Arquivo da categoria: volume 3, número 1 (2013)

Ensino Superior versus Treinamentos Corporativos características, expectativas e necessidades dos[…]

Ensino Superior versus Treinamentos Corporativos
características, expectativas e necessidades dos docentes e discentes

Higher Education against Corporate Training
Characteristics, needs and expectations of teachers and students

Roberta Pallotta Trigo

Especialista em Administração e Marketing
Faculdade de São Vicente – UNIBR

roberta.trigo@unibr.edu.br

RESUMO

O presente material visa analisar os comportamentos tanto de professores e treinadores em seus ambientes de trabalho, como de alunos e participantes de treinamentos em suas atividades de aprendizagem. O escopo deste trabalho abrange os aspectos motivacionais de discentes e docentes e qual a metodologia aplicada para aprimorar o processo estudantil. Discute-se também as metodologias andragógicas, amplamente utilizadas em programa de treinamento e que, quando aplicadas em sala de aula, contribuem para o enriquecimento do conteúdo.Um destaque importante deste conteúdo é quando se comenta sobre a necessidade de os professores conhecerem previamente as características individuais dos alunos, desenvolvendo suas aulas com o objetivo de atingir as expectativas individuais e coletivas. Entendemos como discente todo aluno ou participante de treinamento e como docentes, professores e multiplicadores/instrutores de treinamentos.

Palavras-chave: Andragogia. Docência. Treinamento. Motivação. Aprendizagem.

ABSTRACT

This material is intended to analyze the behaviors of both teachers and coaches in their work environment, as students and training participants in their learning activities. The scope of work includes motivational aspects for learners and teachers and what methodology to improve student process. We also discuss the andragogical methodologies, widely used in the training program and which, when applied in the classroom, contribute to the enrichment of the content. A important highlight of this content is when it comments on the need for teachers to know in advance the characteristics individual students by developing their classes in order to achieve individual and collective expectations. We understand how any student or student participant training and how teachers, teachers and multipliers / trainers training.

Key-words: Andragogy, Teaching, Training, Motivation, Learning.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é comparar as competências exigidas de um profissional de treinamento corporativo (palestrante) com um professor de nível superior. Em diversas situações nas quais pude acompanhar vários profissionais das duas áreas, percebi que, embora tais competências e conhecimentos exigidos em cada um sejam similares, professores e palestrantes possuem particularidades nem sempre presentes num mesmo indivíduo.

O convívio com o aluno, a postura corporal, a didática empregada nas aulas e o objetivo do programa ministrado, o modelo de gestão e até mesmo a vestimenta e o vocabulário, seja em um treinamento ou em uma disciplina de um curso em nível superior, diferem-se em parte.

Com relação ao convívio, por exemplo, o professor mantém um convívio contínuo com seu aluno, o qual pode perdurar por quatro anos; já no caso do facilitador ou palestrante, a convivência é menos duradoura: treinamentos corporativos tendem a possuir carga horária entre 8 a 16 horas, raras as situações as quais excedem esses números, e quando isso ocorre, as empresas de treinamento revezam seus instrutores evitando, dessa forma, estressar o relacionamento “aluno – facilitador”.

Os objetivos de programas de treinamentos e aulas em nível superior também se diferenciam. Treinamentos corporativos têm por objetivo o aprendizado prático, com aplicação imediatista, sem muitas fundamentações teóricas; acredita-se que a própria prática em sala de aula promova uma reflexão conteudista acerca dos assuntos explorados, instigando o aprendizado contínuo, não somente sobre o assunto relacionado ao contexto do programa como também uma visão holística do mundo corporativo. Já em sala de aula, com uma abordagem filosófica, há preocupação na formação do aluno e nem tanto na aplicabilidade dos assuntos apresentados.

É comum práticas independentes dos professores em sala de aula, sem a preocupação de elencar seus conteúdos com os demais abordados no mesmo semestre; poucos são aqueles que promovem a interdisciplinaridade. Encontram-se disciplinas díspares, não sincronizadas e desconexas sendo ministradas em mesmo período, prejudicando a compreensão do aluno. Qual a aplicabilidade disto? Pensa o aluno.

O modelo de gestão aplicado em sala de aula em nível superior também difere, e muito, de um programa de treinamento; no primeiro, o professor assume o estado de EGO PAI, que, segundo Kertész (1987), é crítico, mandatório e dono da verdade; por conseguinte o aluno, o estado de EGO CRIANÇA, o qual, de acordo com a teoria da análise transacional, Kertéz (1987) são estilos opostos. Sempre que o estado de EGO PAI se manifesta, há, inconscientemente, um convite a manifestar no outro o seu contraponto, simbolizado no estado de EGO CRIANÇA. Esta relação, bem comum em ambientes familiares, não se aplica, de forma alguma, em ambientes corporativos ou em relações profissionais de trabalho. No momento que o aluno expressa seu estado de EGO CRIANÇA, ele busca no professor uma relação de proteção totalmente permissível e favorável ou pode-se buscar uma cumplicidade. O Estado de Ego Criança não assume seus próprios atos, apresenta uma fuga de responsabilidades o que se reflete sobre a postura do aluno em sala de aula, além de outras reflexões e comparações como a postura do docente (ou palestrante) diante da plateia. Um adulto atuando como CRIANÇA, tende a se reprimir, a se desmotivar, sem expressar sua capacidade inovadora.


COMPARATIVO COMPORTAMENTAL: PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E PALESTRANTE DE TREINAMENTO

Historicamente, os primeiros cristãos foram também os primeiros professores de História, porque “professavam”, isto é, declaravam publicamente a sua fé, ainda que lhes pudesse custar a vida. A partir de certa época, um professor passou a ser aquele que “professava”, ou seja, declarava publicamente possuir conhecimentos em determinada área do saber e podia transmiti-los. Esse pensamento segue até hoje em determinadas áreas no ensino superior.

Segundo Perissé (2010. p. 33),

a origem da palavra não é bem certa; sabe-se que ela formou-se a partir do radical latino professum, supino deprofiteri (aquele que professou, que tomou ordens religiosas e que, por ser membro da igreja, podia proferir sermões publicamente, podia lecionar), formada por fateri (confessar, conhecimento, saber, aquilo que só a Igreja possuía), mais o prefixo pro- (diante, com o sentido de “diante de todos, à vista”) ou seja profiteri seria “confessar diante de todos”, “proferir a palavra diante de todos” ou ainda “declarar diante de todos”.

Outra análise é sobre a palavra “fateri”, do germânico arcaico “fader”, que, por sua vez, origina-se do grego “pater”, “pai”, ou seja, professor também é aquele que age e fala em lugar do pai. Isso explica, provavelmente, os relacionamentos existentes entre aluno e professor, a figura do tutor, do saber. De certo modo, o professor é aquele que ensina, educa.

Segundo Gil (2006), durante muito tempo não houve preocupação com a formação do professor atuante no ensino de nível superior. Excetuando-se, nesse caso, o curso de pedagogia, no qual a maioria dos professores possui formação na área da educação.

As crenças para se definir um bom professor em nível superior estavam baseadas em “quem sabe ensina” (GIL, 2006, p 19) ou o ainda “o bom professor nasce pronto”. Somente em 1965, o Conselho Federal de Educação definiu a efetiva implantação da pós-graduação no Brasil, sendo então obrigatória para os docentes a formação em sua própria área de atuação.

Em muitos cursos de mestrado, considerados atualmente como a principal ferramenta para a formação do docente, não se contempla a formação pedagógica, focalizando-se, exclusivamente, a área de pesquisa orientada pelo tema. Essa carência na formação dos docentes acarreta, em alguns casos, dificuldade de ensinagem que, de acordo com Polity (2002) é diferente da dificuldade de aprendizagem, visto que a primeira é em decorrência da dificuldade do professor se expressar e atingir seu público alvo.

… um correspondente para a dificuldade de aprendizagem do aluno, enunciada na fala do professor e que se refere à sua prática, que aqui denomino dificuldade de ensinagem. (POLITY, 2002, p. 21)

Polity (2002) define dificuldade de aprendizagem como:

Dificuldade de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou das habilidades matemáticas. Problemas de controle de comportamento, percepção e interação social podem coexistir. (POLITY, 2002 , p. 23).

Suas causas são inúmeras:

As dificuldades de aprendizagem têm causas e desenvolvimentos múltiplos, […] Ela pode ser tanto orgânica, ou intelectual/cognitiva, quanto emocional(incluindo-se ai a estrutura familiar/relacional. (POLITY, 2002, p, 23).

Em resumo, a autora define a dificuldade de aprendizagem como uma síndrome biopsicossocial, calcada em algumas constituintes básicas: a criança, a família, a escola e o meio social.

Pautando-se nessas definições, o professor deve compreender o seu meio estudantil para conseguir promover a integração dos alunos, minimizando as possíveis causas da dificuldade na aprendizagem. Quando o docente não se orienta para as questões acima comentadas, surge, segundo Polity (2002, p. 29), a “dificuldade de ensinagem”.

[…] a utilização do termo dificuldade de ensinagem no lugar de dificuldade de ensinar. Optei por essa distinção, pois penso que a dificuldade de ensinar refere-se apenas a transmissão de conteúdo específico. Assim, por exemplo, se não conhecemos física quântica, temos dificuldade de ensiná-la. […] Já a ensinagem a meu ver, é basicamente relacional, pressupondo interação. Além do processo motivacional […] ela refere-se a uma comunicação interativa […] Supões relacionamento e considera as trocas emocionais que permeiam o ato de ensinar. (POLITY, 2002, p. 29)

Um exemplo disso é comentado por Cozzo(, 2006, p. 196) “O fato é que nosso atual modelo de formação está pautado na escola filosófica sofista. Logo, por princípio, não se trata de formação, mas de informação.” Segundo tal autor, o professor em nível superior, talvez pela falta de orientação pedagógica, “alimenta” seus alunos com uma série de informações técnicas sem se preocupar com a retenção do conteúdo; sem certificar-se do processo de aprendizagem. O modelo de aula não interativo e autocrático, ministrado por muitos professores de nível superior, inibe o aluno a expor seus comentários, causando, assim, certo distanciamento entre professor e aluno; diferenciando-se, dessa forma, do modelo dialógico conduzido pelos palestrantes de treinamento, os quais incentivam a participação e integração do grupo.

Com isso, observa-se a carência na qualificação do professor. Muitos sem formação pedagógica possuem muito conhecimento técnico sobre o assunto, mas sem experiência e habilidade em transmitir seus conhecimentos. Seu papel não é só o de ensinar, mas auxiliar no processo de aprendizagem do aluno, em sua capacitação profissional, desenvolvendo habilidades nos alunos, nem sempre relacionadas exclusivamente à sua disciplina, mas instigando-os a pensar, pesquisar e aprimorar-se, envolvendo-os no processo de aprendizagem.

Gil (2011) comenta sobre os traços pessoais, intelectuais e profissionais necessários para o professor eficaz, enfatizado sobre a importância da paixão pelo que faz, da empatia no relacionamento com o aluno e o papel do líder participativo em sala de aula, que impactariam na motivação do aluno, consequentemente, aumentando o envolvimento dos discentes, propiciando e criando, com isso, um ambiente de melhoria para o aprendizado eficaz.

Dos traços pessoais, Gil (2011) destaca que um professor líder afeta positivamente as vidas não somente dos estudantes, mas também dos familiares e amigos. Um professor líder é aquele que demonstra humanidade, respeito, empatia, relacionamento e senso de justiça. Tais traços interferem principalmente na relação interpessoal do professor com o aluno, incentivando, deste modo, a participação ativa do discente nas aulas.

Gil (2011) comenta também a importância de traços intelectuais, tais como: conhecimento teórico, conhecimentos sociais derivados de sua experiência do dia-a-dia e possuidor de capacidade intelectual metacognitiva, comunicador, estratégico e responsivo. Esses estudos, que tratam da formação do professor, levaram à construção do Modelo Bidimensional Ensino Universitário Efetivo. Para Gil (2011, p.28), “a qualidade do ensino resulta de duas dimensões: da habilidade de um professor universitário em criar um estímulo intelectual (Dimensão 1) e da empatia interpessoal com os estudantes (Dimensão 2).”

Dessas duas dimensões, pode-se estabelecer a relação entre elas com base em um gráfico sendo o eixo Y (vertical) a Dimensão 1 – Estímulo Intelectual e o eixo X (horizontal) a Dimensão 2 – Relacionamento Interpessoal. Quanto maior o relacionamento professor/aluno, maior se torna o estímulo intelectual do aluno na busca pela resposta e isto fará a grande diferença em sala de aula.

Esse mesmo aspecto também é visível em palestras e treinamentos, pois o instrutor de treinamento possui um papel de multiplicador, repassando seu conhecimento ao aluno que aplicará tal conteúdo apresentado em seu dia-a-dia profissional; agindo assim como um facilitador no processo de aprendizagem. Para BELLAN, (2005, p. 56) “O papel do facilitador é apresentar informações através de técnicas de ensino e criar um ambiente adequado para a aprendizagem ”

O facilitador auxilia o aluno no processo de mudança, faz com que este analise o seu mundo, externalize a sua forma de pensar, para que juntos possam construir um pensamento único, uma nova verdade.

Bellan (2005, p. 56-57) afirma que as tarefas de um facilitador se diferenciam de um professor quando:

1. Comunicam-se com mais eficiência
2. Promovem o entusiasmo pelo aprendizado
3. Demonstram a importância prática do assunto a ser estudado
4. Propagam a sensação de que aquele conhecimento fará diferença na vida dos alunos
5. Transformam-se num orientador de atividades em grupos
6. Passam a sensação de que aquela atividade está mudando a vida de todos e não apenas acrescentando informações inúteis
7. Transmitem força e esperança

Em programas de treinamentos, os instrutores ou facilitadores utilizam-se do método socrático, que consiste na multiplicação de perguntas, induzindo no interlocutor a descoberta de suas próprias verdades e na conceituação geral do objeto. De acordo com COZZO (2006, p. 196), Sócrates disse a Platão que jamais dera uma única aula em toda sua vida; ele disse que não era necessário “ensinar” porque as pessoas já sabiam tudo o que havia para se saber, apenas não tinha consciência disso.

A prática de treinamentos corporativos exige e promove o debate em sala, instiga o aluno a pensar, a participar, envolvendo-se no desenvolvimento do tema de modo que sua aplicação se torne visualizável, palpável e mensurável, seguindo deste modo o estilo da maiêutica socrática.

Segundo Cozzo (2006), a formação de um multiplicador de treinamento dar-se-á principalmente pela sua habilidade na oratória, capacidade na transmissão dos conteúdos e obviamente conhecimento no assunto; exigindo além das competências técnicas, o prazer de estar com as pessoas e vê-las descobrir coisas sobre si mesmas.

Tal conhecimento exigido, não necessariamente fundamentado em grandes teorias acadêmicas, mas sim na vivência prática, aborda a temática dos conteúdos pelo prisma dos participantes, focalizando as necessidades de seu interlocutor. Deste modo, o discurso do palestrante fica alinhado às expectativas dos participantes, pois focaliza suas necessidades pontuais.

Para Cozzo (2006) mais importante que o conteúdo programático, é o prazer do profissional de treinamento em se dedicar aos seus alunos, transformando-os; permitindo que eles apresentem seu modo de ver o mundo, auxiliando no processo de mudança ou reforço.

A forma da apresentação é também em alguns casos até mesmo mais valorizada que seu próprio conteúdo. Ela envolve desde a postura do palestrante como toda a infraestrutura agregada ao treinamento. Os serviços adicionais, como recursos multimídia, almoço, material didático, apresentado o intervalo para o café com seus quitutes, favorecem a avaliação positiva do treinamento. Apenas uma apresentação positiva do instrutor não valoriza o programa de treinamento, visto que as expectativas dos participantes se estendem aos serviços agregados.

A técnica de apresentação e oratória é um elemento muito valorizado em programas de treinamento, devendo o palestrante saber trabalhar sua gesticulação corporal, voz, linguagem e a empatia com os participantes. Em um programa de treinamento é mandatório que todos os integrantes do curso participem ativamente; “cabe ao palestrante desenvolver seu lado artista” (Gil, 2011, p.34). O facilitador tem um papel fundamental nesse processo; ele é o ativador de todo o processo de aprendizagem em sala de aula.

Os instrutores, de uma maneira geral, preparam-se para ministrar treinamentos para adultos de forma a incorporar em sua didática diversas ferramentas as quais possibilitem o envolvimento do educando no processo de aprendizagem. O instrutor tem um segundo papel que é de compartilhar a sua experiência de vida profissional aos seus alunos, os quais em sua maioria são atuantes em área correlata e estão ali para seu aperfeiçoamento profissional. Segundo BELLAN (2005, p. 61) “O facilitador deve saber que apenas seu conhecimento, um livro didático, recursos audiovisuais etc, não garantem influenciar o indivíduo adulto para a aprendizagem.”

É sabido que adultos apreendem de forma diferenciada da criança e uma importante área da pesquisa educacional se refere às semelhanças e diferenças entre a aprendizagem do adulto e da criança. Ainda hoje a Andragogia é pouco estudada nos cursos de pedagogia. Para BELLAN (2005, P. 20), “Andragogia é a ciência que estudo como os adultos aprendem. E quem primeiro usou esta nomenclatura foi o educador alemão Alexander Kapp, em 1833. “

De acordo com tal autor, a andragogia questiona o modelo da pedagogia aplicado à educação de adultos, porque entende que o adulto é sujeito da educação e não o objeto desta. Isso também é afirmado por Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. (FREIRE, 2011, p. 47).

Ambos propõem a figura do professor atuando como um facilitador do aprendizado, compreendendo e respeitando as individualidades dos alunos, crenças, carências, conhecimento e experiências anteriores. É fato que algumas habilidades ou capacidades de aprendizagem de um indivíduo aumentam durante os primeiros anos de sua vida como sua coordenação motora e resistência física, acuidade visual, seus conhecimentos gerais e sua memória de modo que o ser, até tornar-se adulto, passa por constantes transformações físicas e intelectuais. Tais mudanças influenciarão no seu modo de agir, pensar, e relacionar-se com o meio.

Enquanto a criança é, de certa forma, obrigada a frequentar a escola, os adultos têm a liberdade de escolha, abandonando as situações de ensino que lhes sejam insatisfatórias. Em ambos os casos, os professores precisam se perguntar sobre as necessidades presentes e as habilidades de seus estudantes, seus objetivos e o que eles esperam alcançar.

Existe outra teoria sobre a educação das crianças que diz que estas aprendem por imitação e espelhamento. Isso porque elas ainda não são capazes de “entender” do mesmo modo que uma pessoa mais experiente. Elas pouco questionam o que está sendo apresentado, expressando o seu verdadeiro Estado de Ego Criança. KÉRTÉZ (1987, p. 34) “A criança é o primeiro estado de ego a existir […].O estado de Ego é componente biológico da personalidade. A aprendizagem também se agrega a ela.”

Uma criança aceita sem questionar por não possuir conhecimentos anteriores que possam ser comparados, surgindo assim os questionamentos sobre a verdade. Muitas vezes vemos professores dizendo aos estudantes, de ensino superior, o que deveriam dizer, fazendo ligações às quais poderiam fazer por si próprios e, geralmente, ignora-se a importância da experiência e competência de cada um. Nesse caso, torna-se presente o Estado de Ego Pai que conflita com o Estado de Ego Adulto; e se fossem detectados antecipadamente o estado de ego do outro, haveria mais facilidade em alterar o nível da conversa, buscando uma inversão de estados de ego, escolhendo aquele considerado mais adequado para cada situação/relação.

Um adulto pode “entender” os fatos de outra forma. Baseia seu aprendizado em suas experiências vivenciais e necessita de um modo menos rotineiro para aprender novos assuntos de um jeito menos rotineiro, considerando-se inadequado aplicar os métodos escolares tradicionais.

Com isso, há posturas bem diferenciadas na forma de conduta de um professor em nível superior e um palestrante de treinamento. O primeiro se apodera da figura do estado de Ego Pai; em reciprocidade, o aluno vem com seu estado de Ego Criança, demonstrado não somente pelo baixo aprendizado, mas pelas posturas comportamentais de submissão, rebeldia com a autoridade, preocupação com os processos avaliativos (notas), transformando, dessa maneira, a relacionamento aluno-professor numa grande negociação de empenho versus nota. Já, quando se refere à postura do palestrante e seus alunos, ambos trazem para a sala de aula seus estados de Egos Adultos, permitindo, dessa forma, uma relação de reciprocidade, comprometimento e engajamento com o aprendizado.


COMPARATIVO COMPORTAMENTAL: ALUNO UNIVERSITÁRIO E PARTICIPANTE DE TREINAMENTO

De acordo com Perissé (2010) a palavra aluno procede do verbo latino alere, referente à alimentação, ao sustento e ao crescimento. O aluno se nutre das palavras do professor, inibindo, assim, a sua capacidade de raciocínio conclusivo.

O aluno, talvez estigmatizado pelo método acadêmico tradicional, já vem doutrinado desde o nível fundamental ao médio por uma metodologia de ensino impositiva, com regras claras e inibindo a exposição do EU aluno. O professor, sempre ditatorial, é o líder absoluto, mantendo um regime disciplinar autocrático.

“O EU (si mesmo, self), segundo Fairchild, é a percepção que um indivíduo tem de sua própria personalidade”. (KERTSÉZ, 1987, apud FAIRCHILD 1949, p. 22)

Essa metodologia é bem aplicada no aluno infante, entretanto, o adulto necessita de mais estímulos diferenciados para a aprendizagem.

No aprendizado entre adultos e crianças, segundo TRIGO ( 2013, p. 56)

1. Os adultos possuem desejo de aprender e forte motivação que os leve a adquirir conhecimentos e/ou habilidades para o seu aprimoramento profissional.
2. Seu desejo de aprender é despertado ou estimulado por influências externas, porém nunca lhes é imposto.
3. Os adultos aprenderão somente o que sentem necessidade de aprender.
4. Necessitam de conhecimentos com a aplicabilidade imediata.
5. Querem ensinamentos simples e diretos.
6. Não têm paciência em ouvir revisões históricas, muita teoria.
7. Querem obter resultados práticos desde o 1º dia de aula.
8. Adultos aprendem fazendo e a retenção dos conhecimentos é mais elevada quando o homem participa ativamente do processo de aprendizagem.Esquecem dentro de um ano 50% do que aprenderam de forma passiva. Em dois anos esquecerão 80%.
9. A aprendizagem centraliza-se em problemas/estudos de casos reais. Essas situações, mesmo que hipotéticas, devem ser extraídas de experiências em empresas, com soluções práticas e precisas às quais possam deduzir princípios.
10. A experiência afeta a aprendizagem do adulto. Os novos conhecimentos devem ser relacionados com suas experiências anteriores e integrados às mesmas; se não houver este ajustamento os adultos tendem a rejeitá-los.
11. Os adultos querem sentir-se responsáveis por sua própria aprendizagem. Necessitam de oportunidades onde realizem uma autoavaliação do seu progresso. Querem sempre saber como estão se saindo no curso, se estão fazendo certo, se o que o grupo concluiu está certo ou não.
12. Os adultos aprendem melhor em ambiente informal. Propiciar jogos e interatividade faz com que os adultos vivencie as teorias apresentadas, o que aumenta a sua capacidade de aprendizagem.
13. Uma variedade de métodos deve ser utilizada. Quanto mais envolvente for o treinamento, mais o adulto se interessará pelo assunto e maior será a sua participação.

Partindo-se da premissa que em sala de aula se deve abordar os princípios básicos da andragogia, visto que se estabelece a relação de egos adultos entre professor e aluno, mas a questão a ser discutida é se o aluno em nível superior possui a maturidade exigida pelo Estado de Ego Adulto para assumir os riscos, responsabilidades inerentes a sua realidade atual. Segundo KERTÉZ (1987, p. 31), “o adulto recebe a informação de fora e de dentro, analisa-a, compara-a com seu “banco de dados” e toma decisões.”

O comportamento Criança é ainda remanescente dentre os alunos em nível superior, principalmente nos primeiros ciclos. Embora exista uma heterogenia em sala de aula, o estado de ego adulto nem sempre é percebido; o importante, nesse caso, é o professor identificar o estado de ego do seu aluno para assim conduzir uma aula dialógica adequada.

Esse comportamento do “aluno criança” difere do participante de treinamento. Este último se expressa por intermédio de o seu estado de ego adulto, o que facilita o papel do facilitador em sala de aula, por permitir manter um diálogo participativo e construtivista. Curiosamente, muitas vezes alunos e participantes de treinamento são as mesmas pessoas, mas mantêm comportamentos diferenciados nas diferentes circunstâncias e situações.

Uma explicação para essa diferenciação entre os estados de egos é que os estudantes “adultos”, em geral, possuem níveis mais elevados e diferenciados de motivação se comparados a crianças em idade escolar. É possível que seus interesses sejam focados em situações práticas direcionadas ao seu dia-a-dia profissional. Conseguem estabelecer uma relação de “ganho” entre o tempo dedicado ao aprendizado e a elevação do saber. São mais críticos e exigentes em relação a seus instrutores. Ao mesmo tempo, eles são mais conscientes da sua autoimagem, comparando-se a si mesmos, como estão no momento e com o estágio anterior de suas vidas, quando pensavam, sentiam (e olhavam) de modo diferente. Identificar onde e como aplicar o conteúdo ministrado em sua vida profissional, é uma premissa constante na mente dos participantes de treinamento.

Outro importante fator na determinação do sucesso na aprendizagem é a motivação do aluno. A motivação é que nos impulsiona para a ação, e tem origem numa necessidade. Assim, à medida que o aluno sente necessidade de aprender, tende a buscar fontes capazes de satisfazê-las, tais como leituras, aulas e discussões. A influência da motivação é facilmente verificável. Alunos motivados aprendem muito mais facilmente que os não motivados. (GIL, 2011, p 14).

Nesse ponto, fundamentalmente, diferem: o fator motivacional que os levou à sala de aula, seja em um treinamento corporativo ou uma formação acadêmica. O participante de treinamento possui características biopsicossociais diferentes do aluno em nível superior. O primeiro é um profissional engajado no mercado de trabalho, ciente de suas obrigações formais com a empresa patrocinadora do curso, e com o desempenho cobrado depois da participação no curso. Até mesmo quando é o próprio responsável pelos seus custos, o compromisso financeiro torna-se mais presente. Ao falarmos dos alunos em nível superior, nem sempre o curso é custeado por ele mesmo; familiares ou bolsas estudantis são práticas bem comuns no meio.

Os objetivos de cada um dos nossos personagens em relação aos seus cursos influenciam na motivação. O objetivo de um programa de treinamento é em curto prazo; os conhecimentos absorvidos pelo participante ao longo do programa serão aplicados na sequência. Treinamentos corporativos visam ao aprimoramento profissional, enquanto os cursos de nível superior têm foco na formação holística do ser humano como um ser social.

O profissional participante de um programa de treinamento tem seus objetivos bem claros, já o aluno de nível superior possui objetivos em longo prazo, o que o torna disperso, sem foco. Muitos estão na sala de aula porque sentiram a necessidade da titulação; todavia, o conhecimento fica em segundo plano, na escala de importância.

Ao se analisar os objetivos de cada uma das áreas, seja de uma universidade ou de programas de treinamento, BELLAN (2005, P. 17) define que “objetivo da universidade é capacitar, formar o aluno para o mercado de trabalho, já o de um treinamento corporativo é capacitar o participante em suas tarefas diárias do trabalho.”

Essa definição ilustra claramente as divergências de pensamento entre a escola e o aluno, enquanto um tem por objetivo a formação do indivíduo, o outro deseja apenas uma titulação e, nesse meio, existem basicamente dois elementos que formam uma equação bastante complexa, cujos mestres matemáticos e filósofos contemporâneos não conseguirão solucionar: professor e avaliação.

O aluno vê no professor uma representação impeditiva para o alcance dos seus objetivos imediatistas: a obtenção do seu diploma. Ele se sente coagido com as ferramentas avaliativas e o professor representa a figura de um carrasco, punindo os que não obtiveram bons resultados nas metodologias avaliativas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nessas informações, tanto os instrutores como os docentes em nível superior estarão em melhores posições para ajudar aos alunos a aprenderem mais efetivamente se aceitarem as experiências anteriores de seus discentes; identificando tais pontos e o fato de que os indivíduos diferem uns dos outros de várias maneiras, podemos verificar, certamente, as diferenças gerais entre adultos e adolescentes, alunos e participantes de treinamentos.

A aprendizagem é um processo que envolve a pessoa como um todo, atingindo todos os níveis de sua personalidade. Isso equivale a dizer que a aprendizagem provoca modificações no nível emotivo (na maneira de sentir), no nível cognitivo (nos conhecimentos) e no nível motor (nas habilidades) tanto em quem ensina quanto no ensinado; considerar quem é o aluno atuante em sala de aula é premissa básica para o professor atingir seus objetivos.

Nesse ponto, os programas de treinamento se diferem, e muito, das práticas ministradas em sala de aula, pois são desenvolvidos com base nos “gaps” de competência, ou seja, nas necessidades individuais e não uma educação de massa. Há muito é usado em programas de treinamento o chamado levantamento de necessidades em treinamento (LNT). De origem investigativa, visa compreender antecipadamente, as expectativas, necessidades, os desejos e objetivos dos participantes; orienta o facilitador na condução do programa, podendo diferenciar a sua abordagem, aprofundando ou não no tema proposto; entretanto fica uma pergunta: como aplicar esse método em uma cultura de massa? O treinamento se torna mais intimista porque em sala de aula as turmas são reduzidas, já em salas com mais de cinquentas pessoas, a percepção individualizada do aluno pelo professor é prejudicada, impactando negativamente no relacionamento professor – aluno, prejudicando, dessa forma, diretamente no processo final da aprendizagem.

Esse sincronismo de informações (expectativas versus proposta de treinamento) desperta a motivação do treinando, seja este aluno em nível superior ou participante de um treinamento, que é requisito fundamental da aprendizagem. É preciso que ambos queiram atingir os objetivos propostos pelo treinamento ou aula e vejam sentido em fazê-lo.

A maneira de abordar o tema impacta no fator motivacional: mostrar simplesmente o custo dos acidentes de trabalho para a empresa poderia não ser tão motivador quanto mostrar as consequências do acidente para o empregado e sua família. Essa metodologia envolve todos sentidos pelos quais os quais o indivíduo recebe estímulos: É por intermédio dos sentidos que o indivíduo estabelece contato com o mundo que o rodeia e produz respostas, as quais conduzem à aquisição de novos conhecimentos, habilidades ou atitudes. Quanto mais sentidos o treinando utilizar no treinamento, maior será seu envolvimento e maior o grau de aprendizagem, criando assim um clima de envolvimento e comprometimento do aluno nos objetivos do treinamento. Todos esses aspectos levam a melhoria do processo de aprendizagem.

Outro ponto que diferencia a sala de aula de treinamentos são os métodos avaliativos. Em sala da aula, o aluno se sente pressionado pelos resultados da avaliação e não na aprendizagem propriamente dita. Sabe-se que é importante oferecer ao treinando ou aluno e sempre que possível o feedback (devolutiva) de seu processo de aprendizagem. À medida que esteja caminhando em direção aos objetivos, o treinando deve ser informado disso para que possam desenvolver seu CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) ao longo de todo o processo de aprendizagem, que em treinamentos resumem-se em poucas horas, já em cursos de nível superior se estendem por anos.

Esses dois elementos, Professor e Avaliação, surgem na mente do aluno com um entrave para a conquista das metas. Todo o processo avaliativo instituído atualmente pelas universidades impede o aluno de seu processo criativo, não permitindo ao professor aplicar novas metodologias para a mensuração da aprendizagem. O volume de pessoas em sala de aula inibe a participação e o trabalho em grupo, impossibilita o professor a empregar em suas aulas metodologias andragógicas e a despersonificação ou a falta do individualismo em sala contribuem para o desapego do aluno ao programa de curso, diferentemente das posturas dos participantes de treinamento, cujo foco é o trabalho em grupo; turmas reduzidas permitem a participação de todos, instigam o processo criativo. Nesses eventos, a avaliação de aprendizagem é observada na prática, no ambiente de trabalho, estando diretamente ligada ao sucesso profissional.

As turmas de programas de treinamento são bem menos heterogêneas que uma sala em nível superior, tanto em faixa etária, nível sócio/econômico/cultural, facilitando a integração do grupo, diferentemente do que se observa em sala de aula. Devido à discrepância de interesses e valores, os professores possuem grandes dificuldades para promover a integração do grupo.


REFERÊNCIAS

BELLAN, Zezina. Andragogia em ação: como ensinar adultos sem se tornar maçante. Santa Bárbara D’Oste, SP:Z3 Editora, 2005.

COZZO, Inês. Fundamentos da formação de multiplicadores In: Boog, Gustavo G.; BOOG, Magdalena (Coord.). Manual de treinamento e desenvolvimento: gestão e estratégias. São Paulo, Pearson, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GIL, Antônio Carlos. Metodologia no ensino superior. São Paulo: Atlas, 2006.

_______________. Didática no ensino superior. São Paulo: Atlas, 2011.

KERTÉZ, Roberto. Análise transacional ao vivo. 4. ed. São Paulo: Summus, 1987.

PERISSÉ, Gabriel. Palavras e Origens – Considerações Etimológicas. São Paulo: Saraiva, 2010.

POLITY, Elizabeth. Dificuldade de ensinagem. São Paulo: Vetor Editora, 2002.

TRIGO, Roberta. Manual de formação de multiplicadores de treinamentos. Santos, SP: Sêneca Editora, 2013.

ÉTICA NO ENSINO SUPERIOR

ÉTICA NO ENSINO SUPERIOR

ETHICS IN HIGHER EDUCATION

Profª Katya de Oliveira Silva Lemos

Pós Graduada em LIBRAS (UNIBEM) e em Docência no Ensino Superior (UNIBR)

katyaoliveira@uol.com.br

RESUMO

Este artigo relata sobre a ética no ensino superior, mostra em cada seção os conceitos sobre ética, mediante a ótica de vários pensadores, elencando os pontos essenciais para a compreensão do conceito de ética, tais como a verdade, as decisões, os interesses e as circunstâncias, em que nos encontramos no momento. Aponta os principais teóricos sobre o assunto, e organiza suas ideias de forma clara, esclarecendo a relação de poder entre as pessoas. Argumenta que é imprescindível um código de ética em todas as classes de profissionais e, enumera alguns competes dos vários atores do Ensino Superior, justificando sua necessidade para uma convivência em harmonia.

Palavras-chave: Ética, Verdade, Circunstância, Ensino Superior

ABSTRACT

This article reports on ethics in higher education shows in each section the concepts of ethics through the lens of various thinkers, listing the key points to understanding the concept of ethics, such as truth, the decisions, the interests and circumstances, we are in right now. The main theoretical points about it, and organize their ideas clearly, explaining the power relationship between people. Argues that it is an essential code of ethics in all classes of professionals and competes lists some of the various actors of Higher Education, justifying their need for living together in harmony.

Key-words: Ethics. Truth, Condition, Higher Education.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como base a Ética nas relações professor/aluno no Ensino Superior, ou seja, definir o que é certo ou errado num mundo em constante transformação de opiniões e acontecimentos. Descobrir e acreditar na verdade, mesmo que se tenha consciência de que não existe uma verdade única, pois cada cultura tem uma verdade e naturalmente essas versões se preservam.

Como referências existem letras de música; “Traduzir-se” (composição de Ferreira Goulart e interpretada por Raimundo Fagner) e “Rebento” (composição de Gilberto Gil e interpretada por Elis Regina). Como pressupostos teóricos, os estudos do filósofo e pensador grego Sócrates, que por meio da maiêutica nos mostra a verdade, depois do mito transmitido por meio da natureza.

Os estudos de Ortega y Gasset relatam as circunstâncias e as decisões que tomamos por conta destas circunstâncias. Para Focault elas variam de acordo com os interesses políticos, econômicos e sociais de cada comunidade conduzindo-nos a valores que formarão parâmetros éticos.

Na transição dos costumes, os estudos de Morin indicam que todas as pessoas têm interesses e reações diferentes em cada situação do cotidiano, assim, ocorre o poder de uns sobre os outros, o mesmo poder que infere e interfere nos valores éticos da sociedade.

ÉTICA NO ENSINO SUPERIOR

Nas composições abaixo citadas, tem-se o novo, “O rebento” (2012), e as reações que causa em si e nos demais ao seu redor e, em “Traduzir-se” (2012), tem-se a consciência do homem entre o bem e o mal.

As composições são interpretações de cada um, são julgamentos que se faz de si e dos demais; é a pressão exercida pelo poder que compõe a vida; é a arte como expressão da natureza humana; é a verdade que invade a cada um de nós em nossos momentos de reflexão.

Traduzir-se
Fagner
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Rebento
Gilberto Gil
Rebento
substantivo abstrato
O ato, a criação, o seu momento
Como uma estrela nova e o seu barato
que só Deus sabe, lá no firmamento
Rebento
Tudo o que nasce é Rebento
Tudo que brota, que vinga, que medra
Rebento raro como flor na terra,
rebento farto como trigo ao vento
Outras vezes rebento simplesmente
no presente do indicativo
Como as correntes de um cão furioso,
ou as mãos de um lavrador ativo
às vezes mesmo perigosamente
como acidente em forno radioativo
Às vezes, só porque fico nervoso, rebento
às vezes, somente porque estou vivo!
Rebento, a reação imediata
a cada sensação de abatimento
Rebento, o coração dizendo: Bata!
a cada bofetão do sofrimento
Rebento, esse trovão dentro da mata
e a imensidão do som nesse momento

Segundo Marton (2008), há três mil anos o homem vem aprendendo a decidir sobre o que é certo ou errado (ética). Se na natureza há hierarquia entre os animais mais fortes e os mais fracos, torna-se aceitável a ideia da escravidão humana, no entanto, quando o homem começa a se considerar superior à natureza, a escravidão torna-se uma ideia absurda; assim, a verdade muda conforme suas perspectivas.

De acordo com Durant (1991, p. 28), Sócrates, filósofo e pensador grego, se interessava pelos problemas do ser humano, pois este, era a matéria mais digna para a filosofia. Para ele, o ser humano se apresenta de diferentes maneiras, sendo assim, o homem encontra-se em um dilema para compreender o sentido da vida por meio do seu conhecimento e da sua compreensão, gerando uma diversidade de manifestações dos homens no conjunto social. Acreditava que um código moral, livre de uma doutrina religiosa, ensinaria os homens a perceberem seus verdadeiros interesses e a prever os resultados de seus atos, proporcionando-lhes, assim, a moralidade.

Entretanto, o sistema previa o homem como uma unidade onde todos teriam as mesmas ideias; hoje em dia, temos várias manifestações e reflexões sobre questões humanas de uma determinada época, buscando novos sentidos e novos valores para orientar suas ações.

Nos últimos cinco séculos antes de Cristo, o homem começou a se ver como o centro do mundo, usando a razão para conhecer e acreditar que o progresso irá melhorar a sociedade, melhorando o próprio homem.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset (1914) em sua notória frase “Eu sou eu e minhas circunstâncias, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”, relata sobre as circunstâncias e decisões que variam de acordo com os interesses sociais, políticos e econômicos de cada comunidade e das relações humanas.

As decisões que tomamos ao longo da vida interferem nas relações do homem com os outros e com as causa (acontecimentos e fatos), conduzindo a valores que formarão os parâmetros éticos, que se transformam de acordo com a cultura da sociedade e com o tempo (época) em que ocorrem.

Ortega Y Gasset (1914) reflete sobre a importância dos erros na formação do indivíduo, em usá-los como a um tesouro para o aprendizado, assim não cometemos os mesmos erros.

Em seu artigo, Dornas (2012) faz uma análise sobre a distinção entre termo o homem nobre e o homem-massa, utilizado por Ortega Y Gasset, a qual o nobre se esforça para sair da mesmice e se sobressair na sociedade, enquanto o homem-massa se satisfaz em viver na mediocridade, sem consciência histórica, não tem a intenção de evoluir ou participar de algo mais fundamentado. Para ele, é inevitável que o homem nobre se faça presente, para obtermos uma cultura de pessoas inteligentes, que proponham novas ideias e a vontade de conviver em grupo.

O estudioso francês, Morin (2012), defende a interligação de todos os conhecimentos por meio da problematização do cotidiano, da busca da contextualização para alcançar o conhecimento. Para tal estudioso, a sala de aula é um lugar complexo, o qual abriga uma diversidade de culturas, classes sociais, econômicas, sentimentos e emoções. Há diferenças sociais, culturais e de origem, as quais ocasionam uma diferença na ética e na moral. Ao ser humano cabe desenvolver a ética, a autonomia pessoal (responsabilidades pessoais) e a participação social (responsabilidades sociais), pois se envolve em todos esses setores democraticamente e, por eles, deve sentir-se um cidadão solidário capaz de exercer suas responsabilidades. Para tal autor, a ética deve ser desenvolvida, pois, dessa forma, o homem superará dificuldades e, com isso, talvez civilizar a Terra.

O avanço tecnológico e a lei da oferta e da procura estão em processo de aceleração desenfreada. Os valores, transmitidos há tempos, hoje estão sendo sufocados pelo círculo vicioso que está se instaurando mediante ao valor de posse, propriedade.

Martin Heidegger (2012) relata em seu artigo sobre O humanismo, que a essência do homem e a ética, está relacionada ao seu agir e à sua linguagem, que resulta na ação da verdade e na mediação que preserva e mantém o homem no mundo.

No entanto, hoje, o “ter” está sobre o “ser” e, muitas vezes, as pessoas passam por cima de outras para alcançar seus objetivos, sem se importarem com sentimentos, emoções e valores morais.

Os valores estão mudando de forma tão significante que podem corromper os preceitos de moral e ética, levando os indivíduos ao caos social ou, se conseguirem manter-se centrado em valores morais e éticos, podem ser conduzidos à felicidade.

O importante filósofo francês, Focault, (2012) direcionou seus trabalhos para o viés das complexas relações entre o poder e conhecimento, destacando-se por mencionar as minorias em “instituições disciplinares”; as relações de poder permeiam toda a sociedade. Para Focault, a lei é uma verdade “construída” de acordo com as necessidades do poder, preocupada principalmente com a produção do sistema econômico e cultural vigente.

Em qualquer sociedade, o poder precisa ser justificado como verdade universal, desenvolvendo-se regras para a oficialização da “verdade”. Estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é a lei, e produz o discurso da verdade que decide, transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder.

Para o filósofo grego Aristóteles, um termo não pode ser simplesmente julgado como verdadeiro ou falso, pois tudo tem significação quando está combinado com outros, podendo ser expressões ou desejo pessoal. (WIKIPEDIA)

O termo “universais” se aplica às propriedades e relações; assim um “universal” é uma característica que um grupo pode ter em comum ou não.

Podemos definir ética como a reflexão sobre um comportamento, princípios e maneiras de pensar que regem as ações de um grupo particular (moralidade) ou o estudo sistemático da argumentação de como devemos agir (filosofia moral).

Hoje, o individualismo é fato marcante nas relações profissionais, o que compromete as relações humanas. A mesma sociedade que aspira por justiça, busca pequenas vantagens em suas atividades sem se preocupar com os valores morais, princípios, regras e até mesmo com o bem-estar de outras pessoas.

A ética deve fazer parte de nossas vidas desde nossa infância, na qual aprendemos com nossos pais e familiares as regras básicas de convivência, que ao decorrer do tempo deve ser fortalecida para que seja usada nas relações de trabalho na vida adulta.

Entretanto, a família não está incentivando o uso desses valores no próprio lar, sabemos que a pressão dos problemas diários advindos da modernidade constitui um fator preponderante, pois as mães necessitam trabalhar para ajudar no sustento do lar, deixando a ver suas obrigações de educadora. Veem-se os desgastes das relações familiares nas quais não existe mais respeito entre pais e filhos e até mesmo com os idosos. Os hábitos e atitudes de respeito, cordialidade e do bem viver devem ser perpetuados pelas gerações, para que se possa refletir e reverter.

A escola acabou por abraçar esta causa e além de preparar o aluno para um futuro profissional promissor, deve também estabelecer critérios éticos e sociais de convivência, para que o aluno possa se enquadrar profissionalmente em seu campo de atuação, visto que além de ter qualificação profissional para atuar no campo de trabalho, o indivíduo tem que ter também qualificação comportamental para se manter no quadro de funcionários.

Tomando como base o Código de ética dos intérpretes e tradutores de línguas de sinais (BRASIL (2004), CAESARLIBRAS e FENEIS), formulei, para a Docência no Curso Superior, um exemplo de código de ética nas relações professor/aluno e professor/instituição, elencando a competência dos principais atuantes:

Aos docentes:
1. Ser uma pessoa de caráter moral, equilíbrio emocional e honesto;
2. Estabelecer as relações professor/aluno com base na tolerância, bom senso e humildade;
3. Criar limites em conjunto com seus alunos a fim de estabelecer critérios de autoridade e liberdade;
4. Compreender que o aluno é um sujeito do processo e não um objeto, estimulando o diálogo entre as partes;
5. Reconhecer seu próprio nível de competência e usar prudência ao aceitar tarefas (aulas);
6. Adotar uma conduta adequada ao se vestir, mantendo a dignidade em sua profissão e não chamando atenção indevida sobre si no exercício de sua função;
7. Esforçar-se para atender as necessidades educacionais especiais dos alunos, quando houver;
8. Desenvolver, nos alunos, valores morais, de respeito, de convivência, justiça, cooperação e solidariedade;
9. Ser discreto nos problemas que envolvam as necessidades educacionais especiais dos alunos, dando-lhe completo apoio para a elaboração das atividades;
10. Reconhecer a individualidade específica de cada aluno e estimulá-los para desenvolver plenamente suas potencialidades;
11. Reconhecer a necessidade de seu aperfeiçoamento profissional, agrupando-se com os colegas com o propósito de dividir novos conhecimentos;
12. Respeitar a situação profissional e as opiniões dos colegas, também docentes;
13. Manter confidencialidade sobre informações relacionadas com os colegas docentes;
14. Estar informados de suas responsabilidades legais e administrativas, respeitando as cláusulas do contrato, bem como os direitos dos educandos;
15. Ter o direito de questionar as instruções dadas pela instituição;

À instituição:
1. Remunerar por serviços prestados, quando estes estiverem à parte do contrato de trabalho;
2. Promover educação de qualidade;
3. Combater todas as formas de racismo ou discriminação, como bem referido na Constituição de 1988;
4. Promover aos alunos que trabalham por turno, acesso às informações e à educação de qualidade;
5. Promover o interesse pelo crescimento intelectual e o bem-estar de todos os envolvidos na comunidade educacional;
6. Proporcionar compromisso mútuo de comprometimento entre alunos e professores;
7. Reconhecer o direito dos pais acompanharem o processo ensino-aprendizagem de seu filho, quando se tratar de aluno menor de idade;
8. Possibilitar que os professores se sintam confiantes e que sejam tratados de forma justa no exercício de suas funções.

Aos discentes:
1. Reportar-se aos professores com respeito e educação;
2. Dirigir-se inicialmente aos professores, para tratar sobre assuntos pedagógicos e, quando não satisfeitos, dirigir-se à coordenação do curso;
3. Manter-se atento às datas de avaliações e entrega de trabalhos;
4. Empenhar-se em participar das aulas e atividades propiciadas pelo professor;
5. Adotar uma conduta adequada ao se vestir, mantendo a dignidade e não chamando atenção indevida sobre si;
6. Desenvolver hábitos de cordialidade, valores morais, de respeito, de convivência, justiça, cooperação e solidariedade.

Aos coordenadores:
1. Chamar atenção dos alunos, quanto à indisciplina e desrespeito para com o professor;
2. Reportar-se aos professores e alunos com respeito e educação;
3. Desenvolver hábitos de cordialidade, valores morais, respeito, convivência, justiça, cooperação e solidariedade.
4. Avaliar o professor com base em fatos ocorridos durante o curso, que algumas vezes independem da atuação do mesmo;
5. Elucidar aos alunos quanto às formas de avaliação exigidas pela instituição;
6. Resolver conflitos entre alunos/alunos, grupos/grupos e professor/aluno, de forma apaziguadora;
7. Solicitar junto à instituição os materiais necessários para as aulas;
8. Orientar e assistir docentes e discentes;

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existem modelos de comportamentos nas relações de docência. Existem sujeitos que com humildade e inteligência devem construir um ambiente educacional de qualidade, tendo por base o respeito às diferenças e a reflexão sobre as ações.

Conforme aponta, Freire o processo educativo não se encontra acabado, portanto há muito a ser construído e conhecido, por meio de reflexões, pesquisas e experiências, sendo que o professor tem responsabilidade social pelo processo ensino-aprendizagem e sua aplicação na sociedade, por meio do diálogo.

Assim sendo, a sala de aula constitui-se num espaço de convívio das diversidades e de construção das relações sociais, que devem ser valorizadas a fim de diminuir as desigualdades e contribuir para a construção de saberes.

As relações professor/aluno devem estar sustentadas no comprometimento, na troca de informações e experiências, pois todos têm cultura. Esta troca possibilitará ao professor entender quais as situações e conflitos que passam os alunos, propondo decisões éticas e ações para a resolução destes conflitos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua Portuguesa. Brasília: MEC, 2004.

CAESARLIBRAS. Código de ética dos intérpretes de línguas de sinais e Postura profissional. Disponível em : http://www.caesarlibras.com/page_1178503593288.html. Acesso em: 10 abr.2012.

DORNAS, Danilo Santos. Apresentação da rebelião das massas de José Ortega Y Gasset. Disponível em: http://www.e-torredebabel.com/OrtegayGasset/Resenas/Santos-Dornas-RebelionMasas.htm. Acesso em: 09 abr. 2012

DURANT, Will. A história da filosofia. Rio de Janeiro: Record, 1991.

Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos . Professor de Libras: código de ética. Disponível em: http://www.feneis.org.br/page/professorlibras_codigo.asp. Acesso em: 07 abr. 2012

HEIDEGGER, Martin: O humanismo. Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/martin-heidegger-o-humanismo.htm. Acesso em 08 abr. 2012.

MARTON, Fabio; NARLOCH, Leandro. Pequena enciclopédia SUPER de filosofia. Rev. Superinteressante online. São Paulo, n. 249, fev. 2008. Disponível em: http://super.abril.com.br/cultura/pequena-enciclopedia-super-filosofia-447408.shtml. Acesso em: 09 abr. 2012.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Disponível em: http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf. Acesso em: 09 abr. 2012.

ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote. In: WIKIQUOTE: a coletânea de citações livres. Disponível em: http://pt.wikiquote.org/wiki/Jos%C3%A9_Ortega_y_Gasset. Acesso em: 09 abr. 2012.

SILVA, Cléa Gois e http://www.mundodosfilosofos.com.br/martin-heidegger-o-humanismo.htm. Acesso em 08 abr. 2012.

WIKIPÉDIA. A enciclopédia livre. Michel Foucault. Disponível em; http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault. Acesso em: 09 abr. 2012.

WIKIPÉDIA. A enciclopédia livre. Lógica Aristotélica. Disponível em, http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%B3gica_aristot%C3%A9lica Acesso em: 10 abr. 2012.

O CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL E A CULTURA NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – MPE’s

O CONHECIMENTO ORGANIZACIONAL E A CULTURA NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – MPE’s

ORGANIZATIONAL CULTURE AND KNOWLEDGE IN MICRO AND SMALL ENTERPRISES – MSE

Marcio Roberto Paz Colmenero

giselleagazzi@terra.com.br

Mestrando em Administração pela UMESP
Professor Especialista da UNIBR São Vicente

E-mail: marciocolmenero@ibest.com.br

Resumo

Este estudo teórico é uma tentativa de entender mais amiúde o papel das Micro e Pequenas Empresas – MPE’s no cenário econômico brasileiro, uma vez que elas são, há muito tempo, fundamentais para o desenvolvimento do país, representando quase 99% das pessoas jurídicas registradas, com um número absoluto de 5,8 milhões de empresas, segundo dados da pesquisa Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil (Sebrae 2011). Apesar de toda pujança verificada, ainda percebe-se muitos casos de mortalidade das MPE’s nascentes. Nesse sentido, o conhecimento organizacional obtido por meio das informações estratégicas pode ajudar nesse direcionamento, provocando uma diminuição dos índices de mortalidade das MPE’s verificados; porém há necessidade de que a cultura organizacional praticada na empresa facilite essa geração de conhecimento. A metodologia aplicada neste estudo se deu por meio de pesquisa bibliográfica, sendo utilizada a revisão às pesquisas realizadas por instituições como o SEBRAE e o IBGE e na intersecção dos resultados observados, com os conhecimentos e revisão teórica aos principais autores da teoria do conhecimento e cultura organizacional.

Palavras-chave: Aprendizagem, Micro e Pequenas Empresas, Cultura.

ABSTRACT

This theoretical study is an attempt to understand more often the role of Micro and Small Enterprises – MSE in the Brazilian economy, since they are already long fundamental to the development of the country, representing almost 99% of corporations registered with an absolute number of 5.8 million businesses, according to the survey Survival Rate of companies in Brazil (Sebrae 2011). Despite all vigor verified yet realizes that there are many cases of infant mortality of MSE. Accordingly organizational knowledge obtained through the strategic information that can help direction, causing a decrease in mortality of MSE checked, but no need for that organizational culture practiced in the company facilitates the generation of knowledge. The methodology used in this study was through literature, and is used to review the research conducted by institutions like SEBRAE and the IBGE and the intersection of the observed results, with the knowledge and theoretical review to the principal authors of the theory of knowledge and organizational culture.

Key-words: Learning, Micro and Small Enterprises, Culture.

INTRODUÇÃO

O papel das Micro e Pequenas Empresas – MPE’s no cenário econômico brasileiro há muito tempo é fundamental para o desenvolvimento do país, porém para que o Brasil cresça e se desenvolva economicamente de maneira mais sustentável, ainda é necessário que este setor da economia possa se solidificar.

Conforme o World Bank (2003), as MPE’s impactam diretamente na economia dos seus países em pelo menos três dimensões: a primeira refere-se à criação de novos postos de trabalho e consequente decisivo para a diminuição do desemprego e redução da pobreza. Um adendo entreposto ao estudo assevera que os trabalhos gerados pelas MPE’s são mais característicos em abundância de mão de obra e deficiência de capital, próprios de países com economia em desenvolvimento. A segunda dimensão apontada pelo estudo é que as mesmas são fortemente centradas em atividades de inovação, o que por si só contribui para o desenvolvimento do talento empreendedor e solidifica a competitividade de exportação como base para uma futura expansão industrial nacional; finalmente a terceira dimensão abarca a flexibilidade irradiada pelas MPE’s à estrutura industrial vigente, o que promove um grande dinamismo econômico.

Apesar de percebermos uma diminuição nos indicadores de mortalidade das MPE’s nos seus primeiros anos de vida, ainda apresentam números que merecem atenção e podem ser melhorados.

Uma maior longevidade das MPE’s nascentes no Brasil pode ser aumentada pelo acesso mais efetivo das informações, gerando conhecimento organizacional? A aproximação da cultura organizacional com a gestão do conhecimento pode ser um desses caminhos?

O conhecimento organizacional obtido por meio de uma eficiente rede de processamento das informações estratégicas pode ajudar nesse direcionamento de diminuição dos índices de mortalidade verificados.

Em seus estudos, Nonaka e Takeuchi (1995) atestam que o que gera o conhecimento organizacional é a interação entre os conhecimentos tácitos e explícitos, mas para isso é necessário que a cultura organizacional das mesmas não ofereça barreiras, que dificultem esse desenvolvimento e construção científicos.

Este artigo procura identificar os pontos de convergência entre as teorias sobre cultura organizacional e a gestão de conhecimento, a fim de se permitir, em decorrência dessa relação, um campo referencial para que os micros e pequenos empresários brasileiros trabalhem com mais qualidade as informações estratégicas, principalmente nos primeiros anos de existência dos seus empreendimentos. Em um foco mais específico, mensurar as principais características de uma cultura organizacional profícua ao desenvolvimento da gestão do conhecimento.

O desenvolvimento deste estudo se erigiu principalmente por intermédio de uma revisão da literatura, por meio da análise e compreensão dos estudiosos das teorias da gestão do conhecimento e cultura organizacional, procurando aproximá-las, desnudando as melhores práticas e ações organizacionais, que possam propiciar um melhor desempenho para as MPE’s brasileiras.

CONTEXTO BRASILEIRO

As MPE’s constituem um importante setor de geração e riqueza para um país. No caso brasileiro, as mesmas representam mais de 99% das pessoas jurídicas registradas, com um número absoluto de 5,8 milhões de empresas, segundo dados da pesquisa Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil (Sebrae 2011).

Os empregos gerados pelas MPE’s são expressivos, pois ainda de acordo com o Anuário Sebrae 2011, o número de empregos privados não-agrícolas, formalizados pelas MPE’s brasileiras já supera os 14,7 milhões, ou o equivalente a 51,6% do total de postos de trabalhos do país, com uma taxa crescente na ultima década de 5,5% ao ano. Estes números representam uma média 2,53 trabalhadores por MPE formalizada. Ainda é possível identificar que na última década, as MPE’s foram responsáveis por 41% da massa salarial brasileira.

Para o Brasil obter o tão desejado desenvolvimento sustentável é necessário que fortaleça esse setor, pois o mesmo representa ainda somente 20% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Apesar de toda pujança verificada ainda percebe-se que os casos de mortalidade das MPE’s são altos, o que reforça a necessidade de estudos e práticas, que às ajudem a melhorar sua competitividade e consequentemente seus níveis de sobrevivência no mercado.

O estudo de Oliveira & Lacerda (2007) cita autores como Fuld (1995), Tarapanoff (2001), Miller (2002), Precott & Miller (2002) e Choo (2003) como referências, entre outros, que asseveram a necessidade de que as empresas desenvolvam processos sistemáticos de captura, análise e disseminação das informações estratégicas presentes nos ambientes que as cercam, a fim de transformar em inteligência competitiva, para que os tomadores de decisão utilizem-na como instrumento maximizador das atividades de geração de vantagens competitivas, que sejam sustentáveis e duradouras para as mesmas.

Segundo Tarapanoff (2001 apud OLIVEIRA; LACERDA, 2007, p. 47)

Assim, composta de diversos tipos de informação, a inteligência competitiva é um processo sistemático que transforma dados esparsos em conhecimento estratégico.

Essa dinâmica de tratamento das informações e disponibilização do conhecimento gerado são possíveis se houver, por partes dos indivíduos integrantes da organização, uma eficiente gestão do conhecimento. Segundo Tejera de Ré et al.(2007, p.2 apud INAZAWA, 2009, p.209) “o conhecimento organizacional por si só não existe, pois ele decorre da soma do conhecimento dos indivíduos que compõem a organização”.

Portanto, a organização deve possuir uma cultura organizacional, que estimule, facilite e proporcione o desenvolvimento de habilidades e competências úteis à mesma. É fundamental no processo de planejamento estratégico que todos os ambientes nos quais a MPE esteja envolvida sejam avaliados, principalmente no caso das MPE’s nascentes, que ainda têm um ambiente mais hostil devido às incertezas que normalmente enfrentam nos primeiros anos de existência.

Para Paulo Roberto Feldmann, presidente do Conselho da Pequena Empresa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), as condições fundamentais que farão as MPE’s brasileiras superarem essa situação crônica de baixa produtividade nos anos iniciais devem ser sustentadas por políticas públicas, que ajudem-nas a ser inovadoras, que facilitem a realização de consórcios cooperativos e que disseminem as informações importantes, que melhorem suas gestões formando um conjunto regulatório de ações.

METODOLOGIA

Por ser um estudo com uma amplitude macro verificou-se uma revisão às pesquisas realizadas por instituições como o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) disponíveis em seus sítios. Na intersecção dos resultados observados, com os conhecimentos e revisão teórica aos principais autores da teoria do conhecimento e da cultura organizacional, seguiu este estudo e suas análises delimitadas.

Foi adotada uma abordagem metodológica exploratória, objetivando, dessa forma, entender os fatores os quais influenciam a transferência de conhecimento explícito e tácitonas empresas, de modo a gerar proposições e aproximações, mas que suscitam a necessidade de outros futuros estudos e pesquisas aplicáveis nas MPE’sa serem rigorosamente testados na prática com as mesmas.

Este estudo foi desenvolvido perante um enfoque de pesquisa qualitativa, pois ela supre um campo de análise e observação que o método quantitativo não permite aprofundar-se, Godoy (1995, p.58). Essa autora ainda designa as pesquisas qualitativas como esforços cuidadosos para a descoberta de novas informações ou relações e para a verificação e aplicação do conhecimento existente.

Embora a conceituação utilizada para pesquisas qualitativas abarque diferentes enfoques, este estudo abordará uma individualização do conceito utilizada por Godoy (1995, p. 58), a fim de simplificar o seu entendimento:

[…] a pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem empregar instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo as perspectivas dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo.

Nesta etapa, desenvolveu-se uma revisão bibliográfica com intuito de levantar os atributos que poderiam, por meio da transferência de conhecimentos organizacionais, melhorarem os indicadores de sobrevivência das MPE’s nascentes.

Para que a disseminação do conhecimento possa ocorrer tanto entre o interior e o exterior das empresas e vice-versa, é fundamental que as mesmas tenham uma cultura organizacional ajustada para facilitar essas ações, portanto neste estudo também se procurou identificar autores que referenciam e estudam a cultura organizacional aplicada nas empresas, como forma de melhorar os seus desempenhos, e consequentemente proporcionar uma maior longevidade as MPE’s nascentes no Brasil.

REVISÃO DA LITERATURA

Gestão do conhecimento

Os processos de gestão do conhecimento devem ser suportados por práticas que, em geral, utilizam os avanços da tecnologia da informação e telecomunicações, promovendo a interação entre as pessoas e as várias práticas ou atividades na sua operacionalização.

A busca necessária pela vantagem competitiva é estimulada nas empresas, principalmente, nos dias atuais, pois a competitividade impulsionada pelo mundo globalizado, junto às constantes mudanças ambientais que alteram os interesses dos clientes e as práticas estratégicas se modificarem constantemente, faz emergir um interesse fundamental para as MPE’s em praticar uma eficiente Gestão do Conhecimento como forma de sobrevivência mercadológica.

Este estudo procura identificar na literatura alguns pontos de convergência entre uma eficiente Gestão do Conhecimento, e os resultados positivos os quais possam ser proporcionados a uma MPE na criação, armazenamento, disseminação e utilização do conhecimento, ao aproximar pessoas, processos e tecnologias observáveis aos objetivos das empresas.

Senge (2004) e Hock (1999) convergem em seus estudos e apontam o uso da filosofia e dos valores organizacionais como um importante caminho para que se aproximem e coadunem os interesses da organização, dos administradores e dos funcionários, a fim de se alcançar melhores resultados.

Em termos de classificação do conhecimento, os estudos desenvolvidos apontam para dois tipos: o conhecimento explícito e o conhecimento tácito.

De acordo com Oliveira Jr (2001, p.297) o conhecimento explícito ou codificado “é aquele que é passível de ser transmitido através de linguagem formal e sistemática”. Ainda segundo o mesmo autor, ele é caracterizado por ser possível a compreensão por qualquer agente que entenda a simbologia utilizada para a transmissão, o que pode ser facilmente representado por meio de informações formalizadas.

Já o conhecimento tácito é aquele “que está associado à capacidade de agir das pessoas, às suas habilidades, expertises, experiências, competências, raciocínio, modelos mentais, conclusões, gerações de ideias, opiniões, emoções, valores, intuição, criatividade, crenças, etc.” (FIGUEIREDO, 2005, p.48).

A volatilidade ambiental exerce fortes impactos sobre as empresas, fazendo-as interagir com um ambiente que sofre variações constantemente, e por isso mesmo alterna momentos e fatos que podem ser oportunidades como também podem ser ameaças.

Em decorrência dessa conjectura, é fundamental que os micros e pequenos empresários fiquem sempre atentos às informações disponíveis nesses ambientes, pois é por meio delas que podem se adequar melhor às dificuldades que esses ambientes altamente competitivos podem ofertar, por meio da maximização das oportunidades e diminuição das ameaças, o que por si só proporcionarão uma longevidade maior as suas operações.

O conhecimento organizacional obtido por meio de uma eficiente rede de processamento das informações estratégicas pode ajudar nesse direcionamento de diminuição dos índices de mortalidade verificados nas MPE’s nascentes. Uma das maiores dificuldades para o micro e pequeno empresário é identificar a informação útil e correta a tempo de utilização e no local adequado.

Segundo Nonaka e Takeuchi (1995), o conhecimento organizacional é a capacidade de uma companhia, como um todo, de criar novos conhecimentos, disseminá-los através de toda a organização, e incorporá-los em produtos, serviços e sistemas.

De acordo com Fleury e Oliveira Jr (2002) as organizações têm que aprender com as dificuldades e desenvolver novos conhecimentos, toda vez que enfrentarem condições de incerteza em ambientes competitivos e intensamente mutantes.

Uma organização aprende quando consegue reagir às mudanças ambientais e corrige seu rumo por meio de adequações de estratégias, suposições e normas, o que evita o insucesso. Essas alterações são armazenadas na memória da organização para as ações a serem empreendidas.

É importante observar que os gestores necessitam compreender e identificar os problemas das empresas, a fim de planejarem as ações mais apropriadas para solucioná-los no momento oportuno.

Essa rotina não se configura em uma ação fácil de empreender, principalmente no caso das MPE’s, onde a figura do principal líder é predominante, com o poder altamente centralizado nas mãos do proprietário, que tem a obrigação de assumir riscos e moldar as suas estratégias de maneira a levar a empresa ao desenvolvimento, a sobrevivência e uma posição de destaque no mercado.

Conforme McCarthy e Leavy (1999), os riscos assumidos pelos empreendedores são justificados pela expectativa de obtenção de retornos que compensem a realização de novas ou surpreendentes ações.

É consenso identificar que a aprendizagem organizacional se efetiva em um processo social, isto é, tem início no ser individual, porém deve se emanar para o grupo; e também a mesma ocorre em um processo organizacional, que procura tornar institucional todas as ações organizacionais.

Em Senge (1990), percebemos que a aprendizagem organizacional é o processo pelo qual a organização está continuamente expandindo sua capacidade de criar o futuro.

O uso correto das informações estratégicas, ao transformá-las em aprendizagem organizacional, poderia ajudar a promover uma maior longevidade às MPE’s nascentes no Brasil. Em seus estudos, Argyris e Schon (1974) concluem que o aprendizado organizacional ocorre quando os membros, reagindo às mudanças do ambiente, detectam e corrigem erros por meio da modificação de estratégias, suposições ou normas.

Como a média de empregados por MPE no Brasil supera a dois trabalhadores, percebe-se a necessidade de interação entre os mesmos no seu cotidiano profissional. A troca de informações e consequente formação de conhecimento organizacional pode ser um importante diferencial na sobrevivência da empresa nascente. Ao se identificar essa forma de ação dos novos empreendedores é possível ter uma base para que se possam trabalhar e direcionar as políticas públicas e o desenvolvimento de estudos qualificatórios, que solidificarão as estruturas organizacionais, proporcionando uma maior segurança de ação para as MPE’s nascentes.

As empresas alcançam maior competitividade ao ponto que interagem mais profundamente com outras e por intermédio da troca de experiências conseguem obter conhecimento para empreender inovações mais frequentes e necessárias para sua sobrevivência.

A importância dada à aprendizagem demonstra a preocupação do empreendedor de estar sempre disposto a aprender, principalmente com suas falhas e seus insucessos, bem como a compartilhar conhecimentos (PAIVA, 2004, p. 219 – 220).

A interação com outros atores legitima e facilita a difusão de conhecimento e das práticas de gestão vencedoras, embora muitas vezes sem considerar exatamente a sua utilização e eficiência, pois, por já estarem legitimadas em outras situações, acabam servindo de modelo a ser seguido. Essa característica faz emergir a visão de que uma determinada prática pode ser adotada com mais intensidade por já estar legitimada e não tanto por sua utilidade no contexto específico, pois é mais seguro e, até às vezes mais cômodo, pôr em prática algo que já foi testado e aprovado, do que tentar algo novo e incerto. A essa forma de agir a teorização chama de isomorfismo, que é muito visto nas práticas gerenciais das MPE’s nascentes, uma vez que os custos de ação são menores, não exigindo recursos maiores para o desenvolvimento e testes de novas práticas.

O conhecimento é baseado em dados e informações, mas também e, principalmente, sempre está relacionado com as pessoas. Ele é construído pelos indivíduos e representa suas crenças sobre relacionamentos causais. Atualmente o ambiente organizacional exige dos micro e pequenos empresários aprendizado constante, porém o mesmo se dá em função de um conjunto complexo de fatores, onde é necessário o aprimoramento das suas ações de modo que possa conduzir a empresa em um contexto característico de mudanças e incertezas.

A importância da gestão do conhecimento na criação de estratégia reside no fato de que as organizações podem não ter cérebros, mas têm sistemas cognitivos e memória; desenvolvem rotinas, ou seja, procedimentos relativamente padronizados, para lidar com problemas internos e externos. De acordo com Fleury e Fleury (1995, p. 20) “estas rotinas vão sendo incorporadas de forma explícita, ou inconsciente, na memória organizacional”.

A sua rede de relacionamentos, internos ou externos, permite aos gestores das MPE’s a elaboração de sistemas de transferência do conhecimento, que são criados e compartilhados por antigos empresários, especialistas em gestão e estudiosos sobre o tema, e que provoca a propagação por toda a sociedade, principalmente servindo como modelo para os futuros empresários.

Outra importante justificativa para as MPE’s nascentes praticarem e adotarem a gestão do conhecimento, a fim de diminuir os índices de mortalidade incipiente é a capacidade de transferir conhecimento pelo tempo e espaço, com isso aumentando o conhecimento comum contribuindo para a criação de novo conhecimento e formas de ação baseadas em experiências vencedoras.

Baseados em Lucena (2001) asseveramos que, com base nos erros cometidos ao longo de suas trajetórias profissionais, os empreendedores passam a refletir sobre as experiências vivenciadas, podendo obter aprendizados valiosos.

Essa forma de ação potencializa as possibilidades de sobrevivência e são bastante adequados aos micro e pequenos empresários nascentes, pois os custos de obtenção desse conhecimento organizacional é muito menos elevado, do que se fosse obtido pelas vias tradicionais, como as consultorias, por exemplo.

Ainda de acordo com Lucena (2001), é com base nas experiências, em especial as de insucesso, que os gestores passam a tornarem-se conscientes de suas fraquezas, da necessidade de desenvolvimento de novas habilidades e de mudanças na gestão de suas empresas.

Ao procurar identificar as melhores práticas estratégicas para o desenvolvimento da sua empresa, o gestor necessita adquirir conhecimentos e habilidades que permeiem as características da mesma e, portanto relacione as ações com aquilo que vislumbra para o seu futuro.

Filion (1991, p.64) argumenta que para o gestor

a coisa mais importante é estar num processo dinâmico de aprendizagem, em que possa continuar a aprender indefinidamente. Ele continuará a aprender coisas que considerar interessantes ou que tenha identificado como necessárias para seu objetivo.

Ainda de acordo com Filion (1991, p.69), as relações desenvolvidas pelos gestores possibilitem a obtenção de informações relevantes para o desenvolvimento e remodelação dos objetivos da empresa. Essa sistemática cria um fluxo contínuo, uma vez que os novos objetivos identificam novas ações. “As relações e as visões dão origem às ações; as ações requerem, freqüentemente, o estabelecimento de novas relações, que por sua vez, influenciam o surgimento de novas visões” (FILION, 1991, p. 69).

Cultura organizacional

Possuir uma cultura organizacional, que estimule a gestão do conhecimento e facilite as ações que minimizem os riscos inerentes a todo processo de criação e desenvolvimento de uma MPE, é primordial para a geração de vantagens sustentáveis e perenes nos mercados competitivos onde atuam ou irão atuar. Apesar das vantagens observáveis que uma eficiente gestão do conhecimento pode proporcionar a uma MPE nascente, é necessário que a cultura organizacional da mesma, seja trabalhada para permitir uma abertura maior ao aprender organizacional.

Conforme Inazawa (2009, p. 210), “Cultura organizacional é um tema bastante amplo e complexo, que sofre influência tanto da cultura dos indivíduos que trabalham nas organizações, quanto da cultura do país em que as organizações se encontram”. É difícil falar em cultura organizacional, principalmente em termos de uma MPE nascente, isto é, com pouca experiência ou tempo de vida, porém é necessário que logo no início, seus gestores tenham em mente a importância de que haja o tratamento e a disseminação das informações e conhecimentos estratégicos necessários à manutenção das operações no mercado.

Hoje, podemos dizer que a cultura organizacional como área temática da administração e dos estudos organizacionais não é moda, ao contrário, ela não só está consolidada, como ainda desperta grande interesse teórico e prático. (FREITAS, 2007, p.1)

O desempenho das MPE’s nascentes é influenciado pelos diferentes tipos de cultura e também pela intensidade da força cultural apresentada nas mesmas. Não é a toa que o interesse pelos estudos na área vem cada vez ganhando mais força entre os teóricos, os quais passam a tomar consciência da importância dos fatores culturais nas práticas de gestão e a crença no fato de a cultura constituir um elemento diferencial às empresas bem sucedidas.

Em suma, a cultura organizacional deve diminuir as barreiras, de modo que os indivíduos possam trocar experiências e conhecimentos entre si de forma ampla e irrestrita, sem medo de arriscarem na inovação e experimentação de procedimentos que possam proporcionar resultados favoráveis ao longo do tempo.

Para Hardy & Clegg (2010, p.262):

É preciso que a tomada de decisão esteja baseada no conhecimento adquirido, permitindo, assim, considerar, além das incertezas do ambiente externo, as divergências e jogos de interesse do ambiente interno, que retratam o campo da vida organizacional em termos da idéia básica de classes e de suas relações sociais.

Ainda segundo Tejera de Ré et al (2007, p. 2 apud INAZAWA 2009, p.210):

A Gestão do Conhecimento visa a desenvolver sistemas e processos que englobem desde a criação, a identificação, a integração, a recuperação e o compartilhamento do conhecimento, até a sua utilização pela empresa, com o objetivo de aumentar o aprendizado individual e grupal e, dessa forma, criar competências exclusivas que diferenciarão a organização no mercado em que compete.

Para que a gestão do conhecimento e a cultura organizacional se aproximem da realidade das MPE’s nascentes e possam proporcionar uma maior longevidade nas suas operações, Freitas (2007) considera que entender a organização como uma cultura é reconhecer o papel ativo dos indivíduos na construção da realidade organizacional e no desenvolvimento de interpretações compartilhadas para as suas experiências.

É impossível que se determine qual é o tipo de cultura organizacional dita perfeita para aplicação em uma MPE nascente, pois cada organização delimita uma cultura organizacional única, gerada e sustentada pelos mais diversos elementos e formas. Isso significa que a cultura de uma organização sofre grande influência de seus fundadores, líderes, de seu processo histórico, de seu mercado.

As características de gestão predominantes nas MPE’s têm sido objeto de pesquisa como em Solomon (1986), Leone (1991), Gonçalves & Koprowski (1995) e Leone (1999) e são apresentadas principalmente como empresas que habitualmente utilizam-se do trabalho do próprio gestor ou de familiares; não se utilizam do apoio de empresas especializadas como consultorias; exercem uma administração muito informal, pouco especializada, que confunde comumente recursos pessoais e da empresa; possuem uma relação muito forte entre o proprietário e os empregados, clientes e fornecedores; não buscam novos negócios em ambientes incertos, procuram oportunidades em segmentos já estabelecidos e consequentemente de alta competitividade; exigem rápidos retornos aos investimentos realizados; e, por último, possuem dirigentes contumazes na busca de metas econômicas e financeiras, além de possuírem muita vontade pessoa e iniciativa.

Para Lakatos (1997, p.123) “o maior problema que aflige as pequenas empresas é a sua estrutura demasiadamente centralizada na pessoa do dono ou proprietário que, geralmente, possui uma baixa qualificação”. A mesma autora ainda destaca que o proprietário normalmente acumula várias funções devido à característica de não haver divisão de setores funcionais, o que obviamente complica ainda mais o desempenho da empresa e lhe coloca em uma posição de poder absoluto causando um desconforto na relação patrão/empregado.

É necessário que as relações de resistência e oposição às determinações sejam minimizadas, a fim de que os objetivos possam ser maximizados, que seus membros não demonstrem resistência na realização de suas tarefas diárias, mas as cumpram corretamente, concordando de bom grado com as diretivas organizacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As contribuições deste estudo são tanto para a comunidade acadêmica, quanto para os gestores de MPE’s. É importante salientar que neste tratou-se de buscar identificar na literatura disponível as aproximações possíveis que facilitem a aplicação do conhecimento nas MPE’s, sobretudo as nascentes, que enfrentam maiores dificuldades na sua sobrevivência mercadológica.

Esta pesquisa bibliográfica identificou que a cultura organizacional aplicada nas MPE’s tem um papel fundamental para a gestão das mesmas, pois somente com uma cultura organizacional que minimize as barreiras de transmissão de conhecimento é possível a uma empresa poder prosperar no segmento de atuação.

No desenvolvimento deste estudo pôde-se observar que o relacionamento entre indivíduos e entre organizações diversas é também um instrumento importante para a transmissão do conhecimento e consequente melhora do desempenho organizacional.

Observa-se que há necessidade de uma estruturação para a gestão do conhecimento nas organizações, porém ainda é muito comum verificarmos estruturas muito centralizadoras, principalmente nas MPE’s, que não contribuem com a disseminação do conhecimento. Assim, a busca pela flexibilidade, criatividade, interação, certa permissividade ao erro e formas de promover a busca, criação, disseminação e aplicação do conhecimento se fazem necessário no formato de uma estrutura (filosofia, políticas, processos e recursos).

As informações apresentadas são frutos da interpretação deste autor, o que pode sugerir uma visão embutida por valores, percepções e conceitos pessoais trazidos involuntariamente, o que pode obviamente provocar discordâncias de outros estudiosos, porém tal fato é inerente de pesquisas qualitativas (BURRELL & MORGAN, 1979).

Como sugestão de continuidade, os conceitos apresentados nesta etapa de estudo servem de base para que, na seqüência, sejam aplicáveis em pesquisas a serem realizadas no campo, com MPE’s brasileiras, a fim de identificar se as mesmas estão proporcionando adequada estrutura de ação e gestão do conhecimento.

Portanto, os leitores não devem, mesmo que inconscientemente, realizar generalizações sobre este estudo. É importante que busquem embasar-se em suas experiências e percepções de vida.

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O papel do computador no processo de formação de conjecturas e justificativas formais na matemática escolar

O papel do computador no processo de formação de conjecturas e justificativas formais na matemática escolar

THE ROLE OF COMPUTER IN THE PROCESS OF CREATING CONJECTURES AND FORMAL JUSTIFICATIONS IN MATHEMATICS EDUCATION

Me. Cláudia Cristina Soares de Carvalho

Faculdade de São Vicente – UNIBR

claucrimat@hotmail.com

Resumo

O incentivo à criação de conjecturas e justificativas formais por parte dos estudantes nas aulas de matemática tem sido negligenciado nos últimos anos, mesmo com os apelos dos Parâmetros Curriculares Nacionais e dos recentes resultados de pesquisa na área da Educação Matemática que atestam a importância de tais práticas na escola. Visando contribuir para uma mudança nesta situação, este artigo discute maneiras de retomar tais práticas no ambiente escolar, colocando as tecnologias digitais como ferramentas com potencial de transformação. Neste contexto, apresentam-se duas possiblidades de uso do computador: uma no campo geométrico e outra no campo numérico-algébrico.Nota-se que os ambientes computacionais os quais possuem representações dinamicamente conectadas, ferramentas de cálculo e de medidas podem fazer com que os estudantes realizem testes sistemáticos e percebam invariâncias, o que fomenta a formulação de conjecturas. Além disso, tais ambientes contribuem para que os estudantes abstraiam propriedades fundamentais na interação com o computador, o que pode ser a base de justificativas mais formais.

Palavras-chave: Conjectura, Prova, Computador, Educação Matemática.

ABSTRACT

Nowadays, the creation of conjectures and formal proofs by students in mathematics classroomshas been neglected, despite the recommendations of the National Curriculum and the recent research results in mathematics education that attest to the importance of such practices at school.In trying to change this situation, this article discusses ways to bring back such practices to the school environment considering the digital technologies as tools with potential for transformation. In this context, two possibilities of computer usehave been presented: one from the Geometric field and another from the Numeric-Algebraic field.As a conclusion, it is possible to see that technological environments that have dynamically connected representations, calculation and measure tools can make students to undertake systematic tests and notice invariance, which may foster the formulation of conjectures. In addition, these environments maycontribute to the students’ abstraction of fundamental properties that are important to write formal justifications.

Key-words: Conjecture, Proof, Computer, Mathematics Education

INTRODUÇÃO

A Matemática é uma área do conhecimento que se distingue das demais por dois motivos. O primeiro deles diz respeito ao caráter representacional de seus conceitos. Grande parte das ideias matemáticas não está presente fisicamente no mundo real e sua existência depende significativamente de representações simbólicas que foram desenvolvidas pela humanidade ao longo dos tempos. O segundo deles, diz respeito à validade e à aceitação dos conceitos, uma vez que as propriedades e relações entre eles são somente aceitas como verdadeiras pela comunidade matemática mediante à apresentação de uma justificativa redigida formal e logicamente. Estas justificativas formais são conhecidas na literatura da área como “prova” ou “demonstração”.

Reconhecer padrões, revelar a estrutura de um fenômeno numérico, métrico ou espacial, estabelecer relacionamentos, formular conjecturase prová-lasdedutivamente são atividades que regem a Matemática, a caracterizam como ciência e a destacam perante as demais.

A importância destas atividades para a Matemática como ciência influenciou o currículo escolar no Brasil e no mundo.Por volta dos anos 70-80, professores de matemática de diversos segmentos ensinavam teoremas dos mais variados para seus alunos e os forçavam a memorizar suas respectivas provas. Apesar de louvável, a tentativa de trazer um pouco do universo matemático para a sala de aula acabou em frustração. O trabalho,na escola, envolvendo conjecturas e provas matemáticas, ocorria de forma mecânica. Ao professor cabia escrever na lousa os principais teoremas acompanhados de uma infinidade de expressões simbólicas que, de alguma forma, atestavam a validade daquelas ideias. Ao aluno cabia copiar e decorar tudo para a hora da avaliação.

Ao reconhecer o pouco benefício que estas práticas traziam ao aluno, os professores foram pouco a pouco abandonando o trabalho com conjecturas e provas em suas salas de aula. Atualmente, poucos se preocupam em justificar formalmente as propriedades matemáticas que ensinam para seus alunos. Aqueles que se arriscam, validam as conjecturas utilizando casos provenientes do empirismo. Mais do que isto, o trabalho de formulação de hipóteses e o reconhecimento de padrões e estruturas têm sido negligenciados em detrimento do ensino de uma matemática repleta de regras e procedimentos os quais muitas vezes parecem desconectados.

Como professora e pesquisadora, tenho me incomodado profundamente com a situação de abandono ao trabalho com conjecturas e provas na escola, nestes últimos tempos. Na tentativa de superar esta situação, passei a estudar maneiras de resgatar essa prática, trazendo-a novamente para a sala de aula brasileira. Neste contexto, percebi as potencialidades que as tecnologias digitais, mais precisamente o computador, podem oferecer quando utilizadas significativamente pelo professor. Foi para descrever estas potencialidades e apresentar sugestões que redigi este artigo. Meu objetivo aqui é o de discutir a situação brasileira e internacional no que se refere ao trabalho com a formulação de conjecturas e provas na matemática escolar e apontar novas direções, tendo o computador como ferramenta com potencial de modificá-la positivamente.

AS CONJECTURAS E JUSTIFICATIVAS FORMAIS NA ESCOLA

Enquanto pesquisava a respeito da situação do ensino de conjecturas e provas na matemática escolar, vários questionamentos vieram a minha cabeça, tais como: prova é algo passível de ser ensinado da mesma forma que ensinamos frações, equações e conceitos geométricos? Se sim, existe alguma metodologia para seu ensino? Em que idade as pessoas devem aprender o que é uma prova? Quando podemos dizer que alguém sabe o que uma prova é? Se não, se prova é algo que não pode ser ensinado, como alguém aprende a provar? Existe alguma forma de torná-la algo ensinável? O primeiro passo na tentativa de buscar respostas para estas perguntas foi o de lembrar como aprendi a provar, em que circunstâncias e com que idade.

Lembrei que, durante toda minha fase como estudante da educação básica, nas aulas de matemática, meus professores exigiam que todos os alunos redigissem respostas completas para os exercícios propostos. Não bastava colocar somente um número na resposta. Havia necessidade de explicar como se chegou nela. Neste sentido, vejo que desde cedo a aula de matemática se configurou como um ambiente para que eu e meus colegas escrevessem justificativas. Entretanto, eu não me recordo de, durante a educação básica, ter engajado numa situação em que fosse necessário buscar justificativas para uma determinada conjectura matemática, criada ou não por mim.

Meu primeiro contato com a ideia de conjectura, demonstração e teorema ocorreu quando eu estava cursando matemática numa universidade. Eu estava na aula de fundamentos da álgebra e minha professora demonstrava na lousa diversos teoremas relativos à teoria dos números. Eu me recordo de conseguir acompanhar as explicações, mas de ter dificuldades de escrever minhas próprias provas. Eu aprendi a demonstrar observando o que minha professora produzia, comparando o que meus amigos escreviam com o que eu escrevia, e comparando como a professora avaliava o trabalho deles e o meu trabalho. Hoje, eu não sei dizer se minha professora tinha a intenção de nos ensinar como se demonstra teoremas ou não, ou se isso foi uma consequência do seu método de ensinar álgebra. O que eu sei é que, naquela época, eu descobri o que era uma prova porque eu estava inserida num ambiente em que elas eram usadas para explicar porque certas ideias da álgebra eram o que eram.

Já faz treze anos que passei por esta experiência e sempre me questiono se alguma coisa mudou nas salas de aula.
No Brasil, em 1998, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), um documento que visa clarificar os objetivos da educação básica no país, nas mais diversas áreas do conhecimento escolar. Os PCN contam com um volume especial para a matemática e nele temos alusão à importância dos processos de argumentação e prova no ensino,

Se por um lado a prática da argumentação tem como contexto natural o plano das discussões, na qual se podem defender diferentes pontos de vista, por outro ela também pode ser um caminho que conduz à demonstração. Assim, é desejável que no terceiro ciclo se trabalhe para desenvolver a argumentação, de modo que os alunos não se satisfaçam apenas com a produção de respostas a afirmações, mas assumam a atitude de sempre tentar justificá-las. Tendo por base esse trabalho, pode- se avançar no quarto ciclo para que o aluno reconheça a importância das demonstrações em Matemática, compreendendo provas de alguns teoremas (BRASIL, 1998, p. 71-72).

Não é possível dizer que a publicação dos PCN impulsionou um trabalho com provas e demonstrações nas salas de aula. Ainda não há evidências para sustentar esta afirmação. Entretanto, por conta das exigências do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), algumas mudanças já podem ser percebidas neste tipo de material. Pais (2010) verificou uma mudança na abordagem dos livros didáticos das séries finais do ensino fundamental, constatando a presença de argumentações em geometria, mas demasiada valorização a conclusões derivadas do empirismo. Além disso, o pesquisador percebeu uma relação entre a argumentação e a resolução de problemas e um aumento da indução como estratégia de validação. Carvalho (2007) constatou que os livros didáticos do primeiro ano do ensino médio apresentam justificativas formais e informais às propriedades abordadas no campo algébrico, mas poucos propõem atividades para que os alunos, por si próprios, se engajem no processo de elaboração de provas.

A importância do processo de prova no ensino de matemática também gerou interesse nos pesquisadores brasileiros da Educação Matemática nestes últimos anos. Diversos estudos foram conduzidos nesta área na tentativa de (1) conhecer as concepções de estudantes e professores a respeito do que é uma prova, (2) compreender os entraves da utilização de uma abordagem voltada ao ensino de provas por professores, e (3) descrever as provas produzidas pelos alunos da educação básica e do ensino superior em termos das representações, generalidade e raciocínios utilizados.

Jahn e Healy (2008) mapearam as concepções sobre prova dos alunos da educação básica entre 14-16 anos de escolas do Estado de São Paulo. Este mapeamento revelou principalmente um baixo desempenho dos estudantes na elaboração de provas para conjecturas geométricas e algébricas. Leandro (2010), que participou do projeto das pesquisadoras, constatou que, para questões envolvendo os conceitos de fatorial, múltiplos e divisores, os acertos dos participantes foram diminuindo à medida que a possibilidade de realizar cálculos ficava inviável. A análise dimensional realizada apontou dois grupos de alunos: aqueles os quais utilizam o cálculo como principal estratégia para justificar suas afirmações e aqueles que utilizam propriedades. Estes últimos apareceram em menor quantidade. Piccelli e Bittar (2010) realizaram um experimento com alunos do ensino médio no contexto da geometria dinâmica e encontraram resultados similares. Grande parte das provas apresentadas pelos participantes foi desenvolvida com base em argumentos empíricos. As pesquisadoras apontaram que as explicações mais genéricas somente vieram à tona com a intervenção do professor ou quando alunos passaram a ficar mais familiarizados com a tarefa.

Freitas (2004) e Sales e Pais (2010) analisaram o processo de prova nos anos iniciais do curso de Licenciatura em Matemática. Segundo Freitas (2004) muitos estudantes apelaram para o empirismo como forma de argumentação. Entretanto, o pesquisador observou a presença considerável de argumentos mais genéricos redigidos em língua natural e algebricamente. Sales e Pais (2010) obtiveram resultados semelhantes. De acordo com ambos os estudos, grande parte das provas apresentadas pelos participantes não estava no formato aceito pela comunidade matemática, mas tinham grande potencial de progredir.

A partir de Reid e Knipping (2010) é possível perceber que os resultados das pesquisas internacionais no que tange à aprendizagem de prova são muito parecidos com os resultados brasileiros. De acordo com os pesquisadores, os estudos internacionais revelam que muitos estudantes,

(1) aceitam exemplos como forma de validação, (2) não aceitam provas dedutivas como forma de validação, (3) não aceitam contraexemplos como refutação, (4) aceitam provas dedutivas falhas como forma de validação, (5) aceitam argumentos sem coerência lógica, (6) oferecem argumentos empíricos como prova e (7) não conseguiriam redigir provas consistentes com os padrões da comunidade matemática (REID e KNIPPING, 2010, p. 59).

Os resultados de pesquisas discutidos anteriormente nos fornecem uma ideia de como anda a aprendizagem dos estudantes no que concerne ao processo de prova. De modo geral, é possível perceber que o desempenho dos mesmos é bastante limitado no que tange à compreensão e à elaboração de provas na matemática. Estes resultados podem ser interpretados e explicados por diferentes pontos de vista. Destaco alguns.

Pietropaoloet. al. (2009) analisaram a concepção de professores e pesquisadores sobre a necessidade de implementação de provas e demonstrações na educação básica. Os pesquisadores constataram que os professores pouco utilizam demonstrações em suas aulas por acreditarem que este é um discurso acessível para poucos alunos. Em contrapartida, quando se fala da prova de uma maneira mais flexível em termos de formalismos, os mesmos participantes admitem a possibilidade de um trabalho frutífero em sala de aula. Na mesma linha de pesquisa, Almouloud e Fusco (2010) analisaram depoimentos de professores da educação básica do estado de São Paulo e constataram que os mesmos trabalham pouco com demonstrações ao ensinarem equações quadráticas porque (1) não querem assustar os alunos, uma vez que os mesmos não têm base para entendê-las, (2) não possuem familiaridade com o ensino de demonstrações e (3) o livro didático não dá suporte a esse ensino. Ambos os estudos apontam a necessidade de se trabalhar a questão do ensino das provas e demonstrações nos cursos de formação inicial e continuada de professores levando-se em conta uma perspectiva mais flexível.

Balacheff (1999) aponta a existência de um contrato didático natural nas salas de aula da educação básica em que o professor assume a garantia da legitimidade e validade epistemológica do conceito que está sendo construído, de tal forma que o estudante é privado de um acesso autêntico à problemática da verdade e da prova. O pesquisador acredita que as dificuldades de ensino e aprendizagem de prova estão relacionadas a este contrato e que a superação dessas dificuldades reside na devolução ao estudante da responsabilidade matemática de suas produções, o que poderia ocorrer por meio de situações de interação social promovidas em sala de aula. Nesta mesma direção, Küchemann (2008) aponta que as dificuldades em provar estão relacionadas à falta de oportunidade dos estudantes se engajarem num processo de procura à estrutura inerente à determinada conjectura em sala de aula. Reid e Zack (2009) apontam sugestões e afirmam que três características podem ser combinadas a fim de favorecer o processo de prova: (1) colocar os estudantes numa situação de formulação de conjecturas, (2) deixar para eles a responsabilidade de formular um critério para avaliar as próprias respostas e as dos colegas, (3) colocar a comunicação dos resultados como uma das metas do processo.

Para Duval (2006) e Duval e Egret (1989) as dificuldades de aprendizagem de demonstrações estão relacionadas aos processos cognitivos demandados na sua formulação. Os pesquisadores acreditam que, para provar, os estudantes precisam estar conscientes dos diferentes significados das proposições usadas na dedução, e ainda, estar conscientes dos diferentes processos de organização exigidos na elaboração de uma prova: agrupar argumentos para formar uma cadeia dedutiva e agrupar cadeias dedutivas para formar uma prova. Para a superação destas dificuldades, ambos os estudos sugerem o uso de tarefas em sala de aula em que a representação não-discursiva da prova seja intercalada com representações em língua natural. Dois exemplos desse tipo de tarefas podem ser encontrados em Almouloud (2003, p. 137-138).

Na mesma linha das dificuldades cognitivas, Reid (2012) argumenta que o processo de produção de demonstrações é marcado por um sentimento de necessidade (feeling ofnecessity). O sentimento de necessidade também é apontado por Duval (2006) como um dos pré-requisitos para demonstrar. Este sentimento está relacionado à necessidade de explicar situações e fenômenos com argumentos não baseados na visualização e em acordos sociais. Ele é importante para o convencimento, uma vez que, neste contexto, as conclusões somente são alcançadas por meio de raciocínios baseados em afirmações anteriores das quais já temos certeza da validade.

Além das explicações para as dificuldades dos estudantes em compreender e redigir provas, ainda existe a possibilidade de reinterpretações dos resultados de pesquisa. Para o fato da maioria dos estudantes somente produzir provas empíricas, por exemplo, o estudo de Healy e Hoyles (2000) mostrou que grande parte dos participantes que construíram provas empíricas foi capaz de valorizar provas baseadas em argumentos genéricos e explicativos. Eles reconheceram que os argumentos construídos por eles não receberiam uma boa avaliação do professor. Apesar de notarem o poder dos argumentos algébricos, os participantes afirmaram que os exemplos particulares são meios poderosos de obter a convicção da verdade de uma afirmação, principalmente quando ela não é familiar.

Healy e Hoyles (2000) ainda afirmam que, embora as provas dos estudantes tenham sido pautadas em argumentos empíricos, muitos alunos apresentaram, em suas soluções, a estrutura: produção de evidências – descoberta de padrões – conferência de resultados. As pesquisadoras argumentam que essa abordagem está presente nas indicações curriculares que as escolas inglesas devem seguir. Com isso, os resultados desse estudo indicaram que o currículo estava influenciando a maneira como os estudantes apresentavam suas provas.

Outro resultado que pode ser reinterpretado é o fato dos estudantes precisarem de exemplos empíricos para confirmar uma conjectura mesmo depois de ela ter sido provada de forma genérica. Uma das explicações para tal atitude é dizer que os alunos não compreendem o poder generalizador de uma prova. Entretanto, Küchemann e Hoyles (2009) perceberam que, em muitos casos, os alunos fazem apelo a testes numéricos depois de uma prova para checar a validade da estrutura do argumento que eles construíram e para aumentar a confiança nas suas produções. Hanna (2000) ainda afirma que, para muitos estudantes, o papel da prova tem o mesmo significado que para os cientistas experimentais, como os físicos. Para estes, a prova precisa ser acrescida de exemplos práticos para ter sentido. Neste contexto, o desafio para os educadores seria levar os estudantes a mesclarem dedução e experimentação, relacionando matemática e o mundo real.

Todos estes resultados de pesquisa me fizeram buscar novas direções para o ensino de provas na escola, uma vez que esta é uma atividade que caracteriza o conhecimento matemático. Nas próximas seções, mostrarei como atividades realizadas no computador podem fazer com que estudantes formulem suas próprias conjecturas, no campo geométrico e algébrico, e tenham curiosidade de buscar explicações conceituais e formais para as mesmas.

O PAPEL DO COMPUTADOR NO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DE CONJECTURAS

Conjecturar é o mesmo que formular uma hipótese. Neste sentido,a conjectura pode ser vista comouma afirmação generalizadora que requer verificações adicionais(REID & KNIPPING, 2010, p. 91-92).
A formulação de uma conjectura depende da realização de testes sistemáticos e da percepção de regularidades numa determinada situação. É neste contexto de exploração de padrões matemáticos que o computador pode ser integrado às atividades do estudante de modo significativo.A seguir, discutirei como dois ambientes computacionais, o CabriGéomètre e o Consecutivo, podem ser utilizados a fim de contribuir com o processo de formulação de conjecturas na geometria e na álgebra, respectivamente.

O Cabri-Géomètre, ou simplesmente Cabri, é um softwareo qual permite aos estudantes de todos os níveis escolares a construção e manipulação dinâmica de formas geométricas planas. A primeira versão do programa foi desenvolvida na França, em 1986, por um grupo de pesquisas em Educação Matemática, liderado por Jean-Marie Laborde. No Brasil, o Cabri é comercializado desde 1992 e já esteve no centro de diversas pesquisas envolvendo o ensino e aprendizagem de Geometria. Outros softwares com o mesmo propósito já foram desenvolvidos, como é o caso do Geometer’sSketchpad e do Geogebra. Programas como estes, são conhecidos no cenário educacional internacional com Ambientes de Geometria Dinâmica (ADG) e têm provocado mudanças nas relações dos estudantes com o conhecimento geométrico.

No ambiente do Cabri é possível encontrar ferramentas as quais fomentam o aparecimento de práticas importantes para a formulação de conjecturas. Centralizarei minhas discussões em duas destas ferramentas: o arrastar e o medir.

Ao se construir um objeto na tela do Cabri é possível movimentá-lo de diversas maneiras, utilizando-se a ferramenta arrastar. Um quadrilátero ABCD, por exemplo, pode assumir diversas formas como mostra a Figura 1 e a Figura 2

Figura 1
Figura 1: Quadrilátero ABCD no Cabri.

Figura 2
Figura 2: Quadrilátero ABCD no Cabri após o movimento do vértice C.

Os professores podem pedir a um estudante que construa um quadrilátero ABCD, marque os pontos médios de seus lados e construa um novo quadrilátero MNPQ por estes pontos médios. Ao arrastar esta construção, o estudante verá que o quadrilátero MNPQ continua ligado aos pontos médios dos lados do quadrilátero ABCD independentemente do movimento que se faça na tela (Figura 3 e Figura 4).

Figura 3
Figura 3: Quadrilátero MNPQ no Cabri.

Figura 4
Figura 4: Quadrilátero MNPQ no Cabri após o movimento do vértice C.

Para incentivar a formulação de conjecturas, o professor pode pedir que o estudante explore o quadrilátero MNPQ para seja descoberta a natureza do mesmo. Esta exploração pode ser realizada com o uso da ferramenta medir. Com ela, o estudante pode determinar as medidas dos lados e dos ângulos internos do quadrilátero em questão(Figura 5 e Figura 6).

Figura 5
Figura 5: Quadrilátero MNPQ com medidas de lados e ângulos internos.

Figura 6
Figura 6: Quadrilátero MNPQ com medidas de lados e ângulos internos após o movimento dos vértices C e D.

Depois das medições, ao arrastar a construção na tela, o estudante notará que todas as medidas aferidas se alteram com o movimento, mas que o quadrilátero mantém suas características iniciais. O movimento da figura associado à observação sistemática de suas medidas pode levar o estudante a perceber que os lados opostos do quadrilátero MNPQ são congruentes, assim como os ângulos internos opostos. Esta percepção pode fazer com que o aluno conjecture que o quadrilátero MNPQ é um paralelogramo.

Apesar de mais comum, a possibilidade de utilizar o computador para auxiliar o estudante no processo de formulação de conjecturas vai além do campo geométrico. Há também muitos softwares dinâmicos que podem fomentar a percepção de regularidades numéricas e algébricas. Um exemplo deles é o Consecutivo, software que eu mesma desenvolvi como parte do meu projeto de doutorado.
O Consecutivo possui diversas ferramentas as quais podem auxiliar os estudantes a formular conjecturas a respeito da soma e do produto de uma sequência de números consecutivos. Neste texto,discutirei três destas ferramentas: as barras de rolagem, a reta numérica e a caixa de soma. Para ilustrar como estas ferramentas contribuem para a formulação de conjecturas, apresentarei as produções de uma dupla de estudantes a qual participou de uma das aplicações do programa em escolas.

Aos estudantes do segundo ano do ensino médio de uma escola pública do estado de São Paulo foi solicitada a utilizaçãodo Consecutivo para investigar regularidades na soma de quatro números consecutivos. Uma dupla de participantes apresentou no papel a seguinte conjectura:
Figura 7
Figura 7: Conjectura formulada por estudantes com o auxílio do Consecutivo.

Ao assistir aos vídeos com as interações da dupla enquanto a mesma lidava com o programa, observei que os participantes chegaram a esta conclusão manipulando as ferramentas na tela da seguinte maneira: (1) a dupla posicionou uma das barras de rolagem no valor quatro, uma vez que era solicitado que se investigasse a soma de quatro número consecutivos, (2) um dos participantes começou a movimentar a segunda barra de rolagem alterando o valor do primeiro número da sequência de consecutivos e (3) enquanto movimentavam a segunda barra de rolagem, os dois participantes observavam as variações dos resultados da soma e do primeiro número da sequência na reta numérica (Figura 8).

O dinamismo com o qual os valores se alteravam na tela do computador possibilitou aos estudantes a percepção de regularidades, que ficavam cada vez mais evidentes conforme os estudantes realizavam mais testes dentro do domínio que eles desejavam. Neste caso, os movimentos das barras associados à observação dos resultados da soma fizeram com que os participantes concluíssem que a soma de quatro números consecutivos aumenta de quatro em quatro unidades toda vez que se aumenta uma unidade no primeiro número da sequência. Como a primeira soma, que eles puderam encontrar, resultava em seis, eles conjecturaram que a soma de quatro números consecutivos corresponde a quatro vezes o primeiro número da sequência mais seis.

Figura 8
Figura 8: Ações dos estudantes no Consecutivo.

Mesmo com objetivos diferentes, o Cabri e o Consecutivo possuem ferramentas importantes quando se deseja perceber padrões matemáticos e elaborar conjecturas. No Cabri, a ferramenta medir coloca na tela do estudante elementos para serem observados e a ferramenta arrastar permite que essas observações ocorram de forma sistemática até que se perceba uma invariância. No Consecutivo, de forma análoga, as ferramentas caixa de soma e reta numérica colocam os valores na tela. A ferramenta barra de rolagem permite que estes valores sejam alterados de forma sistemática até que se perceba uma regularidade.

Muitos pesquisadores já discutiram sobre as potencialidades dos softwares para a formulação de conjecturas. Hoyles (2012), por exemplo, afirma que,

As tecnologias digitais podem fornecer ferramentas que são dinâmicas, gráficas e interativas. Mais do que isto, elas podem dar suporte a processos de criação e exploração de conjecturas, uma vez que elas oferecem ao estudante a possibilidade de transitar entre o dinâmico e o estático, o que dá aos aprendizes um controle reflexivo (HOYLES, 2012, p. 4).

Nesta mesma linha de pensamento, Moreno-Armella, HegeduseKaput (2008, p. 12) salientam que “as ferramentas tecnológicas digitais permitem os estudantes perceber e generalizar estruturas matemática por meio de colaboração co-ativa com o ambiente”.

O PAPEL DO COMPUTADOR NO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DE JUSTIFICATIVAS FORMAIS

Na seção anterior, discuti como o computador pode contribuir para que o estudante perceba padrões matemáticos e formule conjecturas. Contudo, é possível utilizar o computador para ir mais além. É possível utilizá-lo para ajudar o estudante a validar suas hipóteses e a compreender porque as mesmas são verdadeiras e fazem sentido.

Na situação envolvendo o softwareCabri, o quadrilátero MNPQ é um paralelogramo. O estudante pode se convencer da validade desta conjectura facilmente, pois ao movimentar os vértices do quadrilátero ABCD de várias maneiras perceberá que os lados e ângulos opostos do quadrilátero MNPQ continuam sempre congruentes. Neste contexto, pode-se falar em teorema situado e prova situada (MORENO-ARMELLA e SRIRAMAN, 2005). Isto quer dizer que as conjecturas formuladas dentro do ambiente computacional ganham força de teorema rapidamente para o aluno, uma vez que o mesmo observa na tela que as propriedades em questão se mantêm rígidas para uma infinidade de casos obtidos com o movimento da figura. Entretanto, é possível utilizar o computador para ir além das provas situadas se considerarmos que a prova é mais do que um conjunto de argumentos convencedores. A prova é uma explicação a qual pode dar sentido à conjectura e mostrar ao estudante as razões de sua origem.

Na situação do Cabri, esta prova pode ser obtida se os estudantes acrescentarem novos elementos à figura que está na tela. Se eles construírem e medirem a diagonal AC do quadrilátero ABCD, perceberão que essa diagonal é paralela aos segmentos MN e PQ e que possui o dobro de seus tamanhos. Isto porque o triângulo ABC é semelhante ao triângulo MBN e o triângulo ADC é semelhante ao triângulo QDP (Figura 9).

Se o estudante souber que se dois segmentos de reta são paralelos a um terceiro, eles são paralelos entre si, eles podem concluir que os lados MN e PQ do quadrilátero MNPQ são paralelos. Fazendo-se o mesmo procedimento ao traçar a diagonal BD do quadrilátero ABCD, explica-se porque os lados MQ e NP também são paralelos. Estas duas conclusões completariam a prova de que o quadrilátero MNPQ é um paralelogramo.

Figura 9
Figura 9: Quadrilátero ABCD com a diagonal AC traçada.

Também é possível utilizar as ferramentas do Consecutivo para criar uma prova. A seguir analiso a explicação dada pela dupla que formulou a conjectura a respeito da soma de quatro números consecutivos(Figura 10).

Figura 10
Figura 10: Prova apresentada pelos estudantes ao interagirem com o Consecutivo

Ao analisar os vídeos com as interações desses participantes, verifiquei que os mesmos perceberam que a cada mudança de unidade na barra de rolagem, uma unidade era acrescentada a cada número da sequência de consecutivos. Como estes números seriam somados ao final do movimento, a nova soma corresponderia a quatro unidades a mais do que a soma anterior. Veja um esquema da interação dos estudantes na Figura 11.

Figura 11
Figura 11: Interação dos participantes ao elaborarem uma prova no Consecutivo.

Ao perceberem novas propriedades, os participantes explicaram para eles mesmos porque a conjectura que eles formularam fazia sentido, o que reforçou ainda mais a confiança na mesma.

A possibilidade de dar novos significados à prova na escola já foi discutida por muitos pesquisadores. Hanna (2000) afirma que a prova pode ser utilizada em sala de aula como mais uma forma de trazer compreensão às situações matemáticas. De Villiers (2001) salienta que a prova pode ser um instrumento validação, explicação e também de desafio intelectual. Sinclair e Robutti (2013) reconhecem que o uso de ambientes dinâmicos pode ajudar os estudantes a transitar do campo espacial-gráfico para o campo teórico no que diz respeito aos conceitos de geometria, o que auxiliaria no processo de prova de conjecturas. Healy (2000) mostrou que as interações entre o estudante e o computador fazem emergir a conjectura e a prova simultaneamente, uma vez que o uso de exemplos genéricos e casos especiais formam a base dos argumentos formulados por estudantes nestes ambientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, dissertei a respeito do trabalho com a formulação de conjecturas e justificativas formais no ambiente escolar, enfatizando que práticas como estas, apesar de caracterizarem a Matemática como ciência, têm sido negligenciadas nas salas de aulas brasileiras nas últimas décadas. Na tentativa de resgatar tais práticas, apresentei duas sugestões em que o computador aparece como uma ferramenta com potencial para encorajar nossos estudantes a perceber regularidades e explicar porque elas ocorrem. Mas por que os computadores possuem este potencial? Quais são as potencialidades e limitações de um ensino que tem o computador integrado a sua rotina? Compartilharei com o leitor algumas respostas pessoais para tais questionamentos.

As ferramentas computacionais nas últimas três décadas se tornaram portáteis, poderosas e de custo acessível ao cidadão comum. A internet teve seu uso disseminado de tal forma que a possibilidade de se conectar em tempo real com diversas pessoas em lugares diferentes já não é mais coisa de filme de ficção científica. As mudanças também estão presentes em nossas salas de aula. Hoje, grande parte das escolas brasileiras possui computadores disponíveis aos estudantes e nossas salas de aula estão repletas de alunos com celulares e dispositivos portáteis diversificados. Esta evolução não ocorreu somente na escala do hardware. Softwares e aplicativos de cunho educacional dos mais variados são lançados diariamente no mercado brasileiro e internacional.

Dos anos 80 até o presente,há muitos programas de computador os quais podem contribuir significativamente com o processo de ensino e aprendizagem de Matemática. É o caso do CabriGéomètre e do Consecutivo, abordados nas seções anteriores deste texto. Estes programas possuem características importantes capazes de fazer com que os estudantes percebam e expliquem padrões matemáticos. Duas destas características foram destacadas neste artigo. A primeira delas é a presença de ferramentas que possibilitam o movimento de objetos na tela do computador sem que as propriedades dos mesmos sejam destruídas durante essa movimentação. A segunda é a possibilidade de medição de ângulos e comprimentos e o cálculo automático de somas e diferenças.

Quando os estudantes articulam os resultados de medições e cálculos com a mudança dinâmica destes elementos na tela do computador, eles se engajam numa atividade de observação sistemática que converge, em muitas ocasiões, para a percepção de invariâncias. São estas invariâncias que dão origem às conjecturas. Além disso, a exploração dos esquemas construídos na tela do computador também tem o potencial de fazer emergir justificativas para as conjecturas formuladas, uma vez que os movimentos e observações podem resultar na percepção de propriedades inerentes à situação que está sendo representada na tela do computador.

Apesar das contribuições que o computador pode trazer para a educação, a integração do mesmo à rotina escolar ainda é tímida noque diz respeito o processo de ensino e aprendizagem de matemática. Muitos fatores contribuem para esta situação. Cito três deles.

Primeiramente, quando a rotina de sala de aula começa a extrapolar o tradicionalismo de um ensino centrado na figura do professor, estudantes, pais e a sociedade, de forma geral, podem apresentar atitudes e questionamentos desfavoráveis, principalmente no que se refere ao uso de tecnologias como calculadoras e computadores nas aulas de matemática. O pensamento mais comum é o seguinte: “se o computador vai realizar os cálculos e medições, qual será o trabalho do aluno?”. Este tipo de questionamento geralmente está associado a uma visão limitada sobre o que consiste a atividade matemática. Esta atividade vai muito além das operações com números e equações. A Matemática também é a ciência dos padrões, regularidades e das explicações logicamente conectadas; é principalmente para esta Matemática que o computador revela sua importância em sala de aula.

O segundo fator tem relação com a integração das tecnologias ao currículo e ao sistema de avaliação da aprendizagem. Atualmente, grande parte do currículo de matemática é baseada em conceitos e representações dependentes do ambiente estático do papel e lápis. Além disso, as avaliações são desenhadas para contemplar as características deste tipo de currículo. Então, quando o professor decide utilizar outros recursos em sala de aula, estas práticas parecem desconectadas de suas ações rotineiras. É como se os professores precisassem “parar” os conteúdos toda vez que decidirem utilizar tecnologias em sala de aula. Apesar dos avanços nas pesquisas em Educação Matemática, que valorizam as tecnologias, e da corrida das editoras para a reformulação de materiais didáticos que conectem tecnologia e conteúdos disciplinares, sinto falta de uma integração significativa das tecnologias digitais ao currículo e ao sistema de avaliação.

O terceiro fator diz respeito às atitudes do professor de matemática frente às tecnologias. Utilizar o computador de forma significativa em sala de aula requer uma alteração no contrato didático entre professor e aluno. A aula passa a ser centrada naquilo que os alunos podem descobrir ao interagirem com o computador e calculadoras. Neste contexto, muitos conceitos e explicações diferentes podem emergir. Esta variedade tira o professor de sua “zona de conforto” e traz para a sala de aula uma movimentação diferente daquela com a qual estão acostumados. Além disso, o uso significativo das tecnologias digitais nas aulas de matemática exige que o professor pesquise situações e problemáticas em que as mesmas sejam indispensáveis e façam a diferença em relação ao ambiente do papel e lápis. Isto requer uma atitude de aprimoramento contínuo do professor como profissional.

Acredito que os três fatores discutidos anteriormente sejam entraves superáveis com ações em duas dimensões. Na primeira dimensão, há necessidade de implementação de políticas públicas que visem à reformulação do currículo, do sistema de avaliação e que se preocupem com a formação contínua do professor de matemática. Na segunda dimensão, é preciso fazer chegar às salas de aulas as mais diversas sugestões e inovações propostas nas pesquisas em Educação Matemática. Este artigo foi uma tentativa de contribuição para este segundo caso.

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INSIGHT DA TECNOLOGIA PARA O MERCADO E O CONSUMIDOR: O que realmente compreendemos?

INSIGHT DA TECNOLOGIA PARA O MERCADO E O CONSUMIDOR
O que realmente compreendemos?

INSIGHT TECHNOLOGY FOR MARKETING AND CONSUMER
What really understand?

Me. Alexandre Machado

Mestre em Comunicação e Educação – Faculdade de São Vicente

machado@unibr.edu.br

Resumo

O que muda no mercado com a evolução tecnológica? Como percebemos e nos adaptamos a essa evolução? Que a tecnologia integra e transforma o cotidiano do consumidor não há dúvida, a questão é como estes consumidores se comportam, agem e reagem em relação a essa inevitável inserção tecnológica? As novas e, principalmente, as mais velhas gerações (baby boomer), têm presenciado essas constantes, rápidas e avassaladoras mudanças tecnológicas. É racional e perceptível que a geração mais nova tenha mais facilidade do que a mais velha em adaptarem-se às novas tecnologias, mas é surpreendente o esforço das mais velhas em manterem-se atualizadas e não excluídas da sociedade capitalista e consumista dos dias atuais. O conhecimento e a compreensão desta realidade tecnológica têm feito o mercado e as empresas serem mais atentos, sensíveis e colaborativos com o consumidor tecnocêntrico. Os profissionais de marketing, os gestores de produtos, os designers e as organizações como um todo têm prestado a devida atenção ao ser humano neste processo de transformação e inclusão tecnológica? Da cultura da convergência a Era do acesso, o mercado e o consumidor travam uma incansável batalha de adaptação com a tecnologia e dessa “guerra” não há vencedores ou vencidos, há uma tendência de mudança no comportamento, o surgimento dos groundswell. A sociedade em rede vem influenciando positivamente a cultura do consumidor e os fenômenos sociais têm sido transformados pelas redes sociais. Como se adaptar a esse fenômeno? O tempo é o fator determinante para isso.

Palavras-chave: Mercado, Consumidor e Tecnologia.

Abstract

What changes in the market with technological developments? How we perceive and adapt to this evolution? Technology that integrates and transforms the everyday consumer no doubt, the question is how these consumers behave, act and react in relation to this inevitable technology insertion? The new and especially the older generations (baby boomer), has seen these constant, rapid and overwhelming technological change. It is rational and understandable that the younger generation has it easier than the older in adapting to new technologies, but it is amazing the effort of the oldest in keeping themselves updated and not excluded from the capitalist and consumerist society of today. Knowledge and understanding of this reality technology have made the market and companies are more attentive, responsive and collaborative with the consumer technocentric. Marketers, product managers, designers and organizations as a whole have paid sufficient attention to the human being in the process of technological transformation and inclusion? Culture of the era of convergence of access, the market and consumer waging a relentless battle to adapt with technology and this “war” there are no winners or losers, there is a tendency of behavior change, the emergence of the groundswell. The network society is positively influencing consumer culture and social phenomena have been transformed by social networks. How to adapt to this phenomenon? Time is the determining factor for this.

Key-words: Marketing, Consumer and Technology.

INTRODUÇÃO

A evolução da tecnologia, a adaptação do mercado, da indústria produtiva e a inserção do consumidor neste processo enaltecem uma característica fundamental, o tempo. O tempo e o mercado têm sido palcos desta constante transformação. O publicitário Marcelo Kuhn identifica por meio do “império do imediato” que a velocidade do dia-a-dia vai além da tecnologia. No relato, está presente o termo dromocracia, inicialmente apresentado por Paul Virilio, em 1996, filósofo francês, arquiteto e pesquisador em sua obra Velocidade e Política. A relação com o tempo, a sociedade e a tecnologia foram aprofundadas por Trivinho em 2007.

Na cibercultura, dromos, prefixo grego que simboliza rapidez, celeridade, agilidade e aptidão, que como o signo pressupõe, remete tanto à propensão espontânea, quanto à vocação adquirida e a capacidade ou competência treinada, designam, basicamente, em uma aglutinação estratégica e o ser veloz, em relação ao domínio das senhas infotécnicas de acesso e de suas reciclagem estruturais. (TRIVINHO, 2007, p. 113 – 114).

A utilização do tempo vem sendo explorada pela comunicação de forma tão intensa que proporciona ao ser humano um efeito de quebra do ócio, refletindo em inquietude, agitação e ação, como diz Marcondes Filho apud KUHN (2012) – “é uma era de horror ao vazio”.

No filme, império do imediato, Kuhn (2012) afirma que o reconhecimento das empresas pela cultura da velocidade e a transferência da atenção da qualidade do produto, uma vez que os produtos apresentam qualidade e preços similares, proporcionam o estímulo do “agora ou nunca”, “o clima de urgência”. Como exemplo deste estudo, em 2010, foram analisados 300 comerciais das televisões brasileiras e não surpreendente observou-se que: 72% dos comerciais identificavam prazo de validade para a oferta/consumo, 51% classificavam como imperdível a promoção, 31% impunham como ordem a ideia do consumidor ir até o local de compra. O mais enfático é que 33% dos comerciais ordenam que o consumidor evite a passividade, caso contrário o arrependimento ficará pairando sobre o pensamento do consumidor.

A comunicação passa a utilizar o argumento do consumo imediato e, com isso, a teoria da dissonância cognitiva e o prazer imediato martelará o subconsciente do consumidor. Ficam preponderantes certos valores como não devemos gastar mais do que ganharmos, não se deve comprar coisas além do que precisamos e desta forma o consumo impulsivo surge. Essa influência já foi retratada por Barbosa, em a sociedade de consumo.

Na cultura do consumidor as necessidades de cada um de nós são insaciáveis. Esta sensação de insaciabilidade é interpretada de duas formas distintas. A primeira a vê como uma consequência da sofisticação, do refinamento, da imaginação e da personalização dos desejos e necessidades das pessoas e/ou da vontade individual de progresso econômico e social. A segunda, como uma exigência do sistema capitalista para a sua própria sobrevivência. Na necessidade deste por um crescimento permanente cria uma ansiedade acerca da possibilidade de algum dia essas necessidades serem satisfeitas ou financiadas. (BARBOSA, 2004, p. 34).

O economista Giannetti apud KUHN (2012), afirma que sempre vamos preferir um prazer no imediato e não no futuro. A busca permanente em equilibrar o certo do errado e a necessidade do desejo, ameniza a dissonância cognitiva quando o fator vantagem, produzida pelo consumo imediato, supera o receio da prudência, economia e poupar para o futuro. Como diz o psicólogo americano Festinger (apud KUHN, 2012), cada ser humano carrega consigo mesmo os seus valores.

A comunicação tem utilizado a tecnologia para agilizar, facilitar e direcionar informações ao mercado e, consequentemente, aos consumidores. Os consumidores, por sua vez, utilizam os veículos de comunicação para saciar sua sede de informação e essa união de informação, meios, mercado e consumo, molda o novo contexto de comportamento do consumidor. Segundo McLUHAN (1996, apud DI FELICE, 2010, p. 318 – 319):

como extensão de nosso próprio corpo, de nossas próprias faculdades, quer se trate de roupa, habitação, quer se trate dos tipos mais familiares de tecnologia, como a roda e o estribo, que são extensões de várias partes do corpo. A necessidade de amplificar a capacidade humana para lidar com vários ambientes da lugar a essas extensões tanto de ferramenta quanto de mobiliário. Essa amplificação de nossa capacidade, espécie de deificação do homem, eu a defino como tecnologia.

Como já se pregava na Revolução Industrial que sem riqueza não se desenvolvem a ciência e a tecnologia. Assim, a tecnologia interfere sorrateiramente no cotidiano do consumidor, inserindo-se como uma prótese no ser humano, passando a ser indispensável para o cumprimento de suas atividades e irremediável no atendimento de suas necessidades.

É oportuno salientar que segundo Vestergaard & Schroder (1998, apud GALINDO, 2002, p. 115)

A tecnologia e as técnicas de produção em massa já tinham atingido um nível de desenvolvimento em que um maior número de empresas produzia mercadorias de qualidade mais ou menos igual a preços mais ou menos iguais. Com isso, veio a superprodução e a subdemanda (…) tornando-se necessário estimular o mercado – de modo que a técnica publicitária mudou da proclamação para a persuasão.

As transformações ocorridas com a introdução das novas tecnologias são fatores de reflexão para esta nova sociedade de consumo. A necessidade de desmassificação encontrada pelas empresas são tendências para análise e discussão. O cenário das novas produções e distribuições das mensagens transforma e proclama essa forma de persuasão.

A cultura da convergência e a era do acesso proporcionaram um consumidor mais consciente, prudente e moderado o que vem fazendo com que as empresas e os profissionais de mercado encontrem novas fórmulas para persuadir o consumidor. A sociedade em rede e a comunicação interativa são ferramentas saudáveis à vista dos consumidores para que estes possam, além das empresas, terem acesso a opiniões e orientações por outros meios.

O MARKETING 3.0

Uma reflexão salutar proposta por Kotler (2010) é a redefinição do marketing, centrado no ser humano, entendendo que estes são complexos e suas necessidades e esperanças não devem ser negligenciadas.

A evolução do marketing 1.0 para o marketing 2.0 e, por fim, para o marketing 3.0, são simples mais significativa, pois enquanto o marketing 1.0 era voltado ao produto, o marketing 2.0 era voltado ao consumidor, desta forma o marketing 3.0 foi proposto para identificar os valores. As características comparativas mais completas podem ser observadas na tabela abaixo:

Tabela 1 – Comparação entre o marketing 1.0, 2.0 e 3.0

Marketing 1.0 Marketing 2.0 Marketing 3.0
Objetivo Vender produtos Satisfazer e reter os consumidores Fazer do mundo um lugar melhor
Força propulsora Revolução Industrial Tecnologia da Informação Nova onda de tecnologia
Como as empresas vêem o mercado Compradores de massa, com necessidades físicas Consumidores inteligentes, dotado de coração e mente Ser humano pleno, com coração, mente e espírito
Conceito de marketing Desenvolvimento de produto Diferenciação Valores
Diretrizes de marketing da empresa Especificação do produto Posicionamento do produto e da empresa Missão, visão e valores da empresa
Proposição de valor Funcional Funcional e emocional Funcional, emocional e espiritual
Interação com consumidores Transação do tipo um-para-um Relacionamento um-para-um Colaboração um-para-muitos

Fonte: Kotler, 2010, p.6.

Para Kotler (2010, p. 17), “a nova onda tecnológica é classificada por três grandes forças: computadores e celulares baratos, internet de baixo custo e fonte aberta”.

Como Toffer apud KOTLER (2010) já previa em seu livro a 3ª Onda, na era da participação, as pessoas passaram a criar e consumir notícias; assim como ideias e entretenimento, criou-se o termo prosumidores que por definição são consumidores que produzem conhecimentos. Com a evolução dessa nova onda tecnológica foi inevitável a ascensão das mídias sociais, classificadas em duas categorias: mídias sociais expressivas (Blogs, twitter, YouTube, Facebook, Flickr e outros sites de networking social) e as mídias sociais colaborativas (Wilipedia, Rotten Tomatoes e Craigslist).

Segundo Kotler (2010), à medida que as mídias sociais se tornem mais expressivas, os consumidores poderão, cada vez mais, influenciar outros consumidores com suas opiniões e experiências. Com isso, a influência que a propaganda corporativa tem em moldar o comportamento de compra do consumidor diminuirá proporcionalmente. De acordo com o autor, as mídias sociais são de baixo custo e pouco tendenciosas, sendo delas o futuro das comunicações de marketing. Assim sendo, a tendência é que os consumidores assumam a função dos profissionais de marketing.

A interação e colaboração são oportunas neste momento, pois os profissionais de marketing, antenados com o mercado, ouvem a voz do consumidor para entender suas necessidades. A imposição e condução da propaganda feita até então pelos profissionais de marketing não têm mais espaço no mundo dos consumidores interagidos com as mídias sociais. O exemplo clássico vindo dos Estados Unidos é a propaganda criada por um usuário para a Pepsico do salgadinho Doritos, intitulada Free Doritos. Esse anúncio foi o mais assistido durante o Super Bowl, surpreendendo até mesmo os anúncios realizados por agências profissionais.

A força das redes sociais demonstra que os consumidores não são mais agentes isolados, eles agora estão conectados uns aos outros e por força disto suas decisões são fundamentadas em informações, passam a ser seres ativos oferecendo significativos feeedbacks às empresas.

Como foi apresentado no inicio do tópico marketing 3.0, o conceito de marketing foi redefinido. Kotler, (2010, p. 18) apresenta a nova definição estabelecida pela AMA (American Marketing Association) – “Marketing é uma atividade, conjunto de instruções e processos para criar, comunicar, oferecer e trocar ofertas que tenham valor para consumidores, clientes, parceiros e para a sociedade como um todo”. O surgimento da palavra “sociedade” na definição demonstra a importância que esta tem no mundo das negociações entre os indivíduos e as empresas.

Por meio do marketing 3.0 em seu objetivo diz ter a finalidade de fazer o mundo um lugar melhor, desta forma:

cientistas e artistas muitas vezes abrem mão do conforto material em busca de autorrealização. Buscam algo que está além do que o dinheiro pode comprar. Buscam significado, felicidade e realização espiritual. Sua satisfação material normalmente vem por último, como recompensa de seus feitos (…) como resultado dessa crescente tendência da sociedade, os consumidores estão não apenas buscando produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades, mas também buscando experiências e modelos de negócios que toquem seu lado espiritual”. (KOTLER, 2010, p. 21).

São esses os valores que os consumidores de uma sociedade interagida com as mídias sociais esperam, afetando e moldando significativamente os valores na cultura das empresas. A nova onda de tecnologia proporciona a disseminação de informações, ideias e opinião pública permitindo aos consumidores colaborarem na criação desses novos valores.

A evolução do marketing 3.0 propõe três abordagens: um marketing mais colaborativo, cultural e espiritual. No marketing colaborativo, visto como conteúdo, é focalizada a Era da participação (o estímulo), no marketing cultural, como o contexto, é a Era do paradoxo da globalização (o problema) e no marketing espiritual, o que oferecer, é a Era da criatividade (a solução).

Para Kotler (2010, p. 27), “o marketing foi fundamentado sobre três pilares: gestão do produto, gestão do cliente e gestão da marca. O futuro do marketing necessita de uma adequação em seu conceito proporcionalmente, como mostra a tabela 2”.

Tabela 2 – O futuro do marketing

As disciplinas de marketing O conceito atual de marketing O futuro conceito de marketing
Gestão de Produtos Os 4P´s (produto, preço, praça e promoção) Cocriação
Gestão de Cliente Segmentação, definição de mercado-alvo, posicionamento Comunização
Gestão de Marca Construção da marca Desenvolvimento da personalidade

Fonte: Kotler, 2010, p. 36.

Desta forma, o marketing 3.0 foi evoluindo de uma concepção única de vender produtos, para satisfazer e reter os consumidores até proporcionar fazer do mundo um lugar melhor. Com as mídias sociais expressivas e colaborativas, a prática do marketing foi influenciada pelas mudanças no comportamento e nas atitudes dos consumidores, surgindo os elementos básicos como o marketing colaborativo, cultural e espiritual, estabelecendo o consenso do futuro do conceito no marketing, inter-relacionando a gestão de produtos com a cocriação, a gestão do cliente com a comunização e a gestão da marca com o desenvolvimento da personalidade. Com essa concepção de valores, desenvolvimento e personalidade, Kotler anuncia a transição para o espírito humano por meio do modelo dos 3 I´s: Indentidade, Integridade e Imagem da marca. A missão, visão e valores estariam relacionados com a mente, coração e espírito.

A REVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO

Segundo Nordstrom & Riddertrale (2001, p. 23):

Conhecimento é o novo campo de batalha para os países, as corporações e os indivíduos. Enfrentaremos cada vez mais condições que exigem mais conhecimento para funcionarmos e, a longo prazo, para sobrevivermos. Não se pode construir uma parede em torno do conhecimento. Não se pode isolá-lo. Ele está lá. Está destruindo as linhas de telefone. Está no ar, no ciberespaço. Envolve a raça humana.

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Fonte: Portal de informações obtidas no Curso de Pós-Graduação em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação – ULBRA – Canoas/RS por Lisiane Trojahn Kirchhof.

Em toda a introdução ao estudo da Gestão do Conhecimento é salientada a evolução da informação como cenário de compreensão. Assim como a informação evolui o homem e a tecnologia também. O homem passou de Teocêntrico para Antropocêntrico e com a era da tecnologia para Tecnocêntrico .

Em uma sociedade tecnocêntrica, os meios de comunicação ocupam o papel central na vida das pessoas, reestruturam toda a sociedade, da economia à política, da cultura à religião, do lazer ao esporte. A garantia que as coisas existem é o fato de serem veiculadas pelos meios de comunicação.

Segundo Galindo (2012), em aula da disciplina “interfaces tecnológicas e culturais na comunicação de mercado” do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo menciona que o desenvolvimento da alta tecnologia tem proporcionado o crescimento do setor terciário e o surgimento de um grande contingente de técnicos-engenheiros e a convivência com a cibernética/robôs e sistemas informatizados, a mercadoria mais valiosa passou a ser a Informação.

Segundo tal autor, a produção desta mercadoria vai diferenciar tanto o jogo do poder como a consequente forma de dominação, seja ela: econômica/cultural/social etc. Em uma sociedade tecnocêntrica, o contato com o mundo é feito por meio de dois sistemas complexos:
– Sistema de Comunicação Geral (M.C.M.),
– Sistemas Eletrônicos Individualizados.

Se conhecimento é poder, o poder agora pode estar em toda parte. A atenção fica direcionada a Eugenia . De acordo com Galindo (Ano), o funcionário vende “tempo” para as organizações; o valor é que determina a qualidade do tempo; sendo assim, as empresas compram tempo e talento.

Para Nordstron & Riddertrale, 2001, o mundo industrializado não tem mais monopólio do conhecimento porque este se move livremente. Então, todos nós precisamos nos preparar para a “Olimpíada dos Negócios”; todavia, esse evento não é promovido a cada quatro anos. Está acontecendo agora – em tempo real, ininterruptamente.

De acordo com o The Economist, a nova prova de fogo é derrubar sua vantagem competitiva nos pés e ver se isso dói. Se doer, você deve começar a repensar a maneira em que opera. As coisas que eram exigidas costumavam consistir em pouco conhecimento e muita matéria. Agora o que é valorizado envolve pouca matéria e muito conhecimento. O peso médio do valor real em dólares das exportações americanas caiu mais da metade desde 1970. A densidade de uma oferta de um cliente de sucesso está mudando. Hoje, as vantagens competitivas não pesam mais do que os sonhos de uma borboleta. (NORDSTRON; RIDDERTRALE, 2001, p. 32).

No Funky Bussiness, talentos movimentam capitais; isso se verifica na expressão do CEO da Northern Telecom, David Vice, segundo o qual no futuro haverá dois tipos de empresas – as rápidas e as falidas, portanto, ou somos rápidos ou fracassamos, pois na nova economia, não há limite de velocidade, a agilidade comanda, a velocidade é tudo.

Como exemplo de velocidade, agilidade e rapidez, Nordstrom & Riddertrale (2001, p.32) comentam: “mude, em 1995, 1.000 novos refrigerantes foram lançados no mercado japonês, um ano mais tarde, 1% ainda estava à venda; mude rapidamente, se você está dirigindo um carro modelo 1990, lembre-se que foram gastos aproximadamente seis anos para desenvolvê-lo, hoje, a maioria das empresas fazem isso em dois anos. mude mais rapidamente, na Hawlett-Packard, a maioria das receitas vem de produtos que não existe um ano atrás. mude agora, em Tóquio, você pode pedir uma Toyota personalizada na segunda-feira e o estará dirigindo na sexta”.

Os mercados de hoje são virtuais e internacionais em vez de nacionais. A informação desconhece limites. Em um nível macro, os problemas e as oportunidades fundamentais com que a humanidade se depara não podem mais ser considerados locais.

Na sociedade do excedente estamos buscando sempre mais e descartando cada vez mais; é a sociedade do tempo real. O tempo é a nova religião, somos viciados em velocidade. O conhecimento proporcionará a melhor forma de utilizar esse tempo seja para a empresa no mercado seja para o consumidor.

A CULTURA DA CONVERGÊNCIA

A base desta análise está relacionada entre três conceitos: convergências dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva.

Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais. Já a circulação de conteúdos, o autor define como sendo feita por meio de diferentes sistemas midiáticos, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais, dependendo fortemente da participação ativa dos consumidores. A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação e a inteligência coletiva ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2008, p. 27)

É importante salientar sobre as implicações da cultura da convergência para a sociedade, mercado e consumidor. Os temores de sobreposição entre um meio ao outro é fato superado, recordando que na história da comunicação, as palavras impressas não eliminaram as palavras faladas, que o cinema não eliminou o teatro, que a televisão não eliminou o rádio, a consequência foi que cada meio antigo se viu forçado a conviver com os meios emergentes. O que a história nos mostra é que os velhos meios de comunicação não foram substituídos.

Jenkins (2008) sustenta que a convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica: ela altera a relação entre tecnologia existente, indústrias, mercados, gêneros e público; enfatiza que é um processo e não o ponto final. O exemplo deste processo é a Warner Bros. que produz filmes, televisão, música popular, games, websites, brinquedos, parques de diversão, livros, jornais, revistas e quadrinhos.

Um dos efeitos da convergência dos meios e comunicação para a sociedade consumista é o “telecocooning ”; essa tendência, observada entre a juventude japonesa, é a influência da telefonia móvel sobre esses jovens, que acordam juntos, trabalham juntos, comem juntos e vão para cama juntos, embora vivam a quilômetros de distância um do outro.

Como salienta Jenkins (2008, p.76) em seu subtítulo “as mídias tradicionais são passivas, as mídias atuais participativas, elas existem e estão em rota de colisão, bem-vindo à revolução do conhecimento, bem-vindo à cultura da convergência”.

Na cultura da convergência faz parte da existência das organizações observarem que com o processo e os ciclos de vida dos produtos mais curtos e os custos mais altos de pesquisa e desenvolvimento sofisticados, de alta tecnologia – bem como os custos adicionais de marketing envolvidos no lançamento de novas linhas de produtos – levam muitas empresas a se reunirem para partilhar informações estratégicas e, também, a juntar recursos e partilhar custos como uma forma de ficar à frente no jogo e de se garantirem contra perdas em uma economia ciberespacial em um ritmo cada vez mais acelerado, mais volátil e volúvel. Partilhar perdas de processos e tecnologias fracassados fornece um tipo de seguro coletivo, permitindo a todos os participantes permanecer no jogo.

A ERA DO ACESSO

Rifkin, (2001, p. 5) caracteriza que “em um mundo de produção customizada e atualizações contínuas e de ciclos de vida cada vez mais breves, tudo se torna quase imediatamente desatualizado”. A Era do acesso é regida por um conjunto totalmente novo de pressupostos de negócio que são muito diferentes daqueles usados para administrar na era do mercado, os mercados cedem às redes, os vendedores e compradores são substituídos pelos fornecedores e usuários e praticamente tudo é acessado.

A mudança da propriedade para o acesso também contém mudanças profundas. Na Era industrial, quando produzir bens era a forma mais importante de atividade econômica, ter propriedades era essencial para a sobrevivência física e para o sucesso. Na nova Era, em que a produção cultural está se tornando cada vez mais a forma dominante de atividade econômica, assegurar o acesso aos vários recursos e experiências culturais que alimenta a existência psicológica de uma pessoa torna-se tão importante quanto manter posses.

Rifkin (2001) ressalta o conflito entre a cultura e o comércio, salientando que estamos viajando para um novo período em que um número crescente de experiências humanas é comprado na forma de acesso a redes multifacetadas no ciberespaço.

Em um mundo em que o acesso à cultura humana é cada vez mais transformado em commodity e mediado pelas corporações globais, as questões de poder institucional e liberdade se tornam mais destacadas do que nunca.

A mudança no comércio primário do espaço geográfico do ciberespaço representa uma das maiores mudanças na organização humana e precisa ser entendida adequadamente, na medida em que traz consigo grandes mudanças na própria natureza da percepção e da comunicação social.

Como os processos de produção, os equipamentos e os bens e serviços se tornam obsoletos mais rapidamente em um ambiente mediado eletronicamente, a propriedade de longo prazo se torna menos aceitável, enquanto o acesso de curto prazo se torna uma opção mais frequente. A inovação acelera e o giro de produtos ditam os termos da nova economia em rede. O processo é exigente e incansável. (RIFKIN, 2001, p.16).

A economia conectada, a Era do acesso irrestrito, a produção desenfreada mostram evidências que a redução nos ciclos de vida dos produtos tem, em contrapartida, a menor atenção dos consumidores. Com milhares de novos produtos entrando e saindo do rapidamente do mercado a um ritmo cada vez mais acelerado, é natural esperar que o consumidor fique mais impaciente e que a atenção do consumidor diminua. O intervalo entre o desejo e a gratificação está se aproximando da simultaneidade à medida que os consumidores passam a esperar uma variedade maior de novidades nos produtos e serviços, com uma velocidade ainda maior.

Segundo Rifkin (2001, p. 21), “a economia física está encolhendo, se na Era industrial foi caracterizada pelo açulo de capital e de propriedade, a nova Era valoriza as formas intangíveis de poder vinculadas a conjuntos de informações e ativos intelectuais”.

A Era de acesso presencia o nascimento da economia de serviços, desta forma o mercado passa a ser o grande mentor receptivo deste novo processo possibilitando, dessa forma, transações, trocas e relacionamentos. Para Rifkin (2001, p.25) “a população não depende mais de organizações sociais na forma de família, amigos, vizinhos, comunidade, idosos, crianças, mas com poucas exceções deve ir ao mercado, e apenas ao mercado, e não para comprar alimentos, roupas e abrigos, mas também para recreação, divertimento, segurança, para o cuidado das crianças, dos idosos, dos doentes, dos deficientes. No momento, não só as necessidades materiais e de serviços, mas também os padrões emocionais de vida são canalizados por meio do mercado”.

A Era do acesso é definida, acima de tudo, pela crescente transformação em commodity de toda a experiência humana. Manter a atenção de vendedores e clientes na nova economia de rede em ritmo acelerado, em mudança constante, significa controlar o máximo de tempo possível. (RIFKIN, 2001, p. 25)

Com a economia de rede, a contínua desmaterialização dos bens, a relevância cada vez menor do capital físico, a ascendência dos ativos intangíveis, a metamorfose de bens em serviços puros, a mudança no comércio first-tier de uma perspectiva da produção para uma perspectiva de marketing e a transformação de relacionamento e experiências em commodities, todos esses elementos fazem parte da reestruturação radical que está ocorrendo na economia global high tech, à medida que parte da humanidade começa a deixar os mercados e a troca de propriedade para trás, em sua viagem ruma à Era do Acesso.

FENÔMENOS SOCIAIS NOS NEGÓCIOS

Fenômenos sociais nos negócios demonstram que o marketing sutil em uma comunidade é quatro vezes mais eficaz do que as mídias tradicionais. Exemplifica como empresas como a Dell se transformaram quando incluíram a inteligência de seus consumidores em quase todos os seus departamentos e como uma vinícola sul-africana multiplicou suas vendas por 10 quando explorou o poder de blogueiros, YouTube, Facebook e todas as outras ferramentas do arsenal da tecnologia social. Fenômenos sociais nos negócios nos apresentam um novo modelo de comportamento o groundswell.

Segundo Li & Bernoff (2009, p.111)

o groundswell é um movimento espontâneo de pessoas que usam ferramentas on-line para se conectar, assumir o controle de suas experiências e obter o que precisam – informação, auxílio, ideias, produtos e poder de barganha uns dos outros.

O movimento groundswell é disseminado, sempre em mudança, e sempre em crescimento. Ele abrange blogs, wikis, podcasts, YouTube, facebook, twitter etc; e consumidores que atribuem notas a produtos, compram e vendem uns dos outros e fazem os próprios negócios.

Os autores construíram uma escala tecnográfica social, que demonstram o grau de participação no groundswell.
• Criadores – Altamente ativos, criando conteúdo original e relevante em diversos formatos (aúdio, vídeo, texto, fotos);
• Críticos – Participam ativamente de blogs com comentários, fóruns, wikis e review de produtos;
• Coletores – Utilizam RSS para receber notícias, tagueiam fotos e sites;
• Participantes – Mantém perfis em sites de relacionamento;
• Espectadores – Leem blogs, assistem vídeos de outros usuários, escutam podcasts etc., porém não participam com conteúdo;
• Inativos – Nenhuma das opções acima (acho que não têm acesso à internet)
É proposto um cenário método para compreender de forma sistemática as estratégias sociais. Esse método denominado pelos autores de POST, agrega o P de pessoas, O de objetivos, S (strategy) de estratégia e T de tecnologia.

Para Li & Bernoff (2009), ao analisar o P de pessoa, o importante é avaliar como seus clientes se engajarão, com base no que eles já estão fazendo. Você pode construir estratégia de relacionamento social completa e descobrir que seus clientes estão mais inclinados a escrever criticas do que a participar de redes de relacionamento. O objetivo caracteriza-se como a etapa mais importante, pois é determinante que se defina o marketing, gerar vendas ou energizar seus clientes, por exemplo. Essa etapa é complementada por cinco processos: escutar, falar, energizar, apoiar e incluir. Esses processos estão relacionados diretamente com as funções dos negócios de sua empresa. A estratégia está voltada a obter o cenário que você quer caracterizar do groundswell em relação a sua empresa. E a tecnologia determinada qual aplicativo se pretende construir: blogs, redes sociais etc.

Como a tecnologia e seus efeitos na sociedade e nos negócios são inevitáveis para uma sociedade em rede, as empresas necessitam estar a par das novas ferramentas, tecnologias e comportamentos para tê-las como aliada e não como ameaça. Em um mercado no qual o tempo, a rapidez e a agilidade são as palavras da nova geração tecnocêntrica, estar alinhado com as tendências, os novos comportamentos são fundamentais.

HIGH TECN HIGH TOUCH

Como a alta tecnologia caminha para a alta definição e o sensor tátil, é inevitável resistir a essa tendência. A exploração da sensibilidade humana como o toque já é linguagem corriqueira no mundo da tecnologia. As novas gerações já aprendem desde antes da fala e do significado o “toque” e “arraste”. Em high tech high touch, Naisbitt e Philips (2000) alertam sobre os prós e contras da alta tecnologia no cotidiano do ser humano. São enumerados alguns dos sintomas da intoxicação high tech, como: o favorecimento as soluções fáceis, da religião à alimentação; entre os opostos como temer e cultuar a tecnologia; a possibilidade em confundirmos o real e o falsificado; passarmos a aceitar a violência como normal; gostar da tecnologia como brinquedo; acabarmos nos alienando e passando a vida distanciados e distraídos.

Os autores apresentam a tecnologia como sendo a moeda corrente da nossa vida e identificam a “tecnologia do consumidor”. Segundo, Naisbitt & Philips (2000, p. 53)

a tecnologia do consumidor está mudando a maneira como entendemos o tempo, reduzindo-o, mastigando-o e comprimindo-o. A tecnologia da atualidade é um motor que se renova indefinidamente e é acionado por graus de aperfeiçoamento, por acréscimo e por recarregamento.

O alarde pela cautela com o high tech aparece claramente no ciclo vicioso que procuramos a tecnologia e como necessitamos dar sequencia permanente na atualização do que já temos.

Um estudo demonstrou que a quantidade de tecnologia que temos em nossos lares para economizar mão-de-obra, para simplificar, para reduzir o tempo, que promete mil coisas, pouco faz, efetivamente, para reduzir a quantidade de tempo que despendemos para realizar pequenas tarefas domésticas. Porém, continuamos obcecados com a produtividade e a eficiência. (NAISBITT; PHILIPS, 2000, p. 51 – 52).

A questão levantada pelos autores é “em uma sociedade saturada de tecnologia do consumidor, como estamos passando nosso tempo?” Tudo foi proposto para facilitar nossa vida no dia-a-dia, de controle remoto para mudar canais, aumentar ou diminuir o som a carros com vidro automático, ajustes de acento, retrovisores, não necessitamos nem ficar trocando as marchas com o surgimento do câmbio automático. Nossa vida está de tal modo mergulhada na tecnologia, que a aquisição de mais tecnologia surge naturalmente.

Como a tecnologia de consumo é onipresente, a transferência do cenário interno para externo era questão de tempo. Hoje existem cidades programadas e construídas em forma high tech, como a Celebration, na Florida, Estados Unidos, desenvolvida pela Walt Disney Company; mesmo sendo um projeto de 1995, 18 anos se passaram e mesmo assim é admirável. De escola ao transporte público, o projeto envolve educação, lazer, entretenimento, economia, cultura e todo um cenário de uma grande metrópole. O impressionante é o sistema de “anel de Java” que as crianças utilizam para pagar seus lanches na escola, high tech pura.

Os autores afirmam que a mensagem é high touch, seu meio é high tech. Partindo das tecnologias mecânicas e de informações dos computadores, da internet e das telecomunicações até as tecnologias genéticas que estão transformando a ciência biológica e a arte, high tech, high touch, revela o poder emergente que temos sobre nosso destino e a necessidade de uma bússola moral para nos guiar. Esses são os conselhos dos autores para que utilizemos com sabedoria e discernimento a tecnologia de consumo para não nos tornarmos alienados ao processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da cultura do consumo ao império do imediato, do tempo como fator determinante da sociedade de consumo ao descarte inabalável do produto como mercadoria ultrapassada, a tecnologia agrega e transforma a sociedade contemporânea.

O mercado se transforma e se adapta à medida que uma nova tecnologia surge. A velocidade foi o fator a ser perseguido. A transformação do conceito de marketing não pode negligenciar a influencia da tecnologia na sociedade. Os prosumidores surgiram de forma sorrateira e permanente, assim como as mídias sociais expressivas e colaborativas.

O amadurecimento e ajustamento que os meios de comunicação tiveram abriram espaço para novos cenários e perspectivas de tecnologia de baixo custo e acessível a classes sociais mais desprovidas. O entendimento necessário para a sobrevivência, que as empresas passaram a praticar, transformou-as em mais empresas participativas e colaborativas com o mercado consumidor, fatores que fortaleceram as redes sociais. O marketing enxergou na cocriação e na comunização o futuro de sua existência, assim como a atenção aos valores humanos.

A revolução do conhecimento mostrou, via internet e novas tecnologias, que não havia mais monopólio do conhecimento, pois esse transitava livre, rápido e cada vez mais simplificado. A cultura da convergência propõe aos meios de comunicação uma cultura participativa e coletiva e sustenta que esta é mais do que uma mudança tecnológica, é uma mudança cultural. A Era do acesso reforça que a mudança da propriedade, existente na Era industrial, dá espaço ao pensamento mais amplo da Era cultural. Os fenômenos sociais, praticados pela sociedade em rede e impulsionados pela agilidade da tecnologia e dos novos meios de comunicação, são vistos pelas empresas de forma extremamente lucrativa e confiável.

A transformação do high tech high touch passa por uma realidade sem volta e as adaptações são praticas pela sociedade de consumo de forma natural e permanente.

O insight da tecnologia, tanto para o mercado como para o consumidor, deve ser compreendido da forma em que não podemos deixar mais de participar, atualizar e usufruir deste processo, como é irreversível precisamos praticá-lo de forma saudável, agradável e divertida para não sofrermos as alienações indesejadas.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. (Ciências Sociais passo-a-passo, 49).

DI FELICE, Massimo; PIREDDU, Mario. Pós humanismo: as relações entre o humano e a técnica na época das redes. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2010.

GADE, Christiane. Psicologia do consumidor e da propaganda.2. ed. rev. e ampl. São Paulo: EPU, 1998.

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GOVERNANÇA E O DIREITO À EDUCAÇÃO

GOVERNANÇA E O DIREITO À EDUCAÇÃO

GOVERNANCE AND THE RIGHT TO EDUCATION

DOUGLAS PREDO MATEUS

Mestre em Direito Internacional
UNIBR – Faculdade de São Vicente
E-mail: douglasmateus@uol.com.br

Resumo

O termo “governança” vem sendo cada vez mais utilizado, transformando-se numa palavra muitas vezes vazia de sentido. Partindo da conceituação de governança e enfrentando o direito fundamental à educação nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e no ordenamento jurídico nacional, demonstramos a existência de algumas ferramentas de governança na educação e especialmente no tocante ao acompanhamento da utilização dos recursos públicos nessa área.

Palavras-chave: Governança, educação, recursos públicos

Abstract

The word “governance” has been used nowadays more and more, becoming a meaningless word. Adopting the concept of the word “governance” and according to the International Human Rights Treaties and the national law, we demonstrate the existence of governance tools in education and, specially, in monitoring the use of public resources in this area.

Key-words: governance, education, public resources

GOVERNANÇA

O termo “governança” vem sendo cada vez mais utilizado, transformando-se numa daquelas palavras ou expressões que todos utilizam, mas não têm muita certeza do que se trata; têm uma (vaga) ideia. Tal utilização “desenfreada” acaba, com o tempo, por “esvaziar” a expressão, deixando-a vazia de significado.

O Banco Mundial (1992, p. 1), em documento de 1992, define governança como “exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo”. (SANTOS 1997 apud GONÇALVES, 2005) entende que governança refere-se a:

Padrões de articulação e cooperação entre setores sociais e políticos e arranjo institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico.

Segundo Rosenau (2000, p. 15)

Governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências.

Para a Comissão sobre Governança Global (1992 apud GONÇALVES, 2005):

Governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns.

Por fim, Gonçalves (2005, p. 2) define governança como:

Meio e processo capaz de produzir resultados eficazes, sem necessariamente a utilização expressa da coerção. Mas a governança não exclui a dimensão estatal: ao contrário, acaba por envolve-la. Governança diz respeito, como já ressaltado (…) à “totalidade das diversas maneiras” para administrar problemas, com a participação e ação do Estado e dos setores privados. É evidente, porém, que a dimensão não-estatal é o traço proeminente e de certa forma inédito trazido pela governança ao debate e à formulação de políticas e de ações nos planos nacional e internacional.

DIREITO À EDUCAÇÃO

O direito fundamental à educação apesar de seu precedente histórico foi previsto pela primeira vez em um documento internacional no Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Diz o artigo 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976, p. 5) em seu parágrafo 1º, que os Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa à educação e concordam em que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A educação deverá capacitar ainda, todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover a paz.

No mesmo sentido, (Ibid.) o parágrafo 2, do citado artigo:

2. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito:
a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.
b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. (MAZZUOLI, Org., 2004)

No Brasil a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, reconhece a educação como direito social . Mais à frente, no art. 205, estabelece:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Na sequência, o artigo 208 especifica:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
(…)
IV- Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
(…)
§ 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º. O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Complementa o artigo 211:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
(…)
§ 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

O ordenamento constitucional vigente, todavia, prevê o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito como direito público subjetivo, a progressiva universalização do ensino médio gratuito, mas ainda não garante o acesso ao nível superior, ensejando medidas do Estado para a efetiva implementação do direito à educação

DIREITO À EDUCAÇÃO E GOVERNANÇA

Como visto a educação é direito público subjetivo da população frente ao Estado. Na prestação desta especifica política pública, qual seja garantir o exercício de fato do direito à educação, garantido pela Constituição, o Estado, na busca dos resultados eficazes, divide a administração dos problemas com setores não estatais, num modelo com algum grau de governança, como a seguir demonstraremos.

No âmbito federal, já em 1961, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro, criou o Conselho Nacional de Educação, com atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro, “de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” . Os conselheiros são escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, devendo pelo menos a metade ser indicados em listas elaboradas, mediante consulta a entidades da sociedade civil, nos termos do art. 8º, § 1º; e têm mandato de quatro anos, sendo que a cada dois anos há renovação de metade das Câmaras.

Tal mecanismo de participação da sociedade se repete no âmbito dos Estados. No Estado de São Paulo, por exemplo, o Conselho Estadual de Educação foi criado pelo artigo 1º, da Lei nº 7.940, de 7 de junho de 1963, e reorganizado pela Lei nº 10.403, de 6 de julho de 1971.

O Conselho Estadual de Educação tem como competências, dentre outras: a formulação dos objetivos e das normas para a organização do Sistema de Ensino do Estado; fixar critérios para o emprego de recursos destinados à educação, e fixar normas para a instalação e funcionamento de estabelecimentos de ensino públicos ou privados. O mandato dos conselheiros é de três anos, permitida a recondução.

Ampliando um pouco mais este leque de participação, a Lei Complementar estadual nº 444, de 27 de dezembro de 1985 , que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Paulista, em seu artigo 95 cria os Conselhos de Escola, de natureza deliberativa, no âmbito de cada Unidade de Ensino, tendo em sua composição, vinte e cinco por cento de alunos, vinte e cinco por cento de pais de alunos, além de docentes, especialistas de educação e demais funcionários da escola. Os membros são escolhidos entre seus pares, mediante processo eletivo.

Este conselho tem como atribuições deliberar sobre: diretrizes e metas da unidade escolar; alternativas para problemas de natureza administrativa e pedagógica; prioridades para aplicação de recursos da Escola e das instituições auxiliares; penalidades disciplinares a que estiverem sujeitos os funcionários, servidores e alunos da unidade, entre outras.

Em relação aos recursos para a manutenção e desenvolvimento da educação básica, também se pode afirmar que ocorre governança em algum nível, mais especificamente no tocante à fiscalização do emprego dos recursos.

A Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF prevê em seu artigo 4º, a criação de Conselhos de Acompanhamento e Controle Social, nas três esferas de poder, compostos por representantes dos segmentos envolvidos, vale dizer: representantes do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação ; dos Poderes Executivos Municipais, do Conselho Estadual de Educação, dos pais de alunos e professores das escolas públicas, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da delegacia regional do MEC ; dos professores e diretores das escolas públicas, dos pais de alunos e dos servidores das escolas , além, de representantes do órgão educacional do respectivo Poder.

Convém citar que a sistemática de financiamento da educação pública sofreu recente alteração por conta de emenda constitucional, que ampliou o rol de beneficiados pelo citado fundo. O anteprojeto de lei para a regulamentação da nova sistemática do fundo, prevê a ampliação dos Conselhos de Acompanhamento nas três esferas.

Parece-nos, dessa forma, que conseguimos demonstrar a existência de algumas ferramentas legais existentes para garantir, ainda que um pouco timidamente, a ocorrência de governança na educação nacional como um todo e no financiamento da educação especificamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos dados trazidos podemos afirmar que internamente existem ferramentas legais com vistas a garantir a governança tanto no tocante à fiscalização e gestão especifica dos recursos financeiros como no delineamento das políticas a serem implantadas visando garantir o acesso ao direito à educação.

Falta, contudo, o desenvolvimento e a formação de uma cultura de participação, para que os interessados e envolvidos no processo, sejam alunos, professores, gestores ou simplesmente membros da sociedade civil, participem nas respectivas instâncias contribuindo na elaboração, no acompanhamento e na fiscalização das políticas.

O atual estágio de nosso desenvolvimento civilizatório não permite mais do que sob a alegação de não conhecimento acadêmico ou profissional, parcelas da sociedade sejam alijadas, impedidas de participar na elaboração das políticas. É imprescindível, até por exigência legal, a participação mais ampla possível dos envolvidos no processo educacional, como forma de democracia e de accountability.

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