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CARTA ABERTA REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A INICIAÇÃO CIENTÍFICA

CARTA ABERTA

REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A INICIAÇÃO CIENTÍFICA

 

 

MARCELLO ÁRIAS DIAS DANUCALOV
Doutor em Ciências (Psicobiologia) – UNIFESP
UNIBR – Faculdade de São Vicente
marcello@e-marcelloarias.com.br

 

 

A ciência não desvela truísmos. Ao contrário, faz parte da grandeza e da beleza da ciência o fato de podermos aprender, através de investigações conduzidas com espírito crítico, que o mundo é inteiramente diverso daquilo que chegamos a imaginar, até que nossa imaginação seja estimulada pela refutação de teorias anterioresKarl Popper

 

 

No final do ano de 2013, a Faculdade de São Vicente – UNIBR – deu os primeiros passos rumo ao desenvolvimento de seu Programa de Iniciação Científica. As Diretrizes e Normas foram discutidas e aprovadas pelo nosso corpo docente. Hoje, embora ainda estejamos em uma fase embrionária, já construímos uma pequena história, cujos resultados serão publicados em uma edição especial da Revista Matter. Nela, constarão as pesquisas científicas realizadas pelos alunos participantes, durante o ano de 2015. Assim sendo, temos a responsabilidade de discutir e refletir sobre os desafios de tal projeto. Nesse sentido, os objetivos desta carta aberta são: realizar uma breve introdução sobre a Ciência; pontuar particularidades dos tão necessários e pouco compreendidos Programas de Iniciação Científica.

 

 

Seis maneiras de fruir o mundo 

Como se sabe, o homem tenta conceder sentido à sua existência desde que começou a diferenciar-se dos outros animais e iniciou sua aventura pelos territórios do pensamento.  A percepção de que está inserido na temporalidade, e, consequentemente, a constatação de que é um ser finito, provavelmente tem motivado-o na incessante busca por explicações as quais lhe apaziguem a inexorável angústia que teima em acompanhá-lo na jornada pela vida. Assim, tem buscado fruir o mundo e conceder-lhe significado por meio da utilização de distintos saberes. Em tempos remotos, os mitos foram relevantes para sua organização psíquica, e podem ter originado algumas das religiões. A arte também tem sido sua companheira desde a noite dos tempos, e tem-lhe servido de refúgio quando suas dúvidas clamam por uma explicação que transcenda os limites da linguagem falada. O senso comum, uma forma espontânea de entender o mundo, é precioso, pois, mesmo sendo uma abordagem rudimentar de investigação da vida, concede-lhe praticidade, além de auxiliar a resolver inúmeros problemas do cotidiano; porém, houve momentos em que as regras e os rigores do pensar passaram a ser necessários, quase imperativos. Pensadores da Grécia, por conseguinte, legaram à Humanidade a Filosofia – um tipo diferente de racionalidade, pautado na argumentação lógica. A Filosofia foi patrocinadora de revoluções intelectuais e progenitora da Ciência Moderna.

 

Muito se fala a respeito da Ciência; contudo, quantos de nós estamos aptos a serem seus porta-vozes? Em um livro encantador, O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro, Carl Sagannos provoca a reflexão (SAGAN, 1997, p.39):

 

Nós criamos uma civilização global em que elementos mais cruciais – o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto – dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém, mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância vai explodir em nossa cara.

 

Tendo a concordar com Carl Sagan. Durante minha trajetória profissional, estive em contato com milhares de alunos universitários. Ministrei aulas nos mais variados cursos superiores, entre outros: Medicina, Educação Física, Fisioterapia, Nutrição, Administração, Comércio Exterior, Processos Gerenciais. Por estar francamente inserido no ambiente acadêmico, e por ser a universidade o local legítimo para se falar e fazer Ciência, é de se esperar que seus agentes – alunos de Graduação, de Pós- Graduação lato e stricto sensu, assim como professores e orientadores – sejam conhecedores dessa forma de saber e fruir o mundo; todavia, não é exatamente isso que ocorre. Arriscaria dizer que, em nosso país, pouquíssimos alunos, egressos de cursos superiores – oriundos de instituições particulares ou públicas – têm uma noção minimamente esclarecida sobre a definição e o significado da Ciência. Arrisco-me a afirmar também que entre os docentes do ensino médio ou universitário a situação não é muito diferente.

 

Em muitas ocasiões, percebi que as aulas de Metodologia da Pesquisa Científica – ao menos nas faculdades particulares– são conduzidas por professores que não publicaram sequer uma boa pesquisa científica em suas trajetórias profissionais. Isso não significa que o docente não possa ser extremamente competente para ministrar outra disciplina, de cunho técnico, por exemplo. Nesse caso, a disciplina Metodologia da Pesquisa Científica passa a ser um “lugar” onde se discutem regras cosméticas de apresentação do conteúdo, sendo este, muitas vezes, um aglomerado de dados desconexos, pouco representativos daquilo que se espera de uma investigação científica, ainda que singela. Em algumas universidades públicas do país, os problemas podem ser de outra ordem, uma vez que alguns programas de mestrado ou de doutorado não se preocupam em transmitir aos discentes conceitos basilares sobre o fazer científico.

 

Eu mesmo, durante o doutorado, não recebi nenhuma informação imprescindível para a formação de um pensar científico sólido. Mais uma vez, ouso afirmar que poucos mestres e doutores brasileiros leram a obra Discurso do método de Descartes, ou obtiveram informações – ainda que superficiais -, sobre Karl Popper e Thomas Kuhn, representantes legítimos da Filosofia da Ciência, os quais nos ajudaram a compreender os alcances e os limites da Ciência; asseguro que tal lacuna não deveria existir, pois alguns pensadores – apesar de oriundos do início da modernidade – ainda são fundamentais para ampliar a crítica e a reflexão sobre os alcances e os limites do pensar científico; sendo assim, jamais deveriam ser menosprezados pelos currículos de todo e qualquer curso superior, uma vez que a compreensão do saber estaria sensivelmente maculada.

 

 

Metodologia e intersubjetividade na ciência

A Ciência se distingue das demais formas de saber pelo controle rigoroso dos agentes sociais. Nesse sentido, os conhecimentos científicos devem ser objetivos e as afirmações controladas pelos pequisadores, ou seja, intersubjetivamente controláveis. Dessa forma, os saberes emanados necessitam de compreensão, confirmação ou refuta do meio no qual se inserem; logo, todos os agentes sociais do campo científico têm direito e dever de criticar os conhecimentos oriundos do seio da Ciência. Assim, o conceito de intersubjetividade ambiciona garantir que as teorias científicas não se tornem proposições baseadas em um único ponto de vista, como muitas vezes ocorre na crença religiosa, pois alguns agentes deste campo julgam a verdade de sua doutrina como a única passível de crédito.

A Ciência alia-se também à guerra contra os autores de autoajuda – propagadores de verdades absolutas fundamentadas em meras suposições -, muitos deles enaltecidos e reproduzidos em cursos superiores, como, por exemplo, os de Administração, cujas “teorias científicas” (grifo nosso) advindas dos gurus do mundo corporativo são repassadas aos alunos como verdades inquestionáveis.

Como se disse, a distinção da Ciência é realizada por meio de procedimentos metódicos e rigorosos, os quais buscam a isenção de interesses particulares. Tais metotodologias garantem o conhecimento válido, caracterizado pela confiabilidade da observação, verificação e constatação, respaldadas pelas pesquisas científicas. Tais critérios mantêm a severidade necessária e torna o conhecimento claro, preciso e unívoco, ainda que nunca perfeito, acabado, imaculado.


Revolução Científica

A Revolução Científica iniciou-se com a publicação da obra De revolutionibus, de Nicolau Copérnico (1473 – 1543); por meio dela, ficou denominada a Ciência Moderna, em oposição à Ciência Antiga (a qual não será discutida no presente texto). Copérnico revoluciona a Astronomia ao afirmar que a Terra se move ao redor do Sol e sobre seu próprio eixo. Com a chamada inversão copernicana, não apenas o paradigma astronômico se altera de maneira radical, como também toda a concepção de mundo vigente até o século XV. Acerca deste assunto, Reale e Antiseri (2004, p. 143) comentam:

 

Mudando a imagem do mundo, muda também a imagem do homem. Mas também, progressivamente, muda a imagem da ciência. A revolução científica não consiste somente em adquirir teorias novas e diferentes das anteriores […]. Ao mesmo tempo, a revolução científica é revolução da ideia de saber e de ciência. A ciência – e esse é o resultado da revolução científica, resultado que Galileu iria explicitar com clareza absoluta – não é mais a intuição privilegiada do mago ou astrólogo iluminado, individualmente, nem o comentário a um filósofo (Aristóteles) que disse “a” verdade e toda a verdade, isto é, não é mais um discurso sobre “o mundo de papel”, mas sim investigação e discurso sobre o mundo da natureza.

 

Se Copérnico disseminou a semente revolucionária sobre a Ciência, coube a Galileu Galilei (1564 – 1642), todavia, transformá-la em prática. Para ele, os conhecimentos científicos deveriam se desvencilhar da fé e das escrituras sagradas. Caberia à Ciência a descrição do mundo físico tal como é, enquanto as doutrinas religiosas deveriam limitar-se aos assuntos da alma e sua salvação. Galileu foi um dos precursores dos testes controlados, muito embora suas experiências ainda não seguissem nenhuma metodologia, rigorosamente especificada e intersubjetivamente aceita.

 

Juntamente com Galileu, outros nomes ajudaram a fomentar o pensamento científico da modernidade, tais como Francis Bacon (1561 – 1626), cuja obra Novum Organum (1620) nos apresenta as ideias principais da Filosofia Experimental. René Descartes (1596 – 1650), também conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius, atuou como filósofo, matemático e físico e foi uma das principais personagens da Revolução Científica da Modernidade. Sua obra Discurso do método (1637) providencia alguns dos alicerces fundamentais para a constituição do método científico; de modo geral, é provável que opiniões sobre Ciência sejam emitidas sem a leitura de tal texto, infelizmente. Algo como posicionar-se sobre a atual crise política do Brasil sem ter lido a Constituição da República Federativa de nosso país.

 

No rastro do grande salto do pensamento humano, Isaac Newton (1642 – 1727) obteve a máxima expressão dentro da Revolução Científica, deflagrada por Copérnico. Com a obra Philosophiae naturalis principia mathematica –Princípios matemáticos da filosofia natural, de 1687, Newton sintetiza o conhecimento científico disponível até aquele momento, descrevendo de forma majestosa a natureza física e, a partir de sólidos referenciais metodológicos, a teoria da gravitação universal e as três leis gerais do movimento. Estabelece no livro III dos Principia algumas regras do raciocínio filosófico, diretamente relacionadas à sua maneira de pensar e fazer Ciência. De lá para cá, muitos outros capítulos foram escritos, e inúmeros personagens ajudaram a promover o conhecimento científico, inclusive com diferenciações metodológicas importantíssimas, as quais culminaram com a separação entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais, cujos estudos podem embasar futuros artigos nesta Revista. Por ora, no entanto, pontuo algumas questões relativas aos Programas de Iniciação Científica.

 


INICIAÇÃO CIENTÍFICA E APRENDIZAGEM

Desde o início de minha carreira acadêmica, há trinta anos, ouço discursos a respeito do tripé do Ensino Superior: Ensino, relativo ao preparo para o exercício profissional; Extensão, relativa à tomada de consciência com consequente implementação de práticas de responsabilidade social e Pesquisa, relativa ao desenvolvimento da capacidade reflexiva individual. Minha experiência, contudo, mostra-me raros exemplos de Instituições apoiadas de maneira equilibrada nesse tripé. Não raro, a Pesquisa acaba sendo deixada de lado em detrimento do Ensino e da Extensão. Sem sombra de dúvidas, cabe à Iniciação Científica o instrumento educativo de maior relevância, ou seja, a vivência do processo do conhecimento, e não somente com o produto desse processo, pois, muito mais pertinente do que o desenvolvimento de uma nova ideia ou tecnologia, a Iniciação Científica outorga ao aluno a possibilidade de desenvolver novas estratégias de aprendizagem. Além disso, o estudante terá a oportunidade prazerosa, caso seja bem sucedido, de apresentar o trabalho realizado em congressos ou publicá-lo em veículos de divulgação do pensamento científico. Esses seriam importantes passos rumo a um reconhecimento institucional e profissional. Para isso, entretanto, é imprescindível o envolvimento do corpo docente e, principalmente, dos professores orientadores, atrelados aos Programas de Iniciação Científica.

 


PERFIL DOS AGENTES ENVOLVIDOS NA INICIAÇÃO CIENTÍFICA
 

Espera-se do professor orientador a detenção de pré-requisitos, tais como:

 

   -Sólido histórico acadêmico;

   -Vivência comprovada na área com publicações relevantes (livros e artigos científicos);

   -Conhecimento da complexidade do pensar filosófico/científico;

   -Visão sistêmica da academia e de suas disciplinas;

   -Acessibilidade e motivação.

 

Por sua vez, espera-se dos orientandos, que não almejem pertencer aos Programas de Iniciação Científica motivados somente pelo desejo de conquistar os descontos advindos das bolsas de estudo concedidas por algumas Instituições, mas demonstrem características indicadoras do interesse genuíno e vocação para pesquisa, tais como:

 

   -Capacidade de observação;

   -Discernimento e acurada capacidade para propor soluções aos problemas estudados;

   -Curiosidade pelo conhecimento;

   -Vontade irrefreável de aprender;

   -Dedicação responsabilidade frente às atividades impostas pela IC;

   -Persistência, e;

   -Capacidade de convivência em equipe, assim como excelente maturidade dialógica.

 

Por seu turno, os Programas de Iniciação Científica devem estar conscientes de suas responsabilidades frente aos alunos orientandos. A Resolução Normativa nº 006 do CNPq, datada de 09/04/1996, pontua-os de maneira clara. Cabe à IC:

 

   -Desenvolver a vocação científica e estimularos estudantes de Graduação mais talentosos mediante participações em projetos de pesquisa;

  -Apresentar ao estudante universitário as características e peculiaridades do método científico, que proporcionará a ele novas maneiras de aprender;

   -Despertar no aluno uma nova mentalidade em relação à pesquisa;

   -Estimular o desenvolvimento do pensar científico, reflexivo, assim como da criatividade decorrentes das condições criadas pela confrontação direta com os desafios da pesquisa e;

   -Possibilitar a diminuição do tempo de permanência do aluno em futuros programas de Pós-Graduação.

 

Como se disse, a Faculdade de São Vicente inicia sua trajetória rumo à sedimentação da IC. Muitos são os desafios, não somente desta Faculdade, mas de toda e qualquer Instituição que almeje fomentar o desenvolvimento harmonioso do tripé Ensino, Extensão e Pesquisa. Para a solidificação, é necessário o empenho da comunidade acadêmica, de todos os professores, sem distinção de áreas ou titulação. O envolvimento do corpo docente da Faculdade de São Vicente, ainda incipiente, é de suma importância para a expansão da Iniciação Científica e, sobretudo, do pensamento científico na comunidade vicentina. Para tanto, torna-se necessário estabelecer algumas metas, tais como:

 

   -Sistematizar e institucionalizar a pesquisa;

   -Incentivar o Núcleo de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente, visando maiores articulações entre a Graduação e a Pós-Graduação;

   -Conceder bolsas para os programas de pós-graduação aos melhores alunos da IC;

   -Disseminar progressivamente o pensamento científico na Graduação, com introdução da disciplina Metodologia e Filosofia da Ciência em todos os cursos superiores da UNIBR;

  -Solidificar a participação docente em grupos de estudo relativos aos temas desenvolvidos nas Linhas de Pesquisa vigentes no Núcleo de Iniciação Científica da UNIBR e;

   -Favorecer a construção mais efetiva do saber.


RELAÇÃO DA INICIAÇÃO CIENTÍFICA COM A GRADUAÇÃO

Por meio de minha experiência, hipotetizo que a IC possa alavancar a Graduação de muitas maneiras, sobretudo, o desenvolvimento de posturas mais críticas, no universo discente, uma vez que os alunos atrelados à IC serão disseminadores dos conhecimentos adquiridos durante a vigência de suas experiências como pesquisadores; isso pode ser constatado pelas declarações a seguir:

 

O que me levou a querer participar da IC foi uma simples pergunta que eu nunca havia sequer pensado: qual a vida que vale a pena ser vivida? Foi por não conseguir respondê-la que busquei qualificar-me para a IC. A experiência está sendo uma das melhores que já tive, pois acredito que a IC pode me ajudar muito, não só na carreira acadêmica, mas também em meu desenvolvimento pessoal, como ser humano. Os ganhos acadêmicos são devidos aos conhecimentos que estou adquirindo, assim como o conjunto de habilidades técnicas que estou aperfeiçoando. Tudo isso também tem me ajudado muitona graduação. No que tange a vida pessoal a IC também tem sido importante, pois a troca de informação que a mesma proporciona é fantástica, e eu, como aluno, tenho a oportunidade de trabalhar com pessoas extremamente esclarecidas e que tem uma maneira linda de ver e interpretar o conhecimento. A oportunidade de aprender com pessoas assim me ajuda a adquirir e fortalecer alguns de meus valores.

Henrique de Carvalho Ribeiro Cruz

Bolsista do Núcleo de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente – UNIBR

 

Segue o relato da aluna Natália do Carmo Dantas Cruz:

 

No ano de 2015 iniciei como aluna bolsista do Núcleo de Iniciação Cientifica da Faculdade de São Vicente – UNIBR, e após dar inicio ao aprendizado dos métodos científicos e todas as técnicas de desenvolvimento de uma pesquisa científica que culminará em um artigo, notei o quanto seria importante para minha formação acadêmica aquele aprendizado. Os trabalhos que eu desenvolvia nas disciplinas eram fracos e o meu próprio TIC – Trabalho Interdisciplinar de Curso – estava mal redigido.  Aprendi o quanto leitura é primorosa para uma boa formação. Contudo, e infelizmente, notei que durante a minha estadia na Faculdade, foram poucas as ocasiões em que vi professores adentrarem a sala de aula portando livros, incentivando e mostrando a importância daquela ferramenta no decorrer de nossa formação e por que não da vida.  Outros tantos apresentaram livros pseudocientíficos, sem fundamentação acadêmica, sem referências bibliográficas sólidas. Posso citar como exemplo o livro O corpo fala, de Pierre Weil e Rolands Tompakow, que pode até agradar o público em geral, mas não deveria ser base referencial de um curso superior. Vi poucos professores encantados que traziam em sua bagagem didática um pensamento crítico, ponderado e reflexivo. E em dois anos de Faculdade somente em duas ocasiões ouvi referências às bases de dados como a Scielo e a BIREME, uma delas na IC e outra de um professor orientador da IC. Confesso que, desde então, não ouvinenhum outro professor falar sobre essas importantíssimas fontes de pesquisa, que são muito mais ricas do que o Dr. Google. Gostaria muitíssimo que todos os alunos tivessem a oportunidade que estou tendo, pois assim, a troca de informações, até mesmo as internas – entre alunos – seriam mais proveitosas. Quero ressaltar alguns pontos fortes desta minha experiência com a IC: fiquei mais criteriosa; melhorei as interpretações de textos; as buscas por informações ficaram mais ricas; melhorei meu habito de leitura; aprendi a ler “as coisas certas”, pois julgo que não tenho mais tempo a perder com formulas universais pautadas na autoajuda; redijo trabalhos com mais primor; adquiri novas maneiras de pensar; conheci autores que me encantaram com seus pensamentos. Enfim, está sendo um aprendizado para a vida e só posso agradecer a Faculdade de São Vicente por estar tentando melhorar a cada dia.

 

Bolsista de IC da Faculdade de São Vicente – UNIBR

 

Tais declarações demonstram não só a relevância da IC como intrumento de aprendizagem, o desenvolvimento de uma postura crítica frente às informações recebidas, como também, sinalizam o papel dos professores na condução de sua prática pedagógica.


PESQUISA CIENTÍFICA: VANTAGENS E DESVANTAGENS

São amplos os sentidos concededidos à palavra pesquisa. Ela pode indicar desde atividades de busca e organização de informações até metodologias sistemáticas para compreensão de fenômenos de ordem geral. Caberá a toda e qualquer Instituição definir de maneira clara o percurso de seus Programas de Iniciação Científica e suas vantangens e desvantangens. Com relação às vantagens, segue uma série de benefícios, tais como:

 

   -Geração de um ambiente acadêmico mais competente e competitivo;

   -Desenvolvimento de um ambiente acadêmico mais crítico, onde também se possa encontrar uma sadia curiosidade pelo saber;

   -Obtenção do status de Centro Universitário;

   -Fator de atração de alunos mais criativos que poderão tornar-se, no futuro, intelectuais produtores de Ciência, potenciais agregadores de capital simbólico à Instituição;

   -Geração de bases sólidas para a Pós-Graduação;

   -Socialização do conhecimento em toda a comunidade acadêmica, desde alunos, professores de Graduação e de Pós-Graduação;

   -Externalização do conhecimento produzido pela IC e utilizado em Projetos de Extensão;

   -Diferenciação da Instituição, de mera Instituição devotada ao ensino e reprodução de saberes à Instituição promotora de saberes;

   -Aproveitamento da IC como forma de marketing institucional. O Dr. Flávio Bortolozzi afirmou, em palestra ministrada na Instituição Mackenzie em 29 de setembro de 2016 que: “Neste sentido, a divulgação da pesquisa pode ser mais atraente do que qualquer peça de propaganda feita para atrair alunos.

A pesquisa de qualidade é divulgada nos meios de comunicação qualificados, gratuitamente e confere especial prestígio à Instituição universitária a qual está vinculada.”

 

Como afirmado acima, não se pode perder de vista, entretanto, os previsíveis riscos e problemas, durante o período embrionário de implantação dos Programas de Iniciação Científica. Alguns deles são:

 

   -Produções intelectuais deficitárias e onerosas em curto prazo, o que acarretará custos para a Instituição de Ensino Superior;

   -Investimentos em recursos humanos – professores qualificados e titulados -, e em estruturas físicas minimamente adequadas.

 

Como se viu, os benefícios superam os riscos e gastos e, dentre os desafios, ressalto a necessidade da harmoniosa convivência entre alunos e professores. Há muito ouvimos a respeito da gravidade das Instituições Educacionais no repasse do ensino-aprendizagem, porém, não podemos esquecer que, todos nós, professores universitários, fomos vítimas também de um sitema educacional severamente doente. Ora, se a base do estudo é deficitária, o ápice também o será. Se a formação pretérita foi de má qualidade, haverá, indubitavelmente, lacunas a serem preenchidas, inclusive por nós, agentes do campo acadêmicos.

 

Há um ano entrei em contato com um texto provocativo de Luis Felipe Pondé. Intelectual diferenciado e pensador polêmico, Pondé é, contudo, em minha opinião, possuidor de uma capacidade argumentativa rara. A reflexão abaixo é provocativa, cáustica, ainda que necessária:

 

Sou professor e gosto de dar aula, coisa rara na área. Na maioria dos casos, Professores de universidade (ou não) são pessoas que, além de não gostar dos alunos, têm uma inteligência mediana e foram, quando jovens, alunos medíocres, que fizeram ciências humanas porque sempre foi fácil entrar na faculdade em cursos de ciências humanas. Claro que quase todos pensavam em si mesmos como Marx ou Freud ainda não revelados. Ao final, o que se revela com mais frequência é alguém fracassado que ganha mal e odeia os alunos. Professores normalmente não gostam de ler ou de estudar, mas dizem que esse pecado é apenas dos alunos. Há um enorme sofrimento na maioria dos professores porque têm de fingir o tempo todo que acreditam na importância do que fazem. A maioria sucumbe (PONDÉ, 2012, p.91)

Pondé provoca, humilha e produz toda sorte de desconforto existencial em nós, professores; todavia, sem passar por este mal estar, e sem realizar uma profunda reflexão sobre nosso estatuto    de educadores/professores, toda e qualquer iniciativa de produzir um Programa de Iniciação Científica sério e bem sucedido pode resultar somente em mais um fracasso de um país que ainda engatinha nas áreas da Ciência, Tcnologia e Educação.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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________. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.

LOSEE, J. Introdução histórica à filosofia da ciência. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 2000.

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_________. Confissões de um filósofo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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NEWTON, I. Princípios matemáticos. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

PONDÉ, L.F. Guia politicamente incorreto da filosofia: ensaio de ironia. São Paulo: Leya, 2012.

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POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Pensamento/Cultrix, 2013.

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SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma chama no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

DOCUMENTO ELETRÔNICO

GAMA, R. Entre A fé e a razão. http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/entre-a-fe-e-a-razao. Acesso em 01/11/2014.

Agradecimento especial ao Prof. Dr. Flávio Bortolozzi, que gentilmente cedeu materiais didáticos pessoais, utilizados na elaboração de algumas das ideias contidas nesta comunicação.