Arquivo da categoria: Volume 1, nº 2 (2012) – 28 DE FEVEREIRO DE 2013

O uso dos indicadores financeiros como fonte de tomada de decisões

O USO DOS INDICADORES FINANCEIROS COMO FONTE DE TOMADA DE DECISÕES

THE USE OF FINANCIAL INDICATORS AS A SOURCE OF DECISION-MAKING

Prof. Ms. Dorival Paula Trindade

Pós-Graduado em Marketing (MBA-FGV),
Mestrado em Gestão de Negócios – UNISANTOS

dorival@unibr.edu.br

Rebeca Rebouças Prisco de Souza

Graduada em Arquitetura e Urbanismo – UNISANTOS
Mestranda em Gestão de Negócios – UNISANTOS

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar como a administração contábil e financeira pode contribuir com o planejamento estratégico das empresas, gerando informações suficientes para tomada de decisões que levarão a melhoria da performance da organização e, consequentemente, refletir na própria rentabilidade e lucro. O estudo questiona a contabilidade tradicional e parte do princípio de que as empresas produzem dados suficientes que, bem organizados, podem produzir informações em formatos de indicadores de desempenho para uso em tempo real. Dentre todos os métodos disponíveis e utilizados nas grandes empresas observou-se que utilizam o Balanced Scorecard em suas diversas variações, e com o uso de tecnologia permitem não só ser um instrumento de gestão como também ser uma vantagem competitiva estratégica. O resultado da análise comparativa das principais ferramentas e seus formatos de registros de dados demonstra que é possível essa metodologia também ser utilizada desde nas micro e pequenas empresas até empresas de grande porte. Por intermédio de pesquisa bibliográfica são analisados todos os mecanismos de administração financeira e contábil que possibilitam interferir na organização, planejamento, gestão e controles das empresas, sendo apontado, ao final do artigo, o melhor dos métodos, considerando as qualidades mais valorizadas pelos analistas de investimentos e gestores.

Palavras-chave: Administração financeira, Decisões, Indicadores, Contabilidade.

Abstract

This article aims to analyze how the accounting and financial management can contribute to corporate strategic planning, generating enough information to make decisions that will lead to improved performance of the organization and, consequently, reflect on their own income and profits. The study questions the traditional accounting and assumes that firms produce enough evidence, well organized, can produce information in formats for use performance indicators in real time. Of all the methods available and used in large companies found that using the Balanced Scorecard in its many variations, and allow the use of technology not only be a management tool as well as being a strategic competitive advantage. The result of comparative analysis of its key tools and formats of data records show that this methodology can also be used since the micro and small businesses to large companies. The other issue is raised when data alone provide sufficient information for making decisions, but are not always treated and are available to decision makers in a company. Through literature are analyzed all the mechanisms of financial management and accounting that enable interfere in the organization, planning, management and control companies, being appointed at the end of the article, the best method.

Key-words: Financial Management, Decisions, Indicators, Accounting.

INTRODUÇÃO

As empresas que se predispõem a planejar negócios encontram a disposição vários modelos e ferramentas de planejamento e controle. Esses diversos instrumentos de administração gerencial podem ser implementados de forma isolada ou combinados. As ferramentas formam modelos de gestão definidas pelas regras de negócio e devem ir ao encontro da visão estratégica dos investidores, em curto, médio e longo prazo.
Neste estudo, o desenvolvimento ocorre ao redor dos próprios dados produzidos pelas empresas durante suas operações e registros, quer sejam eles automatizados ou não, bem como, aqueles dados pré-determinados como indicadores a serem alcançados pelos gestores e executivos das empresas durante um determinado calendário ou cronograma.
A outra questão levantada no estudo diz respeito à oportunidade em que “dados” viram informações e colaboram na utilização e assertividade das tomadas de decisões. Lembrando sempre que toda organização, sempre ao fim e ao cabo, deverá ter performance positiva, gerando lucro ou sendo superavitária, conforme a personalidade jurídica. O desempenho de lucro ou superávit talvez seja o mais significativo, mas, dependendo da visão e objetivos de curto, médio e longo prazo, pode não ser o objetivo maior da organização. A organização, independente da demonstração de resultado positivo, deverá ter com certeza capacidade de gerar caixa, ou seja, ter no mínimo fluxo de caixa positivo em condições de honrar com todos os compromissos para não expor-se a riscos de concordata e falência. Independente de ser uma pequena, média ou uma grande empresa, lucros e caixa devem ser muito bem controlados e geridos para sustentabilidade e perenidade da empresa.
Partindo dessa premissa, pesquisaram-se as peças de planejamento que se apropriam de regras de administração financeira e orçamentária, bem como, aquelas que apóiam sua avaliação de resultados, e dos planos, baseadas em metas perseguidas pelos gestores.
O sistema capitalista mantém a economia viva, gerando, através da produção, emprego e renda para a sociedade, condições essenciais para a sobrevivência da população mundial. O sistema capitalista exige constantes investimentos e, como conseqüência, o retorno ou a remuneração do capital investido pelos capitalistas.

[…] o principal objetivo econômico da empresa é a otimização a longo prazo da taxa de retorno do capital próprio nela empregado. Para tanto, ela vai buscar a melhor taxa de retorno através de medidas de eficiência no processo de conversão de recursos, implantando um sistema de planejamento que levará em consideração os fatores capazes de influenciar a alocação dos recursos limitados da empresa entre as oportunidades que forem levantadas. (ANSOFF, 1991, p. 122)

Nesse sentido, iniciaram-se as análises pelos antigos sistemas tradicionais como registros contábeis; demonstração de resultados; e, orçamentos contábeis e, para melhor entendimento, os levantamentos e pesquisas bibliográficas utilizadas como método de pesquisa desse estudo, focou-se então nas empresas capitalistas.
O sistema capitalista produz um volume significativo de dados, gerando indicadores econômicos e financeiros, muito apreciados pelos analistas de investimentos e analistas de riscos de crédito por ordem de instituições financeiras. A proposta é analisar quais desses dados gerados transformam-se em informações para emprego nas tomadas de decisões; bem como, podem funcionar como planejamento estratégico empresarial gerando vantagens competitivas no negócio que resultará, além da perenidade da empresa, em mais valor para os acionistas.
Os planos orçamentários utilizados pelas empresas como forma de planejamento estratégico para norteá-las em ações futuras e orientação dos componentes da organização foi questionado recentemente; em 1977, na Europa, um grupo de pesquisadores¹ reuniu-se para desenvolver um modelo de gestão sem orçamento, justificando que alguns planos mais atrapalham a organização do que produzem resultados, forçando a até seus executivos partirem para ações antiéticas a fim de cumprirem o orçamento. Dessa forma, traçou-se um paralelo de comparação com o sistema de gestão de empresas com orçamento e empresas sem orçamento que ficou conhecido como beyond budgeting abrindo espaço para os gestores refletirem, então, qual o melhor modelo de administração financeira conforme os propósitos do negócio e da empresa.

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¹ BBRT – Beyond Budgeting Roud Table (Orçamento além da mesa redonda).

Depois de implantado, todo planejamento deve ser controlado para garantir sua eficácia e a satisfação dos investidores. Com esse enfoque, também a partir de 1997, as empresas começaram a adotar sistemas de indicadores de desempenho aliados aos modelos tradicionais de gestão e controles financeiros.  O E.V.A. – Economic Value Added (valor econômico adicionado) e BSC – Balanced Scorecard (indicadores de desempenho balanceados) passaram a ser amplamente discutido e implantado nas empresas. Em especial com o uso de sofisticados programas computacionais que integram todas as bases de dados, levantam dados produzidos nas operações diárias das organizações, que, dependendo do sistema, pode ser feito em tempo real, como no caso dos ERP². Esses, por intermédio de indicadores de desempenho, transformam toda a administração e controle em números, facilitando em muito o entendimento e o envolvimento de todos os colaboradores em todos os níveis da empresa, em qualquer localização geográfica mundial, com foco em resultado.

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² ERP – Enterprise Resource Planning: Os ERPs em termos gerais, são uma plataforma de software desenvolvida para integrar os diversos departamentos de uma empresa possibilitando a automação e armazenamento de todas as informações de negócios.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA

1. Administração, Planejamento e Gestão

Administração, na visão de Maximiano (2006, p.44), é  o processo de tomar decisões sobre os objetivos e utilização de recursos. O processo administrativo abrange cinco tipos principais de decisões, também chamadas processos ou funções: planejamento; organização; liderança; execução; e, controle.
No aspecto tomar decisões, decidir antecipadamente significa planejar (FREZATTI, 2006, p.99). Decidir implica em optar por uma alternativa de ação em detrimento de outras disponíveis, mas esta, como a mais sensata de todas. Nesse contexto, constitui-se em controlar seu próprio futuro, prever aquilo que todos podem considerar imprevisível. Isso faz a diferença em uma organização orientada para resultados –  vantagem competitiva.
Capezio (2002, p.134) acrescenta que planejamento é definido como o ato ou processo de estabelecer ou manter metas, políticas e procedimentos para uma unidade de trabalho. Além da organização da gestão com olhar holístico, com o planejamento é possível prever o futuro e, ao perseguir pela execução, é possível fazê-lo acontecer.  O planejamento ajuda  a empresa a realizar suas operações de forma organizada, previsível e a poupar recursos que por vezes poderiam incorrer em custos desnecessários. É possível também, através do planejamento, estabelecer prioridades e traçar planos de contingências para evitar surpresas, dado a dinâmica dos mercados.
Drucker (1999 apud Maximiano, 2011, p. 62) aponta que a “finalidade do processo de planejamento é enfrentar a incerteza do futuro”.
Planejar consiste em tomar três tipos de decisões:

  • Definir o objetivo – qual a situação deverá ser alcançada;
  • Definir um ou mais cursos de ação – Caminhos para atingir o objetivo; e,
  • Definir meios de execução – previsão dos recursos necessários para realizar o objetivo.

Mesmo com todas as críticas que os processos de planejamento vêm sofrendo, as quais Neves (2009, p.78) aponta como rápidas mudanças nos ambientes de mercado; econômicos; de tecnologia; falta de realismo; e, inflexibilidades  o planejamento é fundamental, visto que, grande parte das falências e problemas de empresas vêm dessa  falta de atividade gerencial. Sabe-se das dificuldades encontradas em planejar, no entanto, experiências mostram que mesmo considerando as dificuldades ou transtornos do planejamento, sem ele a empresa fica muito mais vulnerável.
Um ponto importante é não deixar que o planejamento seja apenas um relatório engessado, com acesso restrito a poucos gestores; deve ser um instrumento flexível e dinâmico na mesma velocidade que os ambientes internos e externos se movimentam. Deve ser um documento ou ferramenta de diagnóstico e não só de futurologia. Todos os colaboradores devem participar na sua elaboração, considerando os níveis de competência de cada um.
A figura dos gestores, qualquer que seja o nível dentro da organização, é fundamental importância; são eles que fazem as coisas acontecerem. Gestão de empresas supõe a existência de uma instituição a ser administrada ou gerida, ou seja, um agrupamento de pessoas que se relacionem num determinado ambiente, físico ou não, orientadas para um objetivo comum que é a empresa.

2. Administração Financeira

Analisam-se, a seguir, as várias formas de administração financeira em uma organização, sob a ótica de especialistas e, ao final, produziu-se um quadro comparativo entre elas.

2.1 Contabilidade

Registros dão conta que, desde que a contabilidade foi criada há 8.000 anos a.C., destacando-se os estudos dos sumérios, babilônios, egípcios, chineses e romanos, e sua evolução no século XVIII com a as partidas dobradas, sempre foi utilizada como instrumentos de aplicação prática (PARADA, 2010, p.254).
Na realidade, a contabilidade surgiu da necessidade dos gestores do patrimônio das entidades, geralmente proprietários, preocupados em ter um instrumento de controle de seus ativos, passivos, e patrimônio líquido, obterem informações sobre seus custos e serviços mais rentáveis, bem como, conhecer seus resultados indicados através de demonstrativos financeiros como, Balanços e Demonstração de Resultados (DRE), onde, ao fim e ao cabo, a principal informação era, e ainda, é em algumas análises rasas, se a operação é lucrativa/superavitária ou não. Isso se dá pelo modelo estático e focado em registros de operações passadas.
Com o tempo, os instrumentos contábeis-financeiros passaram a dar suporte às tomadas de decisões, tanto para os donos do negócio, assim como, para futuros investidores; pouco a pouco foi percebida sua capacidade de auxílio no planejamento de projetos e ações futuras. A contabilidade desdobrou-se em ferramentas para esses fins. As principais mudanças surgiram com peças de orçamento mais analíticas e detalhadas, e planilhas de fluxo de caixa.
Assaf Neto (1997) foi muito mais além e amplia com a necessidade do uso de indicadores financeiros conforme justifica abaixo:

As decisões financeiras de empresas inseridas em economias em desenvolvimento requerem uma reflexão mais crítica de seus aspectos conflitantes, exigindo adaptação à realidade dos negócios. O processo de tomada de decisões reflete a essência do conceito de administração. Administrar é decidir e a continuidade de qualquer negócio depende da qualidade das decisões tomadas pelos seus administradores, nos vários níveis organizacionais. Estas decisões, por sua vez, são tomadas com os dados e as informações viabilizadas pela contabilidade, levantadas pelo comportamento do mercado e desempenho interno das empresas através de indicadores. (ASSAF NETO, 1997, p.1)

2.1 Orçamento

O orçamento empresarial é um instrumento imprescindível para previsão de receitas e despesas, sua importância está em prever e classificar os gastos para um determinado período e de onde poderão vir os recursos necessários para cobri-los. Outra função básica além do planejamento é o controle através da execução, para que não ocorram desvios substanciais e sem justificativas fora do que foram orçados e, levantados recursos caso necessários para dar vazão ao custeio da empresa. É também um instrumento fundamental na elaboração de projetos, por seu intermédio é possível verificar a viabilidade ou capacidade de execução.

O orçamento após executado é fonte de informações para orçamentos futuros. Como controlar significa obter informações que são a base do processo decisório, a administração da empresa deve focar tanto o planejamento como o controle orçamentário (MAXIMIANO, 2011, p.268).

Nesse sentido, o controle orçamentário é um instrumento da contabilidade gerencial que deve permitir à organização identificar quão próximos estão seus resultados ao que foi planejado para dado período ou projeto. Assim, nessa abordagem, conforme Frezatti (2006, p.), o gestor deve identificar suas metas, os resultados alcançados, as variações numéricas entre eles, analisar, entender as causas da variação e decidir ações que ajustem as metas no futuro ou que permitam manter aquelas que foram decidas.

2.1 Orçamento – Beyond budgeting

Em 1997, foi criado um grupo de pesquisadores na Europa para estudar uma nova proposta para os tradicionais orçamentos empresariais. Partem do princípio que os orçamentos tradicionais são planos estáticos e pouco dinâmicos e que, por vezes, podem até atrapalhar ou engessar o desenvolvimento das empresas. Entendem que o sistema tradicional é pouco flexível e centralizado, via de regra, na unidade da corporação que faz a contabilidade da empresa e com pouca ligação com o mercado e sua dinâmica.
Segundo Campos e Kron (2010), a gestão orçamentária é muito criticada por não estar adaptada as regras atuais de negócio e dinâmicas de mercado:

A gestão orçamentária é muito criticada por estimular comportamentos antiéticos dentro das empresas e também por estarmos num ambiente de mudanças contínuas e constantes. O mercado é imprevisível e altamente competitivo e o modelo desenhado na Era Industrial não atende mais o mercado dinâmico atual. Na era industrial, o mercado apresentava-se constante. Atualmente, nosso ambiente é muito disputado e instável e continuamos a gerenciar da mesma forma que na era industrial. (CAMPOS; KROM, 2010, p. 3096)

O Beyond Budgeting é um modelo de gestão que propõe a adoção de princípios que podem tornar uma empresa mais competitiva e adaptável às mudanças. Os princípios baseiam-se na descentralização de poder e flexibilização de processos. Os orçamentos devem ser planejados e instrumentalizados pelas diversas unidades de negócios, com autonomia e confiança dos executivos e acionistas da empresa. Os orçamentos servem de base para a aplicação de metas, gestão de recursos financeiros, avaliação do desempenho das equipes, entre outras funções, mas o Beyond Budgeting demonstra que há muitas ferramentas que permitem a substituição dessas funções com muito mais eficácia. A substituição dos orçamentos não é uma tarefa fácil de ser implementada, por isso é lenta e depende da mudança da cultura organizacional como um todo.
Talvez a maior vantagem no uso dessa metodologia é basear o planejamento, administração e principalmente o controle nos benchmark³ interno e externo, deixando esse instrumento sempre adaptável ou ajustável às novas condições do ambiente.

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Benchmark é a busca das melhores práticas na indústria que conduzem ao desempenho superior. É visto como um processo positivo e pró-ativo por meio do qual uma empresa examina como outra realiza uma função específica a fim de melhorar como realizar a mesma ou uma função semelhante.

2.2 Fluxo de Caixa

Fluxo de Caixa refere-se ao montante de entrada e saída de dinheiro no caixa da empresa. É uma poderosa ferramenta de gestão e tomada de decisão e por vezes, ligados a projetos estratégicos do negócio.
Além da capacidade de honrar compromissos e evitar despesas desnecessárias com pagamento de juros e multas, pode ser utilizado para alavancar receitas quando bem analisado os seus ciclos. É possível fazer dinheiro com o próprio dinheiro da empresa quando o saldo de caixa se apresentar positivo em períodos significativos e sem saídas previstas; é possível a aplicação no mercado financeiro do caixa excedente, ou até obter descontos para antecipação de pagamento de obrigações.
Em termos de decisões de investimentos podem-se destacar:

  • Facilitar a análise e o cálculo na seleção das linhas de crédito a serem obtidas;
  • Programar os ingressos e os desembolsos de caixa, de forma criteriosa, permitindo determinar o período em deverá ocorrer carência de recursos, havendo tempo suficiente para as medidas necessárias;
  • Desenvolver uso racional e eficiente do disponível;
  • Fixar o nível de caixa para capital de giro; e
  • Participar e integrar todas as atividades da empresa, facilitando assim os controles financeiros.

O maior benefício do controle do fluxo de caixa é a verificação e atuação rápida dos níveis baixos e constantes, que poderão causar graves problemas financeiros para saldar seus compromissos, e quando essa prática vira rotina levará fatalmente a empresa à concordata e até seu pedido de falência, conforme cita ZDANOWICZ (1986, p. 48).

2.3 Indicadores financeiros

A análise de uma empresa pelos seus indicadores financeiros é a mais conhecida, chegando a ser confundida, para Silva (2001, p. 280), com a chamada “análise de balanço”.
Via de regra, os indicadores financeiros se dividem em quatro grandes blocos conforme tabela a seguir:

INDICADORES FINANCEIROS

Os índices financeiros estabelecem relações entre as contas das demonstrações financeiras e aperfeiçoam as análises de forma direta e prática. A grande vantagem é que ao estabelecerem números relativos é possível transformar dados no balanço ou demonstrativos financeiros comparáveis com outras empresas ou benchmark no mercado. É possível, também, comparar sua evolução histórica numa mesma empresa a partir das comparações ano a ano.
Cada empresa deve estabelecer a quantidade ideal de indicadores conforme o respectivo modelo de negócio e prioridades. A tabela apresentada anteriormente é uma sugestão de índices, existindo várias fórmulas que poderão ser adotadas a critério dos usuários e seus fins. A opção por uma quantidade excessiva de indicadores pode ser custosa e vir a dificultar o trabalho de análise. Em contrapartida, uma quantidade muito pequena pode não ser suficiente para boas e precisas conclusões.
Nos índices propostos na tabela não foram abordados indicadores como o ROI (Retorno sobre Investimentos), Payback (Ciclos de caixa para retorno do capital inicial investido), TIR (Taxa Interna de Retorno), e VPL (Valor presente líquido), geralmente empregados na análise de projetos especiais, investimentos de longo prazo ou de Planos de Negócios, aspectos não considerados nesta pesquisa.

Apesar da contribuição fornecida pelos índices financeiros, é importante destacar que os mesmos referem-se, normalmente, ao passado, quando para o analista o mais importante é saber o presente e ter uma expectativa do futuro. (SILVA, 2001, p.47).

2.4 EVA (Economic Value Added) – Valor Econômico Adicionado

Valor econômico adicionado ou simplesmente valor adicionado ou, ainda, valor agregado é uma noção que permite medir o valor criado pelas empresas. É o valor adicional que adquirem os bens e serviços ao serem transformados durante o processo produtivo, que, neste caso, refletirão no valor das ações dos acionistas.


A informação econômica é mais adequada para o processo de tomada de decisão; várias empresas estão utilizando o EVA – Economic Value Added, marca registrada da Stern Stewart Co., com sede nos EUA, para medir o valor criado ou destruído para os acionistas e gerenciar ativos tangíveis e intangíveis numa visão de longo prazo. Dentre várias fórmulas a mais utilizada pelas empresas é: EVA= Lucro Operacional após o Imposto de Renda – (Capital Investido x Custo de Oportunidade). (ROCHA, 2010, p.56)

Ainda nessa linha,  vemos uma série de métodos dissidentes onde citam-se por exemplo: SVA (Shareholder Value Added), CVA (Cash Value Added), CFROI (Cash Flow Return of Investment), TSR (Total Shareholder Return), REVA (Refined Economic Value Added),e oAEVA (Adjusted Economic Value Added).
Recomenda Ehrbal (1999 apud ROCHA, 2010, p.345) que esse sistema seja um medidor de desempenho para determinar a remuneração (parte variável) dos funcionários da organização, como forma de incentivo para cumprir as metas propostas; metas essas focadas em ações que gerem mais valor aos investidores, particularmente aos acionistas.
O EVA está inserido na Gestão Baseada no Valor que, como um sistema de gestão, orienta decisões baseadas no valor agregado e emprega o EVA visando a tornar tangíveis os resultados obtidos com as ações implementadas. Por sua vez, o EVA é apenas um indicador financeiro que revela, de maneira simples, em valor absoluto, o resultado dessa gestão. É um indicador de curto prazo, que não considera os fluxos futuros.
Conforme exposto, o EVA (Economic Value Added) tem a capacidade de propiciar uma forma de avaliar o desempenho da entidade, levando em consideração a estrutura de capital da empresa e respectivas taxas de remuneração. Com isso, pode ser considerado como um indicador adequado para evidenciar a performance dos gestores na utilização do capital disponibilizado pelos investidores e/ou captado junto às instituições bancárias. Além disso, é capaz de proporcionar uma visão abrangente sobre a pertinência dos recursos aplicados em ativos e sobre o impacto das taxas de captação das principais fontes de recursos.

2.5 ABC (Activit Based Costing) – Custo Baseado em Atividades

ABC (Custo Baseado em Atividades) surgiu com o objetivo principal de aprimorar a alocação dos custos indiretos fixos (overhead4) aos produtos e serviços prestados pelas organizações (SANTOS, 2008, p.453).
Usar a gestão por processo como referência para atribuição de custos a objetos como base em atividades permite à organização mover-se nas duas direções, entre a obtenção de um cálculo exato do custo e a rentabilidade do produto, serviço e/ou procedimento e a identificação de oportunidades para a melhoria contínua da rentabilidade.

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4 Overhead – o termo é utilizado para descrever os custos e despesas que não podem ser alocados diretamente aos produtos.

A importância que se dá à utilização do sistema de custeio ABC é em virtude do mesmo não ser apenas um sistema que dá valor aos estoques, mas também proporciona informações gerenciais que auxiliam os tomadores de decisão, como por exemplo, os custos das atividades, que proporcionam aos gestores atribuírem responsabilidades aos responsáveis pelas mesmas. Um diferencial do sistema de custeio ABC, é que a sua utilização, por exigir controles pormenorizados, proporciona o acompanhamento e correções devidas nos processos internos da empresa, ao mesmo tempo em que possibilita a implantação e/ou aperfeiçoamento dos controles internos da entidade. (ANDRADE, 2010, p. 7)

A implementação do ABC requer uma cuidadosa análise do sistema de controle interno da entidade. Sem este procedimento, que contemple funções bem definidas e fluxo dos processos, torna-se inviável a aplicação do ABC de forma eficiente e eficaz.

2.6 BSC (Balanced Scorecard) – Indicadores de Desempenho Balanceado

O conceito do Balanced Scorecard começou a ser desenvolvido na década de 80 por Norton e Kaplan5 que consideravam que havia um novo desafio para a pesquisa na área de contabilidade gerencial, onde Frezatti (2006, p.23) esclarece muito bem como […] “o novo desfio era estabelecer novas medidas de desempenho e, consequentemente, novos processos de produção.”

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5 David Norton- Executivo principal do Instituto Nolan Nortan (unidade de pesquisa da KPMG – conceituada empresa de consultoria empresarial no mundo) foi o líder do estudo que teve Robert Kaplan como consultor acadêmico (Harvard Business School), para desenvolvimento do conceito Balanced Scorecard motivados pela crença que os métodos tradicionais contábeis e financeiros como medidas de desempenho e colaboratativo para tomada de decisão estavam obsoletos.

Norton e Kaplan (1997, p.342) entendendo que as tradicionais medidas contábeis e financeiras não mais traziam benefícios à gestão de valor para as empresas, tornando difícil a criação de valor econômico para futuro, desenvolveram um estudo de um ano entre empresas intitulado “Avaliação do Desempenho na Organização do Futuro”.
Assim, montaram uma matriz de indicadores financeiros e não financeiros,  estabelecendo indicadores de tendência e indicadores de ocorrência sob o foco de quatro perspectivas  (financeira, clientes, processos internos, e aprendizagem e crescimento) que abrangia o ambiente interno e externo da empresa. Entendem-se como indicadores de ocorrência os registros contábeis ou dados já processados das operações passadas e, como indicadores de tendências, aqueles que podem levar a avaliações de futuros ou previsões baseada no desempenho das operações correntes.
Procurou-se balancear os indicadores, por isso o nome de “balanced scorecard”. O balanceamento ocorria na medida em que os indicadores trabalhavam muito bem os aspectos de curto, médio e longo prazo, bem como, ambientes internos e externos, dados financeiros e não financeiros, alta, média e baixa gerência, enfim, permeava toda a organização e suas formas de planejamento e gestão. Esse conceito foi amplamente difundido e aplicado nas empresas a partir de 1997.

O modelo de balanced scorcard pressupõe que as medidas financeiras, como EVA, retorno sobre o patrimônio líquido ou mesmo residual, ditado como inovador para esses tempos, refletem as transações que já ocorreram, elas consistem um indicador de ocorrência. Em um ambiente competitivo e dinâmico com rápidas mudanças, pode por em risco ou comprometer as decisões, além de não medir se algumas ações estão gerando valor para o futuro. Para medir o futuro o ideal são indicadores de tendência. (FREZATTI, 2006, p.67)

O objetivo nunca foi de substituir os indicadores financeiros e desprezar a contabilidade como instrumento de gestão, mas sim complementá-las com um modelo mais apropriado e abrangente de gestão que se aproveita dos históricos (indicadores de ocorrências) para geração de experiência e competência pelo aprendizado e a elas agrega com medidas operacionais que podem ser vistas como direcionadores da geração de valor no futuro.
Por intermédio do planejamento da visão, missão e valores da empresa são estabelecidos indicadores a serem perseguidos como metas pelos colaboradores, gestores e executivos das empresas. Isso faz com que todos participem do processo e possam acompanhar e contribuir no desempenho global.
As perspectivas, anteriormente citadas, relacionam-se às frentes de atuação que norteiam os indicadores chaves de sucesso empresarial. Vejamos:

  • Perspectiva Financeira – em geral mede a lucratividade, rentabilidade e pelo incremento do valor para o acionista. Kaplan e Norton (1997, p.346) mencionam três estágios: crescimento rápido (vendas, novos mercados, novos consumidores, gastos no desenvolvimento de produtos e processos, etc.); sustentação (medidas financeiras tradicionais – retorno sob o capital investido, lucro operacional, margem bruta, EVA etc.); e, colheita (retorno do negócio).
  • Perspectiva dos Clientes – participação no mercado, retenção, captação, satisfação dos clientes, lucratividade dos clientes, etc..
  • Perspectivas dos Processos Internos – inovação, operação e pós-vendas em geral.
  • Perspectiva de Aprendizado e Crescimento – gestão de pessoas: satisfação dos funcionários, treinamento, retenção, habilidades, etc..

Para Norton e Kaplan (1997) o balanced scorcard produz maior impacto ao ser utilizado para induzir a mudança organizacional devido ao alto grau de comprometimento proposto entre todos os colaboradores da empresa e complementa:

[…] Os altos executivos deverão estabelecer metas para objetivos do scorecard, com três a cinco anos de antecedência, que se alcançadas, transformarão a empresa. As metas deverão representar uma descontinuidade no desempenho da unidade de negócios. Se a unidade de negócios for uma empresa aberta, o preço das ações deverá, no mínimo, dobrar com o cumprimento das metas. […] O Benchmark pode ser utilizado para incorporar as melhores práticas encontradas no mercado e verificar se as metas internas não aprisionam a unidade de negócios num nível inaceitável de desempenho estratégico. (NORTAN; KAPLAN, 1997, p.14)

3. ANÁLISE COMPARATIVA DOS MÉTODOS E CONCEITOS

A análise que se apresenta a seguir, que compara os métodos expostos, foi desenvolvida com base na proposta deste estudo: verificar a administração contábil e financeira como ferramenta de planejamento e controle, bem como, sua efetividade nas tomadas de decisões.
Desenvolveu-se um quadro relacionando os métodos e conceitos mais utilizados, já citados através da revisão teórica no capítulo 2, deste estudo. Foram elencados parâmetros que permitiram realizar comparações com as qualidades mais valorizadas e que devem prevalecer em um instrumento que visa melhorar o desempenho de uma empresa e torná-la competitiva no mercado, além de gerar maior retorno do capital aplicado e satisfação dos investidores.
Não obstante dos controles financeiros sob o aspecto legal e de governança corporativa6 foi considerado que esse estudo também tem condições de aplicabilidade nas pequenas e médias empresas.
Ficou evidenciado que as empresas decidem o que devem fazer antecipadamente, ou seja, antes de o fator requerer a decisão. Planejar o futuro é questão de sobrevivência nesse mercado dinâmico. Uma abordagem adequada do planejamento de negócios é aquela que considera como forma de controle o resultado previsível, ou ao menos, muito próximo a ele.
Para Frezatti (2006) planejamento está intimamente ligado a controle e conclui:

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6 Governança corporativa trata do conjunto de instrumentos de natureza pública e privada, que incluem leis, normativos expedidos por órgãos reguladores, regulamentos internos das companhias e práticas comerciais que organizam e comandam a relação, numa economia de mercado, entre os controladores e administradores de uma empresa, de um lado, e aqueles que nela investem recursos através da compra de valores mobiliários por ela emitidos como, entre outros, os acionistas minoritários e debenturistas.

[…] Planejar sem controlar é uma falácia e desperdício de tempo e energia. Significaria que energia foi despendida pelos gestores decidindo o futuro, sem que possa saber se os objetivos estão sendo atingidos. O controle é fundamental para o entendimento do grau de desempenho atingido e quão próximo o resultado almejado se situou em relação ao planejado. (FREZATTI, 2006, p. 18)

QUADRO COMPARATIVO DE QUALIDADES VALORIZADAS NO PLANEJAMENTO E CONTROLE EMPRESARIAL

Conforme quadro comparativo o menor desempenho pode ser atribuído ao controle via índices financeiros seguidos pela contabilidade tradicional e sua peça orçamentária. Em outras palavras, quer seja por má utilização ou ausência de informações que agregam valor ao futuro da empresa, esses métodos demonstram serem menos apropriados para planejamento e controle das mesmas. Por outro lado, o BSC mostrou-se ser o mais indicado para o uso, pelas razões a seguir mencionadas e refinadas por (FREZATTI, 2006, p. 25):

  • Está relacionado com as conseqüências futuras das decisões;
  • É um método que se inicia com a colocação dos objetivos organizacionais para em seguida, definirem-se as estratégias e políticas para alcançá-los e, por fim, desenvolver planos detalhados para garantir que as estratégias sejam implementadas;
  • É uma atitude, ou seja, é mais do que um exercício intelectual;
  • Gera a ligação entre planos estratégicos, programas de médio prazo, orçamentos de curto prazo e planos operacionais; e
  • Muda a cultura organizacional direcionando os colaboradores, através de compromissos, ao resultado efetivo.

A conexão entre o passado e futuro, o longo prazo e o curto prazo, associando às questões estratégicas e táticas, constituem elementos de extrema relevância para o bom desenvolvimento de um sistema de planejamento e controle de uma organização como um todo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contabilidade é um instrumento que atravessou milhares de anos após sua criação, e pouco, ou quase nada, tem evoluído considerando-se seu tempo de vigência e as tecnologias disponíveis para sua incrementação. Suas vertentes como indicadores financeiros e orçamentos seguem a mesma linha pela geração de dados apurados pelos registros passados, e assim, pouco contribui para planejar o futuro da empresa e melhorar os resultados financeiros. Os investidores ainda se utilizam dos balanços contábeis oficiais para avaliarem se seus investimentos estão seguros, mas, para novas aplicações procuram por instrumentos que revelem tendências, e para este fim esses instrumentos tornaram-se obsoletos.
No outro extremo, o BSC (balanced scorecard)  produz uma ruptura nesse mecanismo, provando que é possível registrar o passado, controlar o presente e exercitar o futuro, gerando indicadores de desempenhos referenciados e balanceados. Mostrou-se mais completo. É um método que alinha o planejamento às estratégias da empresa, e melhor, seus indicadores conseguem obter o comprometimento de todos os colaboradores. É um sistema flexível, podendo ser ajustado às dinâmicas do mercado.
O BSC não dispensa os indicadores financeiros e nem pode substituir a contabilidade tradicional. Propõe sim um novo formato com o uso também de indicadores não-financeiros, deixando claro que tudo que é produzido de dados dentro de uma empresa deva ser aproveitado, fazendo parte do sistema de informações para funcionários de todos os níveis da empresa. Cada empresa observando suas características de negócio, peculiaridades, objetivos e limitações optará quanto ao uso e parametrização dessa importante e atual ferramenta.

A maioria das empresas são incapazes de executar suas estratégias porque estão tentando administrar seus negócios na “Era do conhecimento” com instrumentos da “Era industrial”. Com o uso de tecnologia da informação e comunicação (TI&C) é possível congregar todas as metodologias e conceitos, produzindo vantagens competitivas em tempo real nesse mercado extremamente concorrencial, através do correto planejamento, organização, direção e controles. (NORTON; KAPLAN, 1997, p.269)

Assim, os autores concluem que o uso de indicadores financeiros para tomada de decisões, quando estes forem indicadores de ocorrência, o mais indicado é que eles devam ser obrigatoriamente empregados juntamente com os indicadores de tendências e comparados com os benchmarks, e só assim, teremos uma ferramenta precisa para decisões de curto, médio e longo prazo.

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De ensino religioso, pós-modernidade e ciências da religião: o bem e o mal nas asas do sertão

DE ENSINO RELIGIOSO, PÓS-MODERNIDADE E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: O BEM E O MAL NAS ASAS DO SERTÃO

OF RELIGIOUS EDUCATION, POST-MODERN SCIENCE AND RELIGION: THE GOOD AND EVIL ON THE WINGS OF SERTÃO

BRAGA.Hermide Menquini-PUCSP

bragamem@uol.com.br

Resumo

A Pós-Modernidade trouxe como paradigma a era da informática, tal atributo não extingue as religiões, nem poderia, uma vez que a religiosidade é um atributo antropológico por excelência, convalidado pelos parâmetros éticos e lógicos, mediando a cultura. O Ensino Religioso ressurge nessa nova etapa da Educação obedecendo a normas que pretendem esclarecer as famílias e contribuir com sua instituição; surgiram em um misto de dificuldade, experimentação e motivação. Nessa época, desenvolvíamos pesquisa em Ciências da Religião, com fulcro no campo simbólico. Por meio da cultura regional sertaneja, eivada de misticismo e de profunda observação metafísica, em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, ganhou conceito de universal por ter esses fundamentos. A classificação desta obra literária como pós-moderna apoia-se em Edgard Morin, o questionamento pelo livre arbítrio encontra fundamentação em Henrique Claudio de Lima Vaz e Terezinha Azeredo Rios, enquanto a análise hermenêutica sustenta-se em Paul Ricoeur, escorado em alguns aspectos de Gaston Bachelard, conforme bibliografia. O resultado da pesquisa é a comprovação tácita de que o homem é autônomo, dada sua capacidade de compreender, por isso imprevisível e mutável. Nessa autonomia, o bem e o mal se permitem, com inteira responsabilidade humana.

Palavras-chave: Religião. Homem. Pós-Modernidade. Grande Sertão:Veredas. Mal.

Abstract

The Post-modernity as a paradigm brought the computer age, this attribute does not extinguish religions, nor could it, since religion is an anthropological attribute of excellence, ethical standards and validated by logic, mediating culture. The Religious Education reappears in this new stage of education obeying rules that aim to unravel families and contribute with your institution appeared in a mix of difficulty, trial and motivation. At that time, we developed research in Science of Religion, with the fulcrum in the symbolic field. Through regional cultural hinterland, tinged with mysticism and metaphysics of deep observation, in Great Hinton: Paths of João Guimarães Rosa, won universal concept to have these fundamentals. The classification of this literary work as postmodern is supported by Edgard Morin, questioning free will is the foundation on Claudio Henrique Vaz de Lima Azeredo Terezinha and Rivers, while the analysis is underpinned by hermeneutics of Paul Ricoeur, anchored in some aspects of Gaston Bachelard, as bibliography. The search result is tacit proof that man is autonomous, given their ability to understand, so unpredictable and changeable. At independence, good and evil are allowed, with full human responsibility.

Key-words: Religion, Post-modernity , Grande Sertão : Veredas, Evil

Quando rompeu o Séc. XXI, entre o onze de setembro e as centenas de religiões novas, descobrimos a necessidade de oficializar, ainda que em circunstância de disciplina eletiva, o Ensino Religioso na educação pública. Lecionamos para as primeiras turmas e tentamos entender a realidade pós-moderna pelos mitos. Seguimos a estratégia de abordagem a qual surgiu no âmbito acadêmico como recurso, pois a ancestral forma de conhecimento, anterior às epistemologias científicas, demonstrou uma alternativa ao impasse da era que se iniciava.
Passada a primeira década, o contexto pós-moderno e ensino religioso evoluíram . Catástrofes naturais em manifestações novas são inovações de um universo depredado, e as velhas manifestações de estratégias bélicas descaracterizadas, de exércitos, para grupos inteligentes repetem velhos extermínios.
Procuramos aqui, na prosa de um dos místicos do século XX, João Guimarães Rosa, o mestre da expressão, o epifórico¹: adjetivo que cunhamos para sua incrível ligação metafisica com a percepção humana , através de sua alma  de poeta, posto que epífora, para o filósofo RICOEUR (2000, pp23-25.)² é a parte móvel, itinerante entre os dois polos da metáfora e a imaginação. Nisto baseou-se em  BACHELARD (1961). A fenomenologia do imaginário tem, segundo (BACHELARD apud RICOUER, 2000, p.328-329.), hipótese plausível quando admite uma origem psíquica para a linguagem poética . Julgamos que, se a espécie humana se distingue pela linguagem, e a linguagem inclui o ícone, a qual reflete na imagem, o imaginário penetra no ser e no pensar.

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¹ BRAGA.H.M. As expressões do mal  nas Veredas do Grande Sertão: metáforas-epíforas  e símbolos e seus horizontes de transcendência . Tese. (Doutorado em Ciências da  Religião).  São Paulo: PUC, 2010.
² O filósofo Paul RICOEUR dedicou-se a estudar as questões humanas. Entre elas, a questão da comunicabilidade pelas linguagens, e a questão da simbolização nestas linguagens . O conteúdo deste trabalho veio nos criar motivação que nos levou a conhecer suas obras, as quais tratam desse assunto. Assim, já estudando a obra de Guimarães Rosa, particularmente Grande sertão: veredas, as necessidades teóricas nos levaram a conhecer , deste filosófo Interpretações e ideologias , publicação em português da Editora Francisco Alves , em 1997. Esta obra esclarece os princípios básicos do método hermenêutico, ou seja , filosofia da linguagem. Ainda nos levou a pesquisa a adotar La symbolique du  mal, publicação da editora Montaigne , 1976, que trata da origem da significação , unindo essência e simbolização das percepções, e ainda desse mesmo autor, A metáfora viva, editada pela Loyola, 2000, no Brasil, fundamenta Paul Ricoeur na defesa da metáfora por analogia, quarta proposição de Aristóteles, na sua Poética. Tal estudo, pela excelência iria constituir-se em teoria para nossa ousada missão: analisar as metáforas do mal, na obra máxima de João Guimarães Rosa, cujo estudo resultou a tese de doutorado, a qual referendamos na citação¹, desta página .

Esta é uma era de profunda transição cultural, pois, segundo MORIN, (2003, p.479.) o trânsito entre os polos do caos e do infinito, originado da intensa tecnologia, aproxima ciência e mito como recursos. Estas são possibilidades, as quais se apresentam como meios para a evolução da humanidade, nesta etapa histórica. Deste teor serão as orientações religiosas.
Nosso epifórico autor, João Guimarães Rosa, derramou de sua alma as metáforas as quais enfocam o contexto humano pós-moderno, já naquele anunciar da segunda metade do Séc. XX. Aí está uma analogia; a mística de Guimarães escoando pelas epiforas, segundo a Poética de Aristóteles.
Esse novo tempo, de novas concepções, entre polos tão intensos, caos e infinito oferecem-se à educação . Eis nosso campo, nossa meta de trabalho

O bem e o mal nas asas do Sertão.
Mas há hermenêutica porque há a convicção e a confiança de que a compreensão tem condições de reintegrar a não compreensão pelo movimento da questão e da resposta baseada no modelo dialogal .(RICOUER,1977,56.)
Sabe o senhor : sertão é onde o pensamento da gente se soma a mais forte do que o poder do lugar . Viver é muito perigoso. (ROSA,1967, p. 122)
Explico ao senhor : o diabo vige dentro do homem , os crespos do homem _ ou é homem arruinado , ou homem dos avessos . Solto , por si cidadão , é que não tem diabo nenhum.
enhum ! _ É o que digo. (ROSA,1967 , p. 11)

Grande Sertão: Veredas é um universo. Isso transparece por seu título, o qual sintetiza essa amplidão. Com Grande Sertão, João Guimarães Rosa as forças cosmológicas e transcendentais conjugam-se em ebulição feérica. A prosa de Guimarães explode em criatividade por meio de linguagem inusitada.
Em qualquer página que se pousem os olhos, essa elementar descrição que aqui ensaiamos corporifica-se na riqueza de sua expressão: “Sou do fogo. Sou do ar. Da terra é é a minhoca _ que galinha come e cata! Esgravata”.(ROSA,1967, p.199)ou: “O que fosse, eles podiam referver em imediatidade , o banguelê, meu zunir: que vespassem.” (ROSA, 1967, p. 199).
Tanto no primeiro, quanto no segundo segmento citado, podemos  pressentir a grande efusão com a qual as ações ocorrem. Fogo é volátil e no ar ele se volatiliza. Ambos são elementos complementares com alto teor de atividade. Em contraste, está relativizada a presença da minhoca a qual, em oposição ao fogo purificador, encrava-se na terra, em sua trajetória, e no ambiente de roça é dizimada pela galinha, ave de terra, sem voo. Esta predadora, cuja minuciosa e tenaz subserviência escrutina o espaço em busca de migalhas, acaba por fazer o contraste  com o fogo purificador, ágil no crepitar de suas chamas. Nessa expressão de Guimarães Rosa, podemos notar, ao lado do regionalismo na linguagem, a disparidade entre o superior e o inferior. São posições metafísicas, que, em grande contraste, relacionam-se ao espírito.
No segundo segmento citado, o autor reporta-se à súbita e inesperada reação que os jagunços poderiam ter. A narração é feita com intenção de caracterizar o perfil psicológico dos integrantes do bando, no momento em que eram convocados a ouvir os chefes e a reagir em conjunto como turba. Como nada estivessem entendendo, a passividade provinha de desorientação, fato que poderia recrudescer em reação tão violenta quanto era ali a ignorância.
Talvez venha daí a noção do verbo: vespassem, o qual retrata a atividade da vespa, que voa agressivamente nos momentos precedentes à ferroada. A relação nocional se completa pela associação ao verbo zunir, ainda manifestação onomatopaíca de suas atividades aladas. A despeito de vespa ser inseto, depreende-se que entre os jagunços de tal bando os sentimentos careciam de nobreza e esta predisposição fica patente pelas asas inoperantes, no caso da galinha, ou  de aspecto violento, da vespa.
Ambas as citações, entretanto, dão conta da relação com Zé Bebelo, chefe de bando rival a Joca Ramiro. Ambos lideram dois bandos famosos na jagunçagem dos Gerais. Joca Ramiro será morto por Hermógenes, o tradicional inimigo nessa obra – o todo mau,  todo bandido, relacionado com o  Cujo –  Esse episódio liga-se a mais comovente ação da obra, pois a vingança dessa morte incidirá no duelo entre Hermógenes e Diadorim, do qual nenhum dos dois sairá vivo .
Diadorim era filha mulher de Joca Ramiro, e as duas circunstâncias, filiação e gênero, escondidas até um final surpreendente, compõem uma das maiores ficções da literatura brasileira. Os estudos contemporâneos sobre o imaginário começaram com Gastón Bachelard.
O romance é uma narrativa com aspectos clássicos por parte do personagem Riobaldo, portanto em primeira pessoa.
A narrativa é disposta em partes: começa com o velho Riobaldo narrando a velhice, retrocedendo à meninice para evoluir à fase adulta, quando se dá a atuação no cangaço e a evolução para a chefia. Do ponto de vista estrutural, reconhecemos  uma primeira parte na qual os personagens estão velhos: é o ponto de partida da narrativa com Riobaldo alquebrado já, e refletindo, para depois convergir para  etapas diferentes da meninice e juventude, até que, já homens feitos virem a se agrupar em torno  do mesmo bando de Riobaldo, Tatarana, que virara chefe. Tal denominação espelha-se nos calangos nordestinos, ao mesmo tempo lagartos com ligações a dragões, com língua de fogo. Como essa não fosse a melhor definição para o caráter de Riobaldo, o apelido não vingou.
O que observamos em Grande Sertão: veredas é esse caos estrutural a que Riobaldo se refere, ou seja, caracteriza  o contexto esfuziante do sertão tropical, justificando, com isso, até nossas enunciações, ora para a estrutura da obra, ora para as significações em um mesmo parágrafo. Embora conheçamos as regras básicas metodológicas, ante o vigor da narração roseana, nos postamos como crianças em loja de brinquedos. Essa desordem contextual caracteriza a obra como pós-moderna, precocemente, pois foi escrita em 1956.
Procuramos, entretanto, uma ordem pré-estabelecida por nossa meta neste trabalho. A epigrafe e as duas citações que encabeçam este segmento, (item 1)  dão conta do aspecto da obra em análise: uma  concepção vista por meio das significações suscitadas pelo perfil das aves, componentes da ambientação. Além da guerra, presente como incentivadora das ações, surge o fator complicador, representado pela atração entre Diadorim e Riobaldo. Motivo de todos os tormentos do pobre jagunço, este sentimento natural metamorfoseia-se em obra do Demônio, traduzida pela tentação de amar um igual:”De perto senti a respiração dele, remissa e delicada. Eu aí gostava dele .  Não fosse um, como eu, disse a Deus que esse ente eu abraçava e beijava (ROSA, 1967,  p. 151).
O fato de Diadorim viver travestido também reforça a mesma ideia, uma vez que na Idade Média isso era costume. Nas guerras, surgia como proteção às donzelas. Esses argumentos vão provar a natureza da condição humana, colocando-a como substrato às condições culturais, ocasião em que suscita a religiosidade como o fator preponderante para as condutas humanas. Constitui limite entre o humano e o inumano, e, de certa forma, orienta o arbítrio. Fundamenta-se, por conseguinte, em pressupostos éticos  e  morais, norteadores da sociedade.
A esse respeito consideramos as afirmações:

O comportamento é o arranjo dos diversos papéis que desempenhamos na sociedade. Há, sabemos, em cada sociedade, modelos, scripts prontos parra esses papéis, entendendo-se pronto como preparado pelos homens que compõem essa sociedade. (RIOS, 1993, p. 20)

Dessa forma, constituindo o ethos de cada sociedade, as relações desenvolver-se-ão em consonância e estruturam-se, edificando as sociedades; iluminam seu grau de importância no grupo diante  da magnitude da essência humana. Estes são os limites que a organização social estabelece tendo como relação a espécie, no sentido de personalizá-la, marcá-la de maneira própria, regional, local e economicamente. A esse respeito, temos o fundamento: O indivíduo trabalha e consome , aprende e cria , reinvindica e consente , participa e recebe: a universalidade do ethos se desdobra e particulariza em ethos econômico , ethos político , ethos social propriamente dito.( VAZ, 1986, p. 22)
Diante destas constatações, consideramos Riobaldo, que tem pudores, obrigações de um bom chefe, e  Diadorim,  que tem astúcia, artimanhas para esconder sua situação de mulher, veem-se na mesma situação,  ambos porfiam com  as emoções, atributos com os quais João Guimarães Rosa monta seu formidável jogo com os leitores. Este enfoque contempla  iminentemente o ensino religioso atual e inerente às circunstâncias da época.
Muitas são as vertentes dessa obra, todavia, considerando-se o trabalho proposto, analisaremos, como se disse, o bem e o mal, permeados pela analogia do comportamento das aves.
Assim sendo, atributos eleitos ao acaso na imensidão de referências de todas as ordens são relacionadas: linguagem, cultura popular eivada de brejeirice ímpar, misticismo na razão direta da espontaneidade e elucubrações próprias para o isolamento  de que o sertanejo se reveste, misturadas a um grau avantajado de imaginação. Essa predisposição da obra leva o leitor a avaliar o potencial roseano. Para exemplificar, destacamos uma frase das muitas expressões que figuram no repertório estonteante do universo de Grande Sertão: Veredas – Que jagunço amolece quando não padece. (ROSA,1967, p. 223)
Em meio a um intrincado sistema dessa jagunçagem, guarnecido pela riqueza ambiental do sertão tropical brasileiro, sustentado pelo lado transcendental humano, surge esta obra em metáfora  maiúscula, Grande Sertão, ou seja, todo um espaço multissignificativo sustentando o fulcro antropológico .
Podemos, portanto, conceber essa ideia em uma frase apenas. Conjugou-se na mata sertaneja um imenso espaço de representação cosmológica, tais como exposições máximas das emoções primordiais humanas. Elas externam-se pela guerra constante entre grupos de jagunços, situações permeando o bem e o mal em posicionamento pendular na obra.  Esta polaridade entranha-se em um dos pontos capitais do sentimento humano, o amor. Este sentimento, que ao lado do poder financeiro, outro polo de todos os projetos humanos, ganha contornos sobrenaturais, alia-se ao caráter soturno sertanejo, predominante naqueles campos de guerra.
Na ficção de Guimarães, Diadorim apegou-se aos procedimentos masculinos; tomou gosto pela guerra e transformou-se em grande atirador. Em duelo final com Hermógenes, morreu vingando o pai, Joca Ramiro.  O clímax da obra é a descoberta de que Diadorim era mulher, e, doridamente por Riobaldo.  A atração, desde a primeira vez em que se viram, fica entendida aqui. A atração entre dois meninos, então de difícil aceitação, hoje diluída, em parte por legislações e projetos de inclusão, testemunho da tendência pós-moderna desta obra, está em ser considerada pelo contexto machista do bando no sertão como um fato sobrenatural de característica maligna.  No entanto, era inerente e mais legítima do que as aparências naquele rincão. Na ficção de Guimarães Rosa existem índices a essa situação em: “Diadorim, sério, testaldo. Tive um gelo. Só os olhos negavam, meu  corpo gostava do corpo dele na sala do teatro  Diadorim; Você não tem. Não terá uma irmã” (ROSA,1967,p.140), e “Vida devia de ser como na sala de teatro  cada um inteiro fazendo gosto sem papel desempenho. Era o que eu achava”(ROSA,1967, p.187)
A referência à sala de teatro reporta-se ao conceito psicológico junguiano de sombra e persona. A persona é o papel social que se impõe pela organização coletiva; essa imposição é revelada com pesar por Riobaldo; a sombra é essa recusa interiormente desenvolvida. Do equilíbrio dessas duas forças depende o indivíduo para  o desenvolvimento em todos os fatores de sua vida em comunidade.
Diadorim, pequeno diabo. Isso é dito em linguagem regional, personalizando o jagunço Riobaldo Tatarana. A alma cabocla expõe-se por meio de atributos regionais eivados de referências populares, revestidas pela curiosidade com que o mistério assombra o imaginário. Essa presença constante, feito obsessão, por meio do enfoque “malsão” que Riobaldo assume, surge  na prosa mágica de João Guimarães Rosa em linguajar caboclo, e, ao mesmo tempo, cabalístico : “E aí , desde aquela hora conheci que o Reinaldo , qualquer coisas que ele falasse virava sete vezes.” (ROSA,1967, p.112)
Nas infindáveis veredas da expressão, aparecem dezenas de exemplos de cada afirmação do autor, entretanto, algumas se tornam peremptórias e logo exigem citação. É o caso desta que se segue: “Demorei bom estado, sozinho, em beira d’água , escutei o fife de um pássaro: sabiá ou saci. De repente, dei fé, e avistei; Era Diadorim que chegando , ele já parava perto de mim. ”(ROSA,1967, p.181)
Instigado por esse aspecto de mal e de mistério, o personagem Riobaldo amealha para sua prosa a mesma atitude para os leitores da obra. O que ocorre em Grande Sertão : Veredas  como estratégia ficcional é manter os leitores presos a esse estigma suscitado pela atração obsessiva, reforçada pelo inexplicável fato que tende para o sobrenatural. Ao longo da narrativa, entretanto, por inúmeros índices, alimentando a dialética interna à interpretação, sobrevemos a solução dada ao final da obra. 
Para Riobaldo, a atração por um igual configurava-se na presentificação do demônio. Assim sendo, o bem e o mal graçam na imaginação do personagem e este alastra-a para a concepção dos leitores, constituindo-se em elemento de atração e fidelidade a uma  obra extensa, com quatrocentas e sessenta páginas.  O clima dialético entre bem e mal expressa-se no fragmento seguinte: “Que foi isso que me invocou , o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim rúim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco , que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza.” (ROSA, 1967, p. 179).
Conjuntos de referências dialéticas desse porte são comuns em toda a obra. Aparecem revestidas do regionalismo mineiro, em desempenho arcaico. Outro aspecto a notar na estruturação da obra é a postura de comparações e tentativas definitórias de Sertão. À medida que, entretanto, a obra flui, as definições convergem para Vida . Desta forma, se no fragmento anterior notamos posicionamento acerca do bem e do mal, agora iremos constatar projeção como resultado na prática da vida: “A vida é ingrata no macio de si, mas transtraz a esperança mesmo do meio  do fel do desespero, ao que este mundo é muito misturado.” (ROSA, 1967, p. 169) .
Revelações dessa ordem são contestadas no próprio texto com situações apontadas para a verdade a qual explode ao final da obra como trunfo de composição. Várias vezes o autor ilumina o aspecto feminino no personagem Reinaldo (Diadorim).  Nesse sentido, usando da ambiguidade linguística, Guimarães, no relato do primeiro encontro entre os dois meninos,adianta ao leitor especulativo a condição feminina de Diadorim. “E o menino pôs a mão na minha . Encostava e ficava fazendo parte melhor da minha pele , no profundo , desse as minhas carnes alguma coisa . Era uma mão  branca , com os dedos dela  delicados _ “( o grifo meu ) , (ROSA,1967, p.84) .
Essa contratação da preposição de com o pronome pessoal feminino ela pode no contexto da frase referir-se tanto ao substantivo mão, quanto a uma sutil referência à menina, escondida pelos trajes e pela ficção, aqui maliciosamente apontada. Trezentas paginas depois, ela, a moça agora, não mais Diadorim, um  pequeno diabo, seria  revelada . Ainda à pagina 115, a estratégia repete-se por meio deste fragmento : “Os afetos. Doçura do olhar dele me transportou para os olhos de minha mãe.” (ROSA, 1967, p. 115)
Este tipo de insinuação é mantida em situação paradoxal, no entanto, a constatação desta é um trabalho de síntese a qual só é atingida pela revelação, às ultimas páginas. O assunto polêmico do qual se reveste a suspeita é mais forte do que a realidade e assim monopoliza as atenções, abrindo, porém, vertente para a valorização da diversidade cultural. Age no substrato humano, fato já comprovado pelas fundamentações em Terezinha Azeredo Rios.    
Essas considerações, a âmbito geral na obra, visam a contextualizá-la, situação ideal para abordarmos um dos múltiplos aspectos que nela se apresentam. Nosso clima tropical favorece a abordagem às aves, comumente encontradas em romances regionais brasileiros. Notadamente em Grande Sertão: Veredas aquilo que transparece é o interesse de João Guimarães Rosa, por meio das pesquisas que fez sobre o tema. Não é espantoso, pois, o uso, na relação entre os personagens, da ficção em  situações, por meio da interpretação  das aves .

1.1 O mundo alado de Grande sertão: veredas.

Grande Sertão: Veredas tem, pois um mundo alado, referências, situações metafóricas envolvendo esse tipo de expressão e a trama criam o sertão-mundo de Guimarães Rosa. Quando se vale do desconhecimento do leitor sobre o sexo de Diadorim, o autor adianta isso na ambientação dos recantos onde se passam as ações, usando a imagem.  Nesse procedimento, percebem-se as aves de aspecto agradável, dóceis. Aparecem indiscriminadamente para Octacília como para Diadorim. Esses indicadores aparecem em “Comparecer nos Buritis Altos por causa de Octacília. Continuação de amor. Quis não. Suasse saudades de Diadorim. Só como o céu e as nuvens lá atrás de uma andorinha que passou ( …) Viver é um descuido prosseguindo.” (ROSA, 1967, p. 56)
As referências a situações excusas aos inimigos, aos homens em geral, correspondem a aves de conotação sombria, de rapina e não raro aparecem animais de aparência grotesca como sapo, cavalo desajeitado fazendo parte do cenário; entretanto, quando se refere a Octacília,  sua noiva, ou Diadorim, sempre surge comparação com variação de aves delicadas, ou em animais faceiros, estes em menor ocorrência .
Ao lado das manifestações límpidas das aves de plumagem coloridas e daquelas de brancas penas, fazendo moldura para a sensibilidade das moças que povoam a obra, aparecem aquelas de aspecto soturno. Estas estão sempre guarnecendo os maus jagunços, os traidores, como é o caso do Hermógenes, ou ainda as más situações.
Esta é a imagem que o autor deseja metaforizar referindo-se à atuação dos jagunços em emboscada. O urubu é a ave que serve de inspiração à ambientação da zona rural nesse episódio. Outro elemento adequado para esse tipo de imagem é o morcego: “Boi vem do campo, se esfrega naquelas paredes. Deitam. Malham. De noitinha, os morcegos pegam a recobrir os bois com lencinhos pretos. Rendas pretas de defunteiras” (ROSA, 1967, p. 156).
Diante de animal de aspecto tão funesto, João Guimarães Rosa cria imagens fiéis à estética, e graças a seu grande talento, traduzem veracidade de forma eufêmica. É o momento reconhecemos o bom e o mau aspecto, percebido por meio das aves. É quando verificamos as boas e as más manifestações da vida do campo, e, que, entretanto, aparecem na obra com o mesmo bom gosto, com a mesma abordagem criativa capaz de enlevar e seduzir; cumprindo, dessa forma, a função da literatura .
Os pássaros, que na trama de Grande Sertão : veredas são de presença constante e uniforme, estendem-se em noção pela morfologia; amealhando para a obra a questão simbólica do pássaro tomado pelas circunstâncias do poder alado que o lança ao infinito, em outra mais profunda simbologia, e, de proximidade com o divino mostram-se pelas andorinhas alvissareiras, ou, ao contrário, como deformações de mamíferos terrivelmente alados, na figura do morcego. Essas asas aparecem como uma impostura, estigmatizando para o mal esse animal, no contexto da obra.
Da simbolização nocional, João Guimarães Rosa parte, nesta presente proposta para a extensão da temática ave, contaminando as expressões em uma das muitas variantes que encontra para  extravasar  sua inspiração: “O senhor já sabe: viver é etcetera…Diadorim alegre e eu não .. Transato no meio da lua (……) E de manhã os pássaros que bem – me- viam  todo o tal tempo.Gostava de Diadorim de um jeito condenado.( (ROSA, 1967, p. 74)
Constrói aqui uma espécie de parábola, a partir de um substantivo composto de adjetivo e verbo, elididos por pronome pessoal do caso oblíquo, concentrando neste o fulcro de sua criação, ou seja, de bem –te- vi , para bem –me viam. O autor toma , neste ponto,  o procedimento dos textos das santas escrituras, transportando para a natureza tropical a divindade do evangelho. Trata-se de transferência de amor divino em contexto cultural brasileiro. Em nível semântico, o autor desloca o enfoque do homem, que nomeia a espécie Bem –Te- Vi para o objeto. O resultado cria uma metáfora única, por meio do verbo neológico conjugado : bem –me -viam .
O espírito buliçoso de Guimarães Rosa, respaldando nas aves as melhores e as piores sensações da obra, predispõe o ser humano a se relacionar com os objetos naquilo que toca com mais proficiência a alma humana, ou seja, o medo, a ansiedade  e a ternura .
A abrangência da ficção atinge um desempenho concebido nas enunciações. Os pressupostos culturais discorrem por polos diversos da história; apresentando o bem e o mal descontextualizados; ressaltando a extensão regional influindo na conceitual, marcando étnica, regional e eticamente as populações.   
Comparamos a obra de João Guimarães Rosa, em sua totalidade, com o ramo trazido pela avezinha que saiu da arca de Noé.  Essa simbolização mostra que qualquer ramo era considerado sinal de terra e terra, sinal de vida  naquele contexto.O atributo da simbolização estabelece o fator religiosidade no homem.  Assim interpretamos  Grande Sertão : veredas, pois como já  discutimos, esta obra que é o simulacro do universo, não o fosse plena de veredas. Constatamos ainda que as ocorrências ao longo da vida têm origem  na  nossa essência , ad infinitum.
A narrativa inicia-se no final da vida de Riobaldo, que logo depois começa narrar juventude, infância e maturidade em sua vida; vida de Diadorim e seus demais companheiros. Isso forma uma sequência assimétrica cronologicamente. A predisposição da estrutura da obra e a porção ,por nós analisada, converge àquilo que Guimarães afirma na introdução da  narrativa:  “Digo: o real não está na saída , nem na chegada , está no meio da travessia.” (ROSA, 1967, p. 52).
Admitimos, com tal citação, a assimetria e a ciclicidade da obra, de leitura infinita, como o limite para conhecimento humano. Esse deslocamento, essa ciclicidade, a concentração das aves entre a primeira terça parte e a metade da obra atestam mobilidade de segmentos e alteridade para interpretação. Em outras palavras, a obra é tão imprevisível e mutável quanto a vida. A partir dessa reflexão, a esperança instala-se partindo do princípio de que Deus nos norteia nessa busca infinita como um instrumento sensível. Razão e motivo para a fé no amanhã e para as descobertas nessa e dessa travessia.
A escola, lugar de luz da ciência e da fé conjugadas, pode interdisciplinar os saberes, e, por meio  da compreensão das linguagens das diversas modalidades da arte, interpor, mesmo no regime laico da escola pública, a percepção do humano, fundamentada na sua religiosidade indelével, a partir do ângulo formado entre antropologia e psicologia, entre esta primeira e a filosofia, sustentadas pelos fenômenos sociológicos ocasionados pelas culturas regionais.
Nessa dimensão, geografia e geometria dão-se à analise por meio da matemática e do eixo nocional histórico, como suporte para retrospectos e análises desta nossa travessia. Violência de todos os âmbitos, catástrofes podem ser entendidos, minimizados, evitados, porque compreender é a vocação do homem; o homem humano.

Referências:

BACHELARD, Gaston. La Poétique de l’espace. Cidade: PUF, 1961
MORIN, Edgard. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2003. 479 p. Trad. de Ilana Heinberg.
RICOUER. Paul . A metáfora viva. São Paulo: Loyola , 2000.
_____________Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves ,1977
RIOS, Terezinha Azeredo. Ética e competência. São Paulo: Cortez,1993.
ROSA, João Guimarães. Cartas a William Agel de Melo. Cotia: Atelier Editorial,1998
______. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.
VAZ.Henrique de Lima . Escritos de filosofia I. São Paulo: Loyola, 1986.

Percepções e expectativas profissionais da geração y na Baixada Santista

PERCEPÇÕES E EXPECTATIVAS PROFISSIONAIS DA GERAÇÃO Y NA BAIXADA SANTISTA

PERCEPTIONS AND EXPECTATIONS OFF Y GENERATION’S PROFESSIONALS FROM BAIXADA SANTISTA

Roberta Trigo

Especialista em Administração e Marketing UNIBR

rptrigo@hotmail.com

Resumo

O presente artigo discute as percepções e expectativas dos profissionais pertencentes à geração Y perante o mercado de trabalho na Baixada Santista. Hoje, temos a maior diversidade de gerações presentes em um mesmo ambiente de trabalho. Assim sendo, a convivência de grupos diversos, visto que cada qual tem percepções diferenciadas sobre sua forma correta de agir, pensar, vestir etc. é discutida neste texto, tendo como base estudiosos do tema. Realizou-se uma pesquisa de campo na região da Baixada Santista, cujos resultados corroboram em parte com a teoria discutida; por meio das informações extraídas torna-se possível traçar estratégicas gerenciais na administração de equipes formadas por profissionais dessa geração.

Palavras-chave: Geração Y, carreira, habilidades profissionais, desejos.

ABSTRACT

This article seeks to discuss the perceptions and expectations of professionals belonging to Generation Y to the labor market in Baixada Santista.Today we have the largest diversity of generations living in the same workplace and how it works, because everyone has different perceptions about their correct way of acting, thinking, dressing, etc..Will present some theoretical studies, based on the opinions of researchers on the topic on the concepts of Generation Y, who are, what they do, how they relate? And basically what they expect in their careers.To prove the theory was applied field research in the region of Baixada Santista, whose results, in part to corroborate the theory discussed in the books.Based on this information it becomes possible to draw management´s strategics in managing teams of professionals of this generation.

Key-words: Generation Y, carreer, professionals skils, desires.

O objetivo deste artigo é apresentar os desejos, necessidades, percepções e expectativas profissionais dos indivíduos pertencentes à geração Y na Baixada Santista perante o mercado de trabalho.
O estudo sobre a Geração Y ainda é bem recente e não se tem uma definição precisa acerca de tal geração, também denominada Geração da Internet. Oliveira (Oliveira, 2010, p. 14) estabelece limites de 20 anos entre cada uma das gerações, definindo a geração Y como os nascidos entre 1980 e 2000; todavia, para Renato Trindade, presidente da empresa de pesquisa Bridge Research, outros fatores também contribuem para a definição da geração, não apenas a data de nascimento, tais como: condição familiar, social, local de residência, nível escolar do pais, entre outros; de acordo com os estudos apresentados em 2009 pela Bridge Research, os integrantes da Geração Y estariam entre os nascidos nos períodos de 1978/80 a 1990/1995, inserindo-os dentre os profissionais nascidos em meados da década de 1970 até meados da década de 1990, antecedidos pela Geração X e sucedidos pela Geração Z, considerada como a nova geração do século XXI, os quais nasceram em meio às mudanças tecnológicas, vivenciaram de perto todos os avanços e antes da década da virada do século XXI já estavam familiarizados com a informática.
Segundo Eline Kullock, presidente do Grupo foco, em sua última palestra ministrada em julho passado no SAO Executive Experience (Kullock, 2010)¹, a Geração Y, também conhecida como a Geração do Millennials ou Geração da Internet nasceu com a tecnologia ao seu alcance, em um momento pleno de possibilidades e transformações sociais e prosperidade econômica, no mundo globalizado. Possuem características distintas das outras gerações; são indivíduos com capacidade de realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, comunicação sem fronteiras e pelo imediatismo; acostumados a conseguirem os próprios mandamentos e a não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira, lutando por salários ambiciosos desde cedo.

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¹ http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/jovem-da-geracao-y-deve-respeitar-profissionais-experientes-a-favor-de-seu-proprio-crescimento/24849/

Esses profissionais apresentam características específicas no ambiente de trabalho e profissionalmente possuem grande dificuldade em receberem feedback; alimentam expectativas pouco realistas e mostram certa dificuldade em aceitar seus próprios erros. (LIPKING, 2010, p 12).

Aparentemente essas características podem, para as gerações anteriores, por exemplo, para a Geração X (Oliveira, 2010, p 41), nascidos entre 1960 a 1980, portanto, antecessora da Geração Y – transmitir insubordinação e falta de preparo emocional; entretanto ao invés de confrontá-los, deve-se compreender as origens desse comportamento, que muitas vezes está centrado na sua criação.
Lipkin (2010, p 14) defende a teoria chamada “Movimento da Autoinflação”, cujas raízes estão na educação fornecida pelos pais, os quais promovem o desenvolvimento de um alter ego, ou seja, para essas crianças tudo é possível e quando se tornam adultos, o cenário é diferente. Apresentam dificuldade em enfrentar a realidade e se frustram facilmente; mostram impetuosidade em largar a empresa caso não encontrem sua satisfação pessoal, seja esta representada pela qualidade de vida, um bom ambiente de trabalho, recompensa financeira ou social ou simplesmente por não terem afinidade com a área. Nesse sentido, muitas vezes os gestores passam parte do tempo tentando amenizar os conflitos entre as gerações, buscando formas de atrair e reter os profissionais Y, criando ferramentas e políticas internas que visem à retenção dos mesmos em seus cargos; entretanto, se compreendermos o cerne do problema facilitará a gestão de equipes multigerações.
Segundo Eiline Kullock, presidente do grupo foco, em entrevista realizada em 2010, pela Rede Globo – Pernambuco, se por um lado, o conceito de autoridade dentro da organização deve ser repensado, pois os chefes de hoje devem procurar entender e aproveitar o que esse jovem tem de bom; por outro, é importante ressaltar que os jovens não se iludam com a possibilidade de alcançar rapidamente a chefia por acreditarem que sabem mais do que seus chefes.
Como definir o conceito de “Geração”?
Pertencem a uma mesma geração pessoas de uma mesma faixa etária; em dicionários sociológicos, o termo Geração se apresenta em diversas expressões e com vários sentidos em nossa cultura, sempre se referindo aos contatos humanos e aos relacionamentos estigmatizados dentro de um mesmo período, de forma a identificar padrões de comportamentos entre pessoas nascidas em períodos próximos e que tiveram educação similar.
O desenvolvimento humano é marcado por cenários conflituosos, evoluções significativas, os quais alteraram todo um cenário regional e mundial. Cada povo possui seu modo diferente de organizar sua vida social. O ser humano é dotado de uma grande capacidade analítica, sendo capaz de apropriar-se dos recursos naturais e transformá-los, tornando-se altamente adaptável ao meio, transformando a humanidade. Estes diferentes cenários no decorrer dos tempos causaram impactos diretos nos caminhos os quais conduzem os grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas.
São realidades complexas, produzindo nas gerações características que as unem e as diferenciam, sendo necessário identificá-las para compreendê-las. Deve-se considerar que o conceito de geração reconhecido pela sociedade moderna estabelece o tempo de 20 anos como o marco de separação entre as gerações.
Nesse contexto, segundo Oliveira (2010, p 61.) é a primeira vez que cinco gerações diferentes de pessoas convivem mutuamente de forma consciente, interferindo e transformando a realidade. Para tal autor a diferença de atitudes características de cada geração está interferindo sobre as escolhas, expectativas e motivações das pessoas, alterando completamente a qualidade dos relacionamentos e provocando desgastes.

Cada geração possui características diferentes, com valores e princípios distintos umas das outras. Os ciclos começam com uma geração idealista, passando para uma reativa, seguida de uma geração com consciência cívica e, finalmente, chegando a uma geração de adaptação que, mais uma vez, direciona para uma geração idealista. Juntos, os quatro ciclos compõem um “século” (MCCRINDLE, 2002, p. 2).

Cabe, portanto, à sociedade compreender as características de cada geração, para buscarmos o equilíbrio necessário nos relacionamentos interpessoais, principalmente no ambiente profissional.
Vários enfoques da psicologia buscam compreender o comportamento e o desenvolvimento do ser humano. Como exemplo, a tendência da Teoria Comportamental, ou Behaviorismo a qual se dedica ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente.

Pode-se dizer que: “hoje, não se entende comportamento como uma ação isolada de um sujeito, mas, sim, como uma interação entre aquilo que o sujeito faz e o ambiente onde o seu fazer acontece… Os psicólogos desta abordagem chegaram aos termos resposta (ações do indivíduo) e estímulo (ambiente) para referirem àquilo que o organismo faz e às variáveis ambientais que interagem como sujeito” (BOCK, 1999, p.58).

O comportamento do ser humano passa a ser estudado a partir dessa interação; desta forma, todas as transformações ocorridas na sociedade, nas relações familiares, nos contextos econômicos, políticos e sociais interferiram de forma concreta às diferentes reações de cada geração.
No caso da Geração Y, para Oliveira (2010, p 41), esse termo surgiu devido a um fato bastante curioso ocorrido na antiga União Soviética, a qual exercia forte influência sobre os países comunistas e no cenário mundial como um todo. Considerada na época como uma das grandes potências mundiais, tamanha era a sua penetração na mente das pessoas e cidadãos pertencentes à chamada cortina de ferro, que chegava a definir qual deveria ser a primeira letra dos nomes dados aos bebês nascidos em determinados períodos; e justamente aos nascidos nos anos de 1980 a 1990 teria sido designada a letra Y como sendo a primeira dos seus nomes; estabelecendo-se assim a nomenclatura das gerações Y e X por ser a imediatamente (letra e geração) anterior.
De acordo com Serrano (2010)² a internet, e-mails, redes de relacionamento, recursos digitais proporcionaram a essa geração milhares de amigos ao redor do mundo, sem ao menos terem saído da frente de seus computadores; relacionamentos a distância, livres de limites, entretanto, sem interação humana.

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² SERRANO, Daniel Portillo. Geração x, geração y, geração z. Disponível em: http://portaldomarketing.com.br/Artigos/Geracao_X_Geracao_Y_Geracao_Z.htm. Acesso: 17 out. 2010.

Essa geração foi criada no tempo no qual o mundo estava em um movimento acelerado dos acontecimentos e das descobertas tecnológicas; a União Soviética, em 1985, começava sua reforma política a qual mudaria o rumo da história; a queda do muro de Berlim, em 1989; no Brasil, a mobilização dos jovens da geração X de cara pintada nas ruas para impeachment do ex-presidente Fernando Collor; a economia brasileira buscando uma estabilidade, com os planos do cruzado e real; o MERCOSUL, criando uma integração econômica regional em alguns países da América do Sul e a globalização, na qual o mundo não tem fronteiras, principalmente no que tange à comunicação e à comercialização.
As crianças tiveram em seu convívio, além dos programas de televisão, os vídeo-games, os brinquedos sofisticados e posteriormente o computador, tudo à disposição.
Lipkin (2010, p.2) reforça que essa geração “foi criada com uma dose saudável de autoestima e dentro da mentalidade você pode ser o que quiser”, como forma de rebeldia de seus pais quanto aos modelos educacionais mais tradicionais, e como compensação de ausência pela dedicação ao trabalho.
Para Oliveira (2010, 43) esses jovens são questionadores, impacientes, extremamente informados, multitalentosos e superestimulados. Os pais tentaram compensar as ausências oferecendo-lhes instrumentos educacionais que os tornassem mais competitivos, e melhores; além de alguns estudarem em boas escolas, realizaram atividades extracurriculares, como curso de língua, futebol, natação, karatê e outros. Ingressaram nas escolas desde cedo, e a tecnologia teve grande influência na formação desses profissionais. A TV, considerada por Oliveira (2010, p 44) como a “babá eletrônica” e os vídeos games proporcionaram entretenimento com informação. Foi também a primeira geração a ser criada em uma época de menos barreiras em relação a uma cultura de integração, “fazem parte de uma geração que colheu os frutos de seus pais em relação à igualdade de direitos civis, independente da idade, sexo, raça, orientação sexual e estado de saúde física e mental”, afirma Lipkin (2010, p.154).
Serrano (2010)³ refere como principais características: a conexão, pois procuram informação fácil e imediata; preferem computadores a livros, e-mails a cartas; digitam ao invés de escrever; vivem em redes de relacionamento e estão sempre em busca de novas tecnologias.
A pesquisa realizada buscou compreender melhor o impacto dessas transformações em sua forma de agir e pensar, interferindo significativamente no ambiente profissional.

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³ SERRANO, Daniel Portillo. Geração x, geração y, geração z. Disponível em: http://portaldomarketing.com.br/Artigos/Geracao_X_Geracao_Y_Geracao_Z.htm. Acesso: 17 out. 2010.

Em estudo o qual identifica a visão de mundo dos membros desse grupo, aparecem como liberais no consumo, mas um tanto conservadores no aspecto social. Gostam de novidades, querem estar “antenados” e buscam símbolos que os liguem a comunidades. Fidelidade a empresas, no entanto, não está em seus horizontes – em vez da busca de status pessoal, a afeição a marcas é uma forma de expressar um comportamento coletivo. Também são impulsivos, impacientes e, no mercado de trabalho, não pensam duas vezes antes de mudarem de emprego, caso não se sintam valorizados ou confortáveis no ambiente corporativo. Velocidade, tecnologia, perfil multitarefa e individualidade são conceitos que os definem muito bem, além da propensão a postergar compromissos e responsabilidades próprios da vida adulta, como deixar a casa dos pais e morar sozinho. (HUNTLEY, 2006, p.110).
Para Armour4 correspondente do USA Today, eles são jovens, espertos e ousados. Usam chinelo no escritório ou ouvem iPods em suas mesas. Eles querem trabalhar, mas não querem que o trabalho seja sua vida. Esta é a geração Y. Milhões de pessoas as quais, pela primeira vez, entram em suas profissões e tomam seu lugar no mercado de trabalho.
Oliveira (2009, p.127.) constata que “não há como ficar impassível diante da nova geração, conhecida como geração Y (nascidos a partir de 1980)”.

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4 ARMOUR, Stephanie. Geração y: você é desta geração? Disponível em: http://www.rhportal.com.br/artigos/wmview.php?idc_cad=q37wzzeli. Acesso: 16 dez. 2010.

Na opinião de (LEAL, 2007, p. 15) Existe a necessidade da interação entre as pessoas para a formação de vínculos. A Geração Y é composta por líderes peculiarmente inovadores e quase irrequietos; embora a maioria seja largamente talentosa, sincera e criativa, demonstram possuir este lado impaciente que ora lhe serve de âncora, ora de empecilho, pelo fato de, não raro, esses jovens estejam sujeitos a decisões precipitadas com vistas a objetivos maiores, o que os leva algumas vezes a darem passos maiores que as pernas.
Com base nos diversos autores apresentados acima, a Geração Y apresenta características bastante diferentes das outras gerações. Desta forma, apresentam também percepções de mundo e expectativas profissionais diferentes.
Como se disse, essa geração é composta por jovens “antenados” e inquietos, os quais cresceram jogando vídeo game, ouvindo música, acessando a internet e sendo donos da maioria dos blogs. Na carreira, estão sempre procurando conhecimentos técnicos e capacitação profissional. Trabalham melhor em equipes de forma descentralizada e procuram empregos que lhes ofereçam flexibilidade de horário, mobilidade e planos de carreira. Adoram respostas às suas questões, pois perguntam muito. Querem reconhecimento e promoções o quanto antes. Não possuem medo de arriscar e a busca por novos ares ocorre com frequência.

No caderno Estadão.edu – Especial novos talentos, do Jornal o Estado de São Paulo, publicado em 22 de agosto de 2010, a matéria “O Y da Questão”, revela que as empresas e a geração Y ainda precisam se conhecer melhor para que os objetivos sejam atingidos conjuntamente e para que parem as queixas.
O levantamento feito pela empresa Curriculum, com 133 empresas, mostra um conflito latente na relação entre empregadores e a nova geração de profissionais: 35,5% dos empresários consideram ruim ou péssimo o desempenho de estagiários e trainees; porém, por outro lado, especialistas afirmam que as empresas não atendem às expectativas da Geração Y, nem sabem lidar com seu perfil; nesse sentido, precisariam rever suas políticas internas a fim de absorver essa nova mão de obra, extraindo deles o seu melhor em desempenho e resultados.
Para a consultora Sofia Esteves, da DMRH, por meio de uma pesquisa com 35 mil recém formados, não é por acaso que a possibilidade de desenvolvimento profissional está entre os principais motivos da nova geração para eleger uma empresa como ideal, ao lado do ambiente de trabalho e a qualidade de vida. Esses jovens apontam as empresas Google e Petrobrás como empresas dos sonhos.
Dessa forma, a questão financeira não está no topo de prioridades dos jovens profissionais.
O Grupo Odebrecht, o qual é citado como exemplo de empresa a qual sabe captar talentos, tem políticas as quais combinam com a busca dos jovens. Segundo o vice-presidente da empresa, André Amaro: “a ideia é usar a geração Y como vantagem competitiva.”
>Ainda com base no caderno Estadão.edu – Especial Novos Talentos, uma pesquisa mostra que 35% dos empregadores não estão satisfeitos com o desempenho dessa nova geração e apenas 19% acreditam no potencial dessa geração. Comparando-se os tipos, as estruturas e a cultura organizacional dessas empresas, identificamos que os jovens profissionais apresentam melhor desempenho em empresas cuja cultura organizacional tenha acompanhado os novos tempos, estruturas modernas, políticas internas claras e objetivas, planos de incentivos, e projetos de avaliação que possibilitem não só o crescimento profissional, mas ofereçam um equilíbrio entre empresa, trabalho, e qualidade de vida pessoal.
Com relação ao comportamento desses jovens profissionais nas empresas, o maior problema é o compromisso com resultados, 23% das empresas pesquisadas, identificaram esse fator como o mais crítico para o desempenho dessa nova geração no mercado de trabalho, seguido da falta de responsabilidade (21%), demais itens obtiveram uma mesma média, alcançando porcentagens em torno de 13% a 15% nos itens: falta de agilidade e objetividade (15%), falta de proatividade (14%), comportamento inadequado (14%) e ausência de liderança (13%). Os resultados da pesquisa acima apresentada corroboram com os autores pesquisados no que diz respeito ao perfil, às necessidades e expectativas dos profissionais da geração Y.
Segundo tal pesquisa, 35% dos empregadores não estão satisfeitos com o desempenho dos jovens profissionais em suas atividades no trabalho, e 47% dos estagiários não possuem informações exatas acerca da expectativa das empresas sobre eles. Isso demonstra a dificuldade na gestão de pessoas, principalmente na administração dos profissionais da carreira Y, os quais apresentam características diferenciadas de outros. 35% desses jovens profissionais almejam ascensão rápida de carreira; entretanto, isso não ocorrendo, se frustram, influenciando, dessa forma, o desempenho.
Em seu livro Geração Y: O nascimento de uma nova versão de líderes, Oliveira (2010, p. 69-70) apresenta um aspecto amplamente pesquisado pela Cia. de Talentos – Empresa dos Sonhos 2009: as expectativas dos jovens com relação à empresa em que desejariam trabalhar e as principais características esperadas de seu gestor. Sobre os motivos de escolha de uma empresa:


1. Crescimento profissional;
2. Desenvolvimento profissional;
3. Ambiente de trabalho agradável;
4. Bons salários e benefícios;
5. Oferecer cursos e treinamentos.

Sobre as principais características esperadas de um gestor:
1. Conhecer o negócio da empresa.
2. Oferecer feedback constante.
3. Saber definir prioridades.
4. Desenvolver os profissionais de sua equipe.
5. Respeitar e estimular o talento individual.
6. Ser objetivo e claro em suas diretrizes.

Embora muitos autores apontem essa geração como irrequietos, impacientes e ousados, eles sabem bem onde querem chegar e os mesmos adjetivos que por um momento possam ser negativos, transformam-se em positivos se os gestores os utilizarem de maneira criativa e estratégica para as organizações.

Pesquisa de campo com os jovens da Baixada Santista

Toda a pesquisa apresentada acima comenta a respeito de jovens preferencialmente oriundos de grandes centros urbanos, mas o que pensa o nosso jovem da Baixada Santista? Será que ele possui a mesma visão, comportamento e desejos?
Nosso estudo focalizou profissionais pertencentes à geração y, residentes na Baixada Santista. Por intermédio de questionário composto de nove questões fechadas e uma questão aberta identificou-se as expectativas desses profissionais e sua realidade local.
Os questionários foram aplicados ao público da geração Y nas escolas de ensino médio, em cursos superiores de tecnologia e graduação de diferentes áreas do conhecimento, e ainda em algumas empresas também de diferentes ramos de atividade no período de 13 de setembro a 30 de novembro de 2010 e com o objetivo de identificar as percepções e expectativas, características de comportamento e pensamentos dos profissionais pertencentes à Geração Y, atuantes no mercado de trabalho atual e/ou futuros ingressantes, identificando suas preferências de carreira, motivos que os levaram a tal escolha, bem como suas expectativas com relação aos seus empregadores e motivações para a manutenção de seus empregos nas organizações.

Resultados

Com base no estudo teórico será comparado o perfil dessa geração por meio dos resultados apresentados pela pesquisa.
A amostra contemplou: 57% estão na faixa etária entre 18 a 24 anos, 36% entre 25 a 30 anos e 7% abaixo de 18 anos, sendo 70% do sexo feminino e 30% do sexo masculino.
Em relação à escolaridade: 3, 58% estudaram em instituições públicas, sendo 51% com nível superior, 41% com ensino médio e 8% com médio técnico, o que indica a busca pela capacitação profissional para competir com qualificação no mercado de trabalho.
Dentre os entrevistados, 40% não estão no mercado de trabalho, aumentando a necessidade do diferencial competitivo dos ingressantes e de oportunidades de emprego pelo mercado. Todo jovem quer crescer e usufruir de suas conquistas, por isso busca através do autodesenvolvimento se destacar entre os demais. Os demais, 60% dos entrevistados, estão no mercado de trabalho como aprendizes, estagiários, auxiliares e supervisores, todos lotados em empresas da Baixada Santista, com destaque para as cidades do Guarujá, Santos e Cubatão, com 43%, 31% e 16% dos trabalhadores, respectivamente.
Estes números demonstram a retenção desta geração no mercado interno da região, pois visualizam o processo de crescimento econômico na Baixada Santista, promovido pelos projetos de expansão em alguns segmentos da economia, como por exemplo, a área petrolífera, a área portuária e o turismo, que consequentemente fortalecerão os ramos comercial, imobiliário e de prestação de serviços, resultando, assim, em aumento de novas oportunidades para os profissionais que estão no mercado de trabalho, como para os que buscam inserção profissional.
Os itens: “nível de importância em uma empresa para atração de profissional”, confirmam o exposto pelos autores, pois 86% afirmaram sua preocupação com seu crescimento profissional. Lipkin (2010) afirma como o reconhecimento é importante e serve de motivação para essa geração.
O item “salário e benefícios” surge em segundo lugar com 71%, posição diferente da pesquisa apresentada por Oliveira (2010); tal resultado demonstra a preocupação dessa população aos valores oferecidos pelas empresas, não sendo possível nessa pesquisa identificar os possíveis fatores que levaram a essa diferenciação, condições socioeconômicas, oferta de mercado, entre outros.
Comparado ao trabalho apresentado por Oliveira (2010), os itens “desenvolvimento profissional” (69%) e “clima organizacional” (63%) também ganham destaque nesta amostragem.
Evidencia-se a preocupação dessa geração com as oportunidades disponibilizadas pelas empresas para se desenvolverem e adquirirem melhores conhecimentos, trabalharem suas capacidades e estimularem seu potencial, e como as relações nesses ambientes de trabalho são construídas. Lipkin (2010 p.132) ressalta que bons relacionamentos atraem os jovens para as empresas.
Nessa perspectiva, as empresas precisam aprimorar suas estratégias, com especial atenção às oportunidades de carreira, à remuneração total e à capacitação oferecida, não se distanciando de um clima organizacional agradável, caso queiram reter talentos, pois se estiverem priorizando sua imagem, infraestrutura e responsabilidade social, apenas atrairão e não conseguirão manter essa geração por muito tempo em suas organizações.
De acordo com Oliveira (2010, p.127.) é uma geração motivada por desafios, não há mais uma relação de fidelidade até a aposentadoria, “é a primeira que se desenvolve com absoluto foco em resultados”.
Quanto à remuneração, 81% preferem uma remuneração fixa e não variável; ter conhecimento do seu ganho ao final do mês não associado à produtividade ou metas; fator bastante interessante, pois demonstra a necessidade de segurança, ou seja, estes ainda estão arraigados aos conceitos do regime CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que garante a manutenção no trabalho.
Novos fatores são considerados na atuação e retenção profissional dentro da empresa, associados à vida pessoal. Entre as respostas, referente ao nível de importância para atuação profissional, aparece em destaque entre os entrevistados o item qualidade de vida com 76%.
Lipkin (2010, p.130) reforça “os jovens da Geração Y exigiram que o conceito de equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal fosse substituído pelo conceito de integração entre vida profissional e vida pessoal. Os jovens Y não enxergam o tempo de trabalho e o tempo pessoal como entidades separadas. Ao contrário, para eles, o trabalho deve integrar-se à vida, não englobar tudo. Essa geração é a primeira a rejeitar o termo workaholic”.
Em continuidade aos resultados, os itens perspectiva de carreira aparecem com 71%, liberdade de comunicação com 69% e o retorno financeiro com 62%. Embora este último item seja muito importante, deixou de ser o único objetivo, sendo priorizados os itens anteriores, buscando equilíbrio entre as relações profissionais e pessoais.
Ao verificar as perspectivas de mercado para os próximos dois anos, 60% optaram por permanecer na Baixada Santista, enquanto 20% escolheram trabalhar em São Paulo e 10% em trabalhar em outro estado e 10% outro país. Esse resultado também diverge um pouco do perfil desta geração, uma vez que estão mais abertos a buscarem novas oportunidades de trabalho em outras regiões. Permanecer na Baixada Santista é uma característica da população local a qual aliada à expectativa de retomada de crescimento da área portuária e investimentos nas áreas petrolífera e turística também contribuem para esta escolha.

4 CONCLUSÃO

A geração Y entra no mercado de trabalho com aspectos profissionais e pessoais bem diferentes das outras gerações. É uma geração nascida em meio aos avanços tecnológicos; está habituada à rapidez e velocidade da informação e demonstra muita ansiedade e imediatismo em tudo que almeja. Apesar da pouca idade, demonstra maturidade em certas tomadas de decisão; sabe o que quer; tem o seu caminho profissional traçado. Diferentemente de gerações anteriores, as quais almejavam sua aposentadoria depois de anos dedicados a uma mesma empresa, esta nova geração tem necessidades específicas de crescimento e desenvolvimento profissional; encara a carreira como um patrimônio, o qual é construído, degrau por degrau, sempre com um objetivo em mente.
Com esse raciocínio, isto gerará uma atenção especial por parte dos gestores na relação profissional x mercado, pois o grande desafio dos gestores está em traçar estratégias para aproveitar o perfil desta geração, aliadas à cultura da empresa, às competências organizacionais e profissionais, de modo que consigam reter os talentos e estes, por sua vez, contribuam com a empresa.
A partir da pesquisa observou-se que todas as percepções e expectativas profissionais da geração Y na Baixada Santista coincidem com as apresentadas na parte conceitual deste trabalho sobre essa geração.
Tal geração busca resultados, crescimento profissional e desenvolvimento de carreira.
Importante observar que maioria dos entrevistados prefere salário fixo com qualidade de vida, em detrimento de altos rendimentos, constatando que expectativas levantadas na parte conceitual.
Observa-se uma única divergência entra a parte conceitual e a pesquisa, referente ao local de trabalho ideal; a maioria dos entrevistados da Baixada Santista prefere permanecer na região ao invés de buscar oportunidades de trabalho em outras regiões. Identificou-se esse fator como uma característica local, pois muitos dos entrevistados são oriundos de escolas públicas e a renda familiar é considerada baixa, de modo que as possibilidades de mudança de cidade ou região são bastante remotas, mais em virtude de sua percepção socioeconômica do que perspectivas profissionais.
Essa miopia em relação ao mercado global também é estabelecida pelo fato desses profissionais não acreditarem em seu potencial; como se disse, a maioria é oriunda de escolas públicas, assim sendo, tais jovens estabeleceram um estereótipo psicológico e estigmatizado de que os mercados mais agressivos não estão abertos para eles. Essa visão necessita ser mudada, pois o mercado é aberto a todos, o que muda é a postura e comportamento diante dele.

Referências:

Livros

BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi; Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

HUNTLEY, Rebecca: The world according to Y: Inside the new adult generation. Sydney: McPherson’s Printing Group, 2006..

LEAL, Gina. Estudo dos eventos corporativos sob o contexto da cultura organizacional e da hospitalidade: um estudo de caso. São Paulo: Anhembi-Morumbi, 2007. Dissertação de Mestrado, Universidade Anhembi-Morumbi, 2007.

LIPKIN, Nicole; PERRYMORE, April. A geração y no trabalho: como lidar com a força de trabalho que influenciará definitivamente a cultura da sua empresa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

MCCRINDLE, Mark. Understanding generation Y. Australia: The Australian Leadership Foundation, 2002.

Oliveira, Sidnei. Geração Y: o nascimento de uma nova geração de líderes. São Paulo: Integrare, 2010.

Meio Eletrônico

ARMOUR, Stephanie. Geração y: você é desta geração? Disponível em: http://www.rhportal.com.br/artigos/wmview.php?idc_cad=q37wzzeli. Acesso em: 16 dez. 2010.

ESPECIAL novos talentos. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 22 ago. 2010., 22 ago. 2010.

KULLOCK, Eline. Por que as gerações estão no nosso foco? Disponível em: http://www.focoemgeracoes.com.br/index.php/por-que-as-geracoes-estao-no-nosso-foco/. Acesso em: 15 set. 2010.

SERRANO, Daniel Portillo. Geração x, geração y, geração z. Disponível em: http://portaldomarketing.com.br/Artigos/Geracao_X_Geracao_Y_Geracao_Z.htm.  Acesso: 17 out. 2010.

Dossiê Programa Bolsa Alfabetização na UniBr

DOSSIÊ PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇÃO NA UNIBR

THE DOSSIER IN LITERACY GRANT PROGRAM – UNIBR

Professora-orientadora Drª Giselle Larizzatti Agazzi

giselleagazzi@terra.com.br

Me. Solange Padilha Oliveira Guimarães-UNIBR

spadilha@unibr.edu.br

Resumo

Esse dossiê traz uma breve apresentação do que é o Programa Bolsa Alfabetização como política pública do governo do Estado de São Paulo, inserido no Programa Ler e Escrever e seu histórico na Faculdade de São Vicente. Este programa desenvolve propostas para atingir a meta de alfabetizar as crianças de até oito anos de idade das redes públicas de ensino. Entre as ações desenvolvidas, está o Bolsa Alfabetização que possibilita a entrada do aluno universitário, estudante dos cursos de Letras e Pedagogia, na sala de aula dos segundos anos das escolas estaduais. O graduando, batizado de aluno-pesquisador, é orientado a realizar uma observação das relações de ensino e de aprendizagem e um registro das atividades didáticas desenvolvidas na sala de aula. O conjunto de textos aqui apresentados, escritos por professoras orientadoras, alunas e alunos, participantes do Projeto, estão estruturados para permitir ao leitor, não apenas entender como se dá uma política pública voltada para a educação, como também desenvolver reflexões críticas sobre as relações de ensino e de aprendizagem, sobre as relações entre teoria e prática, sobre a formação inicial e a formação continuada dos professores. O profundo envolvimento das alunas e alunos com a escola, os professores-regentes, a coordenação e os conhecimentos práticos e teóricos construídos nas ações orientadas e desenvolvidas no Projeto são verificados por meio dos textos registrados. Finalmente, apresentamos o Projeto Bolsa Alfabetização como possibilidade de uma formação do futuro docente que se deseja interventor na realidade de seus alunos.

Palavras-chave: Alfabetização – política pública – aluno-pesquisador – formação docente

ABSTRACT

This dossier is a brief presentation of what is the Literacy Grant Program as a public policy of the state government of Sao Paulo, inserted in Reading and Writing Program and its history at the College of São Vicente. This program is developing proposals to meet the target of teaching children up to eight years old of public education..Among the actions developed, is the Literacy Scholarship which allows the entry of the university student, from the courses of Literature and Pedagogy in the classroom of second year of the state public schools. The graduating, called student-researcher, are advised to conduct an observation of the relationship of teaching and learning and a reports of learning activities developed in the classroom. The group of papers presented here, written by guiding teachers and students, Project participants are structured to allow the reader not only understand how a public policy directed for education works, as well as develop critical reflections about the relationships of teaching and learning, on the relationship between theory and practice on the initial and continuing teachers education training. One can discern the deep involvement of the students and school students, teachers, conductors, coordination and the practical and theoretical knowledge in the following actions built and developed in the Project. Finally, we present the Literacy Scholarship Project as a possibility of training the future teachers who want to in the reality of their students

Key-words: Literacy – public policy – student-researcher – teacher education

A ideia de compor esse dossiê surgiu dos resultados obtidos com a adoção do Programa Bolsa Alfabetização, em 2009, pela UNIBR. É difícil mensurar os alcances desses resultados, uma vez que eles advêm das relações de ensino e de aprendizagem, da formação dos alunos da UNIBR, da qualidade de vida de comunidades que, por intermédio da ação dos pesquisadores, constroem as pontes necessárias para um mundo mais justo e igualitário. Apesar dessas dificuldades, é necessário sintetizar o percurso até o momento realizado, para avançarmos e aprofundarmos os aprendizados. Isso foi realizado em grande parte com a Primeira Jornada dos alunos-pesquisadores do Programa Bolsa Alfabetização da UNIBR, ocorrida em outubro de 2011; e, agora, com a produção deste primeiro documento.
Na primeira parte, “O Programa Bolsa Alfabetização na UNIBR”, por mim escrito, lê-se uma breve apresentação do que é o Programa e seu histórico na Faculdade São Vicente. Na segunda, “A construção da memória do futuro professor: depoimento da aluna pesquisadora Cristiane Fischer da Rocha”, pode-se entrever o profundo envolvimento das alunas com a escola, os professores-regentes, a coordenação e os conhecimentos práticos e teóricos construídos. Na terceira, “O Programa na prática”, escrito pelos alunos Felipe Santana, Nanci Maria Dias e Maria Aparecida Silva, procura ilustrar como se dá a investigação didática. Na quarta parte, “A formação da consciência crítica do futuro docente”, elaborado pela professora Solange Padilha, propõe um olhar sobre a contribuição do Programa para a formação inicial dos futuros professores.
O conjunto de textos assim estruturado permitirá à comunidade da UNIBR não apenas entender como se dá uma política pública voltada para a educação como também desenvolver reflexões críticas sobre as relações de ensino e de aprendizagem, sobre as relações entre teoria e prática, sobre a formação inicial e a formação continuada dos professores.
Boa leitura!

Referenciais bibliográficos:

Programa Ler e Escrever. Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do Professor Alfabetizador – 1ª série – volume 1
LERNER, Delia. Palestra “Pesquisa de Investigação Didática”, proferida na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores – EFAP – auditório, 29 de julho de 2011.
Webgrafia:
http://lereescrever.fde.sp.gov.br/, consultado em outubro de 2011.

1.

O Programa Bolsa Alfabetização

Professora-orientadora Giselle Larizzatti Agazzi


O Programa Ler e Escrever é uma ação da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que desenvolve propostas para atingir a meta de alfabetizar as crianças de até oito anos de idade das redes públicas de ensino. Entre as ações desenvolvidas, está o Bolsa Alfabetização, um programa articulado ao Ler e Escrever que possibilita a entrada do aluno universitário, estudante dos cursos de Letras e Pedagogia, na sala de aula dos segundos anos das escolas estaduais.
O graduando, batizado de aluno-pesquisador, é um colaborador do professor da rede pública dos segundos anos. Sua atuação deve se desenvolver em torno do que o Programa chama de “exploração didática da sala de aula”. Os alunos-pesquisadores são orientados a realizarem uma observação das relações de ensino e de aprendizagem e um registro das atividades didáticas desenvolvidas na sala de aula. De acordo com o contexto, os graduandos intervêm em diversas situações, vindo a contribuir para as relações de ensino e de aprendizagem da escola receptora do Programa.
Os alunos-pesquisadores se reúnem com regularidade com o professor-orientador, que procura formar e orientar o olhar do aluno-pesquisador em consonância com as propostas do Programa e as bibliografias sugeridas nos cursos da UNIBR.  Também o professor-orientador tem sua formação continuada, em encontros regulares com a equipe técnica do Programa, com a professora formadora, Marisa Garcia, com a professora supervisora, Délia Lerner.
O que se vê é que assim como o acompanhamento do desenvolvimento do Programa se dá em diversas esferas, os beneficiados se multiplicam, alcançando os alunos da unidade escolar, os professores, coordenadores, pais, graduandos dos cursos de Pedagogia e de Letras. Nesse contexto, os alunos desempenham plenamente a função de sujeitos históricos, servindo de modelo para outros estudantes e para a comunidade em geral. Do olhar mais miúdo para o mais abrangente, o aluno-pesquisador, ao aproximar a teoria da prática, coloca em diálogo a realidade da escola pública e as perspectivas sobre ela, que são construídas com base no que se tem como “necessário” para a alfabetização plena.
Não é novidade o fato de as sociedades consumistas aprofundarem os problemas sociais. E não é novidade a observação de que o Brasil se desenvolve sobre os pilares do consumo seja de bens, seja de relações. Hoje, tudo é consumível, até mesmo o afeto. Em contextos como o nosso, cuja inversão de valores é acompanhada da manutenção da desigualdade social e cultural, urge que se construam Institutos de Ensino Superior de excelência, empenhados em formar professores conscientes da função da educação na construção de sociedades justas e fraternas.
Premida por tal necessidade, a UNIBR tem buscado assumir sua responsabilidade social junto à comunidade, procurando responder às demandas sociais do contexto em que a instituição se insere. Buscando ações efetivas no sentido de contribuir para a comunidade da Baixada Santista, a UNIBR adotou o Programa Bolsa Alfabetização.
Tendo início em 2009, o Programa começou na UNIBR com cinco alunos-pesquisadores. Em 2010, permaneceu com o mesmo número de alunos e classes beneficiadas, para em 2011 chegar a 35 alunos. Eles estão espalhados por dezessete escolas: um aluno na Aldeia Indígena Aguapeu, em Mongaguá, dois em São Sebastião, dois em Cubatão e trinta no Guarujá.

Professores em formação

As transformações que o curso de Pedagogia sofreu são notáveis. A movimentação das alunas nas suas turmas, os depoimentos que realizam nas aulas, os questionamentos, as intervenções que realizam e até mesmo a maneira como se expressam evidenciam que os alunos-pesquisadores estão tendo uma oportunidade única de formação inicial.   
Ao assumir o Programa como professora-orientadora, tive que assumir também inúmeros conflitos que iam desde a sua incorporação pelas campanhas políticas por algo que ele não é até a minha pouca formação em Alfabetização, apesar de já ter trabalhado com por dois anos com alfabetização de jovens e de adultos.
O Programa não é o segundo professor na sala de aula. Muito pelo contrário. Ele prevê o forte investimento na formação inicial dos futuros professores. Os alunos-pesquisadores, como o próprio nome evidencia, são graduandos. Se eles contribuem com as relações de ensino e de aprendizagem das crianças é porque são sujeitos históricos e não porque já sejam profissionais da educação.
Como o Programa me chegou às avessas e em um contexto bastante conturbado, vencer meus preconceitos só foi possível graças ao entusiasmo dos alunos-pesquisadores que já estavam atuando nele. Com a imagem dos nossos alunos interagindo com as crianças dos segundos anos.

2.

A construção da memória do futuro professor:
depoimento da aluna-pesquisadora Cristiane Fischer da Rocha

E.E Dr. Hugo Santos Silva
Aluna pesquisadora : Cristiane Fischer da Rocha
Coordenador : Waldomiro
Professora Regente : Patrícia

Minha decisão de entrar no Bolsa foi muito difícil, pois eu trabalhava em uma empresa há 3 anos com grande perspectiva de crescer, mas isso não me deixava feliz. Eu não entendia o que acontecia na faculdade, não conseguia assimilar as matérias, só pensava em vendas e atingir a meta do mês.
Foi quando a professora Giselle conversou com minha classe a respeito do Bolsa. A princípio eu me interessei, mas não tive coragem (essa é a palavra ), porque eu teria de largar meu emprego. Não sabia como seria trabalhar em Guarujá, pois dependemos de balsa para lá chegar; alem do trânsito de Santos com engarrafamento constante… tudo isso me fez desistir, na primeira chamada.
No decorrer dos meses, ouvi depoimentos das alunas pesquisadoras: sentia que elas falavam com o coração e estavam muito felizes em estarem ali, e que passavam por tudo aquilo que eu temia: trânsito, balsa, condução demorada. Mas era tudo muito gratificante!
Não pensei duas vezes, pedi as contas da empresa em que trabalhava antes mesmo de ter alguma certeza de que iria ser chamada no Bolsa. Eu sabia que estando desempregada, eu enfrentaria qualquer obstáculo. Criticaram-me muito, mas a Profª Giselle me passou tanta verdade, que eu me encantei pelo projeto; fiz meu cadastro, logo em seguida fui chamada.  Não esperei nem um mês para iniciar no dia 25/04 .
Meu primeiro dia na escola, foi pura emoção! eu ainda estava muito ligada em vendas, atingir metas e quando coloquei os pés dentro da escola, voltei à minha infância, ao ensino fundamental, o qual na época era o primário. Isso me deu uma alegria em saber que existem outros campos para se trabalhar e que eu estava onde eu sempre sonhei, trabalhando com crianças em área escolar.
O coordenador Waldomiro me recebeu muito bem; mostrou toda a área da escola, me falou do horário de entrada e saída, disse que era muito feliz em ter esse projeto na escola dele. Ele me deixou muito à vontade e continua desta mesma forma. Até hoje me trata como se eu fosse um bibelô da escola, alguém que está ali pra somar. Ele me apresentou aos professores e para a professora-regente Patrícia. Ela me tratou super bem, me apresentou para as crianças e foi uma troca tremenda de afeto. A professora me deixa a par de todos os projetos feitos em classe e me deixa até mesmo participar do semanário.
Logo no primeiro dia de aula, as crianças se apresentaram para mim, me elogiaram e disseram seus nomes. Eu me encantei por todos e ainda hoje eles têm um respeito enorme por mim, e eu por eles. Se eu saio da classe para resolver qualquer situação externa, eles ficam tristes; quando eu volto, parece que não me veem há muito tempo, sendo que não chego a ficar nem 5 minutos fora. Eu percebo que eles são muito verdadeiros e sinceros. Eu fico muito satisfeita, porque é sinal que ajudo de alguma forma. Sei que eles me ajudam bastante a aprender e entender o mundo da Pedagogia e isso não tem preço.
Eu sei que, a partir de agora, terei outra visão de como trabalhar em sala de aula com os educandos, saí da teoria e fui para prática. Cada dia em classe é muito diferente do outro, vários universos no mesmo espaço; encontro de classes sociais diferentes, cor e religião. Hoje, eu já entendo como agir quando houver problema de racismo em se tratando de cor, rejeição por classes sociais diferentes, crianças com níveis totalmente diferentes de  aprendizado… O professor tem que saber lidar com essas situações.
            
Eu vejo que a professora Patrícia faz tudo tão bem, explica de várias formas uma mesma lição para que todos possam entender; fala da forma em que as coisas têm que ser ditas.  Os alunos refletem a respeito, pedem desculpas, aprendem.  Eu fico olhando e agradeço por ter essa oportunidade de ver essas situações do cotidiano escolar.

3.

O programa na prática

Alunos pesquisadores Felipe Santana, Nanci Maria Dias e Maria Aparecida Silva
Colégio Estadual Profº Galdino Moreira- Guarujá

A atividade proposta pela professora foi realizada na aula de ciências e mostra com clareza que se pode trabalhar com alfabetização em qualquer matéria. A professora entrega uma folha para cada aluno e pede para que eles desenhem uma árvore e que também coloquem o nome das partes da árvore. Depois, do desenho, a professora pede para que os alunos escrevam o nome de duas frutas, duas flores, duas ervas medicinais e dois legumes.
Nessa atividade, os alunos não podem usar os cadernos. Eles devem escrever do jeito que sabem. Isso é o que torna a atividade mais interessante e proveitosa. A professora vai de mesa em mesa, conforme solicitada pelos alunos e verifica qual a dúvida que eles apresentam. Então, ela levanta uma dúvida para que a classe resolva e, de uma certa forma, todos começam a participar. Isso acontece de maneira geral, até mesmo os mais tímidos participam.
É o que se vê no trecho transcrito abaixo da gravação realizada para a investigação didática, quando os alunos procuram soletrar “Tronco”. A partir da observação e reflexão da intervenção da professora, pudemos concluir que a alfabetização pode se dar na produção de textos em diversas disciplinas.

Transcrição da situação didática investigada:

O aluno Pesquisador Felipe Santana diz:

“ Prova de ciências,os alunos têm que escrever o nome das frutas, flores e folhas, agora eles estão desenhando uma árvore, e eles têm que nomear as partes da árvore”.

Professora Graça diz:
– Bom, todo mundo! E aí? Folha, fruto…
O aluno Diogo passa e diz:
– Licença ae tiô, o tio tá caindo.
O aluno Leonardo diz:
– Ô tia, não dá pra ver direito esse giz de cera, olha aí ó!
Yasmim diz:
– Assim tia, óh?
Marcelo diz:
– Esqueci de colocar a raiz!
Professora Graça diz:
– Você tá fazendo assim
Yasmim diz:
– O tia! assim óh?
– O tia! Assim óh?
Professora Graça diz:
Tá sequinho, deixa eu pegar um outro lá, ah! Eu já tenho aqui óh!
Yasmim diz:
– Ô tia!
– Tia é assim?
Diogo diz:
– Ah, a Yasmim não deixa!
Leonardo diz:
– Ô Yasmim! Empresta a verde?
Diogo diz:
-Ô Yasmim! Pode emprestar a verde pra ele?
Yasmim diz:
– Cuidado com o meu lápis!
Professora Graça corrigindo o exercício de Karolaine diz:
– Não! Você colocou o “R”, eu quero o “TRO”…O que vem antes? TRO, TRO, como é TRO?
Yasmim diz:
– Eu já sei! É aqui óh…TRONCO!
Diogo diz:
– TRO é o T-R-O!
Professora Graça diz:
– Isso! T-R-O…TROOONCO!
Diogo diz:
– E no final tem um “R”, ô… no meio tem um “R”…
Professora Graça diz:
– TROOONNCO, ON…como é o ON? TRON?
Diogo diz:
– É o “O”! É?
Professora Graça:
– Porque o TRO…o TRON tem uma letra no meio, qual é?
Diogo diz:
– É o “R” !
Professora Graça diz:
– Ah…então vai ficar TRORCO!!
Marcelo diz:
– É o “N” !
Karolaine diz:
– É o “N” !
Professora Graça diz:
O “N” ! TROONCO! Isso, agora tá certinho, muito bem!!
Professora Graça diz:
Então,vamo lá!
As crianças falam todas ao mesmo tempo.
Professora Graça diz:
– Bom, então vamo partira pra segunda etapa.
Diogo e os meninos falam aomesmo tempo. A Profª Graça diz ao fundo:
– Aqui a folha, isso…Lê aqui ó “ FRUUUTAS! Não! Aqui é pra por o nome!
Professora Graça Diz:
– Como é o FRU?…Marcelo, como é o FRU?
Marcelo diz:
– É o “F”…não…é o F-R-U
Professora Graça diz:
– Isso! Então põe o FRU, FRUTA!
Professora Graça diz:
– E o TÁ? FRUTA, onde é o FRU?
As crianças começam a falar juntas ao mesmo tempo.
Professora Graça diz:
– Ah, tá faltando a raiz e escrever aqui…TROONCO, cadê o TRONCO, sobrou todo mundo com a madame.
Alunos juntos falam
– Tá certinho! Isso Alisson! FRUUUTA!
– Bom, partindo pra segunda etapa!
Karolaine diz:
Tia! Tá Certo?
Professora Graça responde:
– É, agora as partes com vogais.
Karolaine diz:
– Ô tia! Agora posso deitar?
Professora Graça diz:
– Só maçã que tá faltando alguma coisa em cima do “A”
Karolaine diz:
– Ah! O tiozinho!!!
Professora Graça retruca:
– Isso! O acento, “Tiozinho”…Bom!
Karolaine diz:
– Do “A” do “Ç”?
Profª Graça diz:
– É maçã…maçã…Sabe o que é maça?
Yasmim diz:
– É o M-A-Ç
Karolaine diz:
– É com “Ç”?
Professora Graça responde:
– É com “Ç”! O “A” sim “Maçã”
Os Alunos chamam a Profª Graça por diversas  coisas.
Professora Graça Diz:
Não rabisca a mesa, que a ,mesa foi limpa!
Marcelo Diz:
– Não tia, eu vou apagar!
Professora Graça diz:
– Não é pra apagar! É pra não escrever! Óh, ela lavou a mesa todinha antes e ficou limpinha.
Caio diz:
– Professora!
Professora Graça diz:
– Que bom, que bom!
Diogo Diz:
–  Que bom, que bom!
Professora Graça diz:
– Olha você tá alfabetizado hein… Legal! Parabéns!!!!
Professora Graça diz:

– Partindo para segunda….

CONCLUSÃO

Concluímos que a professora faz a mediação entre o registro escrito formal e as hipóteses de escrita levantadas pelas crianças, para que elas construam o próprio conhecimento: a professora faz a segmentação das palavras e leva o aluno a compreender e refletir sobre a maneira correta de escrever a palavra.
A professora Graça usa a dialética, fazendo com que todos participem sem fazer qualquer repreensão ao aluno que intervém na sua fala. Ela procura explorar o que cada criança sabe e conhece, aprendendo também o repertório dos alunos.
Desse modo, todos os alunos da classe acabam participando, até mesmo os mais tímidos. A maneira de intervenção da professora, estimulando os alunos a pensarem sobre as diferenças entre a linguagem oral e a escrita, motiva-os e quebra assim o paradigma de que para alfabetizar é necessário usar maneiras repetitivas e mecânicas.

4.

A Formação da consciência crítica do futuro docente, que se deseja interventor na realidade dos seus alunos:

O Projeto Bolsa Alfabetização do FDE como possibilidade dessa formação

Solange Padilha Oliveira Guimarães

INTRODUÇÃO

A escola é o local onde deve acontecer a transmissão dos bens culturais construídos pela humanidade, ao longo da história humana, às gerações futuras. É sua responsabilidade intrínseca, atribuída pela sociedade que  a instituiu. Essa mesma sociedade espera que a escola cumpra seu papel de formar suas crianças e jovens, os quais devem ser inseridos na vida social como cidadãos atuantes e perpetuadores dessa sociedade.
Os profissionais que recebem a formação para atuarem na dinâmica escolar são membros dessa sociedade que a escola se insere e, portanto, vivem as mesmas  questões sociais dos seus alunos, ou, pelo menos, devem  conhecer essa realidade. Mas, percebemos, na nossa longa experiência como profissional da escola de Ensino Fundamental e Médio, nas redes pública e privada, ocupando as funções de professora e de coordenadora pedagógica, que muitos professores não desenvolvem  uma prática interventora, ou seja, não se posicionam com um comprometimento atuante na mudança da realidade dos seus alunos. Por que razão isso acontece, já que muitos deles pertencem à mesma comunidade escolar?
Entendemos que o papel da docência não pode ser reduzido ao mero treino em habilidades práticas, mas envolve a formação de profissionais da Educação cuja atuação seja vital para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Entendemos como sociedade democrática aquela em que todos os cidadãos têm acesso aos bens culturais e materiais construídos pela humanidade, aliada à convivência pacífica,  na diversidade.
Nesse sentido, o educador e a educadora precisam desenvolver a conscientização do seu papel de mediadores da leitura do mundo, juntamente com seu aluno e aluna, na busca constante da superação de uma realidade presente. Podemos afirmar que a educação ocorre nessa condição, a da superação de uma realidade, fato, conhecimento, atitude, para a construção de uma nova realidade, ou seja, o ser que foi educado superou uma situação anterior.
Mas, a nossa preocupação, nesse texto, é de desenvolver uma breve análise da formação do futuro educador/educadora que receberam, em  sua formação inicial, as práticas educativas as quais promovem/possibilitam a consciência crítica, para uma atuação interventora na realidade dos seus alunos. Destacamos o Projeto Bolsa Alfabetização para exemplificar o que afirmamos no texto.
O conceito de consciência crítica, segundo Paulo Freire
Em Pedagogia do Oprimido Paulo Freire (1977) apresentou uma reflexão sobre suas experiências na educação de analfabetos camponeses, desenvolvendo a temática do diálogo – pronúncia da palavra que transforma o mundo – entre as diferenças culturais, para a superação das dificuldades comuns. O autor propôs, nessa obra, um compromisso político do educador em conduzir o desvelamento do mundo objetivo, pela dialogicidade, na superação das consciências ingênuas, por meio da educação como prática da liberdade, aquela que permite o desenvolvimento de uma consciência crítica.
O autor nos fala, também, de uma conscientização que vai além de perceber a realidade objetiva, mas, na dinâmica da ação-reflexão-ação (práxis), o ser humano possibilita problematizar suas ações num processo contínuo, dialético, e transformar esta realidade, que novamente poderá será problematizada.
Assim, o sujeito se faz e refaz e se descobre sujeito da própria história. Para Freire (1977), a transformação do mundo só acontece neste movimento que é práxis. Mas, a conscientização do sujeito não acontece separadamente dos demais. As consciências críticas e transformadoras do mundo são construídas no diálogo entre os homens, no mundo social.
Nesse sentido, a conscientização crítica – que é oposta à ingênua – faz-se pela capacidade que o ser humano possui de se afastar da sua realidade e admirá-la, ou seja, num processo de reflexão das suas ações problematizadas – práxis – o ser humano retorna à ação para modificá-la.            
Tão logo percebam a sua condição, libertam-se, ou seja, transformam-se em pessoas tornadas conscientes de si mesmas, da sua realidade, e conscientes do mundo social como obra humana, cuja responsabilidade do próprio destino é tão somente sua. Para Freire:

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “des-vela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens¹.

_____________________________

¹ FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. p. 26

A conscientização é resultado da práxis, ou seja, a conscientização não é apenas perceber ou enxergar a realidade a sua volta, mas, numa posição curiosa, investigadora, pesquisadora, analisar essa realidade sob todos os seus aspectos constitutivos – filosóficos, dogmáticos, ideológicos, – para possibilitar a construção de uma nova realidade. Essa nova realidade também deve ser alvo de crítica e análise constante, sendo essa dialética a dinâmica de transformação do mundo. 
Freire chama de libertação o ato de assumirmos a nossa posição de sujeitos da história. Então, após o exercício da ação-reflexão que é práxis,  este sujeito atua, decide e modifica a própria história. Poderíamos dizer, então, que o processo de humanização – desenvolvimento da identidade humana – é tecido na teia das relações sociais, historicamente e dentro de um contexto; ou seja, é o resultado daquilo que fazemos – nossas ações – em interação com o que recebemos – nossas condições, em confronto com as respostas que damos a esses desafios.
Assim sendo, ao confrontarmos a teoria de Freire com a nossa vivência na formação de futuros educadores e  educadoras, que desejamos como interventores na realidade de seus alunos, poderemos evidenciar a consciência crítica como elemento necessário a essa formação.
A nossa preocupação se evidencia, nesta questão, sobre o que provoca a assunção da consciência crítica do nosso aluno, futuro educador/educadora? Ou seja, o que provoca o momento da decisão, de opção/resposta diante das questões  da prática educativa? Quais as práticas educativas que promovem o desenvolvimento da consciência crítica do nosso futuro docente,  permitindo-lhe a leitura da realidade de seus alunos e a sua efetiva intervenção?
A questão Teoria-prática na formação inicial dos alunos da Pedagogia e a contribuição do Ler e Escrever para a conscientização
A formação profissional exige rigor metodológico; exige competência para que o saber sistematizado possibilite o desenvolvimento da curiosidade do aluno por esse saber, permitindo a formação das consciências críticas. Freire² nos fala que a competência profissional do professor promove o respeito do aluno pelas suas aulas, traduzindo-se num clima propício para o aprendizado, pois ambos, professor e aluno, estão no processo de ensinar e aprender. Para o autor, “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”³

_____________________________

² Idem.
³ SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, Sujeito, História. .p.9

No momento em que  o profissional da sala de aula é sujeito de sua prática, essa formação o habilita para  uma constante ação-reflexão-ação dessa prática, que se faz e refaz na dinâmica do processo ensino-aprendizado, fruto do seu trabalho. A escola existe para que o aluno aprenda os conteúdos das várias ciências e, principalmente, na escola de ensino básico, aprenda a ler, muito bem; a escrever e desenvolver o raciocínio lógico. Somente de posse destas condições, o aluno poderá ser inserido, efetivamente, na sociedade como cidadão atuante.
O Bolsa Alfabetização é parte integrante do Programa Ler e Escrever  para as escolas do EF, da rede oficial, no atual governo do Estado de São Paulo. Visa, preferencialmente, fazer a leitura da prática da sala de alfabetização, ou seja, a sua finalidade principal, dentre outras, seria de resolver a questão do analfabetismo funcional, estabelecido como uma praga nas escolas brasileiras. Para isso, o Bolsa Alfabetização, em parceria com as IES formadoras de  futuros professores, inserem os alunos dos Cursos de Pedagogiae de Letras na sala de aula de alfabetização, orientadas por uma professora da IES, para fazer a intervenção nas situações de dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita dos alunos. A aluna, o aluno recebem uma bolsa de quinhentos reais, mais duzentos reais como auxílio de passagens, do Estado.
No início do ano letivo de 2009, cinco alunas da UNIBR – Faculdade de São Vicente foram inseridas no Projeto Bolsa Alfabetização, orientadas por uma professora doutora, para a intervenção nas atividades pedagógicas das classes de alfabetização, em escolas do município de São Vicente.

A experiência com esse projeto nos mostrou que o diálogo dos alunos formandos,  com a prática problematizada, permitiu e permite o desenvolvimento das consciências críticas por meio da dialética entre o agir e o refletir para agir, ou seja, é o momento da reflexão crítica sobre a prática que, ao ser admirada, desvela a realidade concreta, na qual a escola está inserida.
Nesse sentido, confirmamos que a educação é um processo mediatizado pela realidade que professor e aluno apreendem, possibilitando o desenvolvimento de uma conscientização dessa realidade, para a  intervenção e transformação da mesma. O processo de intervenção só pode ser construído na sua dialogicidade, ou seja, na relação de troca permanente entre educador-educando mediados por suas experiências sociais e culturais, para, juntos, transformar o mundo. Segundo Freire:
A educação problematizadora está fundamentada sobre a criatividade e estimula uma ação e uma reflexão verdadeiras sobre a realidade, respondendo assim a vocação dos homens que não são seres autênticos senão quando se comprometem na procura e na transformação criadoras. [..] A educação problematizadora – que não aceita nem um presente bem conduzido, nem um futuro predeterminado – enraíza-se no presente dinâmico e chega a ser revolucionária. 4
A educação problematizadora, postulada por Freire,  se faz presente na dinâmica do ProjetoBolsa Alfabetização , pois, o nosso aluno que está sendo formado para atuar na sala de aula, adquire uma postura dialógica, no movimento de ação-reflexão, que é práxis,  possibilitando o desvelar das consciências ingênuas, e, ainda, construindo a possibilidade de ler a realidade para modificá-la.

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4 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. p.35

REFERÊNCIAS:

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___________. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1983
SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, Sujeito, História. São Paulo: Olhho D’água, 2005.p.91

O uso de computadores no ensino de matemática

O USO DE COMPUTADORES NO ENSINO DE MATEMÁTICA

THE USE OF COMPUTERS ON MATHEMATICS TEACHING

Ms. Cláudia Cristina Soares de Carvalho

Faculdade de São Vicente – UNIBR

claucrimat@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste texto é propor uma reflexão a respeito do uso de computadores no ensino de matemática. Discutem-se principalmente as características e potencialidades educacionais de dois tipos de recursos computacionais: o Objeto de Aprendizagem e o Micromundo. Um objeto de aprendizagem é um recurso digital cujo objetivo é dar suporte à aprendizagem de um conceito. Micromundo é um caso particular de Objeto de Aprendizagem. Pode-se dizer o Micromundo é o objeto de Aprendizagem que permite ao usuário a construção de suas próprias ferramentas, comandos e representações. Por meio da apresentação de dois exemplos de Micromundos – o Mathsticks e a MusiCALcolorida – e um exemplo de Objeto de Aprendizagem – o Consecutivo – considera-se a questão da importância das ferramentas computacionais para o desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para conceitos matemáticos. Conclui-se que é possível usar os computadores para proporcionar experiências matemáticas que vão além de refazer eletronicamente as atividades realizadas comumente na escola. É possível desenvolver novas representações para alguns conceitos, como é o caso da representação da regularidade de uma sequência usando a linguagem Logo e a representação musical e colorida dos números decimais.

Palavras-chave: computadores, objetos de aprendizagem, micromundos e ensino de matemática.

ABSTRACT

The aim of this paper is to present a reflection about the use of computers on mathematics teaching. Mainly, the educational features and capabilities of two types of computing resources – the Learning Objects and the Microworld – are discussed. Learning Object is a digital resource that is used to support the learning of a concept. Microworld is a particular case of Learning Object. It is possible to say that the Microworld is the Learning Object that allowspeople to build their own tools, commands and representations. By presenting two examples of Microworld – the Mathsticks and the MusiCALcolorida – and an example of Learning Object – the Consecutivo – the question of the importance of computing tools for the development of new representational structures of mathematical concepts is considered. To conclude, it is possible to use the computers to provide mathematic experiences that go beyond to repeat electronically the activities commonly performed at school. It is possible to develop new representations to some concepts, such as the representation of regularity of a sequence using Logo language and the musical and colorful representation to decimal numbers.

Key-words: computers, learning objects, microworlds and mathematics education.

INTRODUÇÃO

A inserção de computadores no cenário educacional brasileiro iniciou-se em meados da década de 70 por meio da iniciativa de algumas universidades como a UFRJ, UFRGS e UNICAMP. Naquela época, a ideia de instrução programada de Skinner estava em ascensão e encontrou nos computadores um meio flexível para sua aplicabilidade. Segundo Valente (1995, p. 4), a finalidade dos programas de instrução programada era promover a formação de cidadãos capazes de executar tarefas predeterminadas com regras específicas. Neste contexto, nascia a instrução auxiliada por computador ou “computer-aided-system”, também conhecida como CAI ou CAS. Na versão brasileira estes programas ficaram conhecidos como PEC – Programas Educacionais por Computador.
Na década de 80, com as ideias construtivistas permeando o cenário educacional brasileiro, os computadores passaram a ser vistos não só como máquinas que auxiliam a instrução, mas como ferramentas que promovem a construção do conhecimento. Neste contexto, o Ministério da Educação brasileiro instituiu o programa EDUCOM cuja finalidade era a criação de ambientes educacionais usando o computador como recurso para promover aprendizagem. Segundo Valente; Almeida (1997, p. 8),no nosso programa, o papel do computador é de provocar mudanças pedagógicas profundas ao invés de automatizar o ensino ou preparar o aluno para ser capaz de trabalhar com o computador.
Quatro décadas se passaram depois dos primeiros movimentos de inserção dos computadores na educação brasileira. Durante este período, os computadores evoluíram e ficaram cada vez mais portáteis e acessíveis financeiramente ao cidadão brasileiro. Recursos tecnológicos digitais se tornaram cada vez mais presentes nas salas de aula brasileiras. Grande parte das escolas públicas já possui salas de informática e televisões conectadas a aparelhos de DVD. Nas escolas privadas é possível encontrar lousas digitais, projetores de imagens ligados ao computador e câmeras de vídeo/foto que podem ser utilizadas pelo professor a qualquer momento. Além disso, muitos alunos, mesmo com pouca idade, já possuem diversos aparelhos eletrônicos portáteis como celulares, vídeos-game, câmeras digitais, aparelhos multifuncionais contendo tocadores de áudio, vídeo, calculadora etc.
A disseminação das tecnologias na população mundial ocorre tão intensamente que nosso momento atual já é chamado de “era digital” e na escola sentimos o impacto dessa imersão tecnológica. Começamos a ver, por exemplo, alunos digitando em seus celulares mensagens SMS para outros colegas enquanto estão assistindo às aulas. Trabalhos que antes eram entregues em folha de almaço, hoje são enviados ao professor via e-mail. Alunos se sentem motivados quando as aulas ocorrem na sala de informática e já andam sem paciência para exposições com lousa e giz.
Diante de tantas evoluções tecnológicas, contrastes ainda são notados, principalmente no ensino público. Muitas escolas brasileiras não foram equipadas com computadores e sobrevivem em condições precárias sem terem mesas e cadeiras para os alunos assistirem às aulas. Há instituições de ensino que possuem salas com computadores “às moscas” ou que apresentam equipamentos defasados e com problemas de manutenção.
É no contexto da “era digital” e das discrepâncias tecnológicas que os educadores precisam refletir sobre o papel das tecnologias no ensino e na aprendizagem. Será que se ensina melhor utilizando recursos tecnológicos digitais? Será que os alunos aprendem mais quando estão num ambiente com tais recursos? Como é a qualidade desse tipo de material? Eles ajudam ou atrapalham? Algumas dessas questões serviram de inspiração para a realização deste artigo.
O objetivo deste texto é propor uma reflexão a respeito do uso de computadores no ensino de matemática. Dentre todo universo de recursos computacionais, usados para fins educacionais, discute-se o emprego de duas ferramentas específicas: os Objetos de Aprendizagem e os Micromundos. A respeito dessas ferramentas, são apresentadas definições, exemplos utilizados em sala de aula, exemplos em construção e referenciais teóricos, pertinentes ao campo da educação matemática, os quais dão suporte ao uso de tais ferramentas em sala de aula.

AMBIENTES COMPUTACIONAIS

A evolução dos equipamentos computacionais e a disseminação de seu uso na escola fizeram com que diversos pesquisadores no campo da educação matemática se interessassem em desenvolver softwares auxiliadores no processo de construção do conhecimento matemático em sala de aula. Muitos desses softwares são conhecidos como Objetos de Aprendizagem (learningobjects), outros ainda são chamados de Micromundos.

Objetos de Aprendizagem

Segundo Wiley (2000) existem muitas definições para o termo Objetos de Aprendizagem. Muitas delas são extremamente abrangentes de tal modo que um Objeto de Aprendizagem poderia ser qualquer coisa a nossa volta: uma carta, uma história em quadrinhos, um personagem de um filme etc. Para limitar a interpretação do termo e fornecer uma definição condizente com o uso do mesmo em pesquisas acadêmicas, Wiley (2000, p.7) propõe que Um objeto de aprendizagem é qualquer recurso digital que pode ser reusado para dar suporte à aprendizagem.
Os objetos de aprendizagem podem ser caracterizados a partir de suas funcionalidades e quantidade de recursos disponíveis ao usuário. Wiley (2000, p. 21-22) propôs cinco tipos de Objetos de Aprendizagem:
(1) Fundamental: possui apenas um recurso digital o qual não pode ser combinado com outro. A foto de uma pessoa resolvendo uma equação serve como exemplo.
(2) Combinado-fechado:. apresenta um número pequeno de recursos combinados, os quais não são individualmente acessíveis para reuso. Um vídeo mostrando uma pessoa resolvendo uma equação com um áudio de fundo explicando o processo de resolução exemplifica o tipo de objeto de aprendizagem pertencente a esta categoria.
(3) Combinado-aberto: encerra um amplo número de recursos digitais, os quais podem ser combinados pelo computador em tempo real quando há uma solicitação do usuário. Um exemplo deste caso é uma possível página na internet sobre resolução de equações com disponibilidade de imagens, textos, vídeos e sons, que somente vêm à tona ao serem solicitados pelo usuário.
(4) Apresentação-geradora: relaciona estrutura e lógica para combinar e/ou gerar outros Objetos de Aprendizagem dos tipos 01 e 02. São softwares os quais permitem a combinação ou construção de outros softwares mais simples.
(5) Apresentação-instrucional: caracteriza-se pelo fato de relacionar estrutura e lógica para combinar e/ou criar qualquer outro tipo de Objeto de Aprendizagem. Além disso, possui recursos os quais possibilitam interação do usuário e a avaliação de tais interações. Pode-se pensar num software o qual possibilite ao usuário selecionar recursos audiovisuais, e outros ligados à programação, para a escrita de equações e sua respectiva resolução.
Uma das principais características de um objeto de aprendizagem é a possibilidade de reuso em outros contextos por meio da combinação dos mesmos e do desenvolvimento de sequências de ensino que os articulem.
A questão do reuso é tão importante que já levou comunidades de pesquisa ao desenvolvimento de normas para a produção e catalogação de Objetos de Aprendizagem. O objetivo dessas normas é permitir a acessibilidade da população em geral por meio de um sistema de busca inteligente na internet. Essa foi a proposta do InstituteofElectricalandElectronicsEngineers (IEEE) o qual desenvolveu o Learning ObjectMetadata (LOM). Tal método descreve as características relevantes de um Objeto de Aprendizagem, usadas para sua catalogação em repositórios. Outra iniciativa, em nível nacional, foi a criação do projeto Rede Interativa Virtual de Educação (RIVED). O projeto foi desenvolvido em 2001 pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação Brasileiro (MEC) com o propósito de produzir conteúdos pedagógicos digitais, na forma de Objetos de Aprendizagem, para diferentes áreas do conhecimento e, com isso, possibilitar melhorias nas condições de ensino e aprendizagem e difundir o uso de tecnologias. Os recursos digitais produzidos no RIVED ficam disponíveis à população num site¹ na internet.

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¹ http://rived.mec.gov.br/site_objeto_lis.php

Micromundos

Segundo Healy; Kynigos (2010, p. 63), foi o pesquisador Seymour Papert o qual utilizou pela primeira vez que a palavra Micromundo no campo da educação matemática em 1972, na segunda edição do International Congresson Mathematics Education (ICME).
Naquele momento, o micromundo foi concebido como um ambiente em que as tecnologias digitais forneceriam uma maneira alternativa de aprender matemática.
Para Pappert (1986, p. 155), no projeto de um Micromundo, deve-se levar em consideração o fato de o ambiente deixar o aprendiz adquirir o conceito com um exemplo simples e acessível; possibilitar o desenvolvimento de jogos, atividades, artes etc. que tornem relevante o trabalho no Micromundo e permitir o desenvolvimento de conceitos necessários dentro da experiência nesse mundo.
Healy; Kynigos (2010, p.64-65) afirmam que com o advento dos softwares dinâmicos, os Micromundos, cuja principal característica era a reconstrução de conceitos por meio da linguagem de programação, foram aos poucos perdendo força no cenário educacional; entretanto, a possibilidade de criação de macros nesses ambientes dinâmicos manteve no ambiente computacional a principal característica dos Micromundos: permitir ao aluno o desenvolvimento de suas próprias ferramentas para explorar e modificar o cenário do ambiente em que o mesmo está trabalhando.
Hoyles; Noss; Adamson. (2002, p. 30) consideram que os Micromundos são ambientes onde as pessoas podem explorar e aprender a partir do que elas recebem de resposta do computador no retorno de suas explorações. Além disso, também consideram que há a ideia de que os estudantes não devem só interagir com as ferramentas do Micromundo, mas que possam modificá-las usando a programação.
Pode-se notar que as definições de Micromundo dadas anteriormente possuem características em comum. A primeira delas é o fato deles serem ambientes computacionais que permitem ao aluno a exploração de um conceito matemático. É a partir da exploração e da interação dos alunos com as ferramentas desse ambiente que a aprendizagem ocorre. Outra característica comum, e talvez a que diferencia o Micromundo de outros ambientes computacionais, é o fato dos alunos poderem criar suas próprias ferramentas dentro do ambiente e modificá-lo da maneira que deseja.
Um exemplo bastante conhecido de Micromundo é o softwareSuperLogo. Nesse ambiente, o aluno pode usar ferramentas simples para construir figuras clássicas da geometria plana e explorar suas propriedades. Além disso, usando uma linguagem de programação simples, o aluno pode criar suas próprias figuras ou novos comandos para manuseá-las.
Ao comparar a ideia de Micromundo e Objetos de Aprendizagem, chega-se à conclusão de que o Micromundo é um caso particular de Objeto de Aprendizagem. Pode-se dizer o Micromundo é o Objeto de Aprendizagem o qual permite ao usuário a construção de suas próprias ferramentas, comandos e representações.

MULTIPLICIDADE DE REPRESENTAÇÕES

Há vários motivos os quais fazem com que os computadores sejam o foco de pesquisas no campo da educação matemática. Um desses motivos é o fato das ferramentas computacionais permitirem o desenvolvimento de softwares de diferentes formas de representação de um conceito matemático e a rápida articulação entre essas formas de representação.
Muitos pesquisadores da educação matemática têm desenvolvido softwares os quais dão suporte às múltiplas representações de um conceito e têm testado esses ambientes em sala de aula a fim de saber como essas ferramentas auxiliam a aprendizagem de matemática.Kieran;Yerushalmy (2004) elaboraram um artigo contendo uma discussão panorâmica a respeito dos artigos submetidos ao 12° ICMI Study². Esses pesquisadores notaram um aumento expressivo nas pesquisas envolvendo ambientes as quais suportam múltiplas representações; afirmam que as tecnologias, por meio das múltiplas representações, podem enriquecer a compreensão conceitual da álgebra e seus processos.
Neste contexto, fala-se também no uso de computadores para o desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para a matemática.
Uma infraestrutura de representação é um conjunto de símbolos e regras de utilização, difundidos socialmente, que permitem a representação de conceitos e ideias de forma escrita, pictográfica, gráfica etc. A escrita fonética, para a comunidade em geral, e a álgebra, para a comunidade matemática, são exemplos de infraestrutura de representação, pois, devido a sua difusão social, permitiram aos humanos a capacidade de comunicar, construir e acumular conhecimento através do tempo e do espaço e resolver problemas que em épocas remotas não poderiam sequer ser acessados.
Uma vez que as tecnologias foram difundidas pelo mundo e os computadores passaram a fazer parte da rotina do ser humano, Kaput; Schorr (2007, p. 31-32) passam a considerar a influência de tais recursos no desenvolvimento de novas infraestruturas de representação. Os pesquisadores afirmam que a ferramenta computacional permitiu a evolução da maneira com que se representam os conhecimentos matemáticos e o olhar dinâmico sobre conceitos,  de tal modo que, muitas vezes, parecem novos conceitos e não apenas uma representação diferente.

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² ICMI: International Commission on Mathematical Instruction.

De forma importante, considerados juntos, as estratégias representacionais não são meramente uma série de funcionalidades de um software suportando algumas atividades curriculares, mas equivalem a uma reconstituição de ideias-chave (KAPUT, SCHORR, 2007, p. 35).

Segundo Kaput, Schorr (2007, p. 32) o uso de computadores no ambiente escolar e no meio acadêmico pode trazer três tipos de consequências para a maneira como se representam os conceitos matemáticos.
Na primeira conseqüência, verificam-se as mesmas representações dos conceitos matemáticos sendo realizadas no ambiente computacional. Não há mudanças na representação dos conceitos. A mudança ocorre no meio em que essas representações se tornam disponíveis à sociedade. Nesse momento, o conhecimento produzido de maneira estática e inerte se torna compreensível de outros modos, usando-se a notação tradicional num sistema computacional. Pode-se fazer isso a partir da criação de relações entre gráficos dinamicamente mutáveis, equações e tabelas. Isso já ocorre com o uso de alguns CAS (Computer Algebra System).
A segunda consequência está relacionada ao uso dos meios computacionais e de suas potencialidades dinâmicas para tornar possível a reconstrução de conceitos e/ou teorias.  É o caso dossoftwaresCabri-Géomètre e SuperLogo, os quais permitem a reconstrução da geometria Euclidiana e do SimCalc, o qual possibilita a recontrução da relação entre a matemática do movimento e o cálculo diferencial e integral.
A terceira consequência é a utilização dos computadores para a construção de novos sistemas de conhecimento empregando novas infraestruturas de representação. Devido às potencialidades organizacionais, lógicas, diâmicas e audiovisuais dos computadores, os novos sistemas de conhecimentos apresentarão múltiplas formas de representação, notação e relacionamentos do mesmo fenômeno. Uma vez difundida e utilizada pela sociedade, essas representações serão a base de uma nova infraestutura a qual proporcionará ao ser humano novas formas de compreender os conceitos, utilizá-los e resolver problemas que os envolva. A ampliação do ambiente SimCalc, desenvolvida  pelos pesquisadores do Kaput Center na Universidade de Massachussets, é um exemplo desse tipo de consequência.
Ao se trazer à tona a discussão a respeito das múltiplas representações de conceitos matemáticos e da possibilidade de desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para esses conceitos no ambiente computacional, também inseri-se no mundo acadêmico fatores os quais podem auxiliar na avaliação dossoftwares voltados ao ensino. Com tais ideias em mente, pode-se verificar se os ambientes computacionais (1) apenas reproduzem na tela aquilo que poderia ser feito com papel e lápis, (2) trazem novas contribuições permitindo a representação de conceitos de um modo que não poderia ser feito usando-se outros recursos, (3) apresentam múltiplas representações para um conceito e permitem a articulação dinâmica dessas representações e (4) possibilitam ao aluno a criação de sua própria representação para o conceito em questão.
Na próxima seção, são apresentados alguns exemplos de Objetos de Aprendizagem e Micromundos e discutido como favorecem a articulação e o desenvolvimento de representações para alguns conceitos matemáticos.

ALGUNS EXEMPLOS

A seguir apresentam-se os MicromundosMathsticks e MusiCALcolorida e o Objeto de Aprendizagem Consecutivo. Além da apresentação dos ambientes, é discute-se as potencialidades representacionais de cada um deles.

Mathsticks

O micromundo Mathsticks foi desenvolvido pelos pesquisadores Richard Noss, Lulu Healy e CeliaHoyles, na Universidade de Londres,tendo como suporte a linguagem Logo de programação. Tal ambiente possibilita o trabalho com a generalização de padrões figurais, construídos pelo usuário com o auxílio de ferramentas disponíveis presentes na tela do computador. A criação desse Micromundo teve como motivação a constatação de que os métodos utilizados por alunos nas atividades com padrões figurais resumiam-se à construção de tabelas numéricas, as quais não expressavam a estrutura do padrão e conduziam a induções ingênuas.
Na figura 01 tem-se a imagem da tela inicial do Mathsticks. Ela é composta basicamente por (1) uma tartaruga, por (2) ícones no formato de setas direcionais, palitos e pontos, (3) por uma caixa de texto para registrar comandos Logo e (4) por uma caixa de texto para a entrada de comandos Logo.

Figura 01: Tela inicial do Mathsticks.

Para começar a construção de uma figura geométrica neste ambiente basta clicar nos ícones com formato de palito, ponto ou seta. Ao clicar, a tartaruga desenha o objeto selecionado na tela do computador. Por exemplo, se um aluno clicar sobre um palito vertical, a tartaruga desenhará essa imagem na tela. Ao clicar na seta para cima, a tartaruga dará um pulo para cima. Todos os procedimentos realizados na construção de uma figura ficam registrados na forma de comando da linguagem Logo, numa caixa de texto presente do lado direito da tela, para que o aluno possa observar e perceber padrões nas ações realizadas, durante sua construção.
O Mathsticks tem na sua essência as ideias de Pappert (1986, p. 151), ou seja, é […] um ambiente de aprendizagem interativa baseado no computador onde os pré-requisitos estão embutidos no sistema e onde os aprendizes podem tornar-se ativos, arquitetos construtores de sua própria aprendizagem.
O Micromundo em questão possibilita uma nova forma de pensar sobre as generalizações de padrões figurais, oferecendo um ambiente que combina o ritmo das ações com o visual e a representação simbólica diferente da utilizada tradicionalmente em sala de aula. Os padrões aparecem na tela do computador na forma figural ou na forma de comando na linguagem Logo.
Segundo Noss, Healy; Hoyles (1997, p. 210), este Micromundo é uma ferramenta útil para explorar a interação entre a criação do visual e os significados simbólicos.
O Mathsticks foi inspirado em padrões usando palitos, os quais são atividades presentes no currículo escolar. A proposta deste ambiente não é o transporte da atividade realizada em lápis e papel para o computador, como propõe o nível 01 discutido em Kaput; Schorr (2007, p. 32). Devido ao dinamismo das ações realizadas e da representação do registro dessas ações numa linguagem não familiar ao aluno (Logo), trata-se de um “mundo novo” de palitos, impossível de ser visitado sem a ajuda do ambiente.

MusiCALcolorida

A MusiCALcoloria é uma calculadora a qual permite a representação de números reais de três formas distintas: a numérica, a colorida e a musical.
Segundo Healy;Kynigos (2010, p. 68), este ambiente computacional foi inspirado na ColourCalculator, inicialmente desenvolvida pela pesquisadora canadense Nathalie Sinclair da Simon Fraser University. Na versão de Sinclair, as ferramentas presentes na interface do ambiente não permitiam aos usuários a criação de novos objetos. Por este motivo, no momento de sua criação, a ColourCalculator não era considerada um Micromundo.
Um pequeno grupo de pesquisadores, professores e estudantes brasileiros, ligados à Universidade Bandeirante de São Paulo, colaboraram entre si para o redesenho da ColourCalculator e desenvolveram a MusiCALcolorida. Neste novo ambiente, os usuários podem criar suas próprias músicas e sequência de cores e recombiná-las a fim de compreender a estrutura decimal dos números reais.

Figura 03: Raiz quadrada de três representada na MusiCALcolorida.

Na figura 03, pode-se observar seis elementos que constituem a interface da MusiCALcoloria:

(1) Uma calculadora tradicional contendo os algarismos arábicos e as operações adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação.
(2) Um painel que divulga a representação musical de um número real obtido quando se realiza uma operação na calculadora. A representação musical associa uma nota musical a cada algarismo do número real, de tal forma que se obtém uma música longa quando o número possui muitas casas depois da vírgula. É o caso da raiz quadrada de três, apresentada na figura 03, que contém infinitas casas decimais. No painel, ainda observa-se elementos os quais controlam aspectos sonoros da representação musical dos números reais. Por meio dele, pode-se modificar o tipo de instrumento, o tom e o tempo dos sons.
(3) Uma caixa de texto onde aparecem os números reais que são resultados das operações realizadas na calculadora. No exemplo da figura três, tem-se a representação numérica da raiz quadrada de três.
(4) Um painel que mostra a representação colorida do número real obtido como resultado de uma operação realizada na calculadora. Essa representação associa uma cor diferente a cada algarismo do número real resultante das operações realizadas na calculadora.
(5) Um painel que apresenta uma série de botões e barras de rolagem contendo desafios para os usuários, ferramentas que permitem modificar as teclas da calculadora e ativar ou desativar o áudio.
(6) Um painel que apresenta uma barra de rolagem para que o usuário decida quantas casas decimais do número real ele deseja ver ou ouvir.
Segundo Healy;Kynigos (2010, p. 69) este micromundo permite aos usuários uma experiência numérica, usando diferentes sentidos, o que torna a MusiCALcoloria uma ferramenta apropriada para o trabalho com cegos e surdos, proporcionando uma matemática mais inclusiva.
A MusiCALcoloria comporta representações para um número real diferentes daquelas utilizadas numa aula tradicional realizada no ambiente com papel e lápis. É um exemplo de Micromundo que contribui para a formação de novas estruturas de representação de conceitos.

Consecutivo

Consecutivo é um Objeto de Aprendizagem desenvolvido por esta autora junto ao grupo de Tecnologias Digitais e Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo. A proposta deste ambiente computacional é engajar os alunos no processo de elaboração de justificativas formais às propriedades da soma e do produto de números consecutivos.

Figura 04: Interface do Consecutivo.

Na figura 04, tem-se a imagem da interface do Consecutivo e nota-se em destaque cinco componentes do ambiente:
(1) Uma reta numérica no centro da tela, na qual o usuário poderá envolver alguns números consecutivos com uma figura retangular.
(2) Um painel dinâmico o qual oferece ao usuário a escolha de quantos números consecutivos deseja envolver; por qual número deseja começar a sequência de números consecutivos; o valor da soma e do produto do conjunto de números escolhido.
(3) Um painel em que o aluno poderá escolher visualizar o valor da soma e do produto dos números consecutivos com outra representação como a numérica, algébrica ou figural.
(4) Um painel o qual mostrará a representação da soma e do produto dos números consecutivos na forma escolhida pelo usuário, como numérica, algébrica ou figural. Na figura 04, apresenta-se um exemplo de representação numérica para os números consecutivos.
(5) Um painel onde aparecerão tarefas a serem realizadas pelos usuários. As tarefas solicitarão a prova de algumas propriedades sobre números consecutivos. Pode aparecer no painel, por exemplo, uma tarefa a qual solicite ao aluno a prova de que a soma de três números consecutivos é divisível por três ou de que o produto de dois números consecutivos é um número par.
O Consecutivo será composto de atividades suportadas por múltiplas representações dos números consecutivos a fim de fazer com que os alunos, por meio da exploração do ambiente, percebam propriedades, elaborem conjecturas e justificativas formais.
Haverá três tipos de representações disponíveis para os números consecutivos, sua soma e produto: a numérica, a algébrica e a figural. Muitas dessas representações poderiam ser realizadas sem a ajuda do computador, num ambiente composto apenas por papel e lápis. É o caso da representação de um número natural pela sua decomposição em fatores primos; entretanto, a contribuição do ambiente computacional está no dinâmismo com que se pode alterar a representação de um mesmo número e o rápido transitar entre as mesmas. Por este motivo, o ambiente que esta autora desenvolverá não faz apenas uma simples transição para o computador das representações tradicionais dos números consecutivos, ele as articula de modo a proporcionar ao aluno um conhecimento integrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fazer uso eficiente e significativo das tecnologias digitais em sala de aula talvez seja o maior desafio desta década para os educadores. Em meio à massiva inserção de poderosos recursos digitais no dia-a-dia dos cidadãos, os professores ainda são os responsáveis por realizar um ensino expositivo o qual ocorre em grande parte em salas de aula com giz, lousa, papel e lápis.
Para superar-se o desafio proposto pela “era digital”, é necessária uma reflexão profunda a respeito do papel das tecnologias no ambiente escolar. Elas ajudam? Atrapalham? Melhoram o desempenho dos alunos ou pioram?
Neste artigo encontram-se estudiosos na área de educação matemática, os quais abordam a questão da inserção dos computadores no ensino. Tais pesquisas, por meio da criação de Objetos de Aprendizagem e Micromundos, vislumbram o acesso dos estudantes às tecnologias de uma forma que lhes possibilite uma mudança qualitativa na forma de construir conhecimento. Neste contexto, não basta usar os computadores para “colocar uma roupa diferente” nas atividades realizadas comumente na escola. A preocupação dos pesquisadores em educação matemática é proporcionar ambientes os quais permitam novas formas de representação de conceitos matemáticos, mais dinâmicas e interativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HOYLES, Celia; NOSS, Richard; ADAMSON, Ross.Rethinking the Microworld Idea.Journal of Educational Computing Research, Amityville, v. 27, n. 1-2, p. 29-53, 2002.

KIERAN, Carolyn; YERUSHALMY, Michal.Research on the role of technological environments in algebra learning and teaching. In: STACEY, Kaye; CHICK, Helen; KENDAL, Margaret. The future of the teaching and learning of algebra: The 12th ICMI Study.Melbourne:The University of Melbourne, 2004. p. 21-33.

NOSS, Richard; HEALY, Lulu; HOYLES, Celia. The construction of mathematical meanings: connecting the visual with the symbolic.EducationalStudies in Mathematics.London, v. 33, n. 2, p..203-233, 1997.

PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educação. 2.ed.São Paulo: Brasiliense, 1986.

MeioEletrônico

KAPUT, James; SCHORR, R. Changing representational infrastrucutures, changes most everything: the case of SimCalc, álgebra and calculus. In: HEID, M. K. BLUME, G. (Ed.), Research on technology in the learning and teaching of mathematics:Syntheses and perspectives,2007. Disponível em: http://www.kaputcenter.umassd.edu/downloads/simcalc/cc1/library/changinginfrastruct.pdf. Acesso em: 08 out. 2010.

VALENTE, José Armando. Computadores e conhecimento:repensando a educação.Campinas: UNICAMP, 1995. Disponível em: http://www.nied.unicamp.br/ publicacoes/publicacao_detalhes.php?id=50. Acesso em 20 out. 2010.

VALENTE, José Armando; ALMEIDA, Fernando José. Visão Analítica da Informática na Educação no Brasil: a questão da formação do professor. Revista Brasileira de Informática na Educação.Porto Alegre, n. 1, 1997. Disponível em:http://www.professores.uff.br/hjbortol/car/library/valente.html. Acesso em: 07 ago. 2010.

WILEY, David A. Connecting learning objects to instructional design theory: A definition, a metaphor, and a taxonomy. In D. A. Wiley (Ed.), The Instructional Use of Learning

Relações entre os países africanos de língua portuguesa e o Brasil na formação das literaturas nacionais

RELAÇÕES ENTRE OS PAÍSES AFRICANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E O BRASIL NA FORMAÇÃO DAS LITERATURAS NACIONAIS

THE FORMATION OF AFRICAN LITERATURE THE COUNTRIES COLONIZED BY PORTUGAL AND BRAZILIAN LITERATURE

Drª Giselle Larizzatti Agazzi

Centro Universitário da FEI

giselleagazzi@terra.com.br

RESUMO

O artigo aponta para questões relativas à formação das literaturas africanas de língua portuguesa e o papel do Brasil nesse processo. Como resgatar e construir um olhar para o que é “próprio da terra”? Como engendrar a um só tempo uma literatura nacional e crítica em um contexto de opressão social, de guerras nacionais? As literaturas de língua portuguesa do Brasil e dos países africanos são distintas, mas se aproximaram e muito, projetando inclusive problemas comuns.

Palavras-chave: Literatura dos Países Africanos de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Formação da Literatura

ABSTRACT

Brazilian literature directly influenced the formation of African literature of the countries colonized by Portugal. The article describes the development of African literature in Portuguese and Brazil’s role in this process. The literatures of the Portuguese-speaking Brazil and African countries are different, but they approached, including designing common problems.

Key-words: African literature of Lusophone Countries, Brazilian Literature, Formation of Literature

Para começo de conversa

O processo de independência nas colônias africanas se inicia em meados dos anos de 1950 e se estende em alguns países por décadas. Moçambique e Angola, por exemplo, passaram mais de vinte anos em guerra, cujo fim, respectivamente, em 1975 e 1976, não significou o início de tempos de paz.
Ao contrário do que se poderia esperar, esses anos marcaram o início de outras guerrilhas, travadas entre as facções políticas que ficaram fora dos governos instituídos na pós-independência. A Guerra Fria foi determinante para o caos que se instalava, ditando a composição de forças no contexto internacional: de um lado, agiam os movimentos ligados à antiga União Soviética e de outro, os financiados pelos Estados Unidos. As relações sociais eram permanentemente tensas e a corrupção lançava seus tentáculos nas instituições e no poder públicos.
Os longos e terríveis anos de imperialismo, as constantes disputadas armadas, os conflitos étnicos entre as diversas comunidades aprofundaram a fragmentação das nações que assim se identificavam tão somente pelas fronteiras definidas em mesas européias. A construção da identidade era algo tão distante como a paz. Ricos em matérias-primas, os países africanos de língua portuguesa sofrem ainda hoje as consequências dos anos de dominação e exploração.
Esse brevíssimo olhar histórico sugere o quão complexa era a situação pós-independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. E o quão violentas. Histórias arrasadas pela ação humana hostil não se recompõem em curtos espaços de tempo. São anos, décadas e, às vezes, séculos para que a reconstrução dos vínculos seja possível.
É dentro dessas fraturas sociais que temos de lançar nossos olhares, se quisermos adentrar as literaturas africanas de língua portuguesa.
Como pensar a consolidação de movimentos artísticos em países violentados e violentos, em que a fome é um flagelo, a miséria e o analfabetismo predominam? Como a história de cada uma das nações forjou a palavra estética? Como, aliás, pensar na formação da literatura desses países?

Aproximações para além do Atlântico

Com a independência e apesar do prolongamento das crises sociais, as nações africanas de língua portuguesa buscaram se afirmar dentro do continente e para o mundo, enquanto buscavam a paz e a reconstrução social. Nesse contexto, os movimentos sociais começam a se organizar para contribuir de algum modo com a construção de um estado autônomo e de direito. Como unir as pessoas em torno dessa busca?
Conceber a palavra como instrumento de luta e de transformação social não é privilégio do imaginário iluminista europeu. Nas nações africanas, os homens das letras, formados muitas vezes em Portugal, são chamados pelo próprio estado de miséria e de carência a se mobilizarem para projetar outro modo de vida possível. Conscientes das possibilidades de ação que a escrita lhes dava, não se eximiram da necessidade de responderem às demandas sociais. Verifica-se, nesse momento, o anseio pela consolidação das literaturas nacionais.
A partir de 1950 e ao longo das guerras pela independência, é que se pode falar, pois, da formação de algumas das literaturas dos países africanos de língua portuguesa. Registros literários anteriores já tinham sido publicados, mas ainda não se reconhecia o que o crítico literário Antonio Candido chama de “sistema literário” e que configura o início de uma literatura vigorosa:

Entendo aqui por sistema a articulação dos elementos que constituem a atividade literária regular: autores formando um conjunto virtual, e veículos que permitem o seu relacionamento, definindo uma ‘vida literária’: públicos, restritos ou amplos, capazes de ler ou ouvir as obras, permitindo com isso que elas circulem e atuem; tradição, que é o reconhecimento de obras e autores precedentes, funcionando como exemplo ou justificativa daquilo que se quer fazer, mesmo que seja para rejeitar. (CANDIDO, 1998, p. 6)

As informações históricas sobre as relações literárias entre o Brasil e o império português na África datam já do século XIX, quando o poeta José da Silva Maia Ferreira, autor do primeiro livro africano de que se tem conhecimento – Espontaneidades da minha alma: Às senhoras africanas (1850) – esteve no Rio de Janeiro. O autor divulgou a verve romântica dos escritores brasileiros, reconhecidamente de Gonçalves Dias, como se pode identificar no seu poema “À minha terra”, publicado em 1849:


“De leite o mar – lá desponta
Entre as vagas sussurrando
A terra em que cismando
Vejo ao longe branquejar!
É baça e proeminente,
Tem d’Africa o sol ardente,
Que sobre a areia fervente
Vem-me a mente acalentar.

Debaixo do fogo intenso,
Onde só brilha formosa,
Sinto n’alma fervorosa
O desejo de a abraçar:
É a minha terra querida,
Toda d’alma, – toda – vida, –
Qu’entre gozos foi fruida
Sem temores, nem pesar.

Bem vinda sejas ó terra,
Minha terra primorosa,
Despe as galas – que vaidosa
Ante mim queres mostrar:
Mesmo simples teus fulgores,
Os teus montes tem primores,
Que às vezes falam de amores
A quem os sabe adorar!
(…)”

O poema africano é escrito logo que José Maia regressa do Rio de Janeiro. Chegando às terras brasileiras, o poeta não se cansa de ler e procurar entender a literatura nacional, a fim de produzir a sua própria obra, com características africanas. Para realizar seu intento, estabelece os diálogos intertextuais e, olhando para o continente latino-americano, trata de negar Portugal. O nacionalismo, a busca da identidade, a história do povo emergem: “É em José da Silva Maia Ferreira que se indica uma certa consciência regional, condição primeira para uma consciência nacional” (FERREIRA, 1977, p. 9)
As literaturas africanas de língua portuguesa seguem percursos próprios depois da independência, apesar de também guardarem inúmeras similaridades. Como nos ensina Rita Chaves (1999), ao analisar a literatura angolana, o problema inicial que todas as nações enfrentaram era o da busca de um referencial literário. Portugal parecia muito mais distante então do que sempre fora.
Por que não olhar para a Europa? A pergunta poderia ter resposta fácil para um olhar incauto: negar o colonizador português.
Mas a resposta não é assim tão imediata, quando se têm em perspectiva os intrincados históricos dos países africanos da Comunidade de Língua Portuguesa.
Para além da questão da independência, havia outra ainda mais premente. Tratava-se da formação de uma literatura, que veiculasse tematica e esteticamente valores nacionais. Como resgatar e construir um olhar para o que é “próprio da terra”? A incorporação desse problema pelos escritores levou-os percorrer o olhar de uma ex-colônia: escrever das margens da história não é como escrever do centro dela.
O homem letrado teve, aqui, que desempenhar um papel de arqueólogo: por entre os escombros dos terrores vividos, precisou encontrar e iluminar o que poderia identificar os homens dentro do mesmo território.
Os escritores de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde recuperam do primeiro livro publicado na África o diálogo com o Brasil. Carlos Ervedosa, em Roteiro da Literatura Angolana, analisa esse fenômeno:

Desenvolvia-se um fenômeno original, no âmbito das literaturas de expressão portuguesa, activado por um conjunto de jovens talentosos e cultos espalhados por Luanda e pelos centros universitários de Lisboa e Coimbra (…) Até eles havia chegado, nítido, o ‘grito do Ipiranga’ das artes e letras brasileiras, e a lição dos seus escritores mais representativos, em especial Jorge de Lima, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Lins do Rego e Jorge Amado, foi bem assimilada. (ERVEDOSA, 1977, p. 84)

Em 1950, o Brasil impulsiona e dá vigor ao “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola”, que funda a revista Mensagem, importante periódico em torno do qual se reuniram os primeiros escritores da resistência à colonização portuguesa.
Alguns deles como António Jacinto, Viriato da Cruz, Mário António divulgavam a guerra de independência; outros escreveram no front de batalha importantes obras da literatura universal. Mayombe, de Pepetela, produzido entre 1970 e 1971, é exemplo dessa literatura que surge do e no epicentro da guerra:

O Mayombe começa com um comunicado de guerra. Eu escrevi o comunicado e…o comunicado pareceu-me muito frio, coisa para jornalista, e eu continuei o comunicado de guerra para mim, assim nasceu o livro. (http://www.portaldaliteratura.com/livros.php?livro=3591)

O Brasil contribuía, mesmo se de modo transversal, para a conscientização crescente da pequena burguesia africana das condições nacionais e valores da terra, incitando a criar e a fortalecer o movimento de resistência cultural e político.
Desses anos, surgiram as primeiras rupturas com os modelos europeus, lidas não apenas em Angola, mas também em Cabo Verde.
Em “Ecos do modernismo brasileiro (entre africanos)”, a crítica brasileira Maria Aparecida Santilli tece as pontes entre os dois continentes, narrando a iniciação na literatura do poeta Jorge Barbosa, um dos fundadores da revista Claridade:

(…) o caboverdiano Jorge Barbosa, como os brasileiros de 22 e seus continuadores, acabou por exercitar a leitura da realidade caboverdiana com lentes próprias, pelo corte arqueológico das camadas culturais do seu país, revolvendo os escaninhos da memória nacional.” (SANTILLI, 1986, p. 130)

A crescente desalienação de uma significativa parcela da intelectualidade de Cabo Verde encontrava no horizonte os protestos literários brasileiros. Se a história do país latino-americano de expressão portuguesa não parece grandiosa aos naturais daqui, aos olhos dos de África é sempre apontada como um projeto possível a ser alcançado.
Nos anos pré-independência, o Brasil representava a possibilidade de atingir a utopia dos novos tempos e possibilitava ao africano sob o jugo colonial divisar outros devir, migrando, para usar a expressão do professor Benjamin Abdala Júnior, “do insulamento ao sonho prospectivo” (ABDALA Jr, 2003, p.230). É de Ovídio Martins o poema-protesto contra o sentimento de evasão do ilhéu diante das vicissitudes da terra:


“Pedirei
Suplicarei
Chorarei

Não vou para Pasárgada

Atirar-me-ei ao chão
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue

Não vou para Pasárgada

Gritarei

Berrarei
Matarei

Não vou para Paságada.” (apud FERREIRA, 1975, p.186)

A franca alusão ao poema de Bandeira e a negação à evasão apontam para o que o ensaísta angolano Mário de Andrade afirma ao identificar nos movimentos de resistência à colonização uma evidente articulação entre o movimento de libertação nacional e a literatura africana¹.
O que se vê é que os intelectuais africanos, ao se apropriarem da literatura brasileira, também se apropriavam dos imaginários por ela veiculados, compondo versos e narrativas que dialogavam seja do ponto de vista estético, seja temático.
O poeta e o primeiro presidente de Angola independente, Agostinho Neto, traduz o sentimento da africanidade, disperso pelo mundo:

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¹ Vale lembrar que também nossos intelectuais, mentores da Inconfidência Mineira, tiveram exílio em Angola. Em terras angolanas, os brasileiros aprenderam a cultura africana, reconstruindo-a em suas produções literárias.


Voz do sangue

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos. (AGOSTINHO NETO, 1982, p. 18)

A África não se limita às fronteiras. Ela está para além delas, correndo nas veias dos homens de outras nações, outros idiomas e outras histórias. As aproximações entre as literaturas não são, pois, gratuitas. Um olhar comparativo acerca da construção das nações de língua portuguesa da África e da América ilumina as proximidades inegáveis que elas guardam para além da identidade linguística, vista na História da colonização e na diáspora africana.

Nacionalismo e Independência: um problema para as literaturas

A luta pela independência nos dois lados do Atlântico impunha outra questão crucial ao lado daquela já mencionada, lida na constituição da identidade nacional. Tratava-se da íntima relação entre a modernização do Estado e a liberdade das pátrias. Conquistar a independência do colonizador implicava em assumir um posicionamento crítico diante das problemáticas internas e da própria noção de pátria.
Como não ver corrompida a perspectiva nacionalista-ufanista de terras cujos povos se mantinham em guerra?
No século XX, essa perspectiva crítica era inevitável.
Era urgente lidar com as diferenças e divergências entre as inúmeras comunidades e ideologias, a fim de construir uma identidade que as unificasse – mesmo se temporariamente – em torno do objetivo comum.
Ao intelectual, que não podia se eximir dos problemas que atravessavam a nação, coube a tarefa de engendrar o espírito de nação, divulgando visões da africanidade portuguesa.
Quem somos? O que temos em comum? Qual a pátria que deve ser liberta? Qual o inimigo comum?
Vivendo os profundos dilemas, o escritor buscava animar os movimentos de independência. É o que canta a poetisa de São Tomé, Alda do Espírito Santo:


“Para vós carrascos
O perdão não tem nome.
A justiça vai soar
O sangue das vidas caídas
Nos matos da morte
Clamando justiça
É a chama da humanidade
Cantando a esperança
Num mundo sem peias
Onde a liberdade é a pátria dos homens” (SANTO, 1978, p. 45)

O que se lê nesse período de consolidação das literaturas africanas de língua portuguesa é que os problemas experimentados pelos escritores do Romantismo brasileiro – a saber, a convivência entre o nacionalismo-ufanista, o desejo da libertação da pátria e a visão crítica sobre ela – contribuíam para os africanos pensarem sobre as questões vividas quase um século depois.
A independência de Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau evidentemente não repetiu a História Brasileira. Assim como as literaturas africanas de língua portuguesa também não copiaram as letras brasileiras. Mas se aproximaram e muito, projetando inclusive problemas comuns. Tecendo o imaginário da pátria de todos os povos colonizados, os escritores encontraram na literatura o terreno fértil para que se fortalecessem as identidades nacionais.

REFERÊNCIAS:

Livros

ABDALA Jr., Benjamin. “Utopia e dualidade no contato de culturas: o nascimento da literatura cabo-verdiana”. In: LEÃO, Ângela Vaz (org). Contatos e ressonâncias: literaturas africanas de língua portuguesa. Belo Horizonte: PUC, 2003, p. 209-236)
AGOSTINHO NETO, António. A renúncia impossível. Luanda: INALD, 1982.
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. (v.1)
CHAVES, Rita. Formação do romance angolano. São Paulo: Via Atlântica, 1999.
____________. O Brasil no imaginário nacionalista africano: O trânsito das letras e o roteiro das utopias”. In: MENEZES, Jaci M. F. Relações no Atlântico Sul: história e contemporaneidade. Salvador: UNEB, 2003, p. 39-48.
EVERDOSA, Carlos. Roteiro da literatura angolana. Lisboa, UEA, 1977.

FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa, Instituo de Cultura Portuguesa, 1977.
SANTILLI, Maria Aparecida. Africanidades. São Paulo: Ática, 1986.
SANTO, Alda do Espírito. É nosso o solo sagrado da terra: poesia de protesto e de luta. Lisboa: Ulmeiro, 1978.

Meio Eletrônico

http://www.portaldaliteratura.com/livros.php?livro=3591, consultado em agosto de 2011.