Arquivo da categoria: Volume 5, número 1 (2014)

A IDENTIDADE DO PROFESSOR: DIMENSÃO PESSOAL

A IDENTIDADE DO PROFESSOR: DIMENSÃO PESSOAL

TEACHER’S IDENTITY: PERSONAL DIMENSION

 

Profª Sheila S. C. B. Borges

Mestre em Educação – UNISANTOS – Santos – S.P.

Professora da UNIBR – São Vicente

E-mail: teacher_sheila@hotmail.com

 

RESUMO

 

Este artigo tem como objetivo apresentar a dimensão pessoal que compõe a identidade do professor. Assim sendo, tomamos como conceitos essenciais para o estudo da identidade do professor: o autoconhecimento, com o intuito de compreendermos melhor como o professor (re)constrói sua identidade. Escolhemos como teórico para esta dimensão Morin (2001, 2003, 2006, 2008). Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa qualitativa, assim podemos compreender o professor em seu ambiente natural, a sala de aula, observando melhor seu comportamento, suas interações e as situações enfrentadas.

 

PALAVRAS-CHAVE: autoconhecimento, alteridade, identidade.

ABSTRACT

 

This article has as an objective to present the personal dimension that composse the teacher identity. Being so that, we consider as essential concepts to the study of the teacher identity, the self-knowledge, intending to understand better how the teacher (re)builds his/her identity. We have chosen as the theoritician Morin (2001, 2003, 2006, 2008)for this dimension . The data were obtained from a qualitative research, so we can understand the teacher in his/her natural habitat, observing better his/her behavior, his/her interactions and in the situations faced.

 

KEYWORDS: self-knowledge, alterity, identity.

INTRODUÇÃO

 

A identidade do professor é formada por três dimensões: pessoal, profissional e institucional ou organizacional. Abordaremos neste momento somente a dimensão pessoal, no entanto, faz-se necessário primeiro compreendermos o que vem a ser identidade. Temos como referencial teórico Morin (2006,2008), segundo o qual somente haverá “reforma” na educação se houver a “reforma do pensamento” dos educadores. De acordo com o autor, é a partir da “compreensão humana que se pode lutar contra o ódio e a exclusão” e, assim, reformar” o pensamento, pois, a partir do momento em que compreendemos o outro, não temos motivos para excluí-lo.

Para Morin, (2008) a identidade do sujeito é composta de um princípio de distinção (momento de separação do “eu” subjetivo do “eu” objetivo); de diferenciação (momento das transformações), e o de reunificação (momento da união da exclusão com a inclusão). Neste artigo, destacaremos os conceitos de sujeito, de conhecimento, de alteridade e de consciência, que interligados nos levam, de acordo com Morin (2008), ao autoconhecimento e, consequentemente, à conscientização.

DIMENSÃO PESSOAL

A Dimensão Pessoal, como mencionado no início deste artigo, encontra-se embasada nos conceitos de autoconhecimento e consciência (MORIN, 2001,2003,2006,2008).
Para compreendermos como se chega ao processo de autoconhecimento e conscientização, precisamos esclarecer alguns conceitos como: concepção de sujeito, conhecimento, alteridade e consciência.

Iniciamos pela concepção de sujeito (1º conceito) apresentada por Morin (2006). Como nos diz na epígrafe inicial, a identidade é composta de um princípio composto de três partes. A primeira: da distinção, o qual se refere à separação do sujeito em dois “Eus”; o subjetivo e o objetivo. o “Eu” subjetivo está relacionado à auto referência, ou seja, a capacidade que temos de nos referimos a nós mesmos; enquanto o “Eu” objetivo, refere-se à possibilidade de nos referirmos ao “não-eu”, aos “outros”. Trata-se da exo referência (referência ao mundo exterior).

De acordo com o autor, a diferenciação é a continuidade do “eu”, apesar das transformações físicas e psicológicas pelas quais passamos, não deixamos de ser nós mesmos. Seria o que Morin (2006) denomina de “permanência da auto-referência.” A reunificação, por sua vez, é composta de dois princípios que se interligam: o da inclusão e o da exclusão. A exclusão remete-se ao fato inclusão, de que somos únicos, ninguém pode ser “Eu”, mesmo irmãos gêmeos, não podem ser “Eu” no lugar do outro. A inclusão, por sua vez, faz oposição ao anterior, é o momento em que incluímos em nossas vidas: familiares, alunos, companheiros de trabalho etc. Este antagonismo se reflete de duas formas, como podemos perceber na afirmação de Morin (2006, p. 121): “o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e a devoção absoluta.” É neste princípio, que destacamos a comunicação entre sujeitos de uma mesma espécie, ou seja, de uma mesma cultura, de uma mesma sociedade.

Para que haja esta comunicação entre os sujeitos, a cultura e a sociedade é necessário o conhecimento (2º conceito). O que é mesmo o conhecimento?

Morin (2008, p. 64) diz que não podemos “separar o ser, o fazer e o conhecer.” O conhecer, como afirma o autor, é constituído de três operações:
• a tradução em signos/símbolos e em sistemas de signos/símbolos;
• a construção, ou seja, tradução construída a partir de princípios*regras (“programas”) que permitem constituir sistemas cognitivos articulando informações/signos/símbolos;
• a solução de problemas, “a começar pelo problema cognitivo da adequação da construção tradutora à realidade que se trata de conhecer.” (MORIN, 2008,p.58)

Assim sendo, o conhecimento é um objeto como os outros, ele serve para conhecermos outros objetos e a nós mesmos (autoconhecimento) (MORIN, 2001, 2008). O conhecimento é complexo, ou seja, tecido junto, é composto de experiências, aptidões, compreensões, assim como de emoções. É esta complexidade que reflete a temporalidade do conhecimento.

De acordo com Morin (2008, p.119), “a representação é composta de qualidades tais como: estabilidade, coerência, constância, totalização, globalização e constextualização.” Trata-se de uma configuração mental que formará uma imagem de coisas reais com uma apropriação subjetiva. Percepção, por sua vez, “refere-se a como recebemos a imagem através dos sentidos: tato, olfato, audição e paladar” (p. 119,120). A rememoração consiste, então, na representação duplicada e transformada em fantasia. O conhecimento humano é organizador de “representações (percepções, rememorações) e produtor de discursos, ideias, mitos e teorias, uma reflexão do espírito sobre si mesmo e suas atividades” (MORIN, 2008, p.225). Tomamos, aqui, o conceito de “representação”, em Morin, para compreender quais “qualidades” compõem a identidade do Professor.

A alteridade (3º conceito) trata da “dualidade implícita” que há no sujeito. É seu ego que ao mesmo tempo traz em si o outro ou a capacidade de comunicar-se com outrem. Morin (2006) considera “o outro não apenas como ego alter, um outro indivíduo sujeito, mas também com alter ego, um outro eu mesmo, com quem me comunico, simpatiza, comungo” (2006, p.123)

Ou seja, o “outro” não PE apenas um indivíduo sujeito alheio a mim, mas um outro “eu” mesmo, já que vejo o “outro’ através de minhas representações e é com ele que vivo, me comunico, simpatiza e comungo, posto que vivo em sociedade. É a etapa em que passamos da distinção à reunificação, momento em que incorporo outros “eus”, passando do “egocentrismo ao sociocentrismo” .

Ao falarmos de alteridade temos que retornar a ideia de representação que, de acordo com Morin (2008), é “a compreensão ou conhecimento dos próprios atos, sentimentos, pensamentos, intenções, finalidade dos outros” (p.159). Ou seja, compõem-se da projeção (de si para o outro) e da identificação (com o outro). Seria o que o próprio autor chama de complexos imaginários, formado pela interdependência de projeções, identificações e transferências.

Para o autor, a identificação, por sua vez, está relacionada à introjeção, momento em que o indivíduo se identifica com o outro, tornando ‘pessoal ou próprio o que lhe é exterior ou estranho.

As transferências, nada mais são do que o resultado da projeção e da identificação, de “sentido inverso” (MORIN, 2003, p.90). Por exemplo, podemos projetar a imagem de alunos comportados, estudiosos e atentos aos nossos alunos com uma tentativa de tornar o imaginário real e vice-versa.

O autor nos introduz, também, o conceito de self-deception, que seria o ato de mentir ou enganar a respeito de si mesmo. Este processo é resultado da necessidade de autojustificar seus erros e ilusões, projetando sobre o outro a causa do mal.

A consciência (4º conceito), por sua vez, é uma forma de conhecimento, é a reflexividade do espírito, é o retorno sobre si mesmo via linguagem. Permitindo-nos o conhecimento de nós mesmos (autoconhecimento), dando-nos o conhecimentyo integral daquilo que é, de onde está, do que realmente se sabe e do que certamente se ignora.

A consciência, como afirma Morin (2008), permite a autodescrição, a autocorreção e o auto-desenvolvimento do conhecimento, do pensamento, da psicologia e do comportamento do ser consciente.

Morin (2003) nos apresenta a tomada de consciência (conscientização) estando ligada a uma autoética, que, por sua vez, é resultado do autoconhecimento, de autoelucidação, de autocrítica; porém, a ética, de que nos fala o autor, não é a ética tradicional vinculada a valores religiosos, familiares ou cívicos, mas a ética da liberdade. Ressaltando, ainda, que a autoética é construída por meio da educação. É a conscientização da complexidade do mundo, da “complexidade humana”, ou seja, somos “tecidos juntos”: mundo e humanidade. Morin (2001) nos diz, ainda, que:

(…) compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno (MORIN, 2001, p. 55).

Assim sendo, é por meio do autoconhecimento que chegarmos à conscientização das experiências vividas ou serem vividas, que (re)constroem a identidade pessoal.

Portanto, o sujeito “professor” só poderá ser ele mesmo, ter alguma autonomia, a partir da compreensão de que para ser professor, é preciso que se levem em consideração os fatores externos, que ele necessita compreender para exercer sua profissão.

“Ressaltando que a distinção é formada do “eu-subjetivo”, ou seja, a ‘identidade para si” (DUBAR, 1995, p. 106), ou o que você quer ser, e pelo ‘eu-objetivo’, a identidade para o outro.

Podemos perceber, aqui, a manifestação dos dois “eus” na fala do Prof. E: o subjetivo se apresenta através da sua vontade de ser comprometido; o objetivo, no momento em que deixa transparecer que “o sistema” ( o outro) quer que ele seja comprometido.

Eu tenho que ser comprometido, seria desonesto até com o sistema, tem que se comprometer como que se faz. (Prof. E. Geografia, BORGES, 2008, p.57)

A Profª. J, ao comentar o que mudou em sua prática com os anos, manifesta seu “eu-subjetivo”, quando demonstra sua preocupação com o aluno enquanto indivíduo, e o “eu-objetivo”, quando diz preocupar-se mais com a transmissão de conteúdo no passado;

(…) eu tenho uma postura diferente, porque quando eu comecei, queria ser a professora que transmitia, eu não me preocupava com o aluno. Hoje, não, eu trabalho muito próximo ao aluno, isso é bom?Não sei, aí o aluno que tem que te responder. (Profª. J. Artes, BORGES, 2008, p. 57)

A diferenciação, por sua vez, traz como marca as transformações físicas e/ou psicológicas que o sujeito passa ao longo dos anos, sem que isso oculte ou modifique o “eu sujeito”. Podemos verificar estes momentos nas falas dos professores. A Profª J, por exemplo, não deixou de ser comprometida apesar de dar hoje, mais importância a sua família e a sua casa, pois o gostar de sua profissão a motiva, como afirma a seguir:

Ah, eu sou bastante,. Já fui bem mais. Hoje, a gente está meio dividida, não PE, e valoriza um pouco a família, a casa. Mas eu sou comprometida, na medida em que eu posso eu sou. Eu gosto, não é? (Profª. J, Artes, BORGES, 2008, p. 58)

Verificamos, nesta fala, que a transformação do Prof. I ocorreu na maneira de transmitir a matéria, procurando uma ligação com o real, no entanto, sem deixar de dar importância ao conteúdo teórico.

E hoje, eu procuro passar uma teoria tendo uma abordagem, extremamente prática, muito mais voltada para a realidade deles e para as necessidade de hoje. Lógico que tudo com fundamento teórico. (Prof. I, Biologia, BORGES,2008, p.134).

É esta complexidade (tecida junto), encontrada nas falas dos professores, que envolve os dois primeiros momentos do princípio que compõe a identidade do sujeito. “Um sentimento de certeza permeado de incertezas, em busca da religião do ser humano à essência do real, estabelecendo uma comunhão, reunificação “(MORIN, 2008, p. 147).

Neste sentido, “a reunificação é o momento em que o sujeito passa da exclusão, do egocentrismo ao sociocentrismo ou inclusão do outro (aluno).” (MORIN, 2008, p. 52).

No entanto, observamos na fala da Porfª. J, apesar de uma preocupação em compreender a cultura dos alunos, um certo egocentrismo ao negar-se a trabalhar com hip hop. Podemos dizer que não houve, neste momento, a reunificação do “eu subjetivo” com o “eu objetivo”.

(…) talvez se eu tentasse trabalhar uma cultura meio deles, um rap, um hip hop, este eu me nego, porque é muito “massa”, entendeu (…) (Profa. J, Artes, BORGES, 2008, p.59)

Constatamos, na fala do Prof. I, não apenas a reunificação dos dois “eus”, mas a divisão com os alunos da responsabilidade de participação na condução das aulas:

(…) tenho que fazer um trabalho extremamente sério e… como professor extremamente comprometido. Mas, infelizmente, tenho de dar um número de aulas que eu gostaria de estar dando (…) eu falo sempre para eles: quem dá aula não sou apenas eu, mas nós damos a aula (…) (Prof. I, biologia, BORGES, 2008, p.59)

O sujeito só pode atingir o outro através do conhecimento, que, segundo MORIN (2008), é a necessidade de “refletir sobre si mesmo, reconhecer-se, situar-se, problematizar-se” (p.34). Mas qual seria este conhecimento? De acordo com o pressuposto de que conhecimento é a tradução de símbolos, a construção de princípios e regras a partir da articulação de informações, chegando à solução de problemas através da compreensão da realidade, analisamos, a seguir, as falas dos professores a respeito da solução que encontraram para tornarem suas aulas mais interessantes.

A Profª. C encontrou suas soluções por meio do reconhecimento de seus erros e acertos, o que lhe ocasionou em um crescimento profissional, como vemos a seguir:

Eu acho que a gente vai aprendendo com seus acertos e seus erros. Acho que estou crescendo. (Profa. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.60)

O Prof. A encontrou, como solução, a separação dos alunos em dois grupos: os alunos melhores e os desinteressados, pois, acredita qie se deve investir nos alunos que têm mais potencial:

(…) o ideal seria você ter a mesma fala, o mesmo proceder para todos, mas todos querem. Então, aqueles que querem, você deve trabalhar com eles mais. É o que eu faço, dou provas diferenciadas para alunos melhores, exijo mais deles, porque eu sei que eles têm potencial. Então, se deve aproveitar o potencial do aluno, deve-se trabalhar com ele mais. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p. 61)

Um outro aspecto a ser observado, na dimensão pessoal, no processo de autoconhecimento, é o conhecimento do outro (conceito de alteridade) e auto-observação, como poderemos ver a seguir:

Não sei se a escola que não evoluiu com eles, ou se eles evoluíram demais. Parecem mais desinteressados que os alunos do passado. (Prof. E, Geografia, BORGES, 2008, p.148)

Percebemos, nesta fala, o questionamento do Prof. E em relação às atitudes dos alunos de hoje. Estaria a escola defasada para acompanhar a evolução dos alunos frente ao mundo atual?

Temos, aqui, o que Morin (2006, p.53) denomina de self deception: “a incompreensão do motivo que causaria o desinteresse do aluno, como obstáculo para uma autocrítica.” Há presente, também, um processo de projeção, ou seja, a transferência de uma representação ou imagens de alunos que existiam no passado, comparando-os com o presente, resultando em uma identificação negativa.

Continuando dentro deste processo de projeção/identificação e transferência, verificaremos como ocorreu em outros professores. A Profª. C, por exemplo, projeta em seus alunos a representação de alunos mais maduros por eles trabalharem durante o dia e estudarem à noite; ao mesmo tempo que se identifica com eles, ao colocar-se em seu lugar reconhecendo seu cansaço:

Eu acho que eles têm interesse sim, por essa maturidade que eles acabam adquirindo (…) eu acho que eles assim, mais cansados, vêm de um dia de trabalho, então à noite já para produzir custam mais. (Profa. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.61).

Por outro lado, a transferência ocorre quando passa os alunos de maduros e cansados a alunos sem limites, mesmo afirmando não ter problemas com eles: “não que eu tenha grandes problemas com eles, mas eu acho que o grande problema é o limite” (Profª. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.62).

Reconhecemos, na fala da Profª. J, a projeção/identificação através da preocupação com a falta de expectativa no futuro. Ou seja, ela se coloca no lugar do outro:

Eles não têm expectativa nenhuma de futuro. Eles vivem o hoje, e sem pensar que amanhã poderão vir a ser chefes de família, ter uma profissão, eles não têm ilusões, não têm sonhos. (Profª. J, Artes, BORGES, 2008, p.139)

Encontramos, na fala do Prof. I, o processo de projeção/identificação, quando consegue ver-se no lugar dos alunos mal orientados, passando a preocupar-se com eles:

(…) então, eu sinto que eles (alunos) estão muito mal orientados em relação á importância da educação. (…) Estou preocupado com a educação deles. (Prof. I, biologia, BORGES, 2008, p.62)

A transferência, no entanto, não aparece, neste professor, com o sentido inverso da projeção/identificação, mas como um reforço positivo. Ou seja, o professor continua preocupado com os alunos:

(…) (preocupado) com a educação deles como um todo, como cidadão, como aluno, como pessoa. (Prof. I, Biologia, BORGES, 2008, p. 63)

Através do questionamento a si próprio, de que tipo de professor é, e “a compreensão de que tem muito a aprender, percebemos que houve um processo de auto-observação”, conforme afirma Morin (2001, p.31-32). E, ao referir-se aos alunos, tem uma preocupação em tratá-los como indivíduos, respeitando-os, como podemos observar na fala a seguir:

Às vezes, eu tenho vontade de sair correndo. Eu acho que eu não vou conseguir fazer mais do que isso, ou o que estou fazendo não está muito bom. Então, eu acho que não sou a melhor, também acho que não sou a pior, acho que tenho muito a aprender. (Profª. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.63)

Profª J também nos mostra que passou por um processo de auto-observação/autoconhecimento, pois reflete como suas aulas devem ser, e que se trata de uma profissão difícil: já que despertar o interesse de alunos sem perspectivas é desgastante. O que nos leva a perceber o que Morin (2006) chama de self-deception: uma autojustificativa, a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal. Vejamos o que ela fala:

Então, hoje enquanto professor, você tem que buscar muita coisa, muita novidade, porque eles sabem o que é uma aula diferenciada e bem feita. Então, é uma profissão extremamente desgastante hoje em dia, porque é assim, eu tenho uma amiga que tem um ditado que fala uma coisa muito certa: é a única profissão que você tem de brigar para trabalhar. Percebe, você primeiro tem de brigar com aluno para ele depois aceitar, eles são muito resistentes. (Profa J, Artes, BORGES, 2008, p.138)

Mais uma vez, encontramos o processo de auto-obervação/ autoconhecimento, na expressão do Prof. I. “é o sujeito refletindo sobre si mesmo, compreendendo seus limites”, conforme Morin (2001, p.31-32), apesar da identificação com o aluno. “No momento em que espera que esse compreenda o verdadeiro sentido da educação, transfere-se ao aluno uma responsabilidade inerente do professor”, tal como afirma Morin (2003, p.89-90), conforme observamos na fala do Prof. I a seguir:

Trabalho como um desesperado. É, acho que todo professor, a maioria leva a sério, pelo menos, todos aqueles que a gente conhece e conversa e tudo…Então quer dizer é um trabalho sério, quer dizer tenho que fazer um trabalho extremamente comprometido. Mas, infelizmente, tenho que dar um número de aulas que eu não gostaria de estar dando, até porque eu poderia estar descansando, poderia estar preparando mais aulas, se eu tivesse um tempo livre para isso. Mas o tempo hoje é extremamente restrito. (BORGES, 2008, p.64)

(…) a maioria está pouco preocupada com a própria educação…Eles sabem, mas não levam em conta o quanto a educação hoje é importante. Não que a educação vá garantir o futuro deles, obrigatoriamente, mas que pelo menos dê uma condição melhor para eles… (Prof. I, Biologia, BORGES, 2008, p.64)

Prof. A enquadra-se ao que Morin (2006) chama de “compreensão humana”, ou seja, compreender-se e aos alunos como sujeitos com sofrimentos e alegrias, reconhecendo no outro seus limites, evitando, assim, que conflitos se desenvolvam, como registramos a seguir:

Tem que estar à frente, a responsabilidade é sua. Você tem que ter sua postura. Como está muito difícil a parte disciplinar, você tem que procurar a amizade deles, procurar no sentido que você pode dar uma boa aula. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p. 64)

(…) exigir daqueles alunos que você sabe que eles têm capacidade, querem e, então, você exige mais deles, você trabalha em cima dele. Infelizmente, nem todos querem, não é? O ideal seria você ter a mesma fala, o mesmo proceder para todos, mas nem todos querem. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p.64)

Podemos ver que o compromisso com os deveres e as responsabilidades relativas à profissão é um elemento primordial para a constituição da identidade do professor. Trata-se aqui do processo de conscientização. Como verificamos nas falas dos professores.

Os cinco professores, que participaram da entrevista semi-estruturada, apontaram as seguintes características de um professor comprometido: “preparar o aluno para a vida”, “ser dedicado”, “leal”, “sério” e “gostar do que faz”.

Depois observarmos o posicionamento de alguns professores, poderíamos dizer que aquilo que os levaria a enfrentar as dificuldades encontradas e se diferenciarem dos professores desmotivados, seria a disposição a mudanças, o compromisso com a educação e, consequentemente, com os alunos. No entanto, outros fatores fazem parte da (re) construção de uma identidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dimensão pessoal permitiu-nos observar como o sujeito se relaciona com o conhecimento e com o outro. Enquanto sujeito, resultado de um processo de distinção, diferenciação e reunificação, notamos por parte dos professores, um comprometimento, momentos de incertezas e inseguranças, consciência da heterogeneidade dos alunos, uma preocupação com a sua aprendizagem e com o desenvolvimento do ser humano. Ao mesmo tempo, verificamos que o conhecimento foi adquirido, principalmente, através da experiência, da busca do novo, de novas técnicas, assim como de soluções para os problemas enfrentados em classe. Também, temos os alunos, especificamente do noturno, descritos como maduros, cansados, desinteressados, sem limites, sem expectativas e resistentes à nova cultura.

Ainda, nesta dimensão, percebemos momentos de “self deception” (MORIN, 2003), em que os professores manifestam suas desilusões e incompreensões, através de autojustificativas. Seria uma maneira de nos “auto-ocultarmos”, levando-nos à incompreensão do outro e de nós mesmos.

A representação dos professores sobre o que é ser comprometido também nos é revelada por meio das características apontadas como essenciais, a dedicação, a lealdade, a seriedade e o gostar do que faz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Sheila S. C. B. A identidade do professor do Ensino Médio: Autoconhecimento e Conscientização. Dissertação de Mestrado. Santos, Universidade Católica de Santos, 2008.

DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora, 1995.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.
____________. Ética, cultura e Educação. In: PENA-VEJA, A; ALMEIDA, C. R. S.; PETRAGLIA, T. (Orgs.) 2ed. São Paulo: Cortez, 2003.
____________. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
____________. O método 3: O conhecimento do conhecimento. Porto Alegre; Sulina, 2008.

 

LITERATURA, OPRESSÃO E PRECONCEITO: UMA ANÁLISE DO CONTO NEGRINHA, DE MONTEIRO LOBATO

LITERATURA, OPRESSÃO E PRECONCEITO: UMA ANÁLISE DO CONTO NEGRINHA, DE MONTEIRO LOBATO

LITERATURE, OPPRESSION AND PREJUDICE: AN ANALYSIS OF THE SHORT STORY NEGRINHA BY MONTEIRO LOBATO

Prof. Sergio Manoel Rodrigues

Doutorando em Letras – MACKENZIE/SP
Professor da UNIBR – São Vicente

semaronet@ig.com.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo principal fazer uma breve análise literária do conto Negrinha, de Monteiro Lobato, considerando o contexto histórico e a crítica social presentes na referida obra. Sob esse enfoque e a partir dos caracteres que compõem o perfil das personagens protagonistas do texto de Lobato, pode ser observada a mentalidade preconceituosa e opressora da sociedade brasileira de uma determinada época; entretanto, os predicados conferidos a esses seres ficcionais lobatianos destacam a sempre atual busca pelo poder, em que a presença das lutas de classes e dos confrontos entre raças são determinantes para estabelecer a condição social dos seres humanos.

PALAVRAS-CHAVE: personagem, Monteiro Lobato, opressão, preconceito

ABSTRACT

This article has as its main objective a brief literary analysis of the short story Negrinha by Monteiro Lobato, considering the historical context and social criticism presents in this work. Through this focus and from the characters that make up the profile of the protagonists of the text by Lobato, can be observed the prejudiced and oppressive mentality of the Brazilian society of a certain time. However, the predicates conferred these lobatianos fictional beings always highlight the current quest for power in which the presence of class struggles and confrontations between races are crucial to establishing the social condition of human beings.

KEYWORDS: character, Monteiro Lobato, oppression, prejudice

INTRODUÇÃO

Monteiro Lobato foi o representante de uma literatura comprometida com o engajamento social. Questionador, denunciou as mazelas da sociedade por meio de personagens tipicamente nacionais, como o Jeca Tatu, sendo este o porta-voz das reais necessidades do povo, ao tratar de questões como a Educação brasileira e a modernização do país. Embora grande parte de sua obra tenha sido dedicada às crianças, percebe-se, até mesmo nesses textos, a preocupação do autor em retratar os problemas sociais, como por exemplo, em uma das aventuras da turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo, intitulada O Poço do Visconde, em que se nota uma crítica velada a respeito da exploração petrolífera em terras brasileiras.

Inovação e polêmica marcaram seus escritos. Mesmo com a renovação que fez da linguagem, ao utilizar termos regionais e costumes do homem interiorano em seus textos, e com a abordagem de temáticas que denunciavam as misérias humanas, Lobato não se considerava um escritor moderno. Pelo contrário, criticou as expressões artísticas consideradas modernas no começo do século XX e os artistas modernistas nacionais. Sua obra literária, entretanto, foi classificada, didaticamente, no Pré-modernismo brasileiro, já que, paralelamente, ela permaneceu conservadora e fez-se revolucionária, antecipando os padrões da Literatura moderna no Brasil (INFANTE, 2001).

O conto Negrinha, que a seguir será analisado, é, da obra adulta, considerado a narrativa mais emocionante escrita por Lobato. Publicado em 1920, juntamente com outros contos em um só volume, retrata uma época marcada pelo autoritarismo e pelo preconceito racial. Nesse texto, a personagem-título é filha de uma escrava e, com a morte desta, passa a ser criada por D. Inácia, uma rica senhora acostumada ao antigo regime escravocrata, abolido em 1888. Mostra-se, portanto, a crítica feroz lobatiana, com o intuito de revelar a situação das classes menos favorecidas de uma sociedade brasileira discriminatória.

OPRESSÃO E PRECONCEITO

A partir do título dessa obra de Monteiro Lobato, nota-se, pela utilização do sufixo –inha, o tratamento pejorativo dado à personagem principal no decorrer do conto, apresentada como “[…] uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados”. (LOBATO, 2000, p. 09). Características estas que não revelam apenas as características físicas da menina, mas também sua condição social e seu constante estado psicológico.

Negrinha é vítima de um meio social injusto e preconceituoso, cujos padrões se valem da submissão dos mais fracos e da hipocrisia. Dona Inácia, a dona da fazenda, representa isso, pois enquanto agride a menina, caracteriza-se por seu status e suas falsas virtudes: “Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu […] Mas não admitia choro de criança”. (LOBATO, 2000, p. 09).

Observando a caracterização física e psicológica dessas duas personagens, pode-se chegar à seguinte oposição:

D. Inácia = adulta, rica, branca, opressora, gorda, “dona do mundo”, “virtuosa”
X
Negrinha = criança, pobre, negra, oprimida, magra, “atrofiada”, “peste”

Quadro: posição social das personagens.

Com base no quadro acima e considerando os estudos acerca das narrativas literárias, os seres ficcionais do conto podem ser vistos como personagens-estado, já que nestas “[…] os dados atributivos e designativos passam a ser invocados na constituição do ser ficcional, privilegiando-se estes […] supõem[-se] a presença de um enunciador que os manipula […]”. (SEGOLIN, 1999, p. 61). Essa narração propõe tal concepção de personagem, baseando-se em caracteres físicos e psicológicos, na qual ambas são tratadas de formas bastante diferentes: a começar por suas denominações, enquanto uma possui nome e até forma respeitosa de tratamento (D. Inácia), a outra atende apenas por uma alcunha (Negrinha); uma usa da razão e é bem vista pela sociedade, já a outra é inocente e humilhada por todos.

No entanto, as duas personagens pertencem a um mesmo contexto sócio-histórico do Brasil: “Lobato situa a história de Negrinha em um tempo em que a escravidão havia sido abolida por lei – mas leis não têm força para abolir costumes culturais […]”. (BIGNOTTO, 2006, [s.p.]). Desse modo, percebe-se que D. Inácia não se adequou à abolição da escravatura e Negrinha continuava escrava. Por isso, a menina guarda as marcas da hostilidade, que chegam ao ápice da violência, seja pelas agressões físicas, pelo desafeto ou pelos castigos que recebe dos habitantes da casa-grande:

Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão […] Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim, lixo – não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam […] O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. (LOBATO, 2000, p. 10-11).

A não-identidade da menina demonstra que ela não é considerada um ser humano pelos demais, mas sim um objeto, sobretudo um animal que não possui alma e precisa ser domesticado. Ela não pode andar pela casa, brincar e, nem mesmo, falar, segundo Lobato (2000, p. 10), “[…] feito um gato sem dono, levada a pontapés […] que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas […]”, pois seria castigada pela realização de um de seus atos, quando, por exemplo, é forçada a engolir um ovo fervendo como forma de castigo por uma de suas travessuras: “Negrinha abriu a boca como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água ‘pulando’ o ovo e zás! na boca da pequena […]”. (LOBATO, 2000, p. 14). Nesse sentido, deve-se dizer que, inicialmente, Negrinha pode ser considerada uma personagem monológica (BAKHTIN apud BEZERRA, 2005), devido às suas características individuais, pela aceitação de sua situação miserável e por não ir contra àquela realidade em que vive, o que equivale à não-ativação de pontos de vista questionadores. Logo, essa primeira etapa da personagem mostra toda sua passividade diante das crueldades do preconceito e das desigualdades sociais.

Entretanto, há no texto uma reviravolta dessa personagem. Negrinha, até então a única criança da casa, passa a conviver com duas sobrinhas de Dona Inácia. As duas garotinhas representam o mundo burguês, já que são descritas como louras, ricas e possuidoras de brinquedos caros. Elas, em alguns aspectos, assemelham-se à Negrinha, pois são crianças apresentadas apenas por seus atributos físicos. Todavia, as sobrinhas comportam-se conforme as normas de uma época e de uma classe social: “Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade. – Como é boba! disseram. E você como se chama? – Negrinha. As meninas novamente torceram-se de riso […]”. (LOBATO, 2000, p. 17). É nesse deboche inocente que se percebe a incorporação de um julgamento social, peculiaridade esta que Negrinha não possuía até então. Quando Negrinha se depara com as duas brincando na sala, entra em contato com outro universo e adquire uma consciência individual:

[…] Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu – alegres, pulando e rindo […] Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado – e findo o seu inferno – e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos o som cruel de todos os dias: ‘Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga?’ […] Brincar! Como seria bom brincar! – refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha […]. (LOBATO, 2000, p. 15).

A pobre órfã entra em outro estágio, devido ao conflito consciente em relação a si e ao mundo, ou seja, é a tomada de consciência por ela mesma. Desta forma, transforma-se em uma personagem dialógica (BAKHTIN apud BEZERRA, 2005), cuja voz interior faz questionamentos e reflexões acerca de sua condição como ser humano. Imediatamente, a menina passa a externar seus pensamentos: “Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo […] – É feita?… perguntou extasiada”. (LOBATO, 2000, p. 16-17). Nesse trecho, em que o autor coloca voz na boca de Negrinha pela primeira vez no conto, ela assume a consciência de toda criança e sente-se gente: “Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma – na princesinha e na mendiga […] Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma”. (LOBATO, 2000, p. 19). Portanto, a boneca é para Negrinha a representação da igualdade, da liberdade e da humanidade, por isso, quando as sobrinhas vão embora e levam consigo a boneca, a menina morre triste e solitária ao se encontrar da mesma forma lastimável como vivia antes.

De acordo com a classificação de Forster (apud JUNIOR, 1995), Negrinha é uma personagem redonda – característica esta que se atribui aos seres ficcionais que sofrem uma alteração de caráter durante a narrativa –, devido à sua conscientização, visto que essa personagem lobatiana, por meio da complexidade de suas características psicológicas que se concretizam no enredo do conto, humaniza-se dentro da trama como representante de três grupos sociais brasileiros: o escravo, a mulher e a criança, cujas trajetórias na História não foram bem sucedidas. Portanto, como afirma Bignotto (2006, [s.p.]), “[…] Negrinha […] não tem nome porque é uma multidão” e, dessa forma, nota-se a representação da realidade e do pensamento do homem de uma época.

Quanto ao narrador de Negrinha, este se apresenta como extradiegético, que, conforme Segolin (1999), tal classificação designa um narrador que conta uma história que não é a sua, e, no caso desse conto, o discurso irônico presente no foco narrativo é recorrente, exemplificando: “A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fôra senhora de escravos […]”. (LOBATO, 2000, p. 12). Nesse sentido, percebe-se que esse tratamento dado ao narrador serve como uma forma de denunciar os problemas sociais presentes no contexto em que as personagens estão inseridas. Contudo, a discursividade desse foco narrativo mostra-se polifônica, haja vista que as vozes narrativas envolvem-se em uma interação:

Uma criada abriu-se e tirou os brinquedos. Que maravilha! Um cavalo de pau!… Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais… Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos… que falava ‘mamã’… que dormia […]. (LOBATO, 2000, p. 16).

A polifonia desse conto, como ocorre na citação acima em que a voz do narrador funde-se às reflexões de Negrinha, equivale ao enfoque das manifestações do mundo interior das personagens ou, segundo BEZERRA (2005, p. 193), “[…] à libertação do indivíduo, que de escravo mudo da consciência do autor se torna sujeito de sua própria consciência […]”. Assim, nesse conto de Monteiro Lobato, a protagonista se antropomorfiza por completo ao assumir um fluxo de consciência próprio, tornando-se plural perante um mundo transformado pelas mudanças sociais e ideológicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lobato, ao escrever esse conto, demonstrou sua genialidade como artista da palavra e recriou uma realidade em que a exclusão das camadas oprimidas era banalizada. Entretanto, essa situação continua bem atual. Não é raro ver, em pleno século XXI, o preconceito e as desigualdades imperarem nos diversos meios sociais. O índio e o negro (cuja situação social é fortemente criticada no conto em questão), por exemplo, ficaram à mercê da marginalização. Basta folhear os jornais e ver as notícias de assédio moral à raça negra ou de “indígenas queimados vivos”.

Negrinha iconiza esses excluídos, que sofrem tais mazelas devido à histórica mentalidade medíocre e mesquinha de alguns indivíduos desse país. Visto que essa personagem, como os primeiros gentios e africanos nessas terras, sofreu enormes brutalidades, tentou a igualdade de direitos e sucumbiu aos danos irreversíveis de sua cultura e moral. O Brasil sempre foi dominado pelos mais privilegiados e, mesmo depois da libertação dos escravos, com a criação de leis que penalizam o racismo ou a implantação da política de oportunidades igualitárias, a discriminação racial ainda está arraigada na sociedade brasileira.

Literariamente, evidencia-se, por meio dessa narrativa, o Pré-modernismo brasileiro como um período de transição, pois trata dentro do próprio texto da transformação da personagem, que adquiriu a conscientização e deixou de ser monológica, passando a ser dialógica, ou seja, houve uma identificação com o homem do mundo de hoje. Esse conto tornou-se rarefeito, quer dizer, seus mecanismos narrativos foram desestruturados, como é o caso da concepção da polifonia no discurso, cujas vozes refletem a busca por uma identidade, calcada nos ideais humanos. Desse modo, Negrinha é uma narrativa que está intimamente ligada às mudanças sociais, culturais, históricas e antropológicas do homem, e aponta para a modernidade das manifestações literárias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 191-200.

BIGNOTTO, Cilza Carla. Duas leituras da infância segundo Monteiro Lobato. Campinas: IEL/Memória, 2006. Disponível em:
. Acesso em: 12 jul. 2012.

INFANTE, Ulisses. O Pré-Modernismo. In: ______. Curso de Literatura de Língua Portuguesa. São Paulo: Scipione, 2001. p. 380-406.

JUNIOR, Benjamin Abdala. Introdução à análise da narrativa. São Paulo: Scipione, 1995. 63 p.

LOBATO, Monteiro. Negrinha. Bauru: Edusc, 2000. 25 p.

MOISÉS, Massaud. Análise de texto em prosa. In: ______. A análise literária. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 84-115.

SEGOLIN, Fernando. Personagem e antipersonagem. 2.ed. São Paulo: Olho d’Água, 1999. 200 p.

DIALOGISMO E IRONIA: A COMPREENSÃO DO DISCURSO IRÔNICO DE ALUNOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

DIALOGISMO E IRONIA: A COMPREENSÃO DO DISCURSO IRÔNICO DE ALUNOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

DIALOGISM AND IRONY: THE IRONIC DISCOURSE UNDERSTANDING OF FOREIGN LANGUAGE STUDENTS

Profª. Roberta dos Santos Rodrigues

Mestranda em Língua Portuguesa – PUC/SP

E-mail: soyremolacha@hotmail.com

RESUMO

Comunicar-se em língua estrangeira é muito mais do que decodificar palavras ou saber empregar o léxico na construção de frases, é também compreendê-la e estar atento à intencionalidade que há por detrás do discurso. Partindo desse princípio, este breve artigo enfocará relações dialógicas na compreensão do discurso irônico em relação a aprendizes de língua estrangeira.

PALAVRAS-CHAVE: dialogismo, ironia, língua estrangeira

ABSTRACT

Communicate in a foreign language is much more than decode words or learn to employ the lexicon in the construction of sentences, it is also to understand and be aware of the intentionality that behind the discourse. Based on this principle, this brief article will focus on understanding the dialogical relations discourse ironic in relation to foreign language learners.

KEYWORDS: dialogism, irony, foreign language

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é focalizar as relações dialógicas entre o eu e o tu (locutor e interlocutor) as quais auxiliam no processo do discurso irônico, levando em consideração sua importância para aprendizes de língua estrangeira.

A ironia assemelha-se muito a um jogo em que o locutor lança um enunciado com intenção preestabelecida e o interlocutor tem a função de chegar ao sentido verdadeiramente pretendido pelo emissor da mensagem. Nesse processo comunicativo, o interlocutor terá de utilizar as ferramentas que dispõe, isto é, para que o sentido irônico seja alcançado, é necessário que o interlocutor compartilhe do mesmo conhecimento de mundo do locutor, para que, dessa forma, infira e preencha as lacunas que o enunciado irônico propositalmente deixa no momento da enunciação. O emissor da mensagem conta com a aceitação desse sentido. É parte do jogo mencionado anteriormente que o interlocutor construa o enunciado juntamente com o locutor.

O que acontece com muita frequência com alunos de língua estrangeira é que aprendem e sabem o significado dos vocábulos, mas a compreensão de determinado enunciado vai muito mais além. Como uma pessoa pode entender uma piada ou mesmo uma ironia se desconhece aspectos inerentes à cultura, política ou cultura de uma sociedade?

Assim sendo, faz-se necessária a explanação de alguns fatores como o dialogismo e a inferenciação, que constituem o processo de construção do sentido irônico, inseridos dentro do contexto de ensino-aprendizagem de língua estrangeira.

O DIALOGISMO E A IRONIA

A ironia ocorre quando há a subversão da enunciação. Brait (1996), para explicar o conceito de ironia, comenta sobre a noção de literal e figurado. De acordo com a autora (1996), a ambiguidade essencial do discurso irônico está em aceitar, de modo simultâneo, seu sentido literal e figurado para qualificar a recepção. A ironia é composta de dois discursos, e cabe ao interlocutor fazer a junção de significação dita literal e a irônica pretendida pelo locutor.

Sob esse aspecto, o conceito de dialogismo, segundo Bakhtin (2003), é extremamente importante. O autor (2003) o concebe como um princípio que constitui a linguagem e a condição de sentido do discurso. O plano de desdobramento do dialogismo de Bakhtin (2003), em relação à ironia é fundamental, uma vez que, para o discurso irônico obter sucesso, é necessária a interação entre locutor e interlocutor, ou seja, é importante que haja adesão do que foi dito pelo locutor por parte do interlocutor.

O discurso irônico joga essencialmente com a ambiguidade, convidando o receptor a, no mínimo, uma dupla decodificação, isto é, linguística e discursiva. Esse convite à participação ativa coloca o receptor na condição de co-produtor da significação, o que implica necessariamente sua instauração como interlocutor. (BRAIT, 1996, p. 28).

Dessa maneira, pode-se dizer que o papel de ambos, locutor e interlocutor, para a existência da ironia é fundamental. O interlocutor deve estar preparado no momento em que a mensagem é transmitida. Muecke (1995) afirma que, se entre o público do locutor existam aqueles que não se dispõem a compreender, o que há em relação a eles é um equívoco e não uma ironia.

Para ilustrar, Umberto Eco (apud SALINAS, 1996) relata que lhe escreveu, certa vez, uma professora dizendo que se preocupava com o fato de que seus alunos, aprendizes de espanhol como língua estrangeira, não tinham a capacidade de compreender o sentido irônico contido em alguns artigos jornalísticos que lhes deu como trabalho. Para entender o que foi dito e perceber quais fatores poderiam dificultar a compreensão por parte dos receptores, os alunos, segue um esquema, no qual também é possível ter uma ideia de como esse processo de transmissão e recepção do discurso irônico ocorre:


Figura: esquema de transmissão e recepção do discurso irônico.

No esquema anterior, nota-se que a mensagem parte do locutor com um significado preestabelecido, sentido literal e figurado fundem-se, tornando-se a obra da ironia; esta chega ao interlocutor, que parte em busca da interpretação. Segundo Christine (apud MUECKE, 1995), além da competência linguística para interpretar, o interlocutor também tem de manifestar um conhecimento cultural semelhante a do ironista, para que possa, dessa forma, fazer as devidas inferências e explicitar o que foi implícito. Pode-se dizer que um dos fatores para a não compreensão de um enunciado irônico está justamente aí, isto é, locutor e interlocutor não compartilharem as mesmas informações, prejudicando, assim, todo o processo.

IRONIA E AS ABORDAGENS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Levando em consideração a compreensão da ironia de alunos de língua estrangeira, é necessário evidenciar as abordagens, segundo Krashen (apud SHÜTZ, 2014), ao que diz respeito ao ensino-aprendizagem de línguas. As hipóteses de language acquisition e language learning são importantes aqui, pois, dependendo do modo que o estudante irá aprender o idioma poderá ter mais ou menos dificuldades em compreender uma ironia.

Na abordagem de language learning, o aluno tem contato com o idioma num ambiente artificial, o da sala de aula, assim sendo, a maior preocupação é em relação à estrutura da língua, de sua escrita e, por essa razão, há um distanciamento do convívio sócio-cultural, onde surge uma real situação de comunicação. Já no language acquisition, o estudante tem um contato direto com o idioma e está inserido num ambiente que propiciará maior e real interação com falantes nativos, o que elevará sua noção social e cultural do país em que está aprendendo o idioma. Tal abordagem é semelhante ao processo de aprendizagem de língua materna.

É possível afirmar, portanto, que o aluno de língua estrangeira ao aprender um idioma por meio da abordagem de language acquisition terá maior facilidade em compreender os sentidos de um discurso irônico ao se deparar com o mesmo em uma situação de comunicação.

IRONIA E INFERENCIAÇÃO

Sob o prisma do que diz Grice (apud SALINAS, 1996), em sua teoria da conversação, a ironia rompe com a máxima da qualidade. O fato ocorre por ser a ironia um recurso linguístico que contem duas informações, literal e figurada, uma delas não se pode provar como verdadeira. Tal violação à máxima pede participação maior do interlocutor no sentido de peneirar informações e acrescentar outras por conta própria, a fim de ajudá-lo na apreensão do sentido.

Preencher as lacunas deixadas pelo discurso irônico, no entanto, não é tarefa fácil, ainda mais quando a língua dos interlocutores não é a materna. Para realizá-la, o falante tem de fazer inferências, utilizando dados que constituem seu conhecimento prévio. Contudo, se tal conhecimento não for compartilhado, quer dizer, se locutor e interlocutor não estiverem de acordo no momento da transmissão do discurso irônico, o processo da ironia pode ser interrompido.

As inferências, portanto, “[…] constituem estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte ou o leitor, partindo da informação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói novas representações mentais […]”. (KOCH, 2004, p. 39). Isso quer dizer que, para esse “jogo” da ironia, um dos participantes espera que o outro faça uma inferência. Para alguns, um desafio, para outros, trata-se de necessidade:

Muitas vezes, em meus artigos, a ironia não é um vício, senão uma necessidade. Ao ter de condensar complexos discursos em quatro mil e quinhentos espaços à maquina (o que tenho a minha disposição), a ironia, que por natureza é uma elipse e implica pressupor tantas coisas, nasce por exigência de síntese. (ECO apud SALINAS,1996, [s.p.]).

Desse modo, pode-se afirmar que o discurso irônico não serve apenas para deixar em aberto o significado de uma questão, o que contraria, conforme Muecke (1995), o tradicional enfoque da ironia como uma figura de linguagem que pretende dizer algo contrário ao que foi dito; na realidade, a ironia é um recurso que ativa uma gama de interpretações subversivas em um discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi explanado, a respeito da ironia em relação a estudantes de língua estrangeira, é possível concluir que o aprendiz que mais se preocupar em reunir informações relacionadas à cultura, sociedade, política, entre outros, do país do qual a língua se origina, seguramente, estará mais preparado para apreender qualquer sentido que um interlocutor lhe tente passar.

É evidente que pessoas que adquirem língua estrangeira em ambiente natural estarão mais aptas a interagir dentro de certo processo comunicativo; portanto, aprender por meio de um sistema artificial ou natural, o certo é que os aprendizes têm de ter a consciência de que saber um idioma vai muito mais além da simples tradução de vocábulos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz. Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: EDUSP, 1994.

BRAIT, Beth. Ironia em perspectiva polifônica. São Paulo: UNICAMP, 1996.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2003.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MUECKE, Douglas Colin. Ironia e irônico. São Paulo: Perspectiva, 1995.

SALINAS, Carlos. Por qué es tan “difícil” ironizar con extranjeros?. Revista Casi nada, Barcelona, n. 8, [s.p.], nov. 1996. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.

SHÜTZ, Ricardo. Assimilação natural x ensino formal. English made in Brazil, [s.l.], [s.p.], jul. 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.

INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR

INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR

INTERDISCIPLINARITY IN HIGHER EDUCATION

Prof. Engels Marx das Chagas

Me. Engenharia Metalúrgica e de Minas pela UFMG
Professor da UNIBR-São Vicente

engels.professor@gmail.com

RESUMO

Este artigo trata da aplicação do método interdisciplinar no ensino superior. Tal método tem se colocado no caminho dos pesquisadores, os quais buscam um projeto antropológico para a educação e que preconiza formar professores partindo do cotidiano de suas práticas e rotinas pedagógicas, envolvendo ética, estética, memória e estado de temporalidade, modificando-se o conceito estendido de educar. Estudos recentes revelam que a interdisciplinaridade convive com concepções diversas, revelando uma sinergia polissêmica. A proposta acadêmica deste trabalho não é estabelecer uma concepção epistemológica, nem de per si é contestativa ou poliândrica. É um olhar de um operador de uma engrenagem do sistema de ensino, ante a necessidade de saber como os atores envolvidos no ensino-aprendizado devem ter autoridade (pelos meios de execução) e responsabilidade (pelos resultados) na efetividade da interdisciplinaridade.

PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade, Ensino Superior, Foucault, Educação, Avaliação, Exame.

ABSTRACT

This article deals with the application of interdisciplinary method in higher education, a method that has been placed in the path of the researchers who seek an anthropological project for education and train teachers advocating starting from their everyday teaching practices and routines involving ethics, aesthetics, state of memory and temporality, modifying the extended concept of educating.
Recent studies reveal that interdisciplinarity coexists with various conceptions, revealing a polysemous synergy. The academic purpose of this paper isn´t to establish an epistemological conception, nor in itself is contestativa or polyandrous. It is a interrogative look of an operator of a gear of the education system, given the need to know how the actors involved in the teaching-learning should have the authority (by means of execution) and accountability (for the results) at the effectiveness of interdisciplinarity.

KEYWORDS: Interdisciplinary, Higher Education, Foucault, Education, Evaluation, Examination.

INTRODUÇÃO

As ideias de Michel Foucault têm sido referenciadas em diversos campos do conhecimento e tal influência tem sido apontada com notoriedade na educação. Nesse aspecto, o objetivo da análise de Foucault é estabelecer relações entre saberes e atribuir-lhes positividade específica e estabelecer compatibilidades por meio de fronteiras temporais. Teorias e ideias são transportadas e traduzidas de uma área para outra e validadas independentemente de serem do campo de aplicação das ciências, exatas, humanas ou sociais.

Esse movimento constitui na área da educação uma metodologia de ensino crítica, conceituando os relacionamentos como um caminho crítico para esclarecer e fundamentar a teoria, eliminando a abordagem científica como pressuposto de aprendizado de conteúdos para o educando, mas utilizando os relacionamentos contextuais para levá-lo aos princípios científicos.

A academia tem como missão formar cidadãos ativos e solidários para conviver e interagir com a comunidade, contribuindo, dessa forma, com as competências adquiridas para uma sociedade mais justa e solidária. Assim, os valores-fins da academia devem viabilizar as condições para que o educando una conhecimento e posturas éticas, estéticas e políticas as quais constituam base para o processo de transformação cultural da sua época histórica.

A crítica de Foucault, que emerge na História da Loucura ao colocar o louco como um sujeito o qual demanda intervenção, controle e manejo, não é pontual, mas extensiva a toda história da humanidade. Nesse aspecto, Foucault é precisamente polêmico. A transposição para a área do ensino parece ter levado alguns pedagogos a atribuir as consequências desse vício aos professores; atribuindo-lhes certa perversão ao castigar o aluno nas avaliações do aprendizado. E as diretrizes governamentais; e a administração do ensino? É como atribuir toda culpa da tortura ideológica ao agente da tortura e inocentar o poder que o permite torturar. O poder individual é apenas cúmplice do poder institucional.

A partir da fragmentação dos conteúdos, os pedagogos passaram a trabalhar o conceito de qualidade das avaliações do educando, chegando ao conceito de interdisciplinaridade.

A INTERDISCIPLINARIDADE

A interdisciplinaridade está na ordem do dia do ensino superior do Brasil. Apesar de muito já se ter debatido o assunto, ganhou ênfase no momento atual por conta do desempenho dos alunos nas avaliações do ENEM e ENADE. A própria abordagem atual do tema revela uma prática de ensino e avaliação que está muito longe de ser evidente. É um conceito e uma prática ainda em construção e desenvolvimento dentro das ciências e do ensino das ciências, sendo estes dois campos distintos nos quais a interdisciplinaridade se faz presente.

Em muitas instituições de ensino superior, a interdisciplinaridade apresenta-se como um dos princípios pedagógico-científicos propostos como fundamentais. Mas será mesmo uma meta viável na estrutura escolar vigente? Sob que condições se pode evitar que se torne mais um mito? Um mito que serviria para camuflar contradições estruturais das práticas pedagógicas e científicas e manter intactas as regras instituídas por um jogo desigual de saber-poder.

Os estudos de Michel Foucault, na linha da arqueologia do saber e da genealogia do poder, talvez possam nos oferecer alguns subsídios. Ao pesquisar o aparecimento histórico das Ciências Humanas, Foucault (1990) constata que elas são o produto de uma interrelação de saberes, que revela uma ordem interna, constitutiva do saber, a qual ele chama de épistémè¹ . Esse pensamento é usado por Ivani Fazenda ao conceituar a interdisciplinaridade.

Entendemos a Interdisciplinaridade como um movimento que possibilita o diálogo entre os seres humanos e os saberes. Isto impõe uma nova consciência; o ensino pautado na comunicação convergente dos programas de estudo das disciplinas, no diálogo entre os professores e alunos em uma perspectiva de troca e enriquecimento de saberes individuais e experiências de vida, proporcionando a alegria da busca e do conhecimento, pois ‘Hoje, mais do que nunca, reafirmamos a importância do diálogo, única condição possível de eliminação das barreiras entre as disciplinas. Disciplinas dialogam quando as pessoas se dispõem a isto (…) (FAZENDA, 2003, 50). Os grifos são nossos.

_____________________________

¹Episteme – Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926 – 1994), episteme é o paradigma comum aos diversos saberes humanos em uma determinada época que, por se embasarem numa mesma estrutura, compartilham as mesmas características gerais, independentemente de suas diferenças específicas.

Para Foucault (1990), em uma cultura e em dado momento só existe uma épistémè (daí seu aspecto de globalidade) e revela um a priori histórico (daí sua profundidade) o qual torna possível os diversos saberes e a própria ciência. Assim, a formação dos saberes e a relação entre eles devem ser buscadas não em nível gramatical (das frases), nem lógico (das proposições), mas em nível dos enunciados, os quais constituem um discurso.

A disciplina constitui-se, pois, num conjunto de mecanismos, os quais esquadrinham o espaço, decompõem e recompõem as atividades para adequar os gestos com as atitudes e objetos, estabelecem a seriação dos atos e a acumulação de forças, compõem as forças individuais sob comando centralizado.

O sucesso e o funcionamento do poder disciplinar se devem ao uso de instrumentos simples como o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame.

Na visão de Luckesi (2014), o exame difere da avaliação. Os exames são pontuais, classificatórios e seletivos (ou excludentes), enquanto a avaliação é não-pontual, diagnóstica e inclusiva.

Além de esquadrinhar o espaço, de subdividir e recompor as atividades, a disciplina capitaliza o tempo e as energias dos indivíduos, de maneira que sejam susceptíveis de utilização e controle. Isto mediante quatro processos: divisão da duração em segmentos, organização de sequências, finalização de cada segmento por uma prova, estabelecendo-se séries temporais diferenciadas.

Esta reconstrução e problematização do tema interdisciplinaridade no momento atual devem levar em conta o alerta para a necessidade de se explicitar e enfrentar as relações de poder disciplinar a partir das quais atualmente estão se configurando discursos e projetos de interdisciplinaridade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto atual, o conceito de interdisciplinaridade não pode ser reconstruído pelo professor ou entre professores simplesmente. A simplificação e a ausência de um planejamento global podem levar a uma postura epistemológica inadequada, devido à dificuldade de se operacionalizar o conceito e que isso seja compatível nacionalmente. Ainda mais nocivo, corre-se o risco de criar uma prática de exame e intitulá-la de interdisciplinaridade. A prática dos exames ou a prática da avaliação não servem a si mesmas, mas sim a um determinado projeto. Tanto os exames como a avaliação são práticas subsidiárias de determinados projetos de ação. No nosso caso, subsidiárias de projetos pedagógicos.

É contraditório desejar praticar avaliação dentro da pedagogia tradicional. Praticar um currículo tradicional e avaliar são coisas incompatíveis. Para um currículo tradicional é adequada a prática de examinar. Para a prática de avaliar, necessitamos de um currículo centrado no desenvolvimento, na construção, na experiência da igualdade e da democracia, no seu mais preciso sentido.

O atual “estado da arte” mostra que o ENADE é um exame; por meio dele têm-se ameaçado de fechamento instituições de ensino superior. O Exame do Ensino Médio (ENEM) iniciou-se com a característica de avaliação, mas está caminhando para ser um exame, como meio de auxiliar a seleção para a o ingresso na Universidade.

A implementação de um sistema de avaliação interdisciplinar precisa ser construída a partir de seus principais agentes, um processo para atender as necessidades do cliente final – o educando. Além dos professores, outros operadores atuam no processo interdisciplinar: o MEC e as instituições de ensino, já que desenvolvem políticas, regulam e controlam a atividade de ensino no âmbito nacional.

A avaliação interdisciplinar pressupõe uma metodologia de ensino interdisciplinar, em todos os níveis educacionais, que garanta o sucesso da aprendizagem para o aluno.

Avaliação da aprendizagem é o ato de diagnosticar o desempenho do estudante, tendo em vista auxiliá-lo a chegar ao nível necessário de aprendizagem; a nota ou conceito é a forma de registrar em documentos cartoriais da escola a qualidade final do desempenho do educando, que sempre deveria ser satisfatória, caso a aprendizagem seja efetivamente construída pelos processos e atos pedagógicos de ensinar. Aprendizagem satisfatória não significa, em si, aprovação; mas conduz a uma aprovação. Assim, a aprovação não é o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada.

A aprendizagem satisfatória depende do investimento na qualidade do ensino, centrada no sucesso do educando.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTI, Valdir Pedro. Interdisciplinaridade: um conceito polissêmico. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de Biociências e Faculdade de Educação da Universidade do Estado de São Paulo, para obtenção do título de mestre em ensino de ciências.

FAZENDA, I. Interdisciplinaridade. Revista GEPI 2010:11 São Paulo: PUC, 2010

FAZENDA, I. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 2011.

FERNANDES, Ana Izabel dos Santos e PACHECO, Rogéria Silveira. Diálogo, currículo e interdisciplinaridade: um caso na Fundação Liberato. Disponível em: http://www.liberato.com.br/upload/arquivos/0131010716345316.pdf. Acesso em: 13/03/2014 01:22:25.

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A UTILIZAÇÃO DO QUADRO DE RECOMPENSAS COMO ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA EM CRIANÇAS

A UTILIZAÇÃO DO QUADRO DE RECOMPENSAS COMO ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA EM CRIANÇAS

THE USE OF REWARDS FRAMEWORK AS ENCOURAGING THE DEVELOPMENT OF AUTONOMY IN CHILDREN

Profª Carolina Costa

Especialista em Terapia Comportamental – Cognitiva pela USP
Coordenadora do Núcleo Psicopedagógico UNIBR – São Vicente

carolina.costa@ymail.com

RESUMO

O presente trabalho objetivou relatar a experiência de aplicação de um quadro de recompensas em alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I.Os alunos apresentavam comportamentos indesejados em sala de aula, os quais prejudicavam o processo de ensino aprendizagem. A aplicação do quadro de recompensas permitiu uma mudança no repertório comportamental em 85% dos alunos que apresentavam comportamentos indesejados. Essas modificações permitiram uma melhor socialização dos alunos, favorecendo a cooperação entre os alunos. A literatura da área atrelada à aplicação do quadro de recompensas possibilitou uma melhor compreensão do processo de modificação comportamental de atitudes indesejadas em sala de aula, sendo os reforços positivos fundamentais serem utilizados de maneira imediata.

PALAVRAS-CHAVE: quadro de recompensas, modificação comportamental, reforçadores positivos.

ABSTRACT

This study aimed report the implementation experience of a rewards framework in students of 5th year of elementary school. These students had undesirable behavior in the classroom, which undermined the process of teaching and learning. The application ofrewardsframework alloweda change in thebehavioral repertoirein 85% ofstudentswho presented those behaviors. These changeslead to a greaterstudents’ socialization, fostering cooperationamong students. The specific literature concerning to student’s rewards framework, allowed a better understanding of behavioral modification process of unwanted attitudes in the classroom, with a positive reinforcements to be used immediately.

KEYWORDS: rewards framework, behavioral modification, positive reinforcements.

INTRODUÇÃO

Os estímulos reforçadores têm por sua função aumentar a frequência de respostas. Nos estímulos reforçadores positivos existe a apresentação de estímulos no acréscimo de alguma coisa.

A educação atual foi influenciada por contingências passadas referentes às punições físicas. Atualmente as punições físicas foram abandonadas, porém os educadores ainda utilizam estimulações aversivas, com o objetivo de manter o controle dos alunos. Os benefícios do reforçamento positivo são vários, sendo importante que os reforços ocorram de forma imediata para que o comportamento seja alterado e mantido.

Segundo Marmo (2002), o analista do comportamento tende a considerar que repertórios complexos são produtos de histórias anteriores, sendo que a construção destes repertórios pode ser alternativa para se evitar problemas futuros uma vez aí estaria uma condição favorecedora do comportamento na escola primária (E.F).

O relato de experiência baseou-se na explicação do quadro de recompensas operacionalizado na forma do “Projeto Boas Ações”. O projeto tinha por objetivo intervir em comportamentos indesejados, aos quais prejudicavam o processo de ensino aprendizagem. Ao final da aplicação do projeto, 85% dos alunos, os quais emitiam comportamentos indesejados, tiveram modificações em seus repertórios comportamentais, permitindo melhor socialização entre alunos, favorecendo a cooperação dos alunos.

O QUE SÃO REFORÇADORES

Para a compreensão do conceito de reforçador, é importante entender sobre o comportamento e como ele se operacionaliza. Os reforçadores incidem no comportamento e desencadeiam conseqüências; para que esse processo se estabeleça, o entender do funcionamento comportamental é importante a definição do termo reforçador.

Segundo Rose (1997), o termo comportamento refere-se à atividade dos organismos (animais, incluindo o homem) que mantém intercâmbio com o ambiente. O comportamento se estabelece da interação indivíduo x ambiente, constituindo-se de dois tipos: os respondentes, onde uma resposta é eliminada, por um estímulo antecedente. A comida na boca elicia a salivação, exemplificando esse comportamento respondente. Há também o comportamento operante, o qual modifica o ambiente, levando às alterações no comportamento seguinte.

“O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade e pelas suas maiores realizações, mais os princípios básicos não são por isso necessariamente diferente.” (SKINNER, 1970, p. 30)

REFORÇADORES

Pode-se dizer que um evento é reforçador quando ele aumenta a probabilidade de alteração em sua frequência de emissão. A única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para um dado organismo sob dadas convicções é fazer um teste direto. Observamos a frequência de uma resposta selecionada, depois tomamos um evento a ela contingente e observamos qualquer mudança na frequência. Se houver mudança, classificamos o evento como reforçador para o organismo sob as condições existentes. (SKINNER, 1970)

Os estímulos reforçadores são denominados de dois tipos: reforços positivos, quando ocorre a apresentação ou acréscimo de estímulo, seguidos por esses estímulos são obtidos determinadas ações. Existem também os estímulos reforçadores negativos, onde ocorre a remoção de alguns estímulos. “Em ambos os casos o efeito do reforço é o mesmo: a probabilidade da resposta será aumentada” (Skinner, 1970, 48)

Para efeito de estudo do presente trabalho se aterá aos estímulos reforçadores positivos.

APLICAÇÃO EM SALA DE AULA (REFORÇOS POSITIVOS)

A educação atual advém de uma longa história de repressão, ou seja, para que os alunos aprendessem a se comportar de maneira adequada, os comportamentos inadequados eram punidos. Desta forma os comportamentos tidos como adequados eram instalados por punições ou reforços negativos, não oportunizando a apresentação de repertórios alternativos e reforçamento positivo para comportamentos adequados. Assim, os estudantes permaneciam sob controle da punição, precisando comportar-se adequadamente para não serem punidos, não porque consideravam serem determinados comportamentos adequados para determinadas situações. Permaneciam sob controle das regras sob efeito de punição e não sob controle de contingências, sob controle de reforços positivos.

Para Skinner (1985), é fundamental a introdução de contingências positivas na educação, sendo que essas controlam o comportamento dos alunos e dos professores.
“… nas condições atuais vigentes torna-se difícil, para um sistema de reforçamento positivo dentro de uma estrutura predominantemente aversiva como é a escola e, em última análise, a própria sociedade”. (PEREIRA, MARINOTTI, LUNA, 2004, p. 27).

É importante para que ocorra a liberação das consequências positivas conhecer os pré-requisitos da situação escola: conhecimento individual do aluno e atenção do professor contingente a comportamentos desejáveis.

O QUE B. F. SKINNER DIZ – TECNOLOGIA DO ENSINO

Segundo Skinner (1970), a escola é uma instituição onde existem comportamentos que as pessoas obterão vantagens no futuro. O comportamento é reforçado eventualmente, de várias maneiras, sendo que os reforços são arranjados pela escola com objetivos de condicionamento. Constantemente são empregados reforçadores artificiais, ou arbitrários, os quais se diferem dos naturais, pois nos naturais as conseqüências são inerentes à própria atitude, enquanto nos artificiais não. Como exemplo de reforçadores artificiais pode-se citar treino, exercício e prática.

Para Skinner(1970), os reforçadores utilizados pelas escolas são familiares, constituindo de boas notas, promoções, diplomas, graus e medalhas, associando com o reforçador generalizado que é a aprovação.

Na Segunda Guerra Mundial, as escolas adotaram parte da educação militar, disponibilizada aos professores novos reforçadores na forma de promoção militar. Com papel de controle a palmatória era utilizada como forma de punição.

Atualmente, as punições físicas foram abandonadas, porém outras consequências aversivas criadas. O professor não utiliza castigos físicos, porém ameaça com a retirada da aprovação ou afeição, utilizando do controle aversivo.

Os reforçadores positivos, às vezes disponíveis, são utilizados como forma de estimulação aversiva condicionada, podendo ter como consequências do não cumprimento de regras a ameaça de reprovação ou expulsão.

As escolas estão utilizando métodos de controle alternativo. Os professores usam, por vezes, sob controle do desânimo fontes de poder e controle pessoal, com o objetivo de tornar-se o que ensina mais interessante. São arranjadas situações favoráveis para a execução do comportamento a ser controlado pela escola. Pode tornar-se mais eficiente os reforçadores.

Skinner (1970) ainda cita em Tecnologia do Ensino- Uma instrução programada as máquinas de ensino, as quais foram planejadas para que os reforçadores tivessem consequências imediatas mais vantajosas. Foram criadas em 1932 por Sidney Pressey para que os estudantes, ao apertar os botões selecionassem respostas. “Conforme afirmava Pressey, à medida eram imediatamente informados se haviam acertado ou errado, a máquina não só testava como também ensinava” (Skinner, 1990, p. 125).
Muitas escolas americanas foram influenciadas pelos conceitos de Skinner sobre as máquinas de ensino. As técnicas foram usadas para ensinar os que têm problemas para aprender habilidades nas classes comuns. O trabalho era feito individualmente, a cada dia começavam de onde paravam anteriormente. Seguiam uma sequência de passos planejados, recebendo informação imediata sobre suas atividades. Cumpriam, em média um ano e meio por matéria, a cada ano, duas vezes mais do que se estivessem em uma classe regular.

“A instrução programada foi inventada para corrigir uma falha básica: é muito raro que o comportamento que ocorre na sala de aula seja imediatamente reforçado, e assim o estudante não pode passar de imediato para um novo material” (SKINNER, 1990, p.137).

A instrução programada fracassou em encontrar um lugar na escola, mas ainda é muito utilizada nas indústrias, onde são gastos milhares de dólares com programas instrucionais.

Para o autor, os estudantes prestam atenção quando esse comportamento desencadeia consequências reforçadoras. Ao comparar uma sala de aula, com uma sala de jogadores de bingo, Skinner enfatiza que ninguém diz aos jogadores de bingo para prestarem atenção nas cartelas ou nas fichas, pois as conseqüências reforçadoras só ocorrem quando eles agem de tal maneira. As pessoas só se beneficiam de determinados estímulos, se as contingências, as quais forem expostas sejam reforçadoras a elas.

PESQUISAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

As pesquisas nacionais e internacionais foram baseadas na dissertação de mestrado de Adalysa Vidigal de Marmo, cujo tema foi “Publicações sobre Educação no Journal of Applied Behavior Analysis: Uma revisão”, apresentada em 2002 na PUC/ SP.

A dissertação foi fundamentada em uma revisão dos artigos sobre educação do JABA (Journal of Applied Behavior Analysis).

Segundo Marmo, (2002) o analista do comportamento tende a considerar que repertórios complexos como produtos de histórias anteriores, sendo que a construção destes repertórios pode ser alternativa para evitar problemas futuros uma vez que aí estaria uma condição favorecedora do comportamento na escola primária (Ensino Fundamental I). O relato da experiência se baseia em uma sala de aula do Ensino Fundamental I, por também considerar que a construção de repertórios sociais se inicia nessa fase, propiciando uma modelagem favorável.

Para que esses repertórios sejam desenvolvidos é importante verificar outros tipos de atitudes como habilidades sociais, ou eliminação de comportamentos problemáticos que prejudiquem o desenvolvimento desses repertórios desde o início da vida acadêmica do estudante. A autora pesquisou artigos referentes à habilidade acadêmica, contendo os comportamentos de soletrar, aumentar a criatividade e melhorar a escrita. Eliminar, enfraquecer comportamentos chamados disruptivos ou inadequados usados esses comportamentos como habilidade acadêmica com ênfase nos mesmos. Foram considerados devido à abordagem presente no artigo os temas relacionados à habilidade acadêmica com ênfase em comportamentos disruptivos (HAD), estando relacionados aos feedbacks, monitores, jogos, reforçamento de respostas incompatíveis em função de diminuir comportamentos disruptivos. Também foram considerados comportamentos disruptivos (falar alto, fazer barulho, sair do lugar, não realizar tarefas). Ainda advindos da pesquisa utilizada no artigo Treinamento (T), treinar o professor a elogiar, a interagir, a usar “pacotes” de procedimentos a diminuir comportamentos disruptivos do aluno. Foi ressaltado que 10% das pesquisas relacionadas ao JABA são referentes ao comportamento disruptivo.

Os trabalhos relacionados a esses se fixaram nos níveis do Ensino Fundamental I e II. Em 1972 foi apontada na literatura por Winnett e Winckler a importância dos trabalhos de analistas do comportamento que abordaram o controle de comportamentos disruptivos. Os seguintes procedimentos forram usados. Esquema de reforçamento (intervalo fixo e variável), extinção, ignorar comportamentos inapropriados, instrução (seguir regras), modelagem, reforço positivo/ economia de fichas, reforço diferencial (reforço de respostas apropriadas). Entre a avaliação foram ressaltados os procedimentos mais utilizados nas pesquisas, podendo citar os procedimentos que manipulam consequências positivas.

Segundo Marmo, (2002. p 68), “a hipótese de que os estudos se voltam para enfraquecer repertórios estão concentrados com o tema sobre comportamento disruptivo, os quais sugeriam que não é preciso tratar de comportamentos inadequados manipulando conseqüências aversivas e que é possível contingências positivas, reforçando eles como incompatíveis, o que ocorreu com 30% dos estudos.”

O quadro de recompensas, assim como a economia de fichas, propicia o fortalecimento da instalação de repertórios comportamentais adequados ao ambiente na sala de aula.

MÉTODO

O estudo realizado neste trabalho se deu por meio de um relato de experiência durante a atuação da autora com alunos do Ensino Fundamental, de uma escola da rede particular de ensino, localizada na cidade de Santos/SP.

Os sujeitos deste relato de experiência foram os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, sendo a sala de aula composta por 33 alunos.

A intervenção com os alunos ocorreu através de um quadro de recompensas, denominado “Projeto Boas Ações,” proposto pela autora do trabalho. A aplicação do projeto foi necessária após observação de alguns comportamentos emitidos pelos alunos, prejudicarem a dinâmica da sela de aula, interferindo no processo de ensino aprendizagem dos alunos.
Tendo por objetivo a boa convivência entre os alunos, reforçando comportamentos adequados em sala de aula, a fim de propiciar maior autonomia dos alunos e colaborar para o processo de aprendizagem dos alunos o projeto se operacionalizou da seguinte maneira.

Foi efetuado um cartaz contendo o nome de cada aluno da sala, semanalmente durante a aula de Orientação Educacional, ministrada pela autora do projeto; os alunos eram questionados se mereciam ganhar um adesivo, criado especialmente para a aplicação do projeto. Os alunos eram questionados sobre o comportamento durante a semana, dizendo nesse comportamento semanal, se mereciam ou não ganhar o adesivo.

Os alunos, que ganhassem o adesivo, recebiam, através de sorteios, uma tarefa de auxiliar os alunos que não ganharam o adesivo a ganhar na semana seguinte; essa tarefa era denominada como uma missão. Caso o aluno que recebesse a missão tivesse cumprido sua tarefa, a qual era estimular o colega a comportar-se adequadamente para ganhar o adesivo e esse, por sua vez, ganhasse, o aluno incumbido da missão recebia um carimbo de parabéns. Os alunos que ganhassem em uma determinada semana o adesivo não poderiam na semana seguinte ganhá-lo novamente; assim sendo, eram premiados com adesivos quinzenalmente, no entanto, na semana que não eram premiados poderiam receber as missões atribuídas na semana anterior e consequentemente caso fosse cumprida ganhar um carimbo de “parabéns”.

No final do semestre, os alunos que recebessem a maior quantidade de adesivos e carimbos de parabéns eram premiados com brindes fornecidos pela escola, contendo o logo do projeto por meio de uma solenidade de premiação. Os alunos que ganhassem os brindes eram incentivados a se empenhar e modificar seus comportamentos, a fim de receber futuros prêmios.

DISCUSSÃO

A escolha para implantação do quadro de recompensas no 5º ano do Ensino Fundamental I deu-se a partir das constantes queixas em relação a alguns comportamentos tidos como inadequados pelos professores e coordenadora. Os comportamentos eram geralmente relacionados à indisciplina dos alunos durante as aulas de professores titulares, como dos professores com aulas extras.

Depois de um tempo de observação, foram constatados alguns comportamentos inadequados, os quais prejudicavam o processo de ensino aprendizagem. Alguns alunos se levantavam de seus lugares, para conversar com outros alunos, provocavam-se verbalmente uns aos outros, consequentemente envolviam-se em conflitos que, por diversas vezes, tinham como consequências agressões físicas.

Os alunos ainda conversavam muito durante a explicação de determinados conteúdos, não possibilitando que os demais se concentrassem. Em decorrência dessas contingências, os professores precisavam solicitar a atenção dos alunos constantemente, não favorecendo o andamento das aulas e ainda implicando em desgaste emocional dos professores, deixando-os desmotivados.

“A palavra disciplina percorreu um longo caminho desde sua associação com discípulo; agora significa punição,…” (SKINNER, 1990, p. 137).

Ocorreu no início do semestre explicação do projeto aos pais e aos alunos, os quais seriam submetidos ao mesmo. Durante as aulas de Orientação Educacional, o projeto era aplicado, sendo que os alunos aguardavam a intervenção com ansiedade. A aplicação ocorria em 15 minutos, geralmente efetivada ou no início das aulas, ou no final.

Em ordem alfabética, os alunos eram questionados se mereciam ganhar o adesivo e isso implicaria em avaliarem seus comportamentos durante uma semana. No início, quase todos os alunos diziam merecer ganhar o adesivo, poucos arriscavam dizer que não eram merecedores. Geralmente, os alunos que emitiam o maior índice de comportamentos indesejados diziam ser premiados. Passados um mês da aplicação do quadro, a intervenção começou a ter consequências positivas, pois os alunos que se comportavam inadequadamente começavam a dizer que não poderiam ganhar o adesivo, tornando consciente que seus comportamentos não estariam condizendo com os ganhos dos adesivos.

Pereira, et al (2004) em pesquisas sobre pré-requisitos para liberação de reforços positivos dizem que é importante envolver ao máximo o aluno na avaliação do seu próprio desempenho. Esse envolvimento tornou-se muito importante nas avaliações referentes ao comportamento, tendo por objetivo a proposta do quadro de recompensas. “… mesmo que seja necessário começar utilizando conseqüências artificiais para o comportamento do aluno, a substituição delas por naturais deve ser feita o mais rapidamente possível” (Pereira, et al, 2004). O quadro de recompensas se encaixa nas consequências artificiais, porém importantes para o início da modificação comportamental dos alunos.

Passadas oito semanas de aplicação do projeto, as mudanças comportamentais eram consideradas, pois 70% dos alunos que, no início da aplicação, emitiam comportamentos inadequados, acreditavam não serem merecedores do adesivo, sendo que em decorrência de suas modificações comportamentais, afirmavam que deveriam ganhar, condizendo o merecimento do ganho do adesivo, com os comportamentos relatados pelos professores.

Ao final do semestre, as mudanças comportamentais foram constatadas, permitindo um melhor andamento do processo de ensino aprendizagem. As missões de auxílio dos alunos os quais ganhavam o adesivo com alunos que não ganhavam, permitiram maior colaboração uns com os outros, instalando repertórios de cooperação entre os alunos.

No final do ano, 85% dos alunos que se comportavam inadequadamente tiveram seus repertórios comportamentais modificados, assim os objetivos iniciais do projeto cumpridos.

Os professores ainda foram orientados como proceder em determinados casos de comportamentos indesejados. Essas orientações eram referentes ao fato de tentarem reforçar positivamente os comportamentos adequados, evitando reforçar negativamente ou punir os comportamentos indesejados. A intervenção permitiria que os alunos associassem o reforço positivo aos comportamentos desejados, possibilitando a modificação do comportamento.

A manipulação bem-sucedida do ambiente é um reforçador fraco, mas pode ter um efeito poderoso se ocorre de modo adequado. O problema que afeta as atuais práticas de sala de aula é que os estudantes raramente fazem coisas que são imediata ou visivelmente reforçadas. (SKINNER, 1990, p.125).

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UM ESTUDO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE

UM ESTUDO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE

A STUDY ON INTERDISCIPLINARIDADE

 

Profª Marina Célia Requejo de Sá

Mestre em Adm. Cont. Financ. – UNIMONTE /SP

Professora da UNIBR- São Vicente

 

Resumo

Este artigo trata dos fundamentos da interdisciplinaridade e seu desenvolvimento global. Parte-se do pressuposto que esse processo pode influenciar de forma determinante não só o aprendizado escolar, mas também as fronteiras da ciência convencional; assim sendo, foram acompanhadas suas modificações institucionais que, não se limitando às fronteiras espaciais e temporais das disciplinas, desenvolvem novos saberes. Tem-se por objetivo estudar a atual prática de avaliação escolar, verificando as deficiências que a impede de ser mais coerente e honesta. Os preceitos teóricos fundamentam-se em Foucault (1961, 1963 e 1966), Fazenda (2011) e Luckesi (1995).

 

Palavras-chave: interdisciplinaridade, aprendizado, avaliação

ABSTRACT

This article is about the foundations of interdisciplinary and its global development. Starting by the standing point that this process can study the influence in a determinant way, not only the school learning, but also the science conventional frontiers, its institutional changes were followed that, not only limiting to the special and time frontiers of the subjects, develop new knowledge. It aimed to study the nowadays practice of school evaluation, searching the deficiencies that prevent it of being more honest and coherent. The theoretical rules founded in Foucault (1961, 1963 and 1966), Fazenda (2011) and Luckesi (1935)

 

Keywords: Discourse Analysis, Legião Urbana, music, history.

INTRODUÇÃO

Interdisciplinaridade é o processo que acompanha a evolução do mundo pós- modernidade e, diante de modificações institucionais e científicas, possibilita intercâmbio de ideias que criam novos conceitos, ampliando assim o campo do saber.

Este estudo tem o objetivo de considerar os fundamentos iniciais da Interdisciplinaridade, tema já bastante atual e controvertido na Europa e Estados Unidos enquanto no Brasil é admitido como possibilidade para uma sistematização da educação.

Nesse sentido, consideramos importante tecermos algumas considerações que julgamos relevantes, sem a pretensão de esgotarmos assunto tão complexo, árido e de suma importância para o aprendizado de nossos alunos e para o futuro de nossa sociedade.

DESENVOLVIMENTO

Fragmentação foi a palavra de ordem na grande virada ocorrida nos anos 60 em todo mundo. O movimento inicia-se depois da Segunda Guerra Mundial e estabeleceu uma mudança geral de paradigmas. Tal movimento trouxe a interpretação da psicologia, sociologia e antropologia. Estas, entre outras ciências já mais estudadas, impulsionaram o homem à libertação de seus conceitos e ideias.

Modificações institucionais criaram a radicalização de um processo com análises fragmentárias e transformáveis, as quais são os fundamentos da interdisciplinaridade.

Em 1960, foi criada a pílula anticoncepcional, a informática, novas técnicas psiquiátricas, entre muitas outras inovações as quais tornaram perceptíveis a fragmentação não só religiosa, psicológica, sociológica, antropológica como em outros campos do saber. As grandes histórias foram substituídas por pequenos e rápidos flashes de comunicação pós-modernidade. No mundo, maiores fatos libertaram a sociedade e esta criou uma rede de poderes que, para uma convivência pacífica, necessitou de acordos firmados à base da compreensão e da ética.
Segundo Machado (1969), em “Arqueologia do Poder”, notamos a forte e efetiva influência de Foucault no surgimento da interdisciplinaridade.

Em 1961, Foucault publicou “História da Loucura”, na qual seus saberes sobre o tema pretendiam estabelecer o momento exato e as condições de possibilidade do nascimento da psiquiatria. O livro trouxe uma grande inovação tecnológica como a resolução de se estudar em diferentes épocas, sem se limitar a nenhuma disciplina em um projeto o qual deixou de considerar a história de uma ciência como um desenvolvimento linear e contínuo. Foi estabelecida a relação entre os saberes, sendo cada um deles considerado possuidor de uma positividade específica, não se limitando às fronteiras espaciais e temporais da disciplina. Assim, a psiquiatria amplia-se para outros campos do saber; em arqueologia, o espaço se diversifica; em ambos os casos, é deixado o limite clássico para entrar para o campo social, político, religioso e jurídico.

Em 1963, Foucault publica “O Nascimento da Clínica” que nos apresenta uma ruptura radical entre a medicina moderna e seu passado numa nova disposição de conceitos, investigando sobre os princípios de organização da medicina em épocas diferentes, evidenciando que a moderna, fundamentada na história natural, se opõe à medicina clássica a qual encontra seus princípios na biologia. Mudam os procedimentos conceituais, surge uma interrelação de saberes, partindo do conhecimento da doença para o saber moderno do indivíduo como corpo doente.

Surge o saber extradiscursivo, mudando as relações entre o saber, seus objetos, conceitos e métodos diferentes.

Em 1966, o autor completa a trilogia com a publicação de “As palavras e as coisas” onde encontramos uma análise arqueológica que consiste em descrever a constituição das ciências humanas, a qual a partir de uma interrelação de saberes, estabelece uma rede conceitual que lhes cria espaço de existência, deixando de lado as relações entre os saberes e as estruturas econômicas e políticas. O objetivo do autor era generalizar interrelações conceituais capazes de situar os saberes constitutivos das ciências humanas sem pretender articular as formações discursivas com as práticas sociais. Segundo ele, há uma descontinuidade patente quando se aplica uma teoria, esta descontinuidade de conceitos gera formulações que, se inter-relacionando com saberes passados, criam novas implicações sobre o assunto que são as readaptações transformáveis. Podemos considerar que, no conjunto das citadas, obras visualizamos o nascimento da interdisciplinaridade.

Segundo Fazenda (2011) no final da década de 60, quando Hilton Japiassú, o precursor dessa área de estudos no Brasil, decidiu investigar a Interdisciplinaridade, frequentou por dois anos o laboratório de Jean Piaget onde a Teoria da Interdisciplinaridade estava sendo gestada.

Nessa convivência, acadêmicos que estudavam com Piaget sobre o valor do conhecimento específico das ciências e a possibilidade de extrapolar os limites destas. Após longa investigação, sobre a complexidade dos limites das ciências, numa atitude de liberação das amarras que impediam o afrouxamento das fronteiras, Piaget cria o conceito de transdisciplinaridade, imaginando com ele, a possibilidade de transgressão dos principais paradigmas fechados das ciências convencionais da época. A ciência convencional que vinha sendo colocada em questão passa a ser questionada na Escola, nas disciplinas que então se organizavam, e com elas o currículo. (FAZENDA, 2011, p. 18).

De 1990 a 1994, o Brasil adota uma política educacional por interdisciplinaridade; foi criada a Escola Padrão por meio de um decreto no governo Fleury, porém as mutações são constantes em nossa rede de ensino e logo os sistemas são substituídos por outros, sequencialmente, sem que se pense muito em como ficará a preparação de nossos alunos ou quais serão os seus saberes ou ainda como seus saberes ajudarão na tomada de decisões inevitáveis nas suas vidas.

Os pedagogos começam então a pensar numa maneira de inserir essa fragmentação de pensamento no ensino escolar considerando que os atuais meios, mais rápidos, de comunicação possibilitaram a criação de textos menores que analisados se mesclam criando uma nova ideia e ampliando o campo do saber.

No sentido de considerar os aspectos práticos sobre a interdisciplinaridade no Brasil, teceremos considerações sobre o artigo de Luckesi – “A atual prática da avaliação e democratização do ensino”. Nele, o autor analisa as dificuldades encontradas pelos professores para ensinar e avaliar, de forma honesta e ética, alunos da escola pública até a faculdade. Discute ainda sobre os princípios iniciais de conteúdos os quais deve ter o ensino a fim de acompanhar o aluno desde a escola popular até a faculdade. Um ensino que possa suprir suas deficiências e através de uma avaliação coerente e honesta lhe dê condições para adquirir qualidade de percepção e, a partir daí, ter o privilégio de conseguir chegar aos conhecimentos gerais da vida. Verificamos que só através das práticas interdisciplinares aplicadas em seu ensino, conseguirão isso.

Em relação aos nossos processos de avaliação, temos sempre manifestações latentes, pois estão sujeitos a patologias magisteriais permanentes que os levam a privilegiar determinados alunos, embora atualmente o professor esteja revestido de maior dose de bom senso.

Segundo Luckesi (1995), para a tão necessária avaliação dos alunos, depois de determinados períodos de aulas, os professores formulam provas ou testes através dos quais os mesmos possam expressar seu entendimento e compreensão sobre os que lhes foi ensinado. Muitas vezes, durante a elaboração das mesmas, inserem conteúdos extras com a finalidade de que os alunos se tornem mais atentos e mostrem que são bons mesmo. Quando os alunos não entendem a questão, respondem de qualquer modo, prejudicando o valor de suas notas ou conceitos que corresponderão ao seu nível qualitativo de aprendizagem e farão parte do seu histórico escolar. O professor poderá ainda atribuir pontos a mais ou a menos. Para o citado autor, é assim tem ocorrido o ritual de avaliação em nossas escolas brasileiras.

Nesse sentido, considerando que a avaliação estabelece um juízo de qualidade sobre dados relevantes, visando uma tomada de decisão, é preciso relembrar as três variáveis que, juntas, possibilitarão ser substancial o papel da avaliação:
1ª variável – Juízo de qualidade – juízos são afirmações ou negações sobre alguma coisa; para se fazer o juízo de qualidade é preciso recorrer ao juízo de existência que determina o que o objeto é, pois este juízo de qualidade acontece quando comparamos o objeto que está sendo ajuizado a um determinado padrão ideal de julgamento. No processo de avaliação, o dado de realidade é a conduta dos alunos e a essa realidade atribuímos qualidade a partir de determinado padrão ideal de conduta. Assim, o professor, tendo em mãos os resultados da aprendizagem dos alunos, os compara com a expectativa de resultado que considera padrão ideal de julgamento e lhe atribui uma qualidade que pode ser satisfatória ou insatisfatória.
2ª variável – o juízo de qualidade usado na avaliação deve ser fundado em dados relevantes da realidade; no caso da aprendizagem, ele deve ser fundado em propriedades “físicas” aqui entendidas como a conduta dos alunos, que será mais ou menos satisfatória à medida que se aproximar do padrão ideal adotado, ou seja, da expectativa que temos dessa conduta. Suprimir essas propriedades “físicas” significa qualificar ou desqualificar gratuitamente o aluno.
3ª variável – Tomada de posição – o juízo de qualidade implica uma tomada de posição, ou seja, estar a favor ou contra aquilo que foi julgado; nesta fase essa tomada de decisão se refere à decisão do que fazer com o aluno em relação à sua aprendizagem, considerá-la satisfatória ou insatisfatória.

A atual prática de avaliação no Brasil está levando em conta esses caracteres?
No caso do juízo de qualidade, o padrão ideal exigido deve ser estabelecido com clareza e levado em conta com honestidade para que a aprovação ou reprovação dos alunos não dependa da arbitrariedade do professor, mas sim da aprendizagem dos caracteres mínimos necessários de um juízo de qualidade fundamentado no real e não de forma antidemocrática. A definição de dados relevantes e sua utilização na avaliação evitarão o arbítrio momentâneo por parte do professor quando resolve “dar um ponto a mais” ou “dar um ponto a menos”, baseado em dados irrelevantes da aprendizagem. Essa conduta impede que o patamar cultural do aluno se eleve o que lhe possibilitaria uma melhor visão do mundo.

Em nosso cotidiano escolar, os alunos são classificados através de menções em notações numéricas ou verbais, posteriormente transformados em símbolos numéricos. Esta passagem permite que seja feito um “contrabando”. O professor necessita agir assim pelo fato de trabalhar com média de notas e não com um mínimo necessário de conhecimentos, forma pela qual os alunos podem ser aprovados sem deter os conhecimentos necessários numa unidade de ensino, atitude esta considerada antidemocrática.

Duarte (1995) considera que o professor tem o compromisso de formar cidadãos os quais conheçam seus direitos e deveres, podendo atuar na sociedade, no ambiente familiar, no trabalho e na vida política, também saber em quem votar, escolher bem seus representantes, os quais deverão lutar pelos direitos dos cidadãos.

Segundo Libâneo (1994, p.44), “a democratização do ensino supõe um sólido domínio das matérias escolares, com especial destaque à leitura e à escrita, como pré-condição para a formação do cidadão ativo e participativo.” Para ele, como toda a profissão, o magistério é um ato político porque se realiza no contexto das relações sociais.

Moreira José (2010), em seu artigo “Interdisciplinaridade e ensino”, comentando aspectos de ordem prática sobre a Interdisciplinaridade no Brasil, cita que, de acordo com Hernandez (1998) a educação precisa favorecer a compreensão dos alunos daquilo que se ensina para que possa agir sobre o que foi aprendido, porém insere mais uma exigência do ensino, o que se aprende deve ter relação com a vida dos alunos e dos professores. O trabalho do professor deve propiciar ao aluno a resolver questões problemáticas que o estimule a questionar, refletir e interpretar os fenômenos da realidade.

Para que isso ocorra precisamos abandonar práticas de ensino voltadas para a memorização, a repetição e distantes de qualquer forma que incite à reflexão. O professor, mudando seu comportamento, poderá enxergar as possibilidades que o aluno possui de aprender e transformar sua maneira de agir sobre o seu presente.

Para Moreira José (2010), vários autores, em suas recentes pesquisas sobre o tema, apontam que a aprendizagem dos alunos deve estar repleta de perguntas: de ordem existencial, conceitual ou de ordem prática; para eles, diversas perguntas críticas ou uma única questão bem projetada faz o papel de uma flecha que provoca impacto e penetração por onde passa atingindo e alterando seu estado de conhecimento.

O autor verificou que a Teoria da Interdisciplinaridade (Fazenda, 2011) se configura como a possibilidade conceitual, prática e existencial de fazer e respondera a essas perguntas.

Uma educação ou uma didática interdisciplinar fundadas na pesquisa compreendem que o importante não é a forma imediata ou remota de conduzir o processo de inquirição, mas a verificação do sentido que a pergunta contempla. É necessário aprendermos nesse processo interdisciplinar a separar as perguntas intelectuais das existenciais. As primeiras conduzem o homem a respostas previsíveis, disciplinares, as segundas transcendem o homem e seus limites conceituais, exigem respostas interdisciplinares. (Fazenda, 2011, 26).

Dessa forma, considerando que o ser humano sofre constantes transformações em seus ciclos de vida, seu processo de formação é contínuo e seu aprendizado influenciado pela perspectiva histórico-cultural na qual está inserido, visando à interdisciplinaridade; um exemplo a ser seguido é o “Projeto Teia do Saber” desenvolvido atualmente com grande sucesso numa das maiores favelas de São Paulo-Heliópolis. O SESI, em parceria com a da Secretaria de Estado da Educação de SP, propicia aos jovens alunos desse local atividades de formação extraescolares as quais garantem não apenas uma formação continuada, mas o encontro dos mesmos com a arte, a cultura, o esporte e outros saberes, sempre com acompanhamento psicológico de professores e profissionais altamente capacitados. Em entrevista à Rádio Bandeirante (17/3/14) a diretora responsável pelo projeto comentou que a finalidade maior do mesmo é preparar esses jovens para vida.

“Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova pedagogia, a da comunicação”. (Fazenda, 2011, p, 26)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nossos alunos enfrentam problemas, causados pela atual formação; esse fato permite que cheguem ao final do ciclo escolar sem a formação socio-cultural exigida.

Se a insatisfação com a educação ministrada nas escolas é um fato, como várias pesquisas a respeito de evasão e reprovação, bem como movimentos estudantis contestadores nos evidenciam, precisamos refletir sobre a necessidade de mudanças de atitude diante do problema do conhecimento, eliminando as barreiras entre o homem que a escola forma e o homem como ser do mundo.

Necessário se faz pensar a educação de forma não preconceituosa, onde todo o conhecimento é igualmente importante. No contexto da internacionalização, caracterizada por intensa troca entre os homens, a Interdisciplinaridade assume papel de grande importância na educação, pois, além do desenvolvimento de novos saberes, descortina novas realidades sociais e novas leituras de suas dimensões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUARTE, Lourdes. Didática e Democratização do Ensino. Resumo e reflexão do CAPÍTULO 02 – p: 33-39. A didática como atividade pedagógica escolar. professoralourdesduarte.blogspot.com./…/didatica-e-democratizacao-do-ensino. Acesso em 11/03/2014.

FAZENDA, Ivani Catarina A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro – Efetividade ou Ideologia. 6. Ed. São Paulo: Loyola, 2011.

HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: Os Projetos de Trabalho. Porto Alegre. Artmed, 1998.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994(Coleção Magistério. Série formação do professor).

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação do Aluno: a favor ou contra a democratização do ensino? In: Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 1995; p. 66-80.

MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. X. 5 FOUCAULT
disciplinas.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=41087‎. Acesso em1/02/2014.

MOREIRA, Mariana A. José. Interdisciplinaridade e ensino: dialogando sobre as questões da aprendizagem. Rev. Interdisciplinar, Volume 1, número 0, p.01-83, Out, 2010.

Publicação Oficial do GEPI- Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade –
Educação/ Currículo – Linha de Pesquisa: Interdisciplinaridade: PUC/SP.
R. Interdisciplinaridade, São Paulo, Volume 1, número 0, p.01-83. Out, 2010.
Distribuição eletrônica: pelo site: http://www4.pucsp.br/gepi/