeito à compreensão da influência da publicidade, da propaganda e do ponto de vendas no comportamento de consumo das crianças. Dentre os resultados, 60% das crianças pedem alguma coisa quando vão ao supermercado e 70% pedem quando vão ao shopping. Os pais atendem a 57% dos pedidos feitos pelos filhos no supermercado e 67% feitos nos shopping. Curiosamente, observou-se que os pais (homens) atendem mais aos pedidos feitos nos supermercados e as mães, nos shoppings.

 

PESQUISA COM AS CRIANÇAS

A pesquisa foi elaborada em um formato de entrevista exploratória estruturada, contendo 29 questões com perguntas fechadas, de múltiplas respostas e encadeadas, aplicadas para 433 crianças (242 crianças do Colégio Santa Cecília e 191 crianças do Colégio Anglo Santos) de 6 a 12 anos, perfazendo 100% dos estudantes do 1° ao 7° ano das duas escolas particulares da cidade de Santos, litoral sul do Estado de São Paulo, pertencentes à classe socioeconômica A/B, com um nível de confiança da pesquisa de 90%.

O gênero obtido foi de 59% meninas e 41% meninos. As idades foram proporcionais às distribuições de ano com uma concentração maior para as crianças de 9 e 10 anos. De acordo com os resultados, 57% ganham mesada e os valores foram distribuídos em quatro categorias: 1) os que recebem menos de R$ 20,00 mês, representado por 35% dos alunos; 2) os que recebem entre R$ 20,00  e R$ 50,00 com 27%; 3) os que recebem entre R$ 50,00 e R$ 100,00 com 23% e 4) os que recebem mais de R$ 100,00 por mês com 15% da amostragem.

A forma como gastam suas mesadas apontou para o consumo de brinquedos, 27%; lanche, 20%; jogos eletrônicos, 13%; outros, 7%; é relevante destacar que 33% guardavam suas mesadas e que as meninas são as mais econômicas (84%), principalmente na faixa etária dos 8 aos 10 anos. Os meninos, por sua vez, são os que mais gastam em jogos eletrônicos e brinquedos e a faixa etária predominante é de 10 a 12 anos.

Questionados sobre a preferência de consumir produtos com ou sem personagem, 69% indicaram preferir com personagem. A relação de preferência com a faixa etária comprovou que quanto mais idade as crianças têm, menos importância e preferência dão aos personagens. A correlação foi: crianças de 6 e 7 anos (55%); crianças de 8 e 9 anos (20%); crianças de 10 anos (15%); crianças de 11 e 12 (5%, respectivamente).

Quando indagadas acerca da qualidade dos produtos com personagens sobre os demais, apenas 5% responderam que sim, contra 28%, não; 28% disseram talvez e 39% não souberam responder. Para as crianças entre 6 a 8 anos, os produtos com personagem representam um sinônimo de qualidade e, com isso, enaltecem o produto. Já as crianças de 9 a 12 anos têm, em sua maioria (75%), uma percepção negativa sobre a qualidade dos produtos com personagem em relação àqueles que não contenham personagem. As meninas são as que mais identificam a relação positiva entre o produto com personagem e os sem personagem (59%).

As táticas de persuasão adotadas pelas crianças para convencer os pais a comprarem os produtos solicitados fizeram parte de um questionamento, onde: 19% das crianças apenas pedem para comprar; 6% choram e imploram; 5% gritam, ficam irados e fazem malcriação; 18% negociam (se comprar para mim…); 8% usam exemplos de amigos (as) que já têm o produto; 13% insistem até conseguir e 31% são conformados (se não der, tudo bem…).

De acordo com o local onde as crianças veem mais propaganda sobre os produtos que gostam de comprar, 23% identificaram a TV como fonte propagadora de estímulo, o shopping representou 19%, a internet 17%, amigos 13%, as demais porcentagens ficaram divididas entre celular, revista, outdoor, jornais, rádios e outros. A mídia de massa, as redes sociais e o shopping são as referências das crianças contemporâneas para buscar informações sobre seus produtos preferidos.

O tempo de exposição nas mídias de massa e redes sociais, o que mais veem e a opinião das crianças sobre a veracidade dos comerciais forram itens explorados pela pesquisa. A distribuição do tempo de exposição das crianças frente à TV e internet foram: menos de 1 hora por dia: TV 13% e Internet 24%; de 1hora a 2 horas por dia: TV 26% e Internet 24%; de 2 a 3 horas por dia: TV 19% e internet 9%; de 3 a 4 horas por dia: TV 13% e internet 4%; mais de 4 horas por dia: TV 20% e internet 26%; 9% não assistem à televisão e 13% não acessão internet. Com relação aos que veem, 19% são desenhos; 32% filmes; 7% novelas; 21% esportes; 13% seriados e 8% outros. Já sobre os comerciais dizerem a verdade: 5% disseram sim; 28% às vezes; 17% não e 50% não souberam dizer. As redes sociais (facebook, twiter e instagram) obtiveram 26% das preferências das crianças ao navegarem pela internet, 22% foram para os sites de pesquisa, 30% youtube, foram os locais preferidos da maioria das crianças.

A influência que as crianças exercem no poder de decisão de compra das famílias foi apontada da seguinte forma: 28% disseram que influencia diretamente; 57% às vezes e apenas 15% disseram não influenciar. Com exceção das crianças que disseram não influenciar na decisão de compra da família, pressupõe que 85% influenciam direta e indiretamente na decisão de compra de produto para a família. Segundo pesquisa do Instituto Alana sobre o consumismo infantil de 2012, 83% dos produtos escolhidos por uma família são escolhidos pelas crianças; 72% estão associados a personagens famosos; 42% são influências dos amigos; 38% são de produtos que oferecem brindes e jogos e 35%, produtos com embalagens coloridas e atrativas.

A questão “marca” foi explorada no sentido de obter a opinião das crianças sobre a importância e a necessidade como fator social. O gostar de usar produtos de “marca” foi identificado por 39% das crianças, 11% indicaram que não e 50% mostram indiferença. Ao questionar se as crianças acham os produtos de “marca” mais importantes que os demais, 30% disseram que sim, 13 disseram não e 57% disseram tanto faz. A influência dos amigos sobre eles para obtenção de produtos novos revelou que apenas 4% acham importante ter o que o amigo(a) tem de novo, contra 41% que identificaram não ser importante e 55% que indicaram nem sempre. De acordo com tais resultados, a criança contemporânea não é influenciada pela aparência e necessidade de ter um produto que seu amigo(a) tenha.

A questão sobre o sentimento da criança quando os pais não atendem ao apelo de compra foi: 41% se sentem normal; 31% chateados; 26% não ligam e 2% inferiores. A maioria das crianças relatou um sentimento de conformismo em relação ao não atendimento dos pais quando pedem algum tipo de produto. Esse traço foi identificado em ambos os gêneros com idade mais alta, ou seja, de 11 a 12 anos. Em contrapartida, 31% se sentem chateados em relação a não ser atendido em seu pedido de compra. Esse sentimento foi identificado mais frequentemente entre as meninas de 6 a 10 anos.

A última questão da pesquisa abordava a influência exercida pela propaganda quanto ao estímulo às compras; foi perguntado se a criança já comprara ou pedira para comprar algum produto que tenha visto em propaganda: 28% disseram que sim; 4%, sempre; 50%, às vezes e 18% disseram que não. É possível afirmar que 82% das crianças declinaram a confirmar que a propaganda influenciou no compra e/ou no pedido de compra aos pais. Desse percentual, os que indicaram sempre, a predominância é das crianças jovens, de 6 a 7 anos de ambos os gêneros. Dos que disseram sim, ficam na idade intermediária entre 8 e 9 anos de ambos os gêneros e os que disseram às vezes, a maioria são crianças de 10 a 12 anos, também de ambos os gêneros.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação dos pais no processo de estímulo à compra não planejada das crianças foi retratada, inicialmente, por meio das práticas que os mesmos exercem em levar seus filhos ao ponto de venda. A família inserida na sociedade contemporânea leva seus filhos aos pontos de vendas por razões diversas, entre elas pela agilidade, economia de tempo, companhia e por não terem com quem deixar seus filhos. Houve dois questionamentos específicos às crianças em relação a acompanharem seus pais ao ponto de venda, um em supermercado, outro em shopping Center. Tais questionamentos buscavam saber se as crianças gostam de acompanhá-los, quando acompanham como se comportam e quais as consequências desse acompanhamento. Comparativamente, o shopping levou vantagem em relação ao supermercado por proporcionar mais prazer e diversidade nas opções às crianças, que ia de entretenimento à visita às diversas lojas (supermercado, 93% versus shopping, 100%).

As crianças não só pedem para comprar mais produtos como são atendidas pelos pais quando vão aos dois pontos de vendas, enquanto o supermercado representou um pedido por parte das crianças em torno de 60%, o shopping representou 70%.

A pesquisa comprovou que as mídias de massa e o ponto de venda são as maiores fontes transmissoras de informações para as crianças conhecerem os produtos de que mais gostam, representados, na proporcionalidade, por: televisão (23%), shopping (19%), internet (17%) e amigos (13%).

 

O cenário vivido pela sociedade contemporânea conduz não só a criança, mas a todos que vivenciam o seu dia a dia, à necessidade de interagir com as novas tecnologias e o acesso quase ilimitado às fontes de informações que é inevitável e irreversível, negá-la não promove sentido. A criança, relacionada nesse estudo, demonstrou compreender o efeito da mensagem direcionada a ela e a consequência que esta traz à sua economia e a de sua família.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

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ALANA. Instituto Alana. São Paulo, 2012.

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Acesso em: 10 jul 2014.

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<http://economia.ig.com.br/empresas/industria/2014-03-31/industria-de-brinquedos-nacional-avanca-sobre-produtos-chineses.html>.

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Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/categoria.asp?id=292>.

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COSMETICOSBR . ABIHPEC projeta aumento de vendas de R$ 42,6 bi em 2014 e qualifica 21 empresas fornecedoras com selo. Nacional. São Paulo, 21 jul 2014.

Disponível em:

<http://www.cosmeticosbr.com.br/conteudo/noticias/noticia.asp?id=3615>. Acesso em: 22 jul 2014.

_____________.PRODUTOS INFANTIS NO BRASIL. O primeiro no mundo e com muito a crescer. São Paulo, 9 abr 2012.

Disponível em:

<http://www.cosmeticosbr.com.br/conteudo/materias/materia.asp?id=3003>. Acesso em: 22 jul 2014.

LEONARD, Annie. A História das Coisas – (The Story of Stuff).

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=741IjTeLJz0>.

Acesso em: 28 outubro 2014.

PALMA, Waneide de Souza; CARNEIRO, Terese Cristina Janes. Comportamento do consumidor: o nascimento do consumidor infantil. Vitória-ES: FUCAPE Business School, 2001.

Disponível em:

<http://www.fucape.br/premio_excelencia_academica/upld/trab/11/34.pdf>. Acesso em: 20 fevereiro 2014.

SHOPPING – 15% dos paulistanos vão ao shopping pelo menos uma vez por semana. São Paulo, 30 set 2013.

Disponível em:

http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/09/1349535-15-dos-paulistanos-vao-a-shoppings-pelo-menos-uma-vez-por-semana.shtml>.

Acesso em: 20 jul 2014.

TENDÊNCIAS do Consumo Infantil. São Paulo, 14 jul 2012.

Disponível em: < http://fatiasdobolo.blogspot.com.br/2012/07/5-tendencias-do-consumo-infantil-o.html>.

Acesso em: 28 set 2014.
APÊNDICE 1
Esta pesquisa tem por objetivo responder à seguinte pergunta:

Publicidade e Consumo Infantil: influência da publicidade na compra não planejada da criança.

É uma pesquisa para fins acadêmicos e os questionários não precisam ser identificados.

1)    Por gênero:
(   ) Menino      (   ) Menina

2)    Por idade:
(   ) 6 anos     (   ) 7 anos     (   ) 8 anos     (   ) 9 anos

(   ) 10 anos   (   ) 11 anos   (   ) 12 anos

3)    Você ganha mesada?
(   ) Sim             (   ) Não

4)    Quanto ganha?
(   ) menos de R$ 20,00 por mês                    (   ) entre R$ 20,00 e R$ 50,00 por mês

(   ) entre R$ 50,00 e R$ 100,00 por mês      (   ) mais de R$ 100,00 por mês

5)    Gasta sua mesada com o quê?
(   ) jogos eletrônicos       (   ) brinquedos       (   ) roupas         (   ) lanche

(   ) guarda o dinheiro

6)    Você costuma ir ao supermercado com seus pais?
(   ) Sim (   ) Não
você gosta?
(   ) sim         (   ) não
você pede muita coisa quando vai junto?
(   ) sim         (   ) não
e eles compram?
(   ) sim          (   ) não

7)    Você prefere produtos com ou sem personagens?
(   ) com personagens          (    ) sem personagem              (   ) tanto faz

8)    Os produtos com personagens são melhores do que os outros?
(   ) sim          (   ) não        (   ) talvez       (   ) não sei

9)    Você prefere produtos que tenham brindes?

(   ) sim          (   ) as vezes         (   ) não       (   ) tanto faz

10) Você costuma ir ao shopping com seus pais?
( ) sim ( ) não
você gosta?
(   ) sim         (   ) não
você pede muita coisa quando vai junto?
(   ) sim         (   ) não
e eles compram?
(   ) sim          (   ) não

11) Se você está no shopping e vê uma coisa que você quer muito, como faz para convencer seu pai ou sua mãe a comprar?
(   ) pede

(   ) chora e implora

(   ) grita, fica com raiva, faz malcriação

(   ) negocia (se você comprar para mim…)

(   ) cita exemplos de amigos(as) que já têm o produto

(   ) insiste até conseguir

(   ) se não der tudo bem…

12) Onde você vê propaganda dos produtos que gosta de comprar?
(   ) TV              (   ) Shopping        (   ) Internet         (   ) Amigos     (   ) celulares

(   ) Revistas     (   ) Outdoors        (   ) Jornais          (   ) rádios        (   ) outros

13) Quanto tempo de TV você assiste por dia?
(   ) menos de 1 hora             (   ) de 1 a 2 horas           (   ) de 2 a 3 horas

(   ) de 3 a 4 horas                  (   ) mais de 4 horas        (   ) não assiste

14) O que mais gosta de assistir?
(   ) desenhos            (   ) filmes         (   ) comerciais          (   ) seriados

(   ) novelas               (   ) esporte       (   ) outros

15) Comerciais de TV dizem a verdade sobre os produtos.
(   ) sim        (   ) as vezes      (   ) não          (   ) não sei dizer

16) Como você se sente quando está assistindo/lendo à(s) sua(s) propaganda(s) favorita(s)?
(   ) muito satisfeito

(   ) como se fosse dono do produto

(   ) empolgado

(   ) tento me lembrar da música ou do diálogo da propaganda

(   ) não sinto nada.

17) Quanto tempo você navega na internet por dia?
(   ) menos de 1 hora           (   ) de 1 a 2 horas       (   ) de 2 a 3 horas
(   ) de 3 a 4 horas                (   ) mais de 4 horas    (   ) não navega

18) Onde você navega?
(   ) redes sociais (ex: facebook/twitter/Instagram)

(   ) sites de pesquisa (ex: Google/Wikipédia)

(   ) youtube

(   ) blog´s

(   ) vagalume

(   ) outros

19) Seus pais controlam o tempo que você…
(   ) assiste à tv         (   ) navega na internet     (   ) não controlam

20) Quais lojas você visitou recentemente, mesmo que não tenha comprado nada…
(   ) lojas de roupas

(   ) livrarias

(   ) lojas de brinquedos

(   ) restaurantes ou fast foods

(   ) supermercados

(   ) lojas de esportes

(   ) lojas de computadores

(   ) centro de jogos eletrônicos

(   ) lojas de música e vídeo

(   ) lan houses

21) Se você tivesse dinheiro qual(is) dos produtos abaixo compraria?
(   ) roupas e sapatos                                (   ) telefone celular

(   ) computador                                        (   ) TV de LCD / LED

(   ) carro                                                   (   ) videogames

(   ) comida                                               (   ) jogos eletrônicos

(   ) filmes                                                 (   ) bicicleta

(   ) livros                                                  (   ) brinquedos

(   ) revista                                                 (   ) outros

22) Você toma decisões de compra em itens para a família toda.
(   ) sim        (   ) as vezes      (   ) não

23) Quais dos itens abaixo são mais importantes quando você vai comprar um produto?
(   ) o preço

(   ) a marca

(   ) a loja

(   ) o(a) vendedor(a)

(   ) a indicação de amigo(a)

(   ) já conhecer o produto

24) Você costuma escolher as coisas que quer comprar…
(   ) porque acha bonito

(   ) por indicação dos pais

(   ) porque é mais barato

(   ) porque viu na TV

(   ) por indicação dos amigos

(   ) porque é mais caro

25) Você gosta de usar produtos de marca?
(   ) sim        (   ) tanto faz      (   ) não

26) Você pensa que produto de marca é importante?
(   ) sim        (   ) tanto faz      (   ) não

27) Se seu amigo(a) tem um produto novo, você acha importante ter também?
(   ) sim       (    ) nem sempre      (   ) não

28) Quando seus pais não podem comprar esse produto, como se sente?
(   ) normal                 (   ) chateado        (   ) não liga             (   ) inferior

29)Você já comprou ou pediu para comprar algum produto que tenha visto em propaganda?
(   ) sim            (   ) sempre       (   ) as vezes        (   ) não

 

 

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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

TAX PLANNING IN MICRO AND SMALL BUSINESS

 

Antônio Ribeiro de Souza Júnior

Especialista em Controladoria e Finanças pela UNIMONTE
Faculdade de São Vicente – UNIBR
srjrbrasil@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo demonstrar a aplicação correta da legislação tributária relativa às operações da pequena e microempresa no mercado nacional, em seu dia a dia. Como sabemos, a carga tributária elevada, a que estão sujeitas as empresas no Brasil, obriga os contribuintes a fazerem estudos e planejamentos, visando mitigar tal peso em seus custos. Assim sendo, cabe ao empresário decidir acerca do enquadramento tributário adotado, pois uma escolha equivocada poderá representar um sacrifício financeiro relevante. Nesse sentido, analisaremos as diferenças e as exigências entre as opções tributárias existentes, buscando, dessa forma, orientar o administrador para o caminho da elisão fiscal[1]. A metodologia aplicada se deu por meio de pesquisa bibliográfica de estudos realizados por instituições como o SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, em consonância com as resoluções do CGSN – Comitê Gestor do Simples Nacional e o CTN – Código Tributário Nacional, além de observar pontos de vista de autores da área tributária, como Kiyoshi Harada (2001, 2008) e do atual  ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, Guilherme Afif Domingos (2013). Seja qual for a ótica sobre este assunto, é fundamental o conhecimento da legislação tributária, a qual deve ser cuidadosamente estudada, pois, caso contrário, afetará significativamente a lucratividade das empresas.

PALAVRAS-CHAVE: Planejamento. Tributação. Lucratividade.

 

ABSTRACT

This article has as an objective to demonstrate the correct application of tax legislation relative to the operations of small and micro business in the national market, in a daily basis. As one knows, the high tax burden to which is subject business in Brazil, make the contributories to have studies and planning in order to mitigate such a burden in their costs. Being so, it is up to the entrepreneur decide about the tax scheme adopted, for a wrong choice might represent a relevant financial sacrifice. In that sense, we will analyse the differences and demands among the existent tax options seeking thus, to orient the administrator in the way of fiscal elision[2]. The methodology applied was by the means of a bibliographical research of studies achieved by intitutions such as SEBRAE (Brazilian Service of support to micro and small business) along with the resolutions of CGSN  (Administrative Committee of National Simple) and the CTN (National tax code), besides observing the points-of-view of authors in the tax area, as Kiyoshi Harada (2001, 2008) and the present Chief-minister of the micro and small business of the Republic, Guilherme Afif Domingos (2013). Whichever is the view on this subject, the fundamental thing is to know the tax legislation, which must be carefully studied, for otherwise, will affect significantly the profit of enterprises.

KEYWORDS: Planning. Tax legislation. Profitability.

 

INTRODUÇÃO

A cada dia se torna mais evidente a necessidade de uma reforma ampla, geral, na legislação tributária brasileira, cuja carga – uma das maiores do mundo – sobrecarrega as empresas brasileiras e dificulta, sobremaneira, a sobrevivência e competitividade no cenário econômico contemporâneo. Anualmente, o governo quebra recordes de arrecadação, em função da melhor eficiência tecnológica dos sistemas, cada vez mais digitalizados e do cruzamento de informações entre os agentes econômicos; porém, a evolução parece seguir apenas uma direção, a do governo, em mão única, deixando, dessa forma, as empresas em segundo plano. Em 1965 – quando foi criado o atual CTN – a carga tributária no Brasil representava somente 18% do PIB (Produto Interno Bruto). Até o ano 2000, a carga tributária subiu; no entanto, não ultrapassou os 30% do PIB. Hoje, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o Brasil está à frente de países como Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão, cujas cargas tributárias estão pouco acima dos 25%, todavia, com IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) bem superiores ao nosso.

Em 2014, o País gerou riquezas no valor de R$ 5,521 trilhões (PIB), enquanto no mesmo período, os contribuintes (pessoas físicas e empresas) pagaram R$ 1,956 trilhão em tributos, resultando assim, uma carga tributária de 35,42% do PIB. Com isso, a posição no ranking da carga tributária mundial do Brasil, nos últimos anos, situou-se entre a 14ª e a 16ª. Neste ranking, a Dinamarca é a líder, com uma carga tributária próxima de 45% do PIB, seguida de países como Suécia, França, Bélgica e Alemanha; entretanto, ao contrário do Brasil, esses países prestam serviços públicos de qualidade à população sem que ela precise recorrer à iniciativa privada.

Em 2001, o IBPT criou o IVAT (Índice de Variação da Arrecadação Tributária), método de medição econômica, cuja finalidade é apurar percentualmente a variação da arrecadação de tributos da União, Estados e Municípios, ou seja, o crescimento mensal e anual dos valores recolhidos aos cofres públicos. Por meio dele, comparamos o crescimento do somatório das arrecadações tributárias com os principais índices de inflação, divulgados permanentemente por outros órgãos e instituições, como também, com os índices de crescimento do valor nominal do PIB brasileiro.

Em dez anos, de 2001 a 2010, a arrecadação tributária cresceu 264,49%, enquanto o IPCA variou 89,81%, ou seja, uma inflação tributária de 92,03%. Em vista disso, constatamos o exímio papel do governo como gerador de inflação econômica, cujo peso recai sobre toda a sociedade.

Essa é a realidade tributária no Brasil. Poucas ações foram efetivadas, por parte do governo federal, para privilegiar a produção e a desoneração dos custos tributários no país. Recentemente, a Lei Complementar nº 147/2014 beneficiou todas as pessoas jurídicas, as quais se enquadram como microempreendedores, microempresas e pequenas empresas, com teto de receita bruta anual de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais); além disso, criou uma nova tabela de alíquotas, para o setor de serviços, de 16,93% a 22,45%. Anteriormente à publicação da Lei, não ingressavam no Supersimples, como também é conhecido o regime, os prestadores de serviços decorrentes de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, entre outras. Esses prestadores eram obrigados a adotar o Lucro Real ou o Lucro Presumido.

Como se sabe, as empresas e os empreendedores necessitam de atualização constante, seja em sua base de conhecimento – know-how, seja em investimento tecnológico, sob pena de perderem competitividade e mercado, em uma economia globalizada, e de concorrência, por vezes, protecionista.

 

MICROEMPRESA E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

A Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas contém os conceitos nacionais de micro e pequena empresa; estabelece como pequenas, aquelas com faturamento bruto anual até R$ 3.600.000,00 (três milhões e  seiscentos mil reais) e micro, com faturamento bruto anual até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais).

As regras para mudança de status da empresa são praticamente imediatas, ou seja, se a microempresa faturar mais do que o limite estimado durante um ano passa, consequentemente, no próximo ano, a ser pequena empresa e vice-versa. Se a pequena empresa faturar acima de R$ 3.600.000,00 (três milhões e  seiscentos mil reais), será excluída do sistema, no ano seguinte. Será multada a empresa que, por ventura, mantenha o benefício do status de MPE, sem o devido enquadramento. Além disso, mesmo empresas com valores de faturamento anual bruto dentro dos limites estabelecidos pela LC 147/2014 podem não se enquadrar nos benefícios da Lei Geral, porque há outras limitações. Em síntese, não constam desse enquadramento:

  • empresas com participação em outra(s);
  • empresas as quais representem pessoas jurídicas com sede em outro país;
  • se um dos sócios possuir outra empresa enquadrada na lei;
  • se um dos sócios participar (com mais de 10%) de uma outra empresa, a qual ultrapasse o limite de faturamento para micro e pequenas Empresas;
  • se a empresa surgiu da cisão de uma outra;
  • se a empresa trabalha apenas com produtos financeiros, como casas de câmbio, seguradoras ou distribuidora de títulos.

 

A FALTA DE ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

É importante o empresário ter conhecimentos de contabilidade?

A resposta é sim. Na administração de um pequeno negócio, é comum encontrarmos empresários desconhecedores da necessidade de conceitos contábeis, uma vez que contratarão os serviços de um contador; entretanto, deveriam conhecer, pelo menos, os conceitos básicos de contabilidade, para entender as finanças de sua empresa e poder avaliar o trabalho de seu contador.

A contabilidade é uma ciência social, a qual tem como objeto o patrimônio das entidades econômico-administrativas, cuja finalidade é informar a situação patrimonial e financeira ao empregador, auxiliando-o, por conseguinte, em sua gestão.

Em termos contábeis, patrimônio é o conjunto de bens, direitos e obrigações, cuja soma dos bens e direitos são considerados como o Ativo da entidade; enquanto as obrigações com terceiros são consideradas como o Passivo (exigível). A diferença entre o Ativo e o Passivo resulta no Patrimônio Líquido da entidade.

São importantes também os conceitos de receita, custo e despesa. As principais receitas, de uma pessoa jurídica, são provenientes da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, do rendimento de aplicações financeiras e de juros recebidos de vendas a prazo. Custos são os gastos necessários para que as mercadorias possam ser vendidas, ou para que os serviços possam ser prestados. Despesas são gastos incorridos para, direta ou indiretamente, gerarem receitas. Podem ser administrativas como: aluguel, água, luz, telefone; comerciais ou de vendas como: comissões sobre as vendas e fretes de entrega de mercadorias; financeiras: tarifas bancárias e juros passivos e, tributárias e trabalhistas: impostos e encargos sociais.

Ao final de um período[3], apuramos o resultado, que é a diferença entre as receitas realizadas e os custos das mercadorias vendidas (ou serviços prestados) e despesas incorridas. Se o resultado for positivo, a entidade obteve lucro, o qual poderá ser distribuído aos sócios ou reinvestido na empresa; o resultado negativo, por sua vez, é denominado prejuízo e significa a diminuição do patrimônio da empresa.

Como dissemos, o conhecimento básico da contabilidade é imprescindível para uma adequada administração empresarial; todavia, a orientação de um bom profissional facilitará e ajudará na tomada de decisões importantes para o sucesso da empresa e sua, consequente, perenidade.

Uma delas é o enquadramento tributário a ser adotado pela empresa, pois uma escolha equivocada representará um sacrifício financeiro relevante. O conhecimento da legislação tributária torna-se assim, um item fundamental, o qual deverá ser estudado cuidadosamente, pois poderá afetar a lucratividade da organização.

 

CONCEITOS DE TRIBUTOS

O Código Tributário Nacional (Lei n°5.172/66) define tributo, em seus artigos 3° a 5°:

CNT Art. 3º – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Tributo é uma prestação do contribuinte ao Estado, obrigatória, geralmente paga em dinheiro. Cabe lembrar que não existe tributo sem fundamentação legal. O Estado cria a legislação, determina o fato gerador do tributo e a quem compete o seu recolhimento aos cofres públicos, independentemente da vontade das partes envolvidas. A cobrança é feita pela administração pública (fisco) por meio de procedimentos determinados também na lei. É o que denominamos de acatamento à regra jurídica ou ao princípio legal vigente.

 

TERMOS CORRELATOS AO CONCEITO DE TRIBUTOS

Os termos abaixo são correlatos ao conceito de tributos e suas formas de pagamento:

a) Prestação pecuniária – deve ser paga em dinheiro; não é admitido o pagamento em serviços ou em bens diversos de dinheiro; nem toda prestação pecuniária prevista em lei constitui tributo, mas, sim, aquela que reúna todos os requisitos constantes da própria definição do Art.3º.

b) Compulsória – o dever de pagar tributo nasce diretamente da lei, sem que se interponha qualquer ato de vontade daquele que assume a obrigação. A vontade do contribuinte é irrelevante e, por isso, até mesmo os incapazes podem ser sujeitos passivos das obrigações tributárias. Assim, o tributo é uma prestação compulsória, ou seja, obrigatória. A obrigação de pagar tributo não decorre da vontade do contribuinte. A imposição tributária é decorrência do princípio da supremacia do interesse público.

c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir – o tributo deve ser pago em moeda corrente do País (obrigação pecuniária). A expressão “ou cujo valor nela se possa exprimir” significa, para alguns autores, apenas a autorização da utilização de indexadores para expressar valores de tributos, como a UFIR-RJ  (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Rio de Janeiro[4]), para o exercício de 2015, cujo o valor é de R$ 2,7119 (dois reais sete mil cento e dezenove décimos de milésimos). Desta forma, um tributo de R$ 2.711,90 (dois mil setecentos e onze reais e noventa centavos) poderia ser substituído pela cobrança de mil UFIR-RJ.

d) Que não se constitua sanção de ato ilícito – essa expressão distingue tributo, de multa. A multa sempre representa uma penalidade pecuniária pela prática de ato ilícito (vender mercadoria sem a emissão de nota fiscal, por exemplo). A hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito.

Para Kiyoshi Harada (2001)

A expressão não significa, necessariamente, que o tributo sempre pressupõe a licitude do ato que o gerou, como sustentado por alguns autores, mesmo porque os atos ilícitos são passíveis de tributação, sob pena de violação do princípio constitucional de isonomia. O que a expressão significa é que a cobrança de tributo não representa imposição de penalidade.(Kiyoshi Harada, 2001, apud SABBAG, 2010, p. 375)

Tomemos o exemplo do imposto de renda: se alguém percebe rendimento decorrente da exploração de uma casa de prostituição, ou de jogo de azar, o imposto de renda será devido. Não há incidência sobre a atividade ilícita, mas hipótese da ocorrência de incidência do tributo (no caso, a aquisição de renda ou proventos de qualquer natureza).

De acordo com Sabbag (2010, p.653), “o tributo deve incidir sobre as atividades lícitas e, de igual modo, sobre aquelas consideradas ilícitas ou imorais.”

e) Instituído em lei – decorrência lógica do fato de ser o tributo compulsório, pois como vivemos em um Estado Democrático de Direito, só a lei, que é a expressão da vontade geral, pode obrigar alguém a alguma coisa (Art. 5º, II, c/c Art. 150, I, ambos da CF), salvo as Medidas Provisórias, que não são leis (lei no sentido “lato” como ato produzido pelo Poder Legislativo), mas possuem força de lei e são produzidas pelo Chefe do Poder Executivo, as quais tratam inclusive de matéria tributária (Art. 62, CF); portanto, nenhum ato infralegal, sem exceção, pode instituir tributo.

f) Cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada – uma vez ocorrido o fato gerador da obrigação tributária, a autoridade administrativa tem o dever de apurar, de constituir o crédito e de exigir o cumprimento da obrigação pelo contribuinte. Este não pode deixar de fazê-lo, sob pena de responsabilidade funcional, pois não há juízo de oportunidade, de conveniência, ou seja, não há discricionariedade; portanto, sempre que uma prestação enquadrar-se na definição supracitada, afirmamos que se trata de um tributo.

Para Ataliba (2004, p.60), o “fato gerador é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede.”

CNT Art. 4º – A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante para qualificá-la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.

CNT Art. 5º – Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.” (Código Tributário Nacional (Lei n°5.172/66)

Logo, tributo é o gênero e as espécies são impostos, taxas e contribuições.
FORMAS DE TRIBUTAÇÃO

Existem quatro regimes de apuração de renda de pessoa jurídica (IRPJ), cujos pagamentos podem ser mensais, trimestrais e anuais: Lucro Real, Lucro Presumido e Simples Nacional. Existe um quarto regime, denominado Lucro Arbitrado, imposto pelas autoridades fiscais como punição aos contribuintes, os quais apresentem falhas em sua documentação fiscal ou contábil.

O regime de Lucro Real impõe mais exigências burocráticas. Além da contabilidade obrigatória, os contribuintes devem ter o Livro de Apuração do Lucro Real – Lalur, pois a base de cálculo do imposto é atingida depois de uma série de ajustes ao lucro apurado na contabilidade – lucro contábil. O Lucro Real pode ser apurado trimestralmente (definitiva) ou anualmente, com antecipações por estimativa mensal e ajuste no final do ano (exercício), o qual geralmente coincide com o ano-calendário. É o regime, geralmente, de maior tributação.

O regime de Lucro Presumido é bem mais fácil, porque é um percentual de sua receita. Esse percentual varia conforme a atividade da empresa: para prestação de serviços, em geral, é 32%, enquanto para venda de produtos é 8% e 1,6% para revenda de derivados de petróleo, álcool e gás. O cálculo é sempre feito em bases trimestrais. Tal regime tende a ser mais vantajoso para empresas altamente lucrativas, não sendo interessante para quem tem prejuízo, pois a sua base de tributação é a receita bruta e não o resultado.

O Simples Nacional – nasceu com a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas – Lei Complementar n° 123/06 (atualizada pela Lei Complementar n° 128/2007 e Lei Complementar n° 147/2014). Com ele, vieram a diminuição da burocracia (ainda excessiva) e da carga tributária (ainda elevada), além do crescimento e fortalecimento das pequenas empresas, as quais representam 90% no país.

O capítulo tributário da Lei, que criou o Simples Nacional (Supersimples), o qual substituiu o Simples (Lei n° 9.317/96) – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP), em vigência desde 01/07/2007, institui um regime especial de tributação para o segmento, pois engloba o IRPJ com quase todos os impostos federais, tais como: CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), PIS (Programa integração Social), INSS – a cargo da pessoa jurídica – CPP (Contribuição Previdenciária Patronal), estaduais: ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e municipais: ISS (Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza) onde há convênios com os municípios, a serem recolhidos mensalmente, a partir da mesma base de cálculo e de uma escrituração contábil e fiscal única. Além dessa simplificação, as alíquotas da Lei Geral proporcionam, em média, uma redução de 20% da carga tributária para as empresas que optavam pelo Simples e de até 45% para as não optantes.

A adoção do Simples é indiscutivelmente vantajosa, pois além da facilidade no cálculo e na apuração dos valores a pagar, costuma ser economicamente viável. Assim sendo, uma empresa comercial – ME, com um faturamento anual até R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais), estará isenta de IR, CSLL, PIS e COFINS, ou seja, pagará apenas 4% do seu faturamento mensal, correspondentes a ICMS (1,25%) e CPP (2,75%), mediante documento único de arrecadação.

 

ESCOLHA DO REGIME TRIBUTÁRIO

As empresas devem escolher o regime de apuração no primeiro pagamento do ano e não podem mais trocar ao longo do exercício social[5], portanto é um momento decisivo. Verificam-se restrições quanto à adoção do Simples, pois nem todas as atividades são permitidas; no entanto, a partir de 01/01/2015, foram desdobradas alterações para todo o setor de serviços[6], assim como: fisioterapia, corretagem de seguros, transporte de passageiros, medicina, medicina veterinária, odontologia, psicologia, psicanálise, terapia ocupacional, perícia, leilão, auditoria, economia, jornalismo, publicidade, entre outras; estendendo-se, inclusive, à indústria e comércio atacadista de refrigerantes, uma vez que até 31/12/2014, apenas o comércio varejista optava pelo Simples

De modo geral, as pessoas jurídicas recorrem à criatividade para valerem-se do Simples; todavia, na maioria das vezes, tal estratégia não surte resultado, pois a Receita Federal costuma desenquadrá-las e exigir o pagamento de todos os tributos devidos. Desde 2001, com a edição da Lei Complementar 104/2001, a Lei Antielisão permite à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato, gerador do tributo.

 

O PROBLEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Conhecer o sistema tributário brasileiro não é tarefa fácil. Segundo a lista publicada no Portal Tributário, entre impostos, contribuições, taxas e contribuições de melhoria[7], existem no país, 92 (noventa e dois) tipos de tributos que ocupam as agendas de obrigações das pessoas físicas e jurídicas.

Aliam-se ainda, à elevada tributação, a falta de logística e infraestrutura para escoamento da produção, além da excessiva burocracia. Isso é o que denominamos de “Custo Brasil”, ou seja, os gastos internos do país, cujas empresas estão submetidas, dificultando, significativamente, a competitividade nos cenários nacional e/ou internacional.

Segundo Kiyoshi Harada[8] (2008), é preciso minimizar o papel do Estado e desenvolver a cultura do cumprimento das normas legais e constitucionais, para diminuir a carga tributária e, dessa forma, devolver ao setor produtivo condições de expansão; por conseguinte, com o crescimento da economia, a arrecadação tributária crescerá de forma natural.

Para Guilherme Afif Domingos[9] (2013), é imprescindível uma profunda reforma tributária em benefício dos pequenos negócios. Para ele, a proposta é avaliar o regime tributário das MPEs, sob a perspectiva de cumprimento do seu objetivo central, que é o de gerar trabalho e renda para a sociedade.

Como dissemos, o Simples é o regime tributário menos burocrático; no entanto as ME e EPP optantes são obrigadas a fazer os registros e controles das operações e prestações por elas realizadas, nos livros fiscais e contábeis, tais como:

a) Livro Caixa[10]: constarão toda a movimentação financeira e bancária;

b) Livro Registro de Inventário: serão registrados os estoques existentes no término de cada ano-calendário, como contribuintes do ICMS;

c) Livro Registro de Entradas, modelo 1 ou 1-A: destinado à escrituração dos documentos fiscais, relativos às entradas de mercadorias ou bens e às aquisições de serviços de transporte e de comunicação, efetuadas a qualquer título pelo estabelecimento, como contribuintes do ICMS;

d) Livro Registro dos Serviços Prestados: apontados os documentos fiscais, relativos aos serviços prestados, sujeitos ao ISS, como contribuintes do ISS;

e) Livro Registro de Serviços Tomados: escriturados os documentos fiscais, relativos aos serviços, tomados sujeitos ao ISS;

f) Livro de Registro de Entrada e Saída de Selo de Controle: exigível pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

Os livros citados poderão ser dispensados, no todo ou em parte, pelo ente tributante da circunscrição fiscal do estabelecimento do contribuinte, respeitados os limites de suas respectivas competências.

 

LIVROS PARA ATIVIDADES ESPECÍFICAS

Além dos livros já mencionados, ainda serão utilizados[11]:

a) Livro Registro de Impressão de Documentos Fiscais: pelo estabelecimento gráfico, para registro dos impressos confeccionados para terceiros ou para uso próprio;

b) Livros específicos: pelos contribuintes, os quais comercializem combustíveis;

c) Livro Registro de Veículos: por todas as pessoas que interfiram habitualmente no processo de intermediação de veículos, inclusive como simples depositárias ou expositoras;

 

LIVRO PARA REGISTRO DOS VALORES A RECEBER (REGIME DE CAIXA)

A adoção do Simples Nacional compreende o registro dos valores a receber, no modelo constante do Anexo Único à Resolução CGSN nº 38/2008, no qual constarão, no mínimo, as informações abaixo, relativas a cada prestação de serviço ou operação com mercadorias a prazo:

  • número e data de emissão de cada documento fiscal;
  • valor da operação ou prestação;
  • quantidade e valor de cada parcela, bem como a data dos respectivos vencimentos;
  • data de recebimento e valor recebido;
  • saldo a receber;
  • créditos considerados incobráveis.

É dispensado o registro, na forma tratada neste tópico, das prestações e operações realizadas por meio de administradoras de cartões, inclusive de crédito, desde que a ME ou a EPP anexe ao respectivo registro os extratos emitidos pelas administradoras relativos às vendas e aos créditos respectivos[12].

 

DECLARAÇÕES

Os contribuintes optantes do Simples Nacional apresentarão, anualmente, declaração única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais, denominada DASN – Declaração Anual do Simples Nacional a qual será entregue à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da internet.

As ME e as EPP ficam obrigadas[13], ainda, à entrega da Declaração Eletrônica de Serviços, se exigida pelo Município, a qual servirá para a escrituração mensal de todos os documentos fiscais emitidos e documentos recebidos, referentes aos serviços prestados, tomados ou intermediados de terceiros. A Declaração Eletrônica de Serviços substitui o Livro Registro de Serviços Prestados e o Livro Registro de Serviços Tomados, referidos nos itens “d” e “e” do tópico II, e será apresentada ao Município pelo prestador, pelo tomador, ou por ambos, observadas as condições previstas na legislação de sua circunscrição fiscal.

 

EMISSÃO DE DOCUMENTOS E ESCRITURAÇÃO FISCAL

O ente federativo, o qual adote sistema eletrônico de emissão de documentos fiscais ou recepção eletrônica de informações, poderá exigi-los de seus contribuintes optantes pelo Simples Nacional; devem ser observados os prazos e formas previstos nas respectivas legislações; portanto, além das disposições mencionadas, ainda devem ser verificadas as normas dos respectivos entes tributantes.

Os livros e documentos fiscais mencionados anteriormente serão emitidos e escriturados nos termos da legislação do ente tributante da circunscrição do contribuinte, com observância do disposto nos Convênios e Ajustes Sinief [14], os quais tratam da matéria, especialmente os Convênios Sinief s/nº de 15.12.1970, e nº 6, de 21.02.1989.

 

REGIMES ESPECIAIS DE CONTROLE FISCAL

As microempresas e as empresas de pequeno porte, optantes pelo Simples Nacional, também estão obrigadas ao cumprimento das obrigações acessórias previstas nos regimes especiais de controle fiscal, quando exigíveis pelo respectivo ente tributante[15].

 

GUARDA DE INFORMAÇÕES

Os documentos fiscais relativos a operações e prestações realizadas ou recebidas, bem como os livros fiscais e contábeis deverão ser mantidos em boa guarda, ordem e conservação, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes[16].

 

EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL

Na hipótese de a microempresa ou a empresa de pequeno porte ser excluída do Simples Nacional, ficará obrigada ao cumprimento das obrigações tributárias pertinentes ao seu novo regime de recolhimento, nos termos da legislação tributária dos respectivos entes federativos, a partir do início dos efeitos da exclusão, ou seja,  desde a data de início dos efeitos do impedimento[17].

O Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) tem por finalidade gerir e normatizar os aspectos tributários do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, nos termos do art. 2º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

 

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O bom planejamento pressupõe um bom conhecimento da legislação vigente, além de bom-senso do planejador, uma vez que dentro do planejamento tributário existem apenas alternativas, nos limites da ordem jurídica, cujas relações custo/benefício podem variar muito em função dos valores envolvidos, da época, do local etc.

As lacunas, anteriormente existentes na legislação, estão cada vez mais raras com o avanço da tecnologia e do direito; todavia, o bom planejamento estudará os efeitos jurídicos e econômicos das alternativas legais existentes, menos onerosas para cada tipo de empresa e de atividade.

Por vezes, as pequenas e microempresas não possuem condições financeiras de pagar tais estudos, realizados por profissionais liberais ou pessoas jurídicas especializadas em consultoria tributária, geralmente contratadas por grandes empresas; porém, desde 1972, o SEBRAE, entidade privada e de interesse público, apoia a gestão de pequenas e microempresas. Assim sendo, a missão do Sebrae concentra-se no desenvolvimento do Brasil, por meio da geração de emprego e renda, ou seja, pelo empreendedorismo.

 

FINALIDADE E VANTAGENS DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O Planejamento Tributário possui a finalidade e o caráter preventivo de (antes da ocorrência do fato gerador do tributo) produzir a elisão fiscal, ou seja, a redução da carga tributária dentro da legalidade. É por meio da análise das alternativas possíveis à disposição da empresa, que ela pode optar sobre: o regime tributário a ser adotado, a melhor estrutura societária, a forma de remunerar os sócios e distribuir os lucros, entre outras decisões, as quais possam trazer, como vantagem, menor custo para a empresa; portanto, maior rentabilidade, objetivo final de toda empresa.

Há diferenças significativas entre os conceitos de elisão fiscal e evasão fiscal. A elisão fiscal é a atividade lícita de busca e identificação de alternativas, as quais levem a empresa a uma carga tributária menor, respeitando, dessa forma, os marcos da ordem jurídica e a legislação societária; evasão fiscal ou sonegação fiscal, por sua vez, é uma ação ilícita, cabível de punição e multas.

Com relação a qual regime tributário a ser adotado, as empresas devem excluir as restrições e analisar apenas as alternativas possíveis. Empresas com faturamento acima de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) não podem optar pela tributação no Simples Nacional, restando-lhes escolher entre o Lucro Real e o Presumido.

Nesta situação, calcular a margem de lucro em relação à receita deve ser o primeiro passo para decidirmos entre o Lucro Real e o Presumido. Outrossim, devemos considerar não só o imposto de renda (IR), mas também a contribuição social (CSLL).

Outros dois pontos importantes a serem observados entre o Lucro Real e o Presumido são:

  • no Lucro Real: no real, a compensação de prejuízos, que mesmo com o limite imposto pela legislação de 30% do lucro, pode ser interessante.
  • no Lucro Presumido: observar as adições na base de cálculo das receitas como ganhos de capital e vendas do ativo imobilizado.

A partir de 01.01.2014, estarão obrigadas à opção pelo Lucro Real as seguintes pessoas jurídicas:

I – cuja receita total, no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou a R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais), multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses (limite estabelecido pela Lei 12.814/2013)

II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidora de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta

Outrossim, o mau planejamento poderá resultar em evasão fiscal, isto é, a redução da carga tributária pelo descumprimento da legislação, o que é classificado como crime de sonegação fiscal (Lei n° 8.137/90).

 

A IMPORTÂNCIA DO CONTADOR NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

A eficiência e exatidão dos registros contábeis são fundamentais para a administração planejar suas ações. A contabilidade dispõe de um banco de dados econômicos e financeiros das empresas,  registrados em um sistema de informação que os organiza; portanto é imprescindível que se tenha um bom sistema contábil informatizado, bons profissionais habilitados e credenciados (contadores)  para exercerem tais  funções no manuseio daqueles registros.

Como resultado, a contabilidade fornece relatórios gerenciais e contábeis, base para a tomada de decisão dos gestores e administradores das empresas. Sem relatórios objetivos e atualizados, não é possível realizar um planejamento adequado e consequente.

Desde 1994, a inflação tornou-se baixa (entre 8 a 10% aa); isso exige ainda mais a atenção dos administradores ao capital de giro, às despesas e aos custos; logo, como os tributos são gastos variáveis, que não podem ser desprezados nem ignorados, cabe aos dirigentes e empresários administrá-los da melhor forma possível, respaldados pelo trabalho de um contador.

 

ATRIBUIÇÕES DO CONTADOR 

Um contador saberá analisar e auxiliar na tomada de decisão sobre os seguintes aspectos:

  • sazonalidade: é importante verificar se a empresa suporta prejuízos num determinado período e lucros, em outros;
  • há diferenças entre Lucro Líquido e Lucro Real: ele saberá fazer a conta com o número certo;
  • passado e futuro: incluir expectativas de novas receitas, tendo em vista os planos da empresa e os cenários econômicos;
  • forma de tributação: analisar cuidadosamente ao optar por uma delas, uma vez que não não há troca durante todo o ano-calendário, ou seja, de 1° de janeiro a 31 de dezembro;
  • Lucro Presumido: verificar o correto enquadramento, pois existem alíquotas diferentes, conforme a atividade;
  • Lucro Presumido, tende a ser vantajoso para empresas com altas taxas de rentabilidade: calcular a relação lucro/receita, observando que a base de cálculo para esse regime sofre adições importantes, como os ganhos de capital, entre outras;
  • prejuízos fiscais: a compensação pode fazer uma grande diferença nas contas, na hora de escolher o regime tributário;
  • Simples Nacional: verificar a possibilidade de enquadramento, tendo em vista menor tributação e menos burocracia;
  • Lucro Real, demanda uma documentação mais específica do que o Lucro Presumido, além de exigir comprovação mais rigorosa das despesas

 

OUTRAS FUNÇÕES DA CONTABILIADE

  • registrar os fatos administrativos (banco de dados/memória);
  • demonstrar e controlar as mutações patrimoniais (controle);
  • servir como elemento de prova em juízo ou tribunal(segurança jurídica);
  • fornecer elementos para que os sócios possam examinar as contas e tomar decisões eficazes[18].

 

APRESENTAÇÃO DE UM CASO

Um bom exemplo de aproveitamento das normas tributárias é adesão ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), lançado pelo governo federal. Oferecido como objetivo de propriciar o parcelamento a longo prazo de débitos tributários com condições bastante vantajosas, o REFIS foi um programa feito sob medida para empresas com dificuldades financeiras, com a finalidade legal de financiar seus débitos tributários.

Assim sendo, uma empresa com bons lucros anuais, aparentemente não entraria em um programa desse tipo; entretanto, no ano de 2000, ao ser lançado o programa, muitas empresas com faturamento anual de bilhões de reais, ou seja, muito acima da faixa permitida pela legislação para o regime de Lucro Presumido, aderiram ao programa.

O regulamento permitia às empresas que aderissem ao REFIS, a tributação do IR e da CSLL, sob o regime de Lucro Presumido, independentemente do seu faturamento. Esta oportunidade foi capturada pelos administradores de algumas empresas na época, que, de uma forma legal, conseguiram mudar de regime de apuração do Lucro Real para o Presumido, por cinco anos  (2000 a 2005), sem ferir a legislação, ou seja, sem cometer nenhum crime de sonegação fiscal. Fizeram uso da legislação como um instrumento ligado às decisões gerenciais. Aquelas empresas ganharam um fôlego financeiro, pois aderindo ao programa, puderam pagar em 60 meses (sessenta) os débitos corrigidos pela TJLP (taxa de juros de longo prazo) e ter à sua disposição, outra forma de tributação do seu lucro.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como demonstramos não são poucas as obrigações fiscais e contábeis das micro e pequenas empresas, regidas pela legislação, no sistema considerado Simples Nacional, ou seja, o menos burocrático e, portanto, mais prático. As empresas estão obrigadas a atender ao fisco nas três esferas, com legislações estaduais divergentes, ou seja, no mesmo país, há legislação diferente, no caso do ICMS estadual e nos municípios, no caso do ISS. São apenas dois exemplos de como uma empresa, a qual possua filiais, deve agir com as diferentes legislações para atender às obrigações fiscais/tributárias de cada local em que ela atuar. Isso gera custos e perda de competitividade,  componentes do chamado “Custo Brasil”, os quais sacrificam nossas empresas.

Fica clara também a importância de um sistema contábil eficiente, do planejamento tributário e contábil para uma boa gestão dos recursos e do patrimônio das empresas; além disso, todo empresário deveria ter conhecimentos básicos de contabilidade para não ficar à margem dos resultados e das decisões de sua própria empresa.

O trabalho evidencia ainda que a atenção às mudanças das normas é uma das melhores formas de organizar o pagamento de tributos, além da possibilidade de capturar novas formas de realização do pagamento de um imposto, como no exemplo do caso citado, o que é suficiente para reduzir a carga tributária dentro dos limites legais (elisão fiscal).

Lembramos também que pagar menos impostos não é somente reduzir custos; é também aumentar a competitividade, as margens de lucro e, consequentemente, ter mais recursos para investir e elevar a sua participação no mercado (market-share).

Sob o ponto de vista macro, o Brasil precisa não só de leis como a Lei Geral – do Simples Nacional, necessita simplificar a legislação tributária, evitar impostos em cascata, desonerar a produção, para que as empresas tenham mais recursos para crescer e gerar novos empregos, o que, consequentemente, geraria aumento na arrecadação nas três esferas governamentais, de forma inteligente.

O governo precisa fazer a sua parte, administrar melhor os seus gastos, evitar aumento dos déficits nas contas públicas, subsidiados com o acréscimo da dívida pública e dos impostos. É inexorável esta mudança de atitude nas contas públicas, sob o risco de termos décadas perdidas e crescimentos pífios do PIB.

Por fim, investir maciçamente em educação: um país se faz com boas escolas, reconhecimento do trabalho de professores e educadores. Assim sendo, formaremos melhores profissionais, com capacidade para alterar o cenário atual e nos tornarmos de fato um país de desenvolvimento sustentável e competitivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

AMARAL, Gilberto Luiz do, et al. Carga tributária brasileira cresce em 2014 apesar da crise. Disponível em:
https://www.ibpt.org.br/img/uploads/novelty/estudo/2142/05EvolucaoDaCargaTributariaBrasileira.pdf.
Acesso em 13 de maio de 2015.

BRASIL. CGSN – Comitê Gestor do Simples Nacional. Comitê Gestor inicia a regulamentação das alterações promovidas pela Lei Complementar 147/2014 – 08/09/2014. Disponível em:
http://www8.receita.fazenda.gov.br/SIMPLESNACIONAL/Noticias/NoticiaCompleta.aspx?id=0aadadc0-53a9-4764-925f-7a1d3f2b7ca4
Acesso em 10 de maio de 2015

_______. Presidência da República – Casa Civil. Sistema Tributário Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm
Acesso em 19 de julho de 2011.

_______. Secretaria da Receita Federal. Lucro Real. Disponível em:
http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/DIPJ/2000/Orientacoes/LucroReal.htm
Acesso em 20 de julho de 2011.

________. Secretaria da Receita Federal. Simples Nacional. Disponível em:
http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/
Acesso em 21 de abril de 2015

DOMINGOS, Guilherme Afif. Dar estabilidade ao micro e pequeno empresário é uma das metas do Ministro. Revista Bares & Restaurantes nº 92. 2013.  Disponível em:
http://www.abrasel.com.br/index.php/atualidade/entrevistas/2323-guilherme-afif-domingos.html
Acesso em 10 de maio de 2015

IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Governança Corporativa. Revista Governança Tributária. 2014.  Disponível em:
http://governancatributaria.com.br/revista/revista-governanca-tributaria-2014.pdf
Acesso em 13 de maio de 2015.

HARADA, Kiyoshi. Carga tributária excessiva e seus efeitos danosos. 2008. Disponível em:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id =2545 &revista_caderno=26
Acesso em 10 de maio de 2015.

OS TRIBUTOS no Brasil. Disponível em:
http://www.portaltributario.com.br/tributos.htm
Acesso em 13 de maio de 2015.

_______. SEBRAE. Mudanças no Supersimples: o que o dono de pequeno negócio deve saber. Disponível em:
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/Mudan%C3%A7as-no-Supersimples:-o-que-o-dono-de-pequeno-neg%C3%B3cio-deve-saber
Acesso em 13 de março de 2015.


[1] Elisão fiscal é uma forma lícita de o contribuinte conseguir reduzir a carga tributária.

[2] Fiscal elision is a licit way for the contributory reduce tax burden.

[3] Considera-se período, o intervalo de tempo que pode ser mensal, trimestral ou anual, para a apuração do resultado econômico (lucro ou prejuízo), com a finalidade gerencial e/ou tributária.

[4] Instituída pelo Decreto n.º 27.518, de 28 de novembro de 2000.

[5] Exercício social é o período em que as pessoas jurídicas apuram o seu resultado econômico. Geralmente, coincide com o ano calendário, para atender à exigência fiscal, de apurar o resultado sempre em 31 de dezembro.

[6] As principais alterações trazidas pela LC 147/2014 – Simples Nacional, podem ser observadas no link: http://www.portaldodesenvolvimento.org.br/confira-o-que-muda-com-as-atualizacoes-da-lei-geral/

[7]  Pela legislação brasileira é o “tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação que representa um benefício especial auferido pelo contribuinte”.

[8] Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP., professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior.

[9] Empresário, administrador de empresas e atual ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.

[10] A apresentação da escrituração contábil, em especial do Livro Diário e do Livro Razão, dispensa a apresentação do Livro Caixa.  Fundamentação: art. 3º da Resolução CGSN nº 10/2007.

[11] Fundamentação: art. 3º da Resolução CGNS nº 10/2007.

[12] Fundamentação: art. 5º da Resolução CGSN nº 38/2008.

[13] Fundamento: art. 6º da Resolução CGSN nº 10/2007.

[14] As normas constantes dos Convênios e Ajustes Sinief não se aplicam em relação a ISS. Fundamento: arts. 8º e 10º da Resolução CGSN nº 10/2007.

[15] Fundamento: art. 12° da Resolução CGSN nº 10/2007.

[16] Fundamento: art. 9º da Resolução CGSN nº 10/2007.

[17] Fundamento: art. 11 da Resolução CGSN nº 10/2007.

[18] Eficaz, aquele que alcança os seus objetivos. Eficiente, aquele que otimiza os recursos disponíveis na busca de seus objetivos.

A HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO EM SANTOS NA VISÃO DO PROFESSOR

A HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO EM SANTOS NA VISÃO DO PROFESSOR NELSON SALASAR MARQUES: IMAGENS DE UM MUNDO SUBMERSO

HISTORY AND EDUCATION IN SANTOS IN TEACHER VISION NELSON SALASAR MARQUES: ONE WORLD IMAGES SUBMERGED

 

Me.Danielle B. Lopes

Mestrado em Educação – UNISANTOS
Faculdade de São Vicente-UNIBR
teacherdanylopes@hotmail.com

RESUMO


O presente estudo tem por objetivo conhecer a vida e resgatar a obra do professor Nelson Salasar Marques para vislumbrar a história de Santos pelo seu olhar e, sobretudo, entender a maneira como ele observa o sistema educacional da cidade e, por conseguinte, no Brasil. A pesquisa é embasada na obra Imagens de Um Mundo Submerso, em seus quatro volumes, assim como em depoimentos de familiares e artigos de jornal. O autor prioriza alguns pontos para contar a história, tais como, o Bairro Chinês e seus portugueses, o Bairro do Macuco, os chalés, os bondes, os trens, os navios, os costumes da população do início e meados do século XX e estuda-se a visão de Nelson Salasar Marques sobre a educação na cidade e no país, suas críticas à educação tradicional e à defesa da Escola Nova; as sugestões para o enfrentamento dos problemas educacionais já existentes em sua vida docente, dando indicações de como essa situação atingiu tal ponto.

PALAVRAS-CHAVE:  Literatura. História e educaçãoem Santos. Memória.

 

ABSTRACT

This study aspires to know the life and ransom the Nelson Salasar Marques’ texts to appreciate Santos’ history through his vision and to understand how he observes the educational system of city and, above all, of Brazil. The research is based on Imagens de Um Mundo Submerso, in its four volumes, such as family testimony and newspapers articles. Our author takes priority to some points to talk the history, like Chinês district and its portugueses, the Macuco district, the typical houses, the street cars, the trains, the ships, the population’s costumes of start and middle of twenty century. I study Marques’ vision about the education in the city and in the country; such as his censorship to traditional education and defense to New School System; the suggestions to face of educational troubles that existed in his professional teacher life, giving indications of how this situation has reached such a point.

KEYWORDS: Literature. City’s history and education. Memory.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende estudar a obra memorialista do professor Nelson Salasar Marques (1930 – 2005) e, por ela, resgatar aspectos da educação e do cotidiano da vida urbana santista. Estudo histórico-literário da cidade de Santos por uma obra literária santista.

A obra estudada não é linear, nem cronológica, que prende a atenção do leitor por sua subjetividade. Este estudo tem relevância social por tentar revelar a presença de um professor que, por um lado, utilizou a literatura memorialista para mostrar a vida cotidiana do passado recente santista; por outro, seus escritos sobre a educação englobam propostas e discussões sobre as funções dos professores e alunos e a crise educacional.

Neste Artigo destacam-se a história e a educação em Santos por meio das memórias do professor referido. As lembranças da cidade e os desafios da educação são duas constantes em Imagens de um Mundo Submerso, em seus quatro volumes.

 

O HOMEM (07/07/1930 – 02/02/2005)

Nelson Salasar Marques nasceu em 1930 e morreu em 2 de fevereiro de 2005,em Balneário Camburiú, Santa Catarina; todavia, foi enterrado em Santos, onde viveu sempre. Contista, romancista, dramaturgo, tradutor e crítico literário, também fez reflexões sobre a educação brasileira. Como professor engajado na luta pela melhora na educação, dizia que esta era um fator preponderante para a melhora de vida das pessoas, e até mesmo para o crescimento de um país. Ele próprio superara suas dificuldades pela educação escolar. Filho de imigrantes portugueses, com uma vida humilde, deficiente físico, por meio da educação cresceu socialmente e culturalmente, formou-se professor, ganhou bolsas de estudo para o exterior, pôde conhecer outras culturas e educar seus filhos de uma maneira cuidadosa.

Na infância, Salasar residiu no Bairro Chinês, hoje, parte do Bairro do Valongo, sobre o qual relembra e escreve os fatos e situações. Bairro essencialmente português, apesar do nome, onde residiam trabalhadores da ferrovia. Morou ali até 1937, quando ele tinha sete anos. Seus relatos começam com suas memórias desde os três anos de idade. Falava dos costumes da época. Seu pai tinha uma imensa preocupação com a sobrevivência de Salasar, na fase adulta, em virtude de possuir um problema físico, consequência de paralisia infantil – Poliomielite – aos três anos de idade.

Apaixonado pela cidade, Salasar escreveu sobre a população e o crescimento dos seus bairros, contribuindo, dessa forma, para o conhecimento sobre a história de Santos. Escreveu muito sobre o Bairro Chinês, do início do século XX, hoje Bairro do Valongo, onde moravam portugueses e onde ele e sua família viveram. Mais tarde, com a vinda de nordestinos, esses portugueses mudaram-se dali. A maioria foi para o Bairro do Macuco. Este bairro, naquela época, englobava também o que são hoje os Bairros do Embaré e da Ponta da Praia.

A respeito da fase adulta, refere-se aos professores da época, de como as aulas continuavam fora da faculdade, inclusive enquanto esperavam o bonde para voltar para casa.

Durante a infância, passou por seis cirurgias corretivas, por causa do defeito na perna, causado pela poliomielite. Usou um aparelho ortopédico, feito de ferro fundido, muito pesado. Devido às limitações físicas, iniciou os estudos escolares aos 9 anos de idade, um pouco mais tarde que os outros garotos; no entanto, aprendeu a ler em casa com os pais e os três irmãos.

Salasar ingressou no Grupo Escolar Cidade de Santos. Foi premiado em um concurso de contos, por duas vezes, consecutivas. Com isso, não parou mais de escrever; escrevia sobre vários assuntos. Para tanto, a leitura foi também sua companheira constante, a partir da qual conheceu um mundo do qual as outras crianças de sua idade não compartilhavam. Fez o antigo ginásio no Colégio Canadá, mas o Grupo Escolar Cidade de Santos foi a sua paixão. Salasar ainda aprendeu línguas como o inglês e o francês. Foi um dos professores fundadores do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos (CCBEU), em Santos, onde trabalhou por 40 anos. Efetivou-se no setor público, também como professor, além de ter trabalhado em outras importantes escolas particulares santistas. Foi professor de francês da Petrobrás e bolsista na Alliance Française, de Paris, com aulas de linguísticas na Sorbonne. Foi graduado por universidades europeias: a Cambridge University e a Université de Nancy. Aprendeu francês fluentemente.  Leu Voltaire no original.

Aprendeu inglês falando com os marinheiros que circulavam pela cidade no Largo Monte Alegre, defronte da igreja do Valongo e no requintado Cabaret Chave de Ouro, onde buscava diálogo com marinheiros e comandantes de navios ingleses e americanos. Ali, punha seu inglês em dia, se equipava das gírias e expressões que corriam o mundo.

Foi um dos fundadores da Editora do Escritor, cujo dono é o escritor e crítico Benedicto Luz e Silva. Foi diretor da Revista da Academia Santista de Letras, onde também publicou alguns de seus textos. Escreveu durante 50 anos para o jornal A Tribuna, primeiro esporadicamente, depois quinzenalmente.

 

O  ESCRITOR

No lançamento da Revista da Academia Santista de Letras n° 4, em 06 de abril de2006, aDiretoria prestou-lhe uma homenagem, uma vez que a publicação estava no prelo, quando o professor Salasar faleceu. Em seu discurso, o acadêmico Amílcar Ferrão aludiu o diretor e organizador da revista, como um homem cuidadoso e competente. Para ele, Salasar possuía uma capacidade incomum de interpretar os fatos, identificando prontamente neles os aspectos mais importantes, os traços fundamentais. Em suas teses, fixava-se sempre no essencial, nos pontos principais dos fenômenos, fossem eles culturais, literários, políticos, sociais, econômicos, históricos, linguísticos, educacionais.

Amílcar Ferrão Pinto define Salasar como aquele que ousou ser ele mesmo, uma rara personalidade que, com a força imensurável de seu espírito, conquistou seu próprio destino. Realça que foi exclusivamente com os frutos de sua atividade de professor dedicado e intelectual íntegro que se manteve, proveu as necessidades do lar e constituiu família digníssima. Considera-o como aquele que produziu a mais bela criação literária sobre a história santista do século XX, Imagens de um Mundo Submerso, que conta a evolução de Santos nas últimas seis décadas. A partir de fatos históricos marcantes, o livro analisa as tendências éticas, morais, sociais, políticas, linguísticas e comportamentais da cidade.

 

A OBRA: IMAGENS DE UM MUNDO SUBMERSO

Esta obra é dividida em quatro volumes. Iniciou-se em forma de crônicas no jornal “A Tribuna”, pela necessidade do autor de externar as lembranças de sua vida na cidade de Santos. Dessa forma, ao contar suas lembranças, acaba por contar a história da sociedade santista, com detalhes da vida cotidiana que não se encontra nos livros de história. Escreve conforme o encadeamento de suas recordações.

Segundo Benedicto Luz e Silva (1995 apud SALAZAR 1995), o primeiro volume resgata uma herança coletiva, imprimindo-lhe um sentido e uma finalidade ao que, de outra maneira, estaria condenada ao esquecimento. Percebe-se no escritor a intenção de realizar um painel da evolução da cidade de Santos em seus aspectos sociais, econômicos, culturais, linguísticos, políticos, por isso, as constantes referências a comidas, festas, cerimônias, enterros, hábitos, tendências linguísticas e expressões idiomáticas de épocas passadas, assim como o comportamento sexual, a religião e a gastronomia dos portugueses, por exemplo.

 

MEMÓRIA E HISTÓRIA

Ao escrever suas memórias da cidade de Santos, afloram lembranças com significados outros daqueles anteriormente vivenciados.  Exteriorizava as sensações que lhes causavam suas recordações; logo, escrevia apenas sobre suas experiências.

Tornada uma experiência subjetiva e individualizada, a lembrança dos fatos sociais inscritas como uma biografia é sempre fortemente carregada de sensibilidades, imbuída de afetos vividos.

Para o conhecimento da veracidade do autor, a crítica historiográfica orienta o uso da obra pela história e pela literatura, pois há uma relação entre essas duas vertentes: o historiador e o poeta; entretanto, tal obra literária documenta o passado histórico de Santos.

Peter Burke (1996) refere-se a esse tipo de história como “nova história”, escrita como uma reação deliberada contra o “paradigma” tradicional, no qual a história é essencialmente ligada à política e interessa-se por toda a atividade humana. A história tradicional, para Burke, oferece uma visão de cima; hoje, no entanto, vários historiadores preocupam-se com a “história vista de baixo”, com as opiniões das pessoas comuns e com sua experiência da mudança social; todavia, sabe-se que o novo paradigma também tem seus problemas: problemas de definição, problemas de fontes, problemas de método, problemas de explicação.

Para Mori (1998) cada memória individual é um ponto de vista da memória coletiva, variando de acordo com o lugar social ocupado; esse lugar, por sua vez, transforma-se, em função das relações estabelecidas com outros meios sociais.

 

DESVENDANDO O TERRITÓRIO DA CIDADE

Em um dia qualquer de agosto de 1989, ao caminhar próximo à rodoviária de Santos, Salasar deparou-se com o antigo Bairro Chinês. Emocionado, decidiu escrever sobre o lugar. O redator-chefe do jornal A Tribuna, Carlos Klein, apreciou os textos e passou a publicá-los com o título de Imagens de Um Mundo Submerso; durante seis anos ininterruptos, a história de Santos foi descrita nas páginas do jornal A Tribuna. (MARQUES, 1995)

Em seu texto descreve a expansão do território santista, graças à política sanitária implementada pelo governo estadual; a expansão rumo à praia, com a modernização do porto para atender à economia cafeeira e à criação de canais de drenagem e de redes de esgoto; o incremento da circulação urbana, nos primeiros anos do século XX, e, especialmente, da abertura das Avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias. Ressalta o loteamento das extensas glebas nessa área, onde se formaram chácaras de veraneio com mansões que ostentavam o luxo e a riqueza, oriundos do café e do tráfego portuário. Apresenta os dados sobre o povoamento do município, até meados dos anos 30 do século XX, dos morros até as praias, com 60% de sua área urbanizada.

Segundo Gonçalves (1995), os espaços foram divididos ao arbítrio dos dominantes lenta e silenciosamente. Cada pedaço de solo em Santos teve redefinidas suas funções: o lazer nas praias, o comércio no centro, o transporte do café ao longo do estuário, as fábricas na direção da serra, estas no final da primeira metade do século XX. Salasar discorre fala sobre o antigo Bairro Chinês, hoje parte do Bairro do Valongo, no Centro Velho. No século XVII, segundo a historiadora Andrade (1989), o Valongo era habitado por pessoas abastadas, daí a escolha do local para a construção do convento franciscano. O autor, referido neste artigo, nunca soube o porquê daquele nome asiático; relembra, no entanto, que, na sua infância, morar no Bairro Chinês significava condição social mais elevada. Isso ocorria, porque, naquela época, os bairros eram muito centrados em si.

O nome era Chinês, mas a realidade era lusitana. Lá moravam os portugueses; com seus tamancos de madeira, suspensórios enormes e mulheres massudas. Durante a semana, depois do jantar, traziam para o passeio das ruas as cadeiras de casa. Assim, os homens lembravam de Portugal e as mulheres falavam de santos e igrejas e de graças alcançadas ou rezavam o terço e entoavam ladainhas chorosas.

Nas décadas de 1930 e 1940, de acordo com Salasar, as principais ruas santistas eram as ruas Visconde de Embaré e São Leopoldo, escoadouro único do Caminho do Mar, que descia de São Paulo e onde se concentravam os armazéns de café da cidade.

A Rua Visconde do Embaré era a grande passarela de Santos, por onde passavam os carros da moda, o King-Kong (ônibus da CGT com cara de besouro, que parecia ter dois andares, de uma cor de café com leite muito viva). Às sete horas da manhã, começavam a passar por essas vias as carretas de café que pareciam tanques de guerra, as rodas de ferro recobertas com camadas de borracha pulverizada, ficando o ferro cru em contato com o calçamento de pedra, e ninguém dormia mais.

A Rua Caiubi, no Bairro Chinês, era o centro nervoso daquele universo do café. Ali estavam os grandes armazéns de arquitetura inglesa, erguidos sobre tijolos vermelhos sem reboco e os portões trançados de ferro, através do qual se viam montanhas de sacos simetricamente arranjados, formando corredores fantasmagóricos.

Aos poucos, os brasileiros foram para o bairro Chinês. Vinham dos morros, de São Vicente, dos bananais e dos mangues de Cubatão; Assim sendo, os portugueses começaram a sair dali e rumaram para o Macuco, bairro essencialmente de trabalhadores do cais, como relatam Lanna (1996) e Brasil (2008).

A historiadora Andrade (1989) relata que os grupos mais abastados seguiam a velha tradição paulista de residir em chácaras (afastadas da cidade suja, poluída, da grande população e das doenças), até 1910. Mas, com a expansão urbana, foram morar em residências construídas na Vila Nova, e os mais pobres ocuparam bairros da Vila Mathias e Macuco.  Fundamental para esta expansão urbana foi a iniciativa oficial que permitiu a ocupação urbana dessa parte da ilha.

De acordo com Pestana (1990), citando José Ribeiro de Araújo, à medida que a população urbana crescia devido à ampliação do movimento portuário e comercial, novas áreas de residências foram se criando no entremeio das Vilas Matias (1880-1910) e Macuco (1890) e as zonas praianas; Vila Belmiro (1910-1915); Campo Grande (1915-1925); Vila Santista (1915-1925); Marapé (1930-1940); Ponta da Praia (1930-1950); Jabaquara (1920-1950). Os moradores mais velhos desta terra contam que, nas décadas de 30 e 40, pelo menos 30% da população santista moravam no Macuco. Não é difícil de acreditar que o tradicional bairro já foi um dos maiores da cidade. Estendia-se desde o Entreposto de Pesca, na Ponta da Praia, abrangendo áreas nas Avenidas Afonso Pena e Pedro Lessa, até o mercado Municipal. Com o desenvolvimento do município, perdeu áreas para outros bairros como Encruzilhada e Estuário.

O Macuco, com a aprovação do Plano Diretor de 1968, cedia áreas para os bairros do Estuário, da Ponta da Praia, Aparecida, do Embaré e Boqueirão, como relata Brasil (2008). A história do Macuco está ligada à tradicional família Macuco, possuidora de quase todas as terras que formaram o bairro. A antiga chácara da família começava na atual Rua Brás Cubas e seguia até a Rodrigues Alves. Este bairro iniciou-se entre a Rua Dona Luísa Macuco, a Avenida Conselheiro Nébias e o Estuário de Santos. Por morte do tenente Apolinário da Silva, marido de Dona Luísa Macuco, a chácara foi dividida mesmo antes da morte da viúva, dona de todas as terras da região, passando para mãos de terceiros; só ficou a parte de Dona Luísa, que era a mais próxima da cidade. Ela era filha de Francisco Manuel do Sacramento e de Manuela Urcesina da Silva (que detinham muitas terras na região).

O nome Macuco surgiu graças a um de seus mais ilustres habitantes, Francisco Manoel Sacramento, o qual gostava de caçar um pássaro preto de mesmo nome. O nome da ave incorporou-se ao nome de Francisco Manoel e batizou também a Vila Macuco. No Macuco, em 1937, os espaços eram cobertos pela areia. Pedro Lessa, Senador Dantas, Castro Alves, Benjamim Constant, Álvaro Alvim e todas as demais ruas até juntarem-se com a Avenida Afonso Pena. A areia cobria até os próprios trilhos do bonde. O areal imenso morria ao bater no muro de residências, que seguia a linha da praia até a altura da igreja do Embaré. Mas era uma muralha desfalcada de muitas casas, com grandes espaços que permitia ver o mar a uns dois quilômetros de distância.

Nesse deserto escaldante, surgiam de repente enormes manchas verdes que cobriam áreas imensas: eram as chácaras dos japoneses. Essas chácaras começavam na Avenida Conselheiro Nébias, atravessavam o Macuco e avançavam pelos canais 5 ao 7.

O Macuco da década de 30 foi absorvendo partes da cidade e tirando o poder daquelas famílias que detinham ruas inteiras de casas no centro que, do dia para a noite, foram perdendo o seu valor e se transformandoem cortiços. Asaída do português deteriorou o centro da cidade, que foi invadido por migrantes de diferentes estados brasileiros, sobretudo do Nordeste.

A lenta e gradual descaracterização do Macuco, para Salasar, veio com a saída dos japoneses, a eliminação de suas chácaras por causa da Segunda Guerra Mundial e o aparecimento das grandes várzeas, que foram se transformando em campos de futebol, mais de centenas deles. O surgimento do Grupo Escolar Cidade de Santos, construído pela Companhia Docas de Santos e cedido à Prefeitura, ali por volta de 1939 e 40, foi outra importante etapa nesta metamorfose. “O Grupo Escolar Cidade de Santos civilizou o Macuco” (MARQUES, 1995, p.27).

Depois veio o cine Santo Antônio e qual universalizou o Macuco aos demais bairros de Santos, tirando-o daquele isolamento dentro do qual crescera. Mais tarde, veio a Rua Castro Alves e suas mansões. Foi a primeira rua realmente elegante de Santos, cuja atmosfera exalava requinte e luxo. Esta trouxe a Rua São José e elitizou a área.

A palavra Macuco começou a incomodar, assim sendo,  essa área “elitizada” transformou-seem Embaré. O Macucocomeçou a encolher. Primeiro foi contido pela Avenida Pedro Lessa e depois, foi amarrado pelo grande corte transversal da Avenida Afonso Pena. Hoje, o Macuco está reduzido.

Segundo Salasar, ao contrário das cidades do interior, adormecidas no silêncio das grandes e vastas solidões, a imagem que a Santos das décadas de 1930 e 1940 passa é a de ebulição permanente. Apitos dos trens da Inglesa e dos grandes navios que entravam e saíam juntavam-se aos ruídos dilaceradores de tímpanos das rodas de ferro dos grandes carretões de café da Companhia União de Transportes; havia aquele intérmino barulho das ondas quebrando-se na areia.

 

OS COSTUMES

O Natal no Bairro Chinês era muito agitado. No final do ano, os portugueses ficavam frenéticos; durante dias a fio, carregavam garrafões de vinho e sacos de castanhas. Polvo, sardinhas, rojões de porco, bacalhau, leitões, cabritos, frangos, pernas de porco, perus, passas, figos, caixas de uva, maçãs, cerejas. Tudo o que se possa imaginar era estocado naquelas casas portuguesas, onde comer era uma religião.

Aqueles portugueses do Bairro Chinês punham em prática o mais perfeito tipo de comunismo de que se tem a notícia na história. O ideal utópico do pensador francês Gabriel Marcel era posto em prática por aqueles lusitanos: eram as residências coletivas; duas, três e, às vezes, até quatro famílias partilhavam da mesma casa com um espírito de harmonia total. Na casa de Salasar, eram três famílias. A cozinha era uma só e as atividades culinárias desenvolviam-se em horários rigidamente programados. Havia um só banheiro. Aquela amizade cimentada na convivência difícil do cotidiano foi amizade para o resto da vida: trinta, quarenta anos depois ainda se visitavam.

Muito da Idade Média se fazia presente na década de 1940, um exemplo disso eram as viúvas negras, mulheres novas e velhas que arrastavam pelo chão da cidade com aqueles enormes vestidos pretos, mostrando sua viuvez. Consumiam-se entre o trabalho duro e as lembranças do falecido. Marido morto era marido adorado, virava santo.

Fatalidade nem tragédia alguma abatiam a mulher portuguesa, porque ela havia sido criada na convivência diária da aceitação de sua sina. No dia seguinte à morte do marido, daquela mulher passiva e obediente, nascia uma guerreira. O tanque de lavar roupas era o seu campo de batalha e o seu altar de onde sairia o sustento dos filhos órfãos. Quem caminhasse pelas ruas do Macuco, nos fins de tarde, iria encontrá-las afundando os tamancos na areia fofa, vergada sob o pesado fardo da trouxa de roupa lavada que elas levavam às casas das patroas.

Santos era cidade “conversadeira”. Falar era necessidade premente. Conversava-se nos bondes, nos seus pontos de parada, ao redor das bancas de jornal. Depois das cinco da tarde iam todos para as calçadas em frente de suas casas e as conversas se esticavam. Mas as conversas eram limitadas, todas corriam para um mesmo ponto: a exaltação de Portugal e a consequente depreciação do Brasil. O Fado parecia ser a maior música que o mundo já havia visto. Perto de Portugal, o Brasil nem existia; porém, um acontecimento deu fim a muitos desses costumes: as novelas radiofônicas. Elas acabaram com as conversas nas calçadas e impuseram um padrão novo de comportamento. A mudança de hábito foi completa. Ao terminar a Hora do Brasil, todos se achegavam ao rádio em semicírculos ou se amontoavam pelo chão, as luzes eram apagadas e, por fora, as casas pareciam túmulos, as bocas se fechavam e os olhos se arregalavam. “A novela radiofônica impôs a todos a tirania do silêncio” (MARQUES, 1995, p.118).

Lanna (1996) conta que a presença da Igreja e a de uma vida religiosa marcaram, decisivamente, como em todas as cidades brasileiras do período colonial, a paisagem de Santos. O ambiente de Santos era encharcado de religiosidade a um grau inimaginável para uma pessoa de nossos dias. A figura do padre dominou até a década de 1940. Palavra de padre era palavra final. Ter filho padre era troféu valioso que se mostrava com orgulho: era a época das batinas. Missa tinha de ser matinal, em latim, com cantos gregorianos e coral afinado. As rezas tinham um grande apelo, eram a continuação das missas e eram sempre noturnas.

Mas as realidades do Embaré e do Macuco eram diferentes. A falta de um grande pregador sacro em suas igrejas, como havia no Valongo, minimizava as missas a uma simples sensação de dever cumprido. Mas, naquela vastidão territorial avultava um fenômeno singular: as procissões com cantos que lembravam os fados com aquela tristeza dos mouros vagando pela Península Ibérica.

 

O EDUCADOR

Como educador, Nelson Salasar Marques, tinha uma visão muito crítica a respeito da escola, da má formação de professores e, consequentemente, do que se tornaram os alunos. Em Novos Rumos da Educação Brasileira (1987), Salasar confronta o pensamento da Escola Tradicional e o da Nova Escola no Brasil, da qual era seguidor. Para ele, a Escola Tradicional foi uma escola deformadora.

Os professores tradicionalistas, para ele, continuam agindo como há muito tempo, ao invés de fazerem com que os alunos busquem as respostas por si só, dão a eles as respostas prontas, usando o mesmo material que se usava antigamente: lousa, giz e sua oratória; sendo que essas respostas prontas devem ser decoradas e devolvidas nas provas para a sua aprovação ou desaprovação. O aluno desmotivado recebe passiva e desinteressadamente grande massa de informações já prontas e muito acima de seu poder de absorção, deglute-as, sem digeri-las, e depois expõe tudo nas folhas das provas e dos exames, e sua nota será boa quanto mais suas respostas se aproximarem das fornecidas pelo professor, ou seja, sem a reflexão do aluno. (MARQUES, 1987).

Para Salasar, o golpe mortal foi dado com a criação da Universidade de São Paulo (1934), pelo que ela trouxe de fortalecimento do modelo francês e de escravização dos professores a um “teoricismo sufocante e estéril” que culminou com os modelos e teorias ensinadas até hoje nos cursos de Letras, teorias muito absurdas para um meio que, como ele diz, vai consolidar sua formação filosófica, ética e moral nas novelas da Rede Globo, sem a tradição de grandes leituras. Já a Escola Nova baseia-se em princípios bem simples e tão velhos quanto o Empirismo de Locke e o Pragmatismo de William James, lembra Salasar, e a sua filosofia é a de que se aprende a fazer, fazendo, e não apenas ouvindo; com iniciativa, originalidade e cooperação; educação como processo; aluno como centro; uso abundante de material didático, concreto.

Na Escola Tradicional, o aluno é parte passiva na elaboração da aula, percebe que está sendo inundado por toneladas de informações de segunda-mão, se desmotiva e cai, então, ou na bagunça ou numa postura de passividade extrema, únicas formas de protesto de que esses alunos dispõem numa sala de aula, reflete Salasar.

 

A EDUCAÇÃO EM SANTOS

Salasar fala de um fenômeno extraordinário para a Educação na década de 30: o surgimento das Histórias em Quadrinhos. Oaparecimento do Gibi Mensal. Nessas revistas em quadrinhos nasceu a maior revolução em termos de comunicação. A televisão, o computador, nada se compara em termos de convulsão e arrebatamento às aventuras em quadrinhos. As histórias em quadrinhos causaram um deslumbramento só comparável ao surgimento do rádio; entretanto o rádio era puro entretenimento auditivo. Romantizava o cotidiano banal das pessoas. Já o Gibi Mensal mexia com a cabeça da garotada, esticava ao máximo a sua capacidade de leitura. Aprender a ler passou a ser a maior ambição dos garotos do fim da década de 1930. Este gênero entrou na educação e passou a competir com a escola. Este venceu a escola e foi um fenômeno do qual os educadores não se deram conta. Os pais se inquietaram a princípio com esse novo fato, como recorda Salasar, porque não viam com bons olhos aquela leitura estranha que absorvia os filhos, então, muitas crianças passaram a lê-los às escondidas.

Até o início da década de 1940, já muitos pais haviam se rendido ao fascínio da leitura das revistasem quadrinhos. Poucosgarotos sabiam ler e essa carência tinha a sua explicação: as escolas públicas primárias eram raras em Santos até o final da década de 30. Havia os Grupos Cesário Bastos, o Lourdes Ortiz e o Barnabé.

O Gibi complementava os textos escolares em posição de vantagem, porque estes eram extremamente aborrecidos e vinham ancorados na filosofia do Estado Novo de Getúlio Vargas. Eram textos excessivamente retóricos e moralistas, dirigidos para modelar a cabeça do estudante, como recorda Salasar.

Quando, na década de1950, atelevisão surgiu, para Salasar, desintegrou em alguns anos todo um sistema ético-moral consolidado ao longo dos séculos. E nessa esteira de ebulição e reavaliação de valores cristalizados, surge a Faculdade de Filosofia, da atual UniSantos, com os seus cursos superiores que deram a Santos uma nova dimensão no campo da cultura. Lembra Salasar que até aquela década, os professores tinham outra linhagem. Eles se vestiam impecavelmente. As faculdades de Letras ainda não existiam, pelo menos aqui em Santos, de modo que eles ainda preservavam um alto grau de originalidade. Não haviam sido entupidos de fórmulas inúteis e esterilizadoras;  ensinar era processo totalizante. Podiam se espraiar sobre assuntos variados, porque tinham boa cultura. Abordavam escritores e filósofos antes de sua aula.

Nada mais gratificante para um professor do que se postar vis a vis a um auditório receptivo e interessado em suas palavras. Isto acende no professor todas aquelas potencialidades adormecidas e o desperta para o domínio de uma expressão oral mais aguçada. É nesse momento que o professor se transforma no grande ator, porque ele libera inconscientemente para o aluno parte do seu “eu” recôndito até ali cuidadosamente oculto. “E este exercício lúdico que faz do desempenho da profissão do magistério uma obra de arte. Ser professor é coisa de Deus”. (MARQUES, 1995, p.100).

Depois das aulas iam para o Bar Coimbra, ao lado da faculdade, muitos professores acompanhavam e muitas aulas continuavam naquelas mesinhas, regadas por um chope. Estudante de Direito tinha cultura, conversar ainda era um prazer e debater era uma necessidade premente.

No volume IV de Imagens de Um Mundo Submerso, Salasar faz um desabafo sobre a educação atual: diz que é triste ver a que ponto chegou a escola brasileira, principalmente a escola pública paulista onde educadores sem vivência alguma no campo da educação, educadores de gabinete, homens da USP, da UNICAMP, doutores que enfiam goela abaixo as teorias de muitos saxônicos, escandinavos e franceses de olhos azuis e cabelos loiros, homens que através de suas teorias impraticáveis e estrutura curricular inadequadas aplicadas nas escolas brasileiras, criaram uma escola aborrecida e estéril, condizente à falta de motivação e daí para a escola baderneira foi um passo.

O que funcionava lá naqueles países gelados, nunca funcionou aqui e o estrago que tais concepções deslocadas no tempo e no espaço ocasionaram foi devastador, reflete Salasar, mas embriagava as cabeças vazias daqueles educadores intoxicados pela conceituação pomposa cheia de teorias. Incapazes de proceder uma análise crítica do meio em que vivem, de mergulhar na raiz dos problemas, desvestidos daquele mínimo espírito nacionalista que deve funcionar de bússola à procura das soluções adequadas a essa realidade, partem então para as leituras pomposas em busca de fórmulas e com elas enchem livros e mais livros de asneiras, desabafa nosso autor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer melhor a vida deste professor e escritor santista foi o objetivo deste trabalho. Reconhecê-lo pelo educador que foi, preocupado com a evolução cultural da sociedade, com o aprendizado escolar e engajado na luta para a melhoria educacional e, sobretudo, para criação de verdadeiros cidadãos.

Outro objetivo colocado foi estudar a questão educacional da cidade, sob o olhar de Nelson Salasar Marques, que como professor, tinha uma visão crítica sobre os problemas educacionais. Muitos de seus pensamentos merecem ser questionados, como por exemplo, quando ele fala dos modelos educacionais europeus cultivados em nosso país, sem que se pense se isso servirá para a nossa realidade. Apesar de tudo, Salasar coloca a educação como mola propulsora para a mudança de vida, pois isso aconteceu com ele próprio.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AS RELAÇÕES HUMANAS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

AS RELAÇÕES HUMANAS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

O INDIVÍDUO, O GRUPO E A ORGANIZAÇÃO

THE HUMAN RELATIONS IN EDUCATION INSTITUTIONS

THE INDIVIDUAL, THE GROUP AND THE ORGANIZATION

Danilo Nunes

Me. em comportamento organizacional. Unimonte 2000.
Diretor da UNIBR.
danilo@unibr.edu.br

 

RESUMO

A verdadeira integração organizacional existe na relação direta do homem e da empresa. De que adiantam regras, manuais, rotinas, procedimentos, se não existir a motivação em fazê-los e cumpri-los? O homem deve ser visto como o principal investimento de uma organização. Percebe-se a necessidade de repensarmos alguns paradigmas que norteiam as bases administrativas nos últimos anos. A postura atual requer aptidão e vontade para as mudanças, quer sejam nas formas de visão, ação ou pensamento. O resgate da valorização do ser humano sobre a tecnologia só será possível com profundas mudanças na cultura organizacional. Mas mudanças geram resistências, que deverão ser administradas em consonância aos diversos estilos de cada gestor e de cada subordinado. Para o desenvolvimento integral do ser humano, é necessário fazê-lo caminhar junto, ou seja, não se devem impor regras e sim fazê-lo participar da elaboração delas, criando um vínculo de compromisso, de descentralização, do ponto de vista ou do poder. É necessário dar-lhe responsabilidades para que possa fortalecer o desenvolvimento da autonomia. A proposta deste artigo, em meio a tantas formas que buscam a integração do homem e da organização, ou seja, as diversas linhas que norteiam o estudo do comportamento organizacional, é trabalhar a questão das relações interpessoais e o processos de comunicação neles contidos, tendo como base a convivência oportunizada, possibilitando o conhecimento, o aperfeiçoamento e a dinamização do relacionamento com a própria pessoa e com as outras com as quais interage. É preciso cada um conhecer a si mesmo para, então, estabelecer uma relação interpessoal.

PALAVRAS-CHAVE: Comportamento, Comunicação e Gestão Educacional

 

ABSTRACT

The real organizational integration exists in direct relationship of man and  company. What about good rules, manuals, routines, procedures, if there is no motivation on doing them and fulfilling them? Man must be seen as the main investment of an organization. One can notice the need to rethink some paradigms that guide the administrative bases in recent years. Nowadays stance requires skill and will for change, whether in  forms of vision, action or thought. The rescue of valuing human life on the technology will only be possible with profound changes in organizational culture. But changes generate resistance, which should be administered in accordance to the different styles of each manager and each subordinate. For the full development of human beings, it is necessary  to walk along, so, one should not impose rules but participate in the elaboration of them, creating a bond of commitment, decentralization from the point of view or “power”. It is necessary to give them responsibilities so one can strengthen the development of autonomy. The purpose of this article, among many ways of seeking the integration of man and organization, so, the several lines that guide the study of organizational behavior, it is working the question of interpersonal relations and communication processes they contain, and based on the coexistence nurtured, enabling knowledge, improvement and streamlining the relationship with oneself and with others with which it interacts. We must know ourselves and then establish an interpersonal relationship.

KEYWORDS: Behavior. Communication and Educational Management

 

INTRODUÇÃO

Várias mudanças estão provocando reflexões e atitudes mais firmes a respeito do meio ambiente e do âmbito interno das organizações empresariais em escala mundial. As mudanças permitem a renovação dos modelos de gestão em face à necessidade de sua sobrevivência no ambiente atuante. Eventos recentes no contexto do setor educacional evidenciam a abrangência de tais mudanças, com mais intensidade, nas instituições de ensino superior brasileiras.

São observáveis nos diferentes documentos emitidos pelo Ministério da Educação, quando das avaliações dos Exames Nacionais (ENADE), tais contestações. Segundo Tachizawa e Andrade (2001, p.15), “as instituições de ensino estão entrando em uma nova fase evolutiva, induzidas pelo meio ambiente em que estão inseridas.” Este pensamento exige uma postura diferente do gestor, executivo e técnico da educação, voltada à administração profissional de suas instituições de ensino superior. Cabe-lhes uma visão sistêmica da organização, visando a se constituírem em unidades de negócios ou centro de resultados. Não devemos associar tal visão somente às instituições particulares que hoje detêm cerca de 80% dos alunos matriculados no ensino superior do Brasil.

É imprescindível a reestruturação também das instituições públicas, pois a administração do dinheiro público, responsável pelos altos orçamentos dessas instituições, tem de ser mais efetiva, mais transparente, para que haja um valor maior de credibilidade em suas gestões, pela contrapartida do valor agregado ao seu ensino, este já existente. Para isso, a formação desses gestores requer algumas competências essenciais para bem desempenhar suas funções. Dentre essas, destacamos as relações interpessoais, pontualmente, a habilidade na comunicação.

 

CONCEITOS

Comportamento organizacional: segundo Davis & Newstrom (1998) é o estudo e a aplicação do conhecimento sobre como as pessoas agem dentro da organização. É uma ferramenta humana para o benefício do próprio homem. É aplicado amplamente ao comportamento das pessoas em todos os tipos de organização, tais como negócios, governo, escolas e organizações de serviços. Assim sendo, o comportamento organizacional tem como elementos-chave as pessoas, a estrutura, a tecnologia e o ambiente, no qual a organização opera.

Comportamento humano: segundo Kanaane (1999), é um conjunto de operações materiais e simbólicas, ou seja, um processo dialético e significativo em permanente interação. O aspecto dialético do comportamento possibilita-nos compreendê-lo como um sistema de múltiplas interações. Logo, comportamento pode ser definido como as reações dos indivíduos e as respostas que estes apresentam a dado estímulo, sendo determinadas pelo conjunto de características ambientais, hereditárias e genéticas, com absorção das pressões exercidas pelo meio ambiente.

Atitude: segundo Kanaane (1999), é uma reação avaliativa, apreendida e consolidada no decorrer da experiência de vida do indivíduo, que tem como componentes básicos, presentes em sua formação, o afetivo-emocional (sentimentos); o cognitivo (crenças); o comportamental (ações) e o volitivo (motivações); portanto, de forma geral, comportamento é a reação e a atitude é a tendência à reação.

 

PRINCIPAIS FATORES DETERMINANTES PARA O COMPORTAMENTO HUMANO

Para definir os principais fatores determinantes do comportamento humano, precisamos analisar a evolução dos perfis gerenciais, suas influências, implicações e impactos causados.

Sabemos que alguns acontecimentos marcaram a história da independência e o início da era republicana em nosso país. Nessa época, predominavam a racionalidade funcional, calcada, principalmente, sob uma forte estrutura burocrática, e a política de metas quantitativas estabelecidas e medidas sob o controle rigoroso dos índices de produção. Dentre outros fatores, que refletiam o estilo gerencial, esses dois propiciam uma boa margem de comparação com os dias atuais, devido à discrepância operacional existente, pois:

a) ao contrário da racionalidade informal, experimentamos um processo no qual impera o racionalismo comunicativo e interativo, estruturado por verdadeiras redes de disseminação da informação e, por que não, do conhecimento;

b) ao contrário dos números quantitativos de produção, vivenciamos uma nova era de controle, na qual predominam os índices qualitativos, ou seja, não basta ser eficaz, é tão ou mais importante ser também eficiente.

Este breve e sintetizado relato de alguns momentos de nossa história, remete-nos à questão: que fatores ou características precisam ter os homens para acompanhar esse processo de evolução, uma vez que o ser humano é a verdadeira fonte de uma vantagem competitiva?

Dentre vários, alguns merecem ser destacados, tais como:

a) bom relacionamento;

b) espírito empreendedor;

c) capacidade de aprender e, caso necessário, aprender a aprender;

d) fazer com que as coisas aconteçam (liderança);

e) gestão participativa.

Esta última, ou seja, a gestão participativa merece destaque especial por ser considerada como um importantíssimo fator condicionante ao comportamento humano. O administrador, ao assumir essa característica, atua como facilitador e, consequentemente, a motivação das pessoas é maior, pois se sentem parte integrante do processo.

O ambiente empresarial é um espaço importante para o envolvimento das pessoas. Os sentimentos de realização pessoal decorrem do aproveitamento da contribuição individual em benefício do grupo ou da organização. As vantagens não são só materiais como melhoria de salário ou promoções, entretanto preenchem as necessidades do próprio reconhecimento, que é a essência da psicologia humana.

 

ATITUDES E COMPORTAMENTOS NO AMBIENTE DE TRABALHO

Muitas vezes, deparamo-nos com posições antagônicas do comportamento humano, ou seja, as pessoas sentem-se ou veem-se de uma forma e a impressão emitida ou defendida é exatamente outra. Isso é refletido, fundamentalmente, no âmbito organizacional, pois o “faz de conta” do posicionamento humano “mascara”, sobremaneira, uma situação de eficácia organizacional inexistente.

Temos, de um lado, alguns sistemas gerenciais, cuja postura extremamente mecanicista é fundamentada em procedimentos, nos quais supremacia é sinônimo de técnica e, de outro, pessoas que tentam se isolar do seu “eu”, ignorando, assim, a base de sustentação, que são seus sentimentos.

É impossível deixar de considerar estas posições, pois todo o processo decisório tem nele contido estratégias elaboradas, estudadas e até fundamentadas em situações emanadas do feeling do gerenciador, cujo incremento primordial da tomada de ação é a emoção.

Em termos de administração, acreditamos que a existência de um problema já ocorrido com o mesmo grupo e com as mesmas descrições não requer, necessariamente, a mesma decisão. Isso se explica exatamente sob o ponto de vista do comportamento humano, pois apesar de se apresentarem aparentemente idênticos, os motivos e as razões, que os levaram a acontecer, podem ter sido totalmente diferentes.

Protagonizam-se, dessa forma, situações nas quais é nítida a percepção do poder que o ser humano tem de transformar e agir sobre o ambiente por meio de suas ações, cuja ferramenta principal é a linguagem. As atitudes dos indivíduos são resultados de valores, crenças, sentimentos, pensamentos, cognições e tendências à reação, referentes a determinado objeto, determinada pessoa ou situação.

Esses valores e crenças são produtos da vida social e refletem, sobremaneira, o contexto social no qual estão inseridos e do qual se originam. Depreendemos que a cultura social atua de maneira significativa em nossa conduta social, tornando-se um sistema de referência. A atitude é, portanto, uma reação avaliativa, apreendida e consolidada no decorrer da experiência de vida do indivíduo.

As atitudes delineiam “os como”, “os quês” e “os porquês” do comportamento; contudo, em muitas situações, os comportamentos são determinados não por atitudes individuais, mas pela exigência social do grupo, em função dos papéis desempenhados.

O comportamento do indivíduo também pode ser identificado pelas suas atitudes, adaptado ao meio ambiente e influenciado pelo papel social desenvolvido, assim como pelo que se espera do mesmo, portanto, pode ser, em determinados momentos, diferente do que sugeririam as suas atitudes.

Segundo Kanaane (1999) a atitude é predecessora e determinante do comportamento, o qual sofre influência direta do meio social circundante.

No ambiente de trabalho, é importante identificar as distâncias entre comportamento dos funcionários e suas atitudes, pois, muitas vezes, os comportamentos podem remeter a diagnósticos distorcidos, pois não refletem as atitudes subjacentes àquele comportamento.

As atitudes podem ser verificadas por meio do significado, cujos funcionários dão ao trabalho executado e à forma de execução, evidenciando a necessidade das lideranças em identificarem não só os comportamentos, que são visíveis, mas as atitudes, ou os motivos que as constituíram, que são invisíveis. Esta condição é imprescindível ao exercício da liderança, contribuindo, assim, para a melhoria da qualidade de vida dos funcionários.

 

O PAPEL DO GESTOR

Para Rhinesmith (apud Vergara, 1999), os reflexos da atuação das empresas, frente a um modelo globalizado, requer dos gestores dos processos um ciclo de aprendizagem constante, baseado em três características:

a) mentalidade: faz dos gestores pessoas que aceitam a vida como um equilíbrio de forças contraditórias, as quais devem ser apreciadas, ponderadas e geridas; lidam relativamente bem com o inesperado, pois colocam os processos em primeiro plano, em detrimento às estruturas formais; sentem-se à vontade com as surpresas e veem as mudanças como oportunidades e não como ameaças;

b) pessoal: faz dos gestores uma figura aberta e aborda questões relativas ao conhecimento: domínio técnico das atividades de um processo; conceituação: capacidade conceitual de lidar com a complexidade das organizações, estando mais ligado ao pensamento abstrato; flexibilidade: refere-se à adaptabilidade necessária para lidar com as mudanças; sensibilidade: fator indispensável para lidar com as diferenças individuais presentes nas equipes; julgamento: associado à qualidade de lidar com a incerteza; reflexão: oferece a perspectiva necessária para lidar com as exigências de um aprendizado contínuo;

c) competência: é a capacidade específica de executar a ação em um nível de habilidade que seja suficiente para alcançar o efeito desejado. Ela se estabelece quando a mentalidade é transformadaem comportamento. O referido autor elenca seis tipos de competência: gestão da competitividade: refere-se à capacidade de coletar informações em uma base global e utilizá-las; gestão da complexidade: é a capacidade de lidar com interesses concorrentes, contradições ou conflitos; gestão da adaptabilidade: está relacionada à flexibilidade e à disposição para mudanças; gestão de equipes: diz respeito à capacidade para lidar com múltiplas habilidades funcionais e culturais; gestão da incerteza: refere-se à capacidade de lidar com as mudanças contínuas, pelo equilíbrio adequado entre fluxo e controle; gestão do aprendizado: relaciona-se à capacidade de aprender sobre si mesmo, assim como de facilitar o aprendizado dos outros.

 

O PROCESSO DE GESTÃO E OS PRINCIPAIS IMPACTOS NAS EMPRESAS

Branco e Vergara (1995), consideram que as empresas não são entidades isoladas, pois estão sempre em interação dinâmica com o ambiente em que se encontram. Para ordenar de forma lógica essas mudanças, dividem-nas em três áreas:

a) tecnológicas: é o impacto que a tecnologia traz sobre o ambiente. Expressam-se nas formas de organização do trabalho, nos fluxos de tarefas e na exigência de novas habilidades por parte das pessoas. A tecnologia, se por um lado, também se faz presente na forma de equipamentos e de processos os quais dispensam a presença do funcionário, como se pode observar em alguns casos de automação; por outro, contribui com o surgimento de oportunidades, como, por exemplo, as redes virtuais. Estas vertentes fazem com que haja uma reflexão muito séria sobre as relações de trabalho e conceitos de administração, como, o de controle e o de subordinado. De acordo com os referidos autores, as empresas precisam aprender a trabalhar com parceiros e controlar não mais as pessoas e os seus tempos, mas sim os resultados e, aqui, segundo os pesquisadores citados, o controle deve ser muito mais qualitativo do que quantitativo, pois não adianta ter funcionários que produzem sem a devida qualidade;

b) humanas: espera-se que as empresas ofereçam oportunidades para o desenvolvimento de seus empregados e parceiros e que estes cuidem de suas próprias carreiras e comprometam-se com os resultados. O principal aspecto abordado refere-se à ética, pois esta passa a ser exigida no ambiente de negócios e, principalmente, no interior de cada empresa;

c) organizacional: verifica-se ênfase crescente em equipes multifuncionais com alto grau de autonomia. Exercita-se, cada vez mais, a capacitação das pessoas dentro das empresas, bem como o compartilhamento do poder, com isso há uma ampliação desse conceito. Ganha destaque a redução dos níveis hierárquicos pela horizontalização das estruturas.

Segundo os referidos autores, em um ambiente no qual a administração da mudança inclui a necessidade de administrar surpresas, as empresas, frequentemente, veem-se diante da necessidade de aprender com seus próprios erros, tornando-se, assim, uma característica contínua, o que Senge (1990) denomina como sendo o processo de learning organization, ou seja, organizações de aprendizagem.
AS RELAÇÕES HUMANAS NO TRABALHO

Estamos enfrentando uma nova realidade: avanços tecnológicos, globalização, comunicação de massa… Esses avanços inserem o ser humano em maior contato com o mundo, com a sua própria nação e consigo mesmo. Apesar de toda a evolução, notamos a dificuldade do envolvimento entre os seres humanos, pois a nossa atenção está muito mais voltada para a tecnologia do que para as relações humanas.

Nas organizações, ultimamente, notamos alteração no tratamento dado ao homem, pois os aspectos da natureza humana são analisados sob nova ótica, passando a ser fatores determinantes dos resultados globais. A convivência humana é inerente em toda sua existência, portanto, somos afetados por nossa habilidade de nos relacionarmos com outras pessoas, individualmente ou com grupos. Assim sendo, uma das habilidades mais importantes que o ser humano pode desenvolver é a comunicação interpessoal.

Entendemos por relações interpessoais o relacionamento entre as pessoas, compreendendo-as e respeitando sua personalidade. Dentro do sistema empresarial, podemos dizer que existe a organização técnica e a organização humana, que são inter-relacionadas e interdependentes.

A organização humana não é somente um grupo, uma equipe, um conjunto de indivíduos, pois cada um tem seus próprios sentimentos, interesses, desejos, frustrações, necessidades físicas e sociais, relacionados à sua própria história de vida. Os indivíduos, dentro do sistema empresarial, estabelecem frequentes inter-relações, cada qual com uma forma particular de se comunicar.

As verdadeiras relações humanas são proveitosas e importantes de se praticarem, pois evitam comportamentos desajustados, que foram gerados por insatisfações; mantêm o bem estar individual e coletivo e, acima de tudo, proporcionam segurança, paz e tranquilidade aos indivíduos e à empresa.

As modernas teorias de educação e administração mostram a tendência de atribuir importância crescente aos fatores emocionais e à criatividade na aprendizagem, na liderança e na participaçãoem grupo. Emoçõese sentimentos são hoje considerados tão essenciais quanto ideias e conhecimentos em quaisquer situações humanas e se constituem em fatos reais ou variáveis de uma situação, não mais elementos acessórios menosprezados.

Não podemos esquecer que tudo dentro de uma empresa é realizado por pessoas; são elas as responsáveis pelo funcionamento empresarial. O trabalho faz a riqueza e as pessoas que fazem o trabalho formam os principais recursos de enriquecimento de qualquer empresa. Não há um modelo único como pré-condição para a eficácia da ação, face ao comportamento humano nas organizações. O êxito das ações depende menos da coerência de um modelo pré-definido e mais da simultaneidade de perspectivas.

Qualquer modelo deverá levar em consideração a cultura organizacional, o contigencialismo ambiental, o contexto social e econômico e não simplesmente a mudança pela mudança. Há necessidade, também, de se focalizar o preparo para lidar eficazmente com o papel “Homem” na organização, ou seja, respeitar e reconhecer a sua necessidade de crescimento, autonomia e participação e realização.

Ser humano e empresa são, nos seus dia a dia, interdependentes e, portanto, precisam estar dispostos a colaborar entre si, constantemente. O ideal da integração é conseguir fazer com que não haja duas entidades distintas, mas, sim, apenas duas partes do mesmo todo. Esta consciência possibilita a existência de conflitos e ideias — benéficos e enriquecedor — e não a existência de conflitos entre pessoas – maléficos e empobrecedores.
A COMUNICAÇÃO E AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

Comunicar é um verbo da Língua Portuguesa, do latim communicare, que significa tornar comum. Assim sendo, comunicação é a ação de tornar comum; no entanto, nem sempre essas palavras definem as práticas nas quais estão vinculadas. Comunicar tem, hoje, muito mais o sentido de imposição de um discurso, em vez de ser a manutenção de um diálogo comum para as partes.

Todo homem, em todos os tempos, sempre apreciou jogar. O jogo faz parte da cultura humana. É, junto com os sonhos, com os estados psicopatológicos e estados alterados de consciência, parte da segunda realidade da cultura, sendo a primeira, aquela que abriga as necessidades humanas mais básicas e primárias.

Nesse sentido, identificamos na sociedade atual um jogo da Comunicação, baseado no tripé produção, armazenamento e transmissão de informações disponíveis. Essa composição triádica delimita a construção dos discursos, os quais devem surgir sempre de forma dialógica, reconhecidamente mais democrática.

Conforme Aurélio Buarque de Holanda (1989), dialogar é trocar ou discutir ideias, opiniões, conceitos, com vistas à solução de problemas, ao entendimento e à harmonia. Para o dicionarista, discursar é peça oratória proferida em público ou escrita como se tivesse de o ser. É, ainda, conforme o pesquisador, exposição metódica sobre certo assunto.

Apenas contrastando tais definições, já se podem perceber as diferenças entre os dois conceitos; entretanto, para que este argumento se complete, é necessário ampliá-lo um pouco mais, apontando para uma análise mais geral sobre a sociedade ocidental, especialmente do ponto de vista de suas relações comunicacionais. Essa sociedade pode ser considerada como um tecido comunicativo muito específico, caracterizado não apenas pelos assuntos comunicados (conteúdos), mas, sobretudo, pelos métodos (formas) usados para comunicar esses assuntos.

Em princípio, o problema básico das relações comunicativas da atualidade reside muito mais na forma do que no conteúdo, acostumados que estamos com os espetáculos, impostos para que consumemos ideias ou produtos.

Para Aurélio (1989), os dois tipos de diálogos existentes são os circulares (mesas redondas, parlamentos) e as redes (sistemas telefônicos, internet). Já os discursos podem ser teatrais (aulas), piramidais (militares, igrejas), árvores (ciência, artes) e anfiteatrais (meios de comunicação).

Somente a quantificação dos dados de sua análise já nos permite enxergar a predominância do discurso sobre o diálogo; e ao entendimento do quanto esse predomínio leva-nos à sensação de solidão. Isso porque os discursos são autoritários e os diálogos são democráticos. A sensação de solidão, de isolamento, vem da dificuldade crescente de entrarmos em comunicação dialógica.

A imposição dos discursos leva a uma situação em que temos as mesmas informações, o que torna nosso restrito intercâmbio dialógico extremamente redundante, pois estamos incapacitados de elaborar informações novas em diálogo com os outros. Quando não é possível elaborar informações novas dentro de um processo democrático, a tendência é repetir o discurso autoritário, que impede as trocas solidárias no relacionamento humano.

Relação implica a possibilidade de diálogo intersubjetivo, de troca de perguntas e respostas. As relações, desde sempre, baseiam-se em inúmeros aspectos: emocionais, culturais, econômicos, biológicos, éticos. Esses aspectos formam o jogo social do qual fazemos parte.

Nessa condição, vivenciamos nossas relações enquanto encontros casuais, mesmo no compromisso do trabalho. Nesse sentido, nossas relações sociais podem ser entendidas, metaforicamente, como oportunidades de um jogo, o que torna extremamente dinâmico o tecido social; se por um lado, esse dinamismo nos torna mais ricos no sentido de nos encontramos envolvidos cada vez mais por relações numerosas (e isso é evidente na comunidade universitária); por outro, vai provocando uma vacuidade no núcleo no qual essas relações se concentram, uma vez que, como agentes comunicativos desse jogo, os gestores universitários, na maioria das vezes, são apenas reprodutores de discurso e não provocadores de diálogo.

Como participantes dessa dinâmica social, assumimos papéis que não nos deixam ter consciência da sensação de absurdo que nos invade e que nos transforma em seres solitários, em peças do jogo.
A COMUNICAÇÃO E A ESCOLA

Aprofundar o pensamento sobre o mundo do trabalho, essencialmente circunscrito à escola, percebemos que, nesse caso, a atividade laboral não está vinculada somente à questão da remuneração. O trabalho, na esfera da Educação, ganha outras dimensões, torna-se a essência da vida. Isso porque tratamos com seres humanos, os quais trocam energia inserida nos processos comunicacionais; e, por serem de universos diferentes (família, religião, escola), é impossível haver uma padronização dos discursos durante essas trocas.

Essa complexidade social exige, especialmente do gestor universitário, compreensão para dimensionar questões individuais. Isso requer atenção de nossos órgãos dos sentidos, para captar os sinais do outro, os quais nem sempre são muito claros. Os gestores falam muito da visão, ato ou efeito de ver, como condição para a realização de um trabalho gestor; no entanto, apesar de pesquisas empíricas apontarem o predomínio cultural da visão como sentido da percepção humana (Santaella, 1998), ela é muito restrita, uma vez que o olho só enxerga determinados objetos e fatos quando podemos mover a cabeça; se, por um lado, só vemos aquilo que é permitido por nossos limites anatômicos; por outro, a audição, relegada a um segundo plano do ponto de vista sensório, é mais abrangente, pois ouvimos, desde que nosso aparelho esteja em perfeita ordem, sem nos mexermos fisicamente.

Para ouvir, basta ter vontade de dialogar ou discutir, porque para discursar não é necessário, na maioria das vezes, ter muita vontade.

Agostinho Minicucci (s/d: 70-1), no livro Relações Humanas – psicologia das relações interpessoais, fornece um bom roteiro para que gestores universitários, especialmente, possam compreender melhor as etapas de um diálogo. Segundo o autor, são três os estágios em que se desenvolve uma conversa, principalmente quando focalizada na possibilidade de resolução de conflitos:

a) sentimentos: nesta primeira etapa, o indivíduo pretende aliviar as suas tensões; é o momento emocional. Se o receptor for bom ouvinte, deve permitir que o outro fale livremente;

b) fatos: nessa etapa, o emissor está menos tenso; assim sendo, pronto para pensar em termos lógicos; nesse momento, o receptor poderá intercomunicar-se, por meio de recursos comunicativos;

c) soluções: tendo em vista o êxito das etapas anteriores, surge a oportunidade para ponderar as alternativas de resolução do problema. O receptor não deve precipitar a solução de problemas antes que seu interlocutor tenha passado por aquelas fases.

Por meio de uma comunicação adequada, realizamos uma viagem em direção à essência secreta do coração e da mente do outro, cujo percurso deve ser seguro e solidário.

O filósofo alemão Dietmar Kamper, em seu livro O trabalho como vida, analisa a questão da (in)comunicabilidade atual no universo do trabalho em seu país:

Estamos passando, hoje, na Alemanha, por um debate público que acaba produzindo um clima de desrespeito e desconsideração generalizados. Estamos diante do desrespeito dos superiores em relação aos subordinados, dos operários em relação aos chefes, dos políticos em relação a seus eleitores e, inversamente, a desconsideração que os eleitores têm pelos seus políticos. Isto é quase uma nova doença infecciosa que está assolando a nossa sociedade e que contamina o clima social. É uma doença que não permite mais o surgimento de um clima de solidariedade elementar, mas que visa precisamente ao contrário dessa solidariedade. E não se pode afirmar que se trata aqui de um processo produzido por uma má intenção, mas, ao contrário, trata–se de um processo que está simplesmente ocorrendo, mas que torna as relações de convívio cada vez mais difíceis. Quando penso nisso, lembro simultaneamente do século XIX, quando se admitida ainda a existência de uma solidariedade elementar que valia mesmo para as relações entre o senhor e o servo, entre o capitalista e o operário. Havia basicamente um clima de responsabilidade, apesar de toda e qualquer exploração. Hoje nós estamos constatando que, além de toda e qualquer exploração, surge um clima generalizado de desconsideração da outra pessoa, o que nos inibe de dar às outras pessoas a atenção que elas precisam (KAMPER, 1997, págs.16-7).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola de relações humanas no trabalho, vista modernamente como Comportamento Organizacional, estuda os aspectos comportamentais que, de forma geral, constituem o clima de uma organização.

Nesse contexto, as relações interpessoais têm um lugar preponderante, pois a compreensão das diferentes técnicas contribui, de maneira significativa, para alcançarmos a relação ideal entre empresa x empregado.

É natural, sem ser aceitável, que a cultura herdada pelas políticas educacionais, bem como pela formação ainda tradicional dos gestores, tenha um predomínio do discurso sobre o diálogo, nas escolas. Isso desfavorece o processo educativo, reconhecidamente mais horizontal e, portanto, mais democrático. Essa predominância evidencia a existência e manutenção de discursos cada vez mais redundantes e/ou impositivos que impedem a criação e a novidade, além de apontarem para uma situação de solidão dos indivíduos, que se veem enclausurados no processo comunicativo existente nas instituições.

Esperamos com a leitura e compreensão da proposta conceitual deste artigo, haja uma reflexão dos gestores acerca de alguns cenários, tais como:

a)    Analisar os processos e a sistematização das informações, principalmente com a definição das responsabilidades das unidades que compõem a estrutura organizacional de uma escola;

b)    Definir a função de todos os envolvidos nos processos;

c)    Ressaltar que a questão comportamental também está presente no grau de insatisfação e aqui muito mais uma interpretação empírica dos lideres e liderados;

d)    Identificar os agentes ativos e passivos dos processos educacionais, pois a educação é um grande processo de conscientização e para que isso ocorra precisamos entender que a comunicação efetiva se faz sempre na linguagem dos seus receptores e não dos seus emissores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, P. D.; Vergara S. C.. Competências Gerenciais requeridas em ambiente de mudanças. Anais 19º ANANPAD, v.1. set. 1995.
DAVIS, K.; NEWSTROM, J. W. Comportamento humano no trabalho: uma abordagem administrativa. São Paulo: Pioneira, 1998.
DUARTE, Rodrigo. Pós-história de Vilém Flusser. São Paulo: Annablume, 2012.
FERREIRA, A.B.H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989
KAMPER, Dietmar. O trabalho como vida. São Paulo: Annablume, 1997.
KANAANE, Roberto. Comportamento humano nas organizações: o homem rumo ao século XXI. 2 ed. São Paulo : Atlas, 1999.
MINICUCCI, Agostinho. Relações Humanas – psicologia das relações interpessoais. São Paulo: Atlas, s/d.
SANTAELLA, Lúcia. A percepção – uma teoria semiótica. São Paulo: Experimento, 1998.
SENGE, P. A Quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 1990.
TACHIZAWA, Takeschi, ANDRADE R.O. Gestão de Negócios. São Paulo: Atlas, 2001
VERGARA, S. C. Gestão de Pessoas. São Paulo: Atlas, 1999.

TRILHANDO A ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE PRODUÇÕES DE TEXTOS ESPONTÂNEOS

TRILHANDO A ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE PRODUÇÕES DE TEXTOS ESPONTÂNEOS

TREADING LITERACY THROUGH SPONTANEOUS TEXTS PRODUCTIONS

 

Elaine Pinto Miguel

Grad. Pedagogia e Bolsista do Programa de Iniciação Científica
Faculdade de São Vicente – UNIBR
elaine_miguel@hotmail.com
 

Hélio Rodrigues Júnior

Me. em Língua Portuguesa  PUC-SP
Faculdade de São Vicente – UNIBR
h-rodrigues-junior@uol.com.br

RESUMO
Este artigo é o resultado dos estudos realizados no Programa de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente, vinculada à linha de pesquisa Bases Linguísticas da Alfabetização e Letramento. O tema é a aquisição da escrita percorrida pela produção de textos espontâneos variados numa turma do 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental. Da compreensão da alfabetização, dos métodos e a produção de textos espontâneos levados à sala de aula alfabetizadora, construímos situações de leitura e de escrita. Partimos da seguinte problematização: A produção de textos espontâneos favorece o ensino e aprendizagem da escrita numa sala de aula alfabetizadora? Assim, objetivamos contribuir com o ensino da escrita no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Nossos pressupostos teóricos são: Cagliari (2010 e 2012), Ferreiro (1985, 2003 e 2004) e Ferreiro & Teberosky (1986).

PALAVRAS – CHAVE: Programa de Iniciação científica. Aquisição da escrita. Produção de textos

 

ABSTRACT

This article is the result of studies carried out in the Scientific initiation program Saint VincentCollege, linked to Linguistic Bases research line of literacy and literacy. The theme is the acquisition of writing travelled by the production of texts in a 2nd class varied spontaneous. I cycle year of elementary school. Understanding of literacy, the methods and the production of spontaneous texts brought to the classroom tutor, build reading and writing situations. We leave this problematization: Spontaneous texts production promotes the teaching and learning of writing in a classroom tutor? Thus, we aim to contribute to the teaching of writing in the first cycle of elementary school. Our theoretical assumptions are:Cagliari (2010 and 2012), Blacksmith (1985, 2003 and 2004) and Blacksmith & Teberosky (1986).

KEYWORDS: Scientific initiation program. Acquisition of writing. Texts production.

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho vincula-se à linha de pesquisa Bases Linguísticas da Alfabetização e Letramento[1], do Programa de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente – UNIBR, tematizando a alfabetização no 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental desenvolvida pela escrita de textos espontâneos.

Vemos que, na sala de aula alfabetizadora, é relevante e pertinente percorrermos o incremento da escrita pela criança a partir do texto como unidade de ensino, conforme apregoam os Parâmetros Curriculares Nacionais[2] (PCN), na contramão de muitas escolas que assumem, ainda, exercícios, métodos rígidos em suas atividades, como caminho para o aluno desenvolver suas habilidades de leitura e escrita.

Destacamos, também, que apesar de o aluno dominar a Língua Portuguesa na fala, quando ingressa no sistema escolar, as realizações pedagógicas não levam em consideração esse repertório e as hipóteses que ele tem sobre a escrita. Dessa forma, o alfabetizador assegura-se no ensino da forma ortográfica, por exemplo (CAGLIARI, 2012)..

A produção de texto é assumida por nós como o início e o fio condutor das práticas na sala de aula alfabetizadora. Assim sendo, a produção de textos espontâneos variados organiza o agir docente, em que ao aluno é oferecida a iniciativa da escolha por si quanto ao que quer escrever. Trata-se de organização didática para o aluno escrever seus textos, vivenciar a linguagem.

Consequentemente, permite ao professor conhecer melhor seu aluno e ensinar o que for preciso de maneira objetiva. Diante desse quadro, somos motivados pela seguinte problematização: Abrindo mão dos métodos tradicionais, a produção de textos espontâneos favorece o ensino e aprendizagem da escrita numa sala de aula alfabetizadora?

Para darmos conta dessa pergunta de pesquisa, em linhas gerais, objetivamos:

– contribuir com o ensino e aprendizagem da escrita no primeiro ciclo do Ensino Fundamental.

E mais:

– revisar os métodos de alfabetização;

– estudar a produção espontânea de textos relacionada com a alfabetização;

– propor atividade alfabetizadora por meio de produção textual;

– refletir sobre sala de aula alfabetizadora.

Recorremos à Emilia Ferreiro (1985, 2003 e 2004) e Emília Ferreiro & Ana Teberosky (1986) para versarmos sobre a alfabetização; Luiz Carlos Cagliari (2010 e 2012) e Lemle (2005) com o escopo de abordarmos os métodos de alfabetização; Luiz Carlos Cagliari (2010 e 2012) a fim de compreendermos o uso de textos espontâneos para a aquisição da leitura e da escrita; e Dolz & Schneuwly (2004) com o objetivo de organizarmos a Sequência Didática.

Ao final, concluímos que as produções espontâneas de textos variados revelam a compreensão do aluno quanto ao sistema escrito da língua e encaminham o professor a novas práticas a partir dos erros e acertos na aprendizagem.

 

REVISITANDO ALGUMAS CONCEPÇÕES ACERCA DA ALFABETIZAÇÃO: O ENSINO TRADICIONAL DOS MÉTODOS

A alfabetização, hoje, inicia-se, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº. 9394/96, nas primeiras séries do Ensino Fundamental, que compreende do 1º. ao 5º. ano, cujo objetivo é proporcionar a formação básica do cidadão, tendo como meio principal o pleno domínio da leitura e da escrita.

Entendemos a alfabetização como um processo pelo qual se adquire a propriedade do sistema da língua e das habilidades de utilizá-lo para escrever, isto é, a capacidade de valer-se das ferramentas e do conjunto de técnicas necessárias para exercer a arte e a ciência da leitura e a escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1986).

A criança, quando ingressa na escola, traz seu mundo de linguagem, enfim, dispõe de seu repertório lexical, de seu conhecimento enciclopédico e linguístico.  Ela é falante nativa da língua; entretanto a escola parece não dar muita atenção a isso, uma vez que dissocia a realidade da criança por métodos tradicionais de ensino ao alfabetizá-la.

Nessa esteira, Cagliari (2012, p.19) reverbera que “se a criança aprendeu a língua oral é também capaz de aprender a escrita, se não aprende é porque a escola não sabe ensinar e se a criança tem vontade de ir à escola, tem vontade também de aprender”.

É essencial, igualmente, que o professor tenha conhecimento sobre o conceito e métodos de alfabetização, para que assim possa instigar seus alunos. Podemos afirmar que a maneira como o professor concebe o ensino da língua pode contribuir positiva ou negativamente para o progresso da aprendizagem do seu aluno, podendo trazer-lhe tanto o sucesso quanto ao fracasso.

O insucesso da alfabetização pode ser respondido, de tal modo, pelas escolhas do professor alfabetizador. Por um lado, se ele diz não usar livro didático – a cartilha – para alfabetizar seu aluno, por outro, evidenciamos que muitos continuam organizando o seu próprio manual com uma série de atividades elaboradas em anos de trabalho.

Não importa a quais materiais recorrem, pois notamos que optam por lições organizadas sempre pelas famílias silábicas e

partem de uma palavra-chave, ilustrada com um desenho, e destacam a sílaba geradora, que é quase sempre a primeira sílaba da palavra. Em seguida, apresenta-se a família silábica daquela sílaba destacada. Vêm abaixo algumas palavras novas, escritas com elementos já dominados, mais elementos introduzidos na lição. Depois aparecem exercícios estruturais em que palavras são desmontadas e remontadas com elementos feitos de sílabas geradoras ou de pedaços de palavras. Ou, então, aparecem os exercícios de “faça segundo o modelo”. Há, ainda, um pequeno “texto” para leitura, cópia e ditado, e que pode servir também para exercício de interpretação de texto. Nas lições mais adiantadas, além das tradicionais cópias, aparecem os exercícios de escrita: “minhas primeiras frases” e “minhas primeiras histórias”. Recheando esse esqueleto, uma quantidade enorme de atividades, que vão desde a colagem de letras e palavras recortadas de jornais e revistas, até propostas de representações teatrais pelos alunos. Em geral, essas atividades dão a falsa impressão de que uma cartilha é diferente da outra. […] elas são diferentes apenas na maneira como aplicam o bá-bé-bi-bó-bu  (CAGLIARI, 2010, p. 83, grifos do autor).

Trata-se de uma forma tradicional de alfabetização, uma vez que consiste num método cujo papel do professor é transmitir seus conhecimentos para o alfabetizando. Dá-nos a impressão de que quem ensina é o detentor do saber, é aquele que sabe e acerta; ao passo que quem aprende é vazio, um receptor passivo, é quem erra. Com isso, destacamos que os professores ainda compreendem a alfabetização como uma técnica.

Ferreiro (2000) critica esse método tradicional da alfabetização, pois acredita que ele tende a introduzir o aluno à leitura com palavras aparentemente simples e sonoras, como: bebê, babá, dado. Ademais, de acordo com o ponto de vista da assimilação da criança, simplesmente não se ligam a nada.

Ela, ainda, defende que a leitura e a escrita são sistemas construídos paulatinamente (Ferreiro, 2004). No início da aquisição da escrita, as primeiras produções são de grande valor por se tratar do resultado de suas atividades cognitivas.

Ferreiro (2004) parte dessas vivências, e organiza algumas ações fundamentais sobre o processo de alfabetização inicial:

  • Restituir a língua escrita seu caráter de objeto social;
  • Desde o inicio (inclusive na pré-escola) se aceita que todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual em seu nível;
  • Permite-se e estimula-se que a criança tenha interação com a língua escrita, nos mais variados contextos;
  • Permite-se o acesso o quanto antes possível à escrita do nome próprio;
  • Não se supervaloriza a criança, supondo que de imediato compreendera a relação entre a escrita e a linguagem;
  • Não se pode imediatamente, ocorrer correção gráfica nem correção ortográfica (FERREIRO, 2004, p.44).

 

Notamos, logo, que os professores decidem as práticas alfabetizadoras a partir dos métodos, sejam os métodos sintéticos contra os métodos analíticos, fonéticos contra o global.

Ampliando a noção dos métodos, destacamos que

o método sintético insiste, fundamentalmente, na correspondência entre o oral e o escrito, entre som e a grafia. Outro ponto chave para esse método é estabelecer a correspondência a partir de elementos mínimos, num processo que consiste em ir das partes para o todo. Os elementos mínimos da escrita são as letras. Durante muito tempo se ensinou a pronunciar as letras, estabelecendo-se as regras de sonorização da escrita no seu idioma correspondente. Os métodos alfabéticos mais tradicionais abonam tal postura (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985, p.19).

A partir dos estudos de Lemle (2005), buscamos compreender os métodos de alfabetização. O método sintético é dividido em três tipos:

Alfabético ou Soletrativo

É o método conhecido como soletração, pois a leitura é realizada a partir da memorização oral das letras do alfabeto, para buscarmos as combinações silábicas e, posteriormente, as palavras.

O professor leva a criança a ler frases curtas até alcançar as narrativas. É nesse processo que a criança, portanto, vai soletrando as sílabas até decodificar a palavra. Por exemplo, a palavra bala é soletrada: b + a = ba > l + a + la {bala}.

Processo alfabético

Nesse tipo de método sintético, o aluno é levado a aprender de cor todo o alfabeto, identificar cada letra isoladamente, juntar as sílabas, palavras, frases e textos. O aluno assimila o nome das letras nas formas maiúsculas e minúsculas, a sequência do alfabeto e a agrupar as letras entre si, formando sílabas e palavras.

Método Fônico

O método fônico incide no aprendizado por meio do agrupamento entre fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino possibilita primeiro revelar o princípio alfabético e, progressivamente, tomar o conhecimento ortográfico próprio de sua língua, escrevendo textos produzidos especificamente para este fim.

Método analítico

Esse método conduz o aluno a decompor a palavra, levantando as partes que a compõe. Apresenta-se como:

Palavração

O professor apresenta a palavra ao aluno, acompanhada da imagem. Depois é levado a reconhecer as sílabas, letras e sons, ou seja, da unidade maior a menor. É nessa composição e decomposição que a criança busca novas palavras.

Setenciação

Como o próprio nome expressa tudo parte da sentença; nela, o aluno memoriza palavras, em seguida as sílabas, para, somente depois, formar novas palavras. Utiliza-se a estratégia de comparar palavras e isolar elementos conhecidos nelas, para ler e escrever novas palavras.

Global de textos

O ponto de partida é uma pequena história, uma narrativa, para, também, ir ao encontro de palavras e das sílabas. É um processo de decomposição como o anterior.

Desses métodos cartilhescos e instrucionais, passamos a abordar o uso de textos espontâneos para a aquisição da escrita.

O TEXTO ESPONTÂNEO COMO UNIDADE DE ENSINO: PONTO DE PARTIDA E DE CHEGADA PARA A ALFABETIZAÇÃO

 

Deixamos de lado o trabalho do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita com o método do bá-bé-bi-bó-bu; tampouco atividades que não desenvolvem as capacidades dos alunos, como podemos ressaltar nos métodos revisitados anteriormente.

Ademais, em oposição, afirma Cagliari (2010),

Alfabetizar é ensinar a ler e a escrever. Como já dissemos, o segredo da alfabetização é a leitura (decifração). Escrever é uma decorrência do conhecimento que se tem para ler. Portanto, o ponto principal do trabalho é ensinar o aluno a decifrar a escrita e, em seguida, a aplicar esse conhecimento para produzir sua própria escrita. CAGLIARI (2010, p.106),

A sala de aula alfabetizadora, portanto, deve proporcionar o exercício da leitura e da escrita para o aluno aprender a ler e a escrever. Em outras palavras, a alfabetização será realizada sem a reprodução de modelos dados pelo professor, mas pela iniciativa da leitura e escrita nas atividades escolares.

Cabe-nos ressaltar que se a criança descobre o sistema da escrita, ela aprende a escrever. Por isso, é pela leitura que se fornece o mundo da escrita, um caminho para a alfabetização: ler para escrever.

Acompanhando Cagliari (2010), apresentamos o sistema para a decifração da escrita dada pela leitura:
Conhecer a língua na qual foram escritas as palavras. Conhecer o sistema de escrita. Conhecer o alfabeto. Conhecer as letras. Conhecer a categorização gráfica das letras. Conhecer a categorização funcional das letras. Conhecer a ortografia. Conhecer o princípio acrofônico. Conhecer os nomes das letras. Conhecer as relações entre letras e sons (princípios de leitura). Conhecer as relações entre sons e letras (princípios de escrita). Conhecer a ordem das letras na escrita. Conhecer a linearidade da fala e da escrita. Reconhecer uma palavra. Nem tudo o que se escreve são letras. Nem tudo que aparece na fala tem representação gráfica na escrita. O alfabeto não é usado para fazer transcrições fonéticas (CAGLIARI, 2010, pp. 122-132).

As regras acima denotam o quanto o professor alfabetizador deve dominar o funcionamento da escrita e da decifração e como a escrita e a fala se relacionam; e o quanto a criança deve ser colocada em contato com o mundo da escrita.

Nesse percalço, notadamente, os textos projetam o aluno à compreensão da escrita. Assim, é por meio de texto que ele irá desenvolver concepções sobre a sua língua, como defendem os PCN, abandonando a memorização de grafemas e fonemas, o treino gráfico, a cópia e leitura de palavras e frases isoladas. O texto, portanto, torna-se a unidade do ensino.

A sala de aula alfabetizadora, ao oportunizar essas vivências, a problemática da linguagem emerge, envolvendo a escrita ao uso, às situações de interação, aos contextos, relações entre letras e sons. Isso faz com que a criança passe dos textos orais aos escritos, sem medo de errar, produzindo o que pensa.

Logo se vê que, ela, em alfabetização, de início, escreve pequenos textos. Os textos livres, produzidos espontaneamente por quem aprende, revelam o que sabem e como operam o sistema da língua, bem como os erros produzidos nos textos.

Desde essa fase, o texto a ser escrito deve ter um leitor real, não só se destinando à leitura e correção do professor. Chamamos a atenção do quanto a sala de aula é o espaço para o exercício de papéis sociais. As atividades de produção de textos podem formar pequenos livros de histórias, um mural, o jornal escolar, uma revista, a troca de correspondências, a construção de um diário, de um blog; enfim, o texto é voltado ao cumprimento das ações de linguagem.

Inúmeras são as atividades de produção; e os textos espontâneos ativam o fenômeno da escrita, considerando a realidade e o conhecimento que cada criança possui. Ela precisa escrever livremente; e a programação das atividades parte da leitura de textos variados. Nesse cenário, o alfabetizando é levado a desafios, a escrever sem modelos, a destinar seus textos a um público, conforme os meios de publicação já exemplificados.

O professor ao retomar os erros cometidos no texto, pelo aluno, fornecerá pistas das decisões erradas que tomou ao escrever. Conforme Cagliari (2010), podem ser problemas de escrita oriundos de dificuldades com as letras:

1. Escrever é fazer uma forma gráfica para ser lida: rabiscos são feitos para permitir a leitura de alguma ideia.


Figura 1: escrita por rabiscos[3]

2. Assinatura e escrita: registra o próprio nome por meio de rabiscos.


Figura 2: rabiscos[4]

3. Letras em vez de rabiscos: movimento em que substitui os rabiscos por letras juntadas aleatoriamente.


Figura 3: uso de letras[5]

4. A forma gráfica das letras: confusão entre as letras da escrita cursiva e bastão. O professor escreve pato   e o aluno interpreta JSATO .
Escrita espelhada: letras como c, s, z e n são escritas da esquerda para a direita.


Figura 4: espelhamento na escrita[6]

5. Segmentação: mistura entre a segmentação da fala com a escrita, não separando as palavras.


Figura 5: escrita sem segmentação[7]

A letra representa o som de seu próprio nome: as crianças são levadas a compreender que no nome da letra encontra-se o respectivo fonema. Escrevem HRA   no lugar de AGORA  .
Escrevendo só vogais ou consoantes: na escrita, apenas encontramos vogais ou consoantes, ou seja, exclusivamente um elemento da sílaba.

Figura 6: escrita só com vogais ou consoantes[8]

Formas morfológicas diferentes: na fala, o aluno encontra formas diferentes que são reproduzidas na escrita, como FIGO  em vez de FÍGADO , CRASSE   em vez de CLASSE .
Resultados pela metade: uso de palavras aos pedaços como BILETA em vez de BICICLETA .

Escrevendo foneticamente: uso da escrita como se fosse uma transcrição fonética.

Exemplo: TREIS = TRÊS; DIVEISENCUANDO = DE VEZ EM QUANDO

Troca de letra: uso indevido de letras.

Exemplo: DICI = DISSE; KAZA = CASA.

Hipercorreção: o aluno exagera na aplicação de uma regra. Se ele aprende que algumas palavras se escrevem com “e” mas se fala com o som de “i” (TOMATI = TOMATE). O aluno desdobra essa regra a outras: MÉDECO   em vez de MÉDICO  .
Surdas ou sonoras? O aluno troca consoantes oclusivas ou fricativas sonoras pelas correspondentes surdas, na escrita.

Exemplo: VACA   em vez de FACA  ; PATATA   em vez de BATATA .

Letras maiúsculas: letras maiúsculas aparecem no meio das palavras, pois tem dúvida quanto à grafia na forma minúscula ou cursiva.<

Exemplo: caCHorro  , JaKeline  .

Esses são alguns erros que os alunos cometem em suas produções espontâneas. Em todos esses casos, o aluno demonstra sua compreensão sobre o sistema da escrita. O texto é o começo das intervenções e o próprio fim. Na materialidade textual erguida pela criança, o professor, ao analisá-la, levanta os erros, as tomadas de decisão da criança, como ela entende a relação da oralidade com a escrita, como ela compreende, enfim, o sistema da língua.

Passamos a analisar algumas dessas produções espontâneas numa sala de aula alfabetizadora.

 

SITUAÇÕES DE LEITURA E DE ESCRITIA ESPONTÂNEA: RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS NUMA SALA DE AULA ALFABETIZADORA

No sentido de contribuirmos com o ensino da escrita numa sala de aula alfabetizadora, planejamos um conjunto de ações numa turma do 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental, de uma escola pública da rede municipal de São Vicente.

Mantivemos contato direto com o campo da pesquisa por um mês. Fomos autorizados pela gestão da escola a acompanhar as aulas da turma juntamente com a professora titular. Buscamos levantar um panorama da classe, da professora, dos procedimentos adotados para a alfabetização.

A partir daí, formulamos algumas intervenções para que a alfabetização também fosse favorecida pela produção de textos espontâneos variados. Organizamos, para tanto, uma Sequência Didática (SD) considerando os preceitos trabalhados por Dolz & Schneuwly (2004)[9]. Passamos a descrever:

Fomos os aplicadores da SD. No começo dela, levamos aos alunos vários textos como fábulas, parlendas, histórias em quadrinhos, pequenos contos. Numa roda de conversa, resumimos o enredo dos textos e pedimos que escolhessem um. Avisamos que o texto selecionado seria lido por todos e que, a partir dele, cada um poderia levantar livremente um tema para produzir um texto.

Os alunos escolheram As férias do sapinho Sapé[1] de Mineia Pacheco. Em seguida, fizemos uma leitura coletiva. Quem quisesse, lia, ou tentava ler partes do texto. Ao final, fizemos a releitura da história.

Em outro momento, levamos fantoches e brinquedos para as crianças. Com o auxílio desses objetos lúdicos, pedimos que reconstruíssem, oralmente, encenando a história lida.

Ao final da nossa ação, propusemos que os alunos escrevessem livremente. Das mais de trinta redações, iremos analisar três produções de textos da turma (t1, t2, t3,), para uma amostragem de nossa pesquisa.

t1:

Figura 1:  aluno 1, 2º. ano do EF I

EU GOSTO DE SORVETI DE CACHORRO
DA E SUCO DE BONECAS COMER PIPOCA CHOCOLATE
DE ABACACHI MORO COM A MÃE E IRMÃO QUE
GOSTA DE PIPA.

Fonte 1: aluno 1, 2º. ano do EF I

t2:

Figura 2: aluno 2, 2º. ano do EF I

Minhas ferias
Eu fui para a praia e fui
para o SHope eu pasiei Bastate
fui para igreja e minhas ferias
forão Boas eu cuti Bastate
eu gostei das minhas ferias
com sol
Fonte 2: aluno 2, 2º. ano do EF I

t3:


Figura 3: aluno 3, 2º. ano do EF

MINHAS FERIAS
Rebeca
FUI PASIA NA PRAI GRANDE CAMINHA. MÃE
CHEGEILA FUI PAPRAIA COM A MINHA MÃE
A MINHAI IRMA FUI PRA FESTA BRINQUEI I
FUIPRU PARQUE DE DIVESOS PASIEI
SIDIVERTI
Fonte 3: aluno 3, 2º. ano do EF I
A proposta de escrita escolhida por todos os textos (t1, t2 e t3) é a temática das férias. Os alunos escrevem sobre o universo do que gostam, do que fazem e para onde foram num período de descanso escolar. Só em (t1) que não foi antecipada a tematização pelo título Minhas ferias (t2), MINHAS FERIAS (t3). Observamos, muita influência e correspondência com o texto lido na SD.

Aplicam, na tarefa, uma reflexão sobre a própria vida, apresentando um pouco da vida e da história de cada um. Interagem com a língua, correspondem à função do texto que é a de um relato de experiência. Os papéis sociais são compreendidos e cumpridos no e pelo contexto.

A prática docente não se faz por atividades já cristalizadas pela tradição de uma sala de alfabetização. Não se prende à memorização,  a regras, a métodos engessados. O aluno está livre para fazer as suas escolhas quanto ao escrever. Pode colocar em prática seu conhecimento, as relações entre letra e linguagem que já domina.

Nos textos, ressalvamos que reconhecem a linearidade da fala e da escrita, confirmando que a escrita, antes de tudo, passa pela fala, pela leitura; portanto as sequências narrativas que as crianças leram e recontaram nas brincadeiras são retomadas nas produções espontâneas que fizeram.

Ao tomarem decisões no plano escrito, optam pela construção de pequenas frases à planificação de um pequeno texto. Nenhum aluno faz uso de rabiscos, garatujas. Percorrem a forma gráfica das palavras. Vale-nos notar que em (t1) e (t3), os alunos usam letras de forma e maiúsculas; em (t2), encontramos a escolha da letra de forma minúscula, algumas vezes misturada com a maiúscula, respeitada somente na marca inicial do texto. Não encontramos confusão entre o sistema gráfico das letras, portanto.

Somente em (t3), localizamos a falta de segmentação em algumas palavras. O aluno une algumas entre si: CHEGEILA. No mesmo texto, em PASIA, CAMINHA, PAPRAIA, FUIPRU, PASIEI, SIDIVERTI (t3), o aluno escreve, nessas passagens, como se estivesse fazendo a transcrição da fala, escrevendo foneticamente. É a oralidade influenciando a escrita e a criança não fazendo dissociações dos registros. Não escreve, respectivamente, PASSEAR, COM A MINHA, PARA A PRAIA, FUI PARA O, PASSEEI, SE VIVERTI. Não é sem tempo que estendemos incorreções gramaticais como nessa última sequência: ME DIVERTI no lugar de SE DIVERTI.

Encontramos o uso de palavras da mesma forma que são pronunciadas na fala, como SHOpe (t2). Nessa mesma palavra, há uma confusão entre letra maiúscula e minúscula, bem como em Bastate (por duas vezes) e Boas. Tudo em (t2).

Os desvios ortográficos são os destaques que ora fazemos em todos os textos: (t1) SORVETI em lugar de SORVETE e ABACACHI em lugar de ABACAXI; (t2) pasiei em lugar de passiei, Bastate em lugar de bastante, forão em lugar de foram e cuti em lugar de curti; (t3) PA, PRA, PRU, ocorrências quanto ao uso da preposição PARA, I em lugar de E, DIVESOS em lugar de DIVERSÕES.

O uso do I no lugar de E denota-nos uma hipercorreção em (t3). O aluno escreve BRINQUEI I e SIDIVERTI. Em outras passagens, registra o I no final de palavras PRAI (fragmentando a palavra PRAIA), MINHAI (seria MINHA IRMÃ, juntando à palavra anterior o começo da seguinte), PASIEI (PASSEI, seria a palavra). Sugere-nos que o uso ou a finalização em I seria a forma correta nas passagens que escreveu, influenciado pelas terminações verbais, como em SIDIVERTI (SE DIVERTI, no lugar de ME DIVERTI).

Chamamos a atenção sobre o emprego incorreto do acento gráfico, conforme o sistema da escrita. O til é usado corretamente tanto em (t1) e (t3). A pontuação só é usada ao final de (t1). Esses e outros aspectos gramaticais e os aspectos da textualidade ficam para uma outra pesquisa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa desenvolvida levou em conta, na alfabetização, o conhecimento que a criança já adquiriu em detrimento de um ensino mecânico, de repetição de exercícios, da memorização.

Escolhemos a produção espontânea de textos variados, justamente, por partir da leitura à produção da escrita de forma prazerosa, por não valorizar a cópia; e sim a criatividade, a espontaneidade, a ativação de conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e de textos do alfabetizado, ou seja, o mundo da linguagem e suas representações.

A partir daí, confirmamos que a escrita espontânea modifica a aplicação de uma atividade escrita na sala de aula alfabetizadora, sendo ela lúdica, capaz de gerar um espaço de convívio e de troca de experiências.

No percalço da programação das atividades, os alunos utilizaram a escrita apontada para a função pessoal e interacional, já que expressaram suas experiências a um interlocutor. Oportunizamos a escrita, assim, como um objeto cultural e de significação de mundo.

Constatamos que o tema escolhido pelas crianças está muito ligado aos fatos do dia a dia de cada uma, ou, até mesmo, revela a manutenção de uma tradição da sala de aula que é abordar o assunto férias.

Vislumbramos que, no processo de apropriação da escrita, cada criança possui um ritmo diferente no seu aprendizado, tanto que algumas dificuldades foram encontradas nos textos de cada uma, revelando erros na escrita espontânea, o que orienta as futuras ações do professor.

Examinamos que favorece à criança um processo de aquisição do código da escrita a partir da leitura, da fala, da oralidade: da consciência fonológica alcança a representação ortográfica das palavras.

Tentamos mostrar o texto como um ponto de partida e de chegada à alfabetização, propiciando atividade de leitura, de produção e de análise sobre o sistema da língua. A palavra não é trabalhada isoladamente, mas como uma unidade em funcionamento no texto. Buscamos as regularidades que caracterizam a escrita.

Ademais, observamos, nas produções dos alunos, alterações ortográficas como omissões ou troca de letras, algumas apoiadas à oralidade, erros por segmentação indevida, semelhanças fonéticas. São algumas dificuldades com a escrita.

Ressalvamos que a presença dos erros nos textos escritos sinaliza a relação que as crianças fazem com o esquema da língua, permitindo o professor a acessar a construção do conhecimento que a criança realiza no desdobramento do sistema fonológico em expressão escrita.

Cabe ao professor observar, também, que há muito acerto nas produções, os quais não são resultados de um acaso. Planejaram o percurso da ideia, ligaram as palavras entre si, mantiveram o tema. Tudo compõe o quadro do ensinar e do aprender em uma sala de aula alfabetizadora.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Fundamental (1ª. a 4ª. séries). Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1997.

CAGLIARI, Luiz. Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Editora Scipione, 2012.

____________________. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Editora Scipione, 2010.

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 2004.

_____. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2000.

_____. Os processos de leitura e escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1986.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática: 1999.

KATO, Mary A. Estudos em alfabetização. Campinas: Pontes, 1988.

_____. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 2009.

LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Editora Ática, 2005.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2003.

OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Alfa Educativa, 2003.

SMOLKA, A. L. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo: Cortez, 1988.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2004.

_____. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

 

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

PACHECO, Mineia. As férias do sapinho Sapé! Disponível em www.mineiapacheco.com.br. Acesso em 21 de agosto de 2014.

 

ANEXOS

Anexo A

Esquema da Sequência Didática

 

Fonte: Dolz & Schneuwly

 

Anexo B

As férias do sapinho Sapé!

Sapé era muito trabalhador, onde morava não havia ninguém que trabalhasse mais que ele, descansava apenas umas duas horas por dia, o restante das horas era apenas de trabalho, muito trabalhado.

Seus amigos sapos ficavam impressionados!

– Como consegue trabalhar tanto assim? – Falaram.

Até que um belo dia, nenhum sapinho do lago viu Sapé por lá trabalhando.

– Onde ele estaria? – Pensaram.

– Na certa, arranjou mais trabalho em outro lago!

Enquanto os sapinhos pensavam e se perguntavam onde Sapé estaria, ele em um lugar muito distante dali estava a contemplar a praia e a descansar em uma bela rede na sombra dos coqueiros.

– Trabalhar é bom demais, mas também é muito bom ter um merecido descanso! – Ele falava.

Entre um banho de mar, uma doce água de coco e grandes cochilos ele agradecia a Deus por aqueles momentos de descanso, mas agradecia mais ainda pelos dias de trabalho, pois eles eram necessários para os de descanso valer a pena.

Os sapinhos do lago já estavam desesperados. Onde o Sapé estaria?

– Na certa, ficou doente de tanto trabalhar. – Falaram.

Um mês depois em uma linda manhã de sol, os sapinhos ao acordarem viram Sapé mais disposto que antes voltando ao trabalho.

– Onde estava Sapé? Estávamos preocupados com você!

Então ele respondeu:

– Estava de férias, descansando, curtindo os dias de folga que me dei, pois até um sapinho trabalhador como eu deve saber o momento certo de parar, pois todos precisam de descanso.

Então Sapé voltou a sua rotina de antes, com mais coragem e muito mais força, pois quando paramos e descansamos voltamos mais dispostos para a nossa rotina de trabalho.

Parar e descansar é fundamental!

Fonte: Mineia Pacheco

 


[1] Ver Anexos.

VOLUNTÁRIO APRENDENTE, PROFISSIONAL EFICIENTE

VOLUNTÁRIO APRENDENTE, PROFISSIONAL EFICIENTE

VOLUNTEER LEARNER, PROFESSIONAL EFFICIENT

 

Luciane Ramos Nicolucci

Grad. em Gestão Financeira e bolsista do Programa de Iniciação Científica
Faculdade de São Vicente – UNIBR
jucianenicolucci@yahoo.com.br

Dalmo Duque dos Santos

Me. em Comunicação e Cultura PUC-SP
Faculdade de São Vicente – UNIBR
dalmoduque@ibest.com.br

 

RESUMO

Esse artigo tem como objetivo apresentar o trabalho voluntariado como uma importante fonte de experiências de aprendizagem gestora e sociocultural. Por meio do voluntariado, são explorados os fenômenos de transformação social, cujos projetos e ações desenvolvidas são indicadores das relações entre trabalho, produção e renda. Demonstramos também, por meio de estudos de casos, como as experiências do voluntariado podem contribuir para a aprendizagem, formação pessoal e aperfeiçoamento profissional.

PALAVRAS-CHAVE: Voluntariado. Aprendizagem gestora. Aperfeiçoamento profissional.

 

ABSTRACT

This article aims to present the work volunteering as an important source of management and socio-cultural learning experiences. Through volunteering, the phenomena of social transformation are explored, whose projects and actions taken are indicators of the relationship between work, production and income. We also demonstrate, through case studies, such as volunteering experiences can contribute to learning, staff training and professional development.

KEYWORDS: Volunteering. Managing learning. Further training.

 

INTRODUÇÃO

O voluntariado é sempre uma fonte de aprendizado, o qual agrega experiências e conhecimentos e, por isso mesmo, muito importante para a formação das pessoas. Além de permitir uma aplicação prática do conhecimento adquirido anteriormente na experiência escolar ou empresarial, o agente voluntário desenvolve nessa condição as habilidades intelectuais e também as chamadas competências emocionais, tornando-o mais flexível diante das situações críticas e que exigem atitudes equilibradas e criativas. Essas são qualidades pessoais muito valorizadas no currículo e no perfil de qualquer profissional.

O Brasil possui 16,5 milhões de voluntários, número considerado muito baixo se for levada em conta a nossa população. Isso significa 11% de todos os brasileiros. Se esses voluntários fossem remunerados com um salário mínimo atual, ou seja, R$724,00, seriam necessários recursos mensais da ordem de 22 bilhões de reais.  Os EUA, com uma população de pouco mais de 300 milhões, possuem 62.6 milhões de voluntários. Essa diferença não é explicada pelas estatísticas demográfica e sim pela tradição e cultura de voluntariado na sociedade norte-americana.

A qualidade de vida dos países desenvolvidos, entre outros indicadores, pode ser mensurada pelos índices de ação social voluntária. Nos países ricos, ela é vista como uma atividade importante; nos pobres, ela é certamente uma atividade essencial para preencher não somente a ausência do Estado, mas também o vazio existencial de milhares de pessoas que solucionam ou aprendem a conviver com seus problemas, ajudando as demais que possuem problemas diferentes ou mais graves.

Somente três em cada dez brasileiros realizaram trabalho voluntário, segundo uma pesquisa recente do Data Folha – Itaú Social (2014). A pesquisa questionou o motivo dessa baixa participação e teve como resposta as seguintes razões: falta de tempo; nunca foram convidados; nunca pensaram sobre isso. A mesma pesquisa revela que oito em cada dez jovens nunca fizeram trabalho voluntário.

Na avaliação de Trigueiro (2014), o voluntariado é o principal contrapeso dos limites do papel do Estado, cujos governos não podem assumir a responsabilidade de todos os problemas sociais. Para ele, o trabalho voluntário realiza ações extremamente importantes, como é o caso dos membros de Alcoólicos Anônimos (AA) e Neuróticos Anônimos (NA), os quais amparam diariamente milhares de dependentes químicos e pessoas com distúrbio mentais. André Trigueiro (2014) enfatiza ainda as ligações telefônicas recebidas pelos plantonistas do CVV, que ultrapassam o número de 1 milhão de chamadas por ano, assim como as ações ecologistas dos que protegem as matas e a fauna por meio de programas ambientais. Todas essas pessoas doam seu tempo sem nenhuma preocupação material e sim por questões humanitárias e de consciência social.

Em síntese, a cultura do voluntariado é, há muito tempo, a mais eficiente ferramenta para combater a injustiça, a desigualdade e a pobreza, criando oportunidades reais de transformação.

 

TEMPO DE COMPROMISSO E DE COMPROMETIMENTO

Atualmente, muito se fala sobre a importância do voluntariado e de como as empresas valorizam esta ação diferenciada; porém, de modo geral, é desconhecida a informação sobre o exercício do voluntariado, o qual exige um comportamento diferenciado. Para ser um voluntário, devemos ter duas importantes habilidades sociais: a disponibilidade e a dedicação. A primeira seria a oferta quantitativa e a valorização do tempo pessoal; a segunda, a qualificação do tempo ofertado. Nas duas, encontramos o estabelecimento de uma relação de compromisso e outra de comprometimento. O compromisso é um contrato social e o comprometimento é um contrato moral, ambos permeados pela ética.

Ao ofertamos o nosso tempo e socialmente nos tornamos voluntários, ocorre o fenômeno da mutualidade: outras pessoas tomarão ciência da nossa disponibilidade e passarão a contar com a nossa colaboração e prestação de serviços. Nossa expectativa de ajudar é imediatamente associada às expectativas daqueles que precisam de ajuda; fazemos também uma cobrança quando ofertamos o nosso tempo. A expectativa de quem vai ser ajudado também se transforma naturalmente em cobrança pela realização das necessidades e carências. Ainda que não haja remuneração financeira, o voluntário será sempre cobrado, de uma forma ou de outra, pelo serviço o qual se propôs a fazer. Por isso, aqueles que desejem atuar no voluntariado devem realmente ter certeza da sua escolha e da sua capacidade de transformar o tempo comum regido pelo relógio das ações ordinárias em um tempo incomum das ações extraordinárias.

 

A BATALHA SOCIAL DO VOLUNTARIADO

Embora o terceiro setor tenha incorporado há muito tempo o trabalho voluntário, ainda faltam iniciativas para transformar essa atividade em uma onda transformadora contagiante, a qual leve as pessoas a ajudar as outras e assim formar uma sociedade com princípios e capaz de transformar e construir um país melhor para as futuras gerações. Hoje existe um consenso de que governos e empresas não são as únicas fontes de transformação social. O antigo Estado de Bem Estar Social, provedor paternalista e financiado pelos impostos, continua exercendo seu papel político; no entanto a sociedade não deve esperar somente ajuda governamental para solucionar os problemas coletivos. O adventos das ONGs e a propagação das iniciativas particulares têm sido uma inovação significativa para romper os limites das mudanças sociais. As antigas atividades humanitárias, as quais trabalhavam de forma isolada e anônima, tornaram-se exemplos de como o mundo pode ser transformado a partir de pequenas ações. Segundo Edgard Morin (2000), o século XX foi marcado pela servidão, pela morte e pelo aniquilamento e que, no mesmo século, todavia, surgiram também forças de resistência em todos os setores e causas para anular o efeito nocivo da destruição e da negação do ser humano. Estas contracorrentes se apoiaram basicamente no trabalho voluntário (ambientalistas, pacifistas, humanistas) para enfrentar as forças de degeneração do planeta (guerras, destruição ambiental e servidão industrial).

O trabalho voluntário tornou-se a principal força de mão de obra para enfrentar os problemas que o Estado não conseguia e não consegue solucionar. Pequenas ações voluntárias locais, quando somadas e integradas, formam ações universais de transformação e melhoria da qualidade de vida. Pequenas horas semanais de disponibilidade e dedicação voltadas para melhorar a vida de um vizinho ou do hospital, transformam-se em milhões de horas, as quais, por sua vez, alteram a saúde e a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro. Não podemos esquecer que os grandes problemas ambientais e sociais do planeta são a soma de pequenas questões locais não solucionadas.

Para melhor ilustrar essa relação entre o local e o universal, escolhemos dois casos locais que atuam no setor da saúde: uma antiga unidade hospitalar, importante suporte regional e uma unidade de apoio emocional, a qual emprega o programa nacional de saúde mental e prevenção do suicídio.

 

DEDICAÇÃO E SENSIBILIDADE

A Santa Casa de Misericórdia de Santos é um dos hospitais mais antigos do continente americano. Fundada em 1543, a entidade foi um dos fatores de desenvolvimento e internacionalização da cidade e do porto santista. Em quatro séculos de existência, como previu Brás Cubas, a Santa Casa seria uma constante porta aberta para o mar, sendo oásis para os navegadores e também para os moradores do litoral. Nessa instituição encontramos um grande número de profissionais e voluntários integrados em um processo colaborativo permanente na área médica e administrativa.  Atualmente, existe na Santa Casa um programa de voluntariado conhecido como “As Amarelinhas”. Esse grupo de voluntários há 47 anos é considerado um dos mais antigos e ativos da região.

Eles atuam em diversas áreas da Santa Casa, desde as rotinas fundamentais, ou seja, da hora do banho ou refeições à realização de eventos beneficentes para custear o transporte e enxovais para pacientes carentes e também materiais de uso diário nos leitos. De acordo com a voluntária Janette Briccola do Amaral, presidente da Associação das Voluntárias há 15 anos, para se tornar uma Amarelinha é preciso, principalmente, dedicação ao próximo e ser carinhosa com os pacientes. É um trabalho humanitário essencial e que influi muito na qualidade do atendimento e na melhoria da saúde dos enfermos. A dedicação e disponibilidade dessas pessoas tornam a dor e a solidão de uma internação hospitalar mais agradável e até feliz.

 


Santa Casa de Misericórdia da Santos: quatro séculos de história e voluntariado.

 

UMA ONG QUE SELECIONA E APERFEIÇOA VOLUNTÁRIOS

Com o objetivo de mostrar os benefícios do trabalho voluntário à formação profissional e sociocultural, pesquisamos também a ONG Centro de valorização da Vida- CVV, unidade de Santos; para isso, vivenciamos o ambiente.

Com 52 anos de existência, o Centro de Valorização da Vida possui um quadro de voluntários atendentes, disponíveis 24 horas por dia, em todos os dias da semana. A recepção ocorre por telefone, e-mail, chat e Skype ou pessoalmente e visa o acolhimento das pessoas com problema emocional e com propensão ao suicídio. Para atuar no CVV, são necessários alto comprometimento disciplina, uma vez que o atendimento ocorre em plantões e não há hora marcada para ocorrer. Os voluntários ficam à disposição para atender às emergências. Para tanto, existe uma escala diária, de quatro turnos; estes são divididos em plantões individuais de quatro horas e meia por semana. Existe um acompanhamento diário das atribuições do posto de atendimento. Como ocorre em uma empresa, prevalece a organização, o direcionamento e as tomadas de decisões por parte do grupo de voluntários para melhor atender às pessoas, para que não haja interrupções nos atendimentos.

O voluntário ciente do seu horário na escala de trabalho, não poderá faltar em hipótese nenhuma. Ele é responsável pelo plantão e pode prever sua ausência, solicitando dos outros voluntários ajuda para cobrir seu plantão.  Caso ocorra a falta sem substituição, o voluntário responsável é imediatamente excluído do grupo.

 


Posto do CVV em Florianópolis-SC: voluntários selecionados e treinados para saber ouvir.

 

Antes de ingressarem como plantonistas, os voluntários passam por um treinamento e um estágio monitorado, com os voluntários mais antigos; estes repassam as informações de todo o processo, sem opinar, impor religião ou qualquer outra concepção ideológica. No CVV, o objetivo é apenas ajudar as pessoas com imparcialidade, sem qualquer interferência, sabendo ouvi-las sem nenhum tipo de julgamento.

Aprovados nessa primeira etapa, os voluntários continuam sendo regularmente treinados, para manter um serviço de qualidade, dentro da missão e dos valores que o CVV cultiva como proposta de vida.

Segundo Renato Caetano de Jesus, voluntário há mais de 30 anos, o CVV “é um dos poucos trabalhos voluntários que seleciona os seus integrantes. Não é por exclusão, mas o que a gente procura fazer é mostrar se essa atividade de ajuda realmente é aquilo que a pessoa quer.”

Os voluntários do CVV são, na maioria, aposentados; no entanto, há também profissionais de diversas áreas, os quais  encontram no voluntariado uma forma de aprendizado, pois se tornaram mais flexíveis e tolerantes com os outros, tanto no trabalho como na vida pessoal. São pessoas que, acima de tudo, exercitam diariamente a arte de saber ouvir, principal característica do voluntário do CVV.

 

VOLUNTARIADO, APRENDIZADO ESCOLAR

Nas escolas públicas, setor social muito frágil e de difícil transformação, também existem diversos programas de voluntariado. Muitos desses programas ficaram conhecidos graças ao trabalho do Instituto Faça Parte, uma instituição que se especializou na pesquisa e difusão da cultura do voluntariado no Brasil. O Faça Parte possui diversos programas e publicações, as quais incentivam as pessoas a doarem seu tempo em prol do aprendizado das crianças, pois acreditam que este é o caminho seguro para um futuro melhor.

Embora seja uma responsabilidade do Estado, a educação pública no Brasil tem graves problemas de qualidade e eficiência que não dependem somente de governos e de profissionais de ensino. As necessidades dos alunos vão além dos muros das escolas e necessitam de ações culturais para neutralizar o desinteresse, o analfabetismo, a sedução pela criminalidade e a evasão escolar. O voluntariado nesse setor surgiu como uma opção para efetivar a atuação do Estado e dos educadores nos espaços escolares:

Conforme esclarece Milu Vilella (2014),  presidente do Instituto Faça Parte, no site correspondente :

Hoje se exercem muitas ações voluntárias em escolas, associações, empresas e clubes do nosso país. Estimulá-las e viabilizar novos projetos é contribuir com a formação de jovens capazes de oferecer o melhor de si para a realização do grande ideal de todos nós: um mundo mais humano. O voluntariado, que nasce do encontro da cidadania com a solidariedade, revela a força da sociedade em assumir responsabilidades e agir por si mesma. Assim, valorizamos, antes de tudo, os esforços que já vêm sendo feitos por professores, educadores, pais e jovens no Brasil – todos voluntários que querem ser agentes de transformação. (VILELLA, 2014)

Uma das ações mais conhecida do Instituto Faça Parte foi o Programa Escola da Família, realizado em parceria com o governo do estado de São Paulo e a Fundação Ayrton Senna. Essa parceria permitiu um olhar diferenciado sobre as escolas, um vínculo mais estreito com os profissionais de ensino e com as atividades pedagógicas. Esse relacionamento entre escola e comunidade sofria um desgaste social durante longos anos, obstáculo gradualmente removido pelas ações voluntárias. O Programa pretendia um resgate da escola como espaço cultural alternativo e não somente como unidade escolar formal. Assim sendo, as escolas foram abertas nos finais de semana para que profissionais, universitários, bolsistas e voluntários comunitários pudessem atuar em conjunto nas ações transformadoras. Entre as ações mais comuns adotadas nas melhorias das escolas pelo Programa Escola da Família estão reformas e mutirões de limpeza; gincanas e eventos; campanhas; atividades educativas, como contar histórias para crianças; entretenimento para diversas faixas etárias; passeios culturais; projetos de média duração, atendendo a necessidades específicas da comunidade; cursos, oficinas e palestras, colocando suas habilidades profissionais específicas a serviço da comunidade; formação de rede de contatos para articular parcerias para o desenvolvimento de ações e projetos na escola.
 

Atividades esportivas realizadas no Programa Escola da Família no Distrito de Rechã – Itapetininga/SP

 

Outro aspecto do programa Escola da Família é o voluntariado corporativo, o qual busca incentivar a participação de funcionários das empresas em ações voluntárias, combinando, dessa forma, a experiência social cidadã com a aprendizagem gestora.

Em diversas experiências, o voluntariado é um importante segmento nas ações de responsabilidade social das empresas. Nele, todo mundo ganha. Escolas e comunidades ganham fortes aliados para desenvolver as ações do Programa, podendo realizar projetos duradouros e de qualidade. A empresa fortalece seu vínculo com o funcionário, promovendo uma oportunidade para o exercício da cidadania. Além disso, contribui para a busca de soluções de problemas sociais e tem maior reconhecimento de sua imagem. O voluntário se realiza por estar envolvido em um trabalho social e cooperativo, pode adquirir novas experiências, habilidades e descobrir talentos.

É de suma importância a participação em projetos os quais irão beneficiar a própria sociedade. É relevante valorizar os esforços das entidades em resgatar a dignidade e bem estar das pessoas, vítimas de uma desigualdade social que pode ser reduzida com oportunidades de transformação.

De acordo com o educador e pedagogo, Antônio Carlos Gomes da Costa (2015) em seu site, “ser voluntário é envolver-se numa ação solidária, disponibilizando, para a consecução dos objetivos em pauta, parte de seu tempo, de seus conhecimentos, de sua energia ou, mesmo, de seus recursos.”

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas observações e relatos de pessoas atuantes como voluntários, verificamos a influência do voluntariado na difusão de valores positivos e na formação de profissionais mais conscientes de seu papel de transformação social. A atuação e aprendizagem no universo do voluntariado colaboram para a inserção no mercado e na gestão de pessoas, difundindo o conhecimento e experiências adquiridas. Tornam-se naturalmente agentes de transformação, com decisões voltadas ao próximo, mais flexíveis e tolerantes na mediação de conflitos. Além disso, mais organizados na gestão de seu tempo e mais comprometidos com os resultados e a qualidade de seu trabalho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORIM, Edgar. Os sete saberes para a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

SANTOS, Dalmo Duque dos. Como vai você? CVV, 50 anos ouvindo pessoas. São Paulo: Aliança, 2012.

SILVA, Reinaldo.  Administração Geral. São Paulo, SP: Pearson Prentice Hall, 2012.

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Revolução, a revolução da vontade, coleção jovem voluntário, escola solidária. São Paulo: Fundação Educar D Paschoal. Disponível em http://www.facaparte.org.br/?page_id=46
Acesso em 31 de outubro de 2014.

ESTADO. VILELLA, M. Voluntariado educativo. Disponível em:
http://www.facaparte.org.br/
Acesso em 26 de Agosto de 2014.

________. Centro voluntariado de São Paulo. Disponível em:
http://www.voluntariado.org.br/
Acesso em 26 de Agosto de 2014.

_________. Centro de Valorização da Vida. Disponível em:
http://www.cvv.org.br/
Acesso em 31 de outubro de 2014.

________. Programa Escola da Família. Disponível em:
http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/default.html
Acesso em 31 de outubro de 2014.

TRIGUEIRO, André. Lado resolvido do Brasil é fruto do trabalho voluntário.
Disponível em: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/andre-trigueiroLADO-RESOLVIDO-DO-BRASIL-E-FRUTO-DO-TRABALHO-VOLUNTARIO.htm
Acesso em 12 de Julho de 2014.