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AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: instrumento de exercício de poder e desenvolvimento de estratégias

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: instrumento de exercício de poder e desenvolvimento de estratégias

INSTITUTIONAL EVALUATION: exercising power tool and development strategies

MARCELO LEANDRO FERRAZ ALVES

Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo
UNIBR-Faculdade de São Vicente
mlferrazalves@terra.com.br

RESUMO

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) inclui, como um de seus indicadores, a Autoavaliação Institucional, de responsabilidade das próprias Instituições de Ensino Superior (IES) e promovida, em seu âmbito, pelas Comissões Permanentes de Avalição (CPA). Essas avaliações devem gerar ações internas nas IES com o intuito de qualificar seus serviços, instalações e profissionais. A avaliação cumpre funções as quais envolvem relações de poder e estratégias desenvolvidas por seus usuários para atingir seus objetivos. É relevante, portanto, identificar esses mecanismos que influenciam diretamente o preenchimento das ferramentas de avaliação e que impactam os resultados auferidos e as ações decorrentes desse processo. Com este artigo, pretendemos analisar quais são os mecanismos, as estratégias e as relações de poder envolvidos na realização da avaliação institucional, a partir das representações dos respondentes, incluindo professores e alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Autoavaliação. Avaliação institucional. Educação.

 

ABSTRACT

The National System of Higher Education Assessment (SINAES) includes as one of its indicators, the Institutional Self-Assessment of responsibility for their own higher education institutions (HEIs) and promoted in its scope, the Standing Committees of rating (CPA). These evaluations should generate internal actions in HEIs in order to qualify their services, facilities and professionals. The evaluation fulfills functions that involve power relations and strategies developed by their users to achieve their goals. It is important, therefore, to identify those mechanisms that directly influence the completion of assessment tools and impacting the income earned and the actions resulting from this process. This study aims to examine what are the mechanisms, strategies and power relations involved in making the institutional assessment from the representations of the respondents including teachers and students.

 

KEYWORDS: Self-evaluation. Institutional evaluation. Education.

 

INTRODUÇÃO

A Avaliação Institucional tem procurado cumprir, ao longo dos anos, importante papel na busca da melhoria dos níveis de aprendizagem dos alunos nas Instituições de Ensino Superior (IES) e maior eficácia na solução dos problemas detectados a partir da análise dos dados e das informações coletados, portanto é um processo, o qual não se esgota no simples momento da avaliação; ao contrário, é um caminho longo e complexo, pois depende da concepção e responsabilidade de cada ator envolvido, como aponta Sanches (2007):

Apesar de muitos esforços terem sido empreendidos para implementar a Avaliação Institucional nas instituições de ensino superior, seu conceito entre os educadores menos atentos ainda se restringe, na maioria das vezes, ao processo de ensino-aprendizagem ou, ainda, apenas à avaliação das condições físicas da instituição. É preciso partir do princípio que avaliar não é medir, é começar com o pé direito, não se pode confundir avaliação com mensuração. A mensuração deve, quando necessária, ser apenas o pontapé inicial, pois no processo avaliativo interagem diferentes variáveis que compõem o quadro final da Avaliação Institucional. (SANCHES, 2007, p.18)

A ausência de uma cultura avaliativa, de diretrizes, de critérios e estratégias de avaliação, as quais propiciassem uma leitura situacional, o mais próximo possível da realidade, fizeram da Avaliação Institucional um instrumento, às vezes,incompreendido e, muitas vezes, não utilizado para efetivamente diagnosticar os problemas e indicar as soluções mais satisfatórias no âmbito de uma IES.

Em 2004, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais– INEP publica as Diretrizes para Avaliação do Ensino Superior, elaborado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), com o objetivo de subsidiar os responsáveis pela execução do processo de avaliação. O documento, em sua introdução, define a quem se destina:

[…] constitui-se em parâmetro básico para orientar as atividades dos responsáveis pela execução da avaliação, seja o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em âmbito nacional, sejam as Comissões Próprias de Avaliação (CPAs), responsáveis por sua implementação no âmbito de cada instituição de educação superior. (BRASIL, 2004, p.02)

As Diretrizes para Avaliação do Ensino Superior estão fundamentadas na Lei nº 10861/2004 (BRASIL, 2004) e sua operacionalização visam, de acordo com o seu teor:

  • à melhoria da qualidade da educação superior;
  • à orientação da expansão de sua oferta;
  • ao aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social;
  • ao aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional.

Quanto à avaliação do ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 9º, explicita a responsabilidade da União em relação à criação de um Sistema Nacional de Avaliação:

Art. 9º, Inciso VI: assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino. (BRASIL, 2006)

A Avaliação Institucional do Ensino Superior é concebida em duas etapas que se complementam, conforme Dias Sobrinho (2002, p.134) “a avaliação interna e externa devem fazer parte de um mesmo processo articulado, de modo a se complementarem e não se excluírem”.

A avaliação interna, denominada Autoavaliação, é Coordenada pela Comissão Própria de Avaliação (CPA) de cada instituição e orientada pelas diretrizes e pelo roteiro da autoavaliação institucional da CONAES.

A Avaliação externa érealizada por comissões designadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e tem como referência os padrões de qualidade para a Educação Superior expressos nos instrumentos de avaliação e nos relatórios das autoavaliações das CPAs.

O processo de avaliação externa, independente de sua abordagem, orienta-se por uma visão multidimensional, a qual busca integrar sua natureza formativa e de regulação, em uma perspectiva de globalidade.

Em seu conjunto, os processos avaliativos devem constituir um sistema que permita a integração das diversas dimensões da realidade avaliada, assegurando as coerência conceitual, epistemológica e prática, bem como o alcance dos objetivos dos diversos instrumentos e modalidades.

Observa-se assim, a importância da autoavaliação nas Instituições de Educação Superior (IES), pois, por meio delas, são coletadas as informações que as auxiliam na busca do conhecimento de suas potencialidades e fragilidades, permitindo, dessa forma, o desenvolvimento de estratégias para sanar eventuais pontos fracos.

Segundo Belloni (1998) (apud GALDINO, p.02), a Avaliação Institucional visa ao aperfeiçoamento da qualidade da educação, isto é, do ensino, da aprendizagem e da gestão institucional, com a finalidade de transformar a escola em uma instituição comprometida com a aprendizagem de todos e com a transformação da sociedade.

Mesmo considerando-se a importância da avaliação na busca pelo conhecimento institucional, não se pode afastar a ideiade que, por se tratar de um instrumento construído por diversos atores, está sujeita ao subjetivismo e às demonstrações de poderes, contida nas mais diversas formas de avaliar.

O real papel da autoavaliação também se torna objeto de discussão. Como parte integrante do SINAES, constata-se que os sistemas implantados nas IES devem desempenharuma função do “olhar para dentro[1]”, buscando, dessa forma, reconhecer o perfil da instituição e o significado de sua atuação: a missão; a política para o ensino; a responsabilidade social; a comunicação com a sociedade; as políticas de pessoal, as carreiras do corpo docente e do corpo técnico administrativo, seu aperfeiçoamento, desenvolvimento profissional e suas condições de trabalho; a organização e gestão; a infraestrutura física, biblioteca, os laboratórios; recursos de informação e comunicação; as políticas de atendimento aos estudantes; o planejamento e a avaliação.

O resultado dessa análise servirá para impulsionar diretrizes e ações voltadas à correção de rumos, no sentido de sanear as fragilidades detectadas no processo avaliatórioe não para subsidiar ações de caráter punitivo; porém, qual o verdadeiro significado da autoavaliação no processo de avaliação institucional? A instituição pode utilizar a avaliação como um mecanismo de controle e poder? Professores não poderiam ser demitidos em função de apresentarem um baixo índice de aprovação por parte dos alunos? Dúvidas que até hoje perpassam os debates e reflexõesdo corpo docente.

Ao se considerar que a Avaliação Institucional cumpre funções as quais envolvem relações de poder e estratégias desenvolvidas por seus usuários para atingir seus objetivos (TORT, 1976), é relevante,portanto, identificarem-se os mecanismos, os quais influenciam diretamente o teor da avaliação e que impactam nos resultados auferidos e nas ações decorrentes desse processo.

 

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: instrumento de exercício de poder e desenvolvimento de estratégias

Embora busque instrumentos norteadores da gestão educacional, ainda assim, a autoavaliação proporciona diferentes interpretações aos diversos atores participantes, pois carrega as marcas da avaliação escolar.

Essas interpretações dos instrumentos de avaliação são assinaladas pelo caráter repressivo e expressam uma relação de exercício de poder que se constituiu ao longo da trajetória escolar dos alunos e afetam suas representações sociais.

De acordo com Foucault:

A avaliação assumiu historicamente o papel de disciplinar, controlar, classificar e punir, colocando-se como instrumento para exercício do poder disciplinador inserido na escola. Práticas constritivas e repressivas são ritualizadas pela avaliação, possibilitando que o poder se instale de forma capilar, como descreve Foucault (2003), visando penetrar as consciências por meio dos corpos, dos gestos, estabelecendo a ordem e a disciplina. (FOUCAULT apud MARCONDES E SOUSA 2005, p.10)

O uso dos instrumentos de avaliação confere, portanto, ao processo de Avaliação Institucional, conclusões que nem sempre representam objetivamente aquilo que se pretende avaliar, ou seja, o objetivo para o qual o instrumento de avaliação foi criado.

Assim, Marcondes e Sousa (2005) consideram que

…a complexidade da realidade vivida nas instituições ainda aumenta em decorrência do próprio conteúdo do objeto em questão, que é a avaliação. Ela implica a ideia de julgamento de valor, de fazer um juízo da realidade para tomar decisões e nesse ato estão presentes cognição, habilidades, sentimentos e ideologias particulares. A avaliação torna-se um fundamento de valor cujo caráter ultrapassa as suas dimensões instrumentais. A avaliação institucional ocorre, portanto, num espaço de intersubjetividades em que se pode presenciar confrontos e convergências de universos de ideologias, crenças e representações que são construídas e reconstruídas, e que interferem no processo avaliativo, nem sempre se constituindo como facilitadores do mesmo. (MARCONDES E SOUSA, 2005, p.02)

Soma-se aos aspectos apontados por Marcondes e Sousa (2005), uma dimensão política que em muito supera a ideia de mera construção técnica das ferramentas de avaliação institucional como instrumentos neutros.

Segundo Dias Sobrinho (2009),

a avaliação institucional tem grande força instrumental e uma considerável densidade política. Ainda que também seja uma questão técnica, muito mais importantes são a sua ação e seu significado políticos.

É um campo de lutas e, que estão em jogo questões de fundo, pois se reconhece, ainda que nem sempre se declare, a força da avaliação institucional como ação de grande impacto na transformação da universidade, esta entendida […] como local privilegiado, legitimado e o mais competente para a formação humana…(DIAS SOBRINHO apud BARCELOS, 2009, p. 20)

Há, portanto, relações de poder e interesses que compõem o campo político da aplicação da Autoavaliação Institucional. Estas disputas colocam frente a frente alunos e professores que a utilizam na consecução de seus interesses individuais ou enquanto grupo social.

Para Dias Sobrinho(2009):

A avaliação/produção de sentidos, então é uma prática social.[…] Está carregada de valores. É intersubjetiva, no sentido de que não é propriedade privada de um indivíduo, […]pois envolve a todos numa ação solidaria e responsável.(DIAS SOBRINHO apud BARCELOS, 2008, p. 197)

O presente artigo tem como objetivo mostrar a análise das estratégias desenvolvidas pelo corpo discente e pelo corpo docente, como grupos que se confrontam nesse campo político de disputa de interesses nem sempre coincidentes. Não se pode negar um possível compromisso e boa vontade, de ambos os grupos, com a qualidade do ensino; todavia, há outras questões levadas em consideração no momento do preenchimento dos instrumentos de avaliação; como, por exemplo, o interesse dos alunos em afastar um professor muito exigente ou dos professores na manutenção de seu emprego.

Afirma Pires (2010):

Quanto mais temos interesses a defender, mais reduzida é nossa capacidade de ver as coisas tais quais são, e maior é nossa propensão a nos distanciarmos da verdade. Defende-se, assim, a necessidade de adotar voluntariamente um olhar partidário, definido em função do ponto de vista daquele ou daquela que se encontra em situação mais desvantajosa. (PIRES, 2010, p. 75)

Nesse sentido, de acordo com o contexto mercadológico, poderia o docente de uma instituição privada se sentir pressionado em relação à manutenção do emprego? O professor, assim como qualquer outro trabalhador, visa,entre outras realizações,à compensação financeira para suprir suas necessidades. O modelo de relação empresa, cliente e empregado cria o ambiente ideal para análise de Richard Sennett em a Corrosão do Caráter (2009). Para tal autor, o capitalismo vive um novo momento, caracterizado por uma natureza flexível e atacando as formas rígidas da burocracia, as consequências da rotina exacerbada e os sentidos e significados do trabalho. Tal situação gera grande ansiedade nas pessoas, que não sabem os riscos que estão correndo e a que lugar poderão chegar, colocando em teste o próprio senso de caráter pessoal.Textualmente, afirma Sennett (2009):

O termo caráter concentra-se, sobretudo, no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional. É expresso pela lealdade e o compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro. Da confusão de sentimentos em que todos estamos sem algum momento em particular, procuramos salvar e mantera lguns; esses sentimentos sustentáveis servirão a nossos caracteres. Caráter são os traços pessoais a que damos valorem nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem. (SENNET, 2009, p.10)

Em suas reflexões, Sennett (2009) apregoa:

Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato?Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem sedes fazendo ou sendo continuamente reprojetadas? (SENNETT, 2009, p. 10-11)

Como se sabe, o professor é também um funcionário, e frente aos dilemas apontados por Sennett, é factível considerar que o docente adote, pelo menos eventualmente, estratégias visando não somente a busca pela melhor prática pedagógica, mas também a manutenção de seu vínculo empregatício com a Instituição; sobretudo, ao se considerar a sala de aula como um campo no qual agentes sociais (docentes e discentes) se relacionam cada um em sua posição social.

Inicialmente, para melhor entendimento a respeito da proposição deste artigo, buscou-se o aporte de Pierre Bourdieu acerca de campo social:

Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com outras posições (dominação, subordinação, homologia etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmos social é constituído do conjunto destes microcosmos sociais relativamente autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade especifica e irredutíveis às que regem os outros campos. Por exemplo, o campo, artístico, o campo religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas diferentes (BOURDIEU apud BONNEWITZ, 2005, p. 60)

As posições sociais de alunos e professores, no interior do campo, estão atreladas fundamentalmente às questões ligadas aos interesses individuais e de cada grupo social; assim sendo, podem surgir, ao longo das situações normalmente consideradas como exclusivamente de aprendizagem, divergências e conflitos entre os grupos e/ou indivíduos envolvidos nesta relação; portanto, evidencia-se a possibilidade de existência de estratégias nos dois segmentos apresentados, alunos e professores na defesa da consecução de seus interesses frente a situações de conflito.

Setton (2002), ao se referir à composição das formações sociais modernas, afirma que:

[…] o processo de socialização das formações modernas pode ser considerado um espaço plural de múltiplas relações sociais. Pode ser considerado um campo estruturado pelas relações dinâmicas entre instituições e agentes sociais distintamente posicionados em função de sua visibilidade e recursos disponíveis. Salientar a relação de interdependência entre as instâncias e agentes da socialização é uma forma de afirmar que as relações estabelecidas entre eles podem ser de aliados ou de adversários. Podem ser relações de continuidade ou de ruptura. Podem, pois, determinar uma gama variada e heterogênea de experiências singulares de socialização. (SETTON 2002, p.60)

Exercer a docência não é tarefa fácil, principalmente no atual momento da educação no Brasil. É notória a existência de problemas em todos os níveis antecessores do Ensino Superior, cujos discentes se apresentam a cada ano com base mínima de conhecimentos adquiridos ao longo do Ensino Fundamental e Médio; haja vista, a defasagem nos conceitos básicos de matemática e física dos candidatos ao curso de Engenharia.

Em conversas informais com docentes, facilmente encontram-se relatos a respeito da dificuldade de aprofundar os conteúdos em detrimento à ausência dos conhecimentos, os quais deveriam compor o capital cultural adquirido pelos alunos.

Não se tem a intenção de atribuir responsabilidades, sequer relacionar, em vista das dificuldades perenes, conflitos entre professores e alunos; ao contrário, a ilustração ocorre com frequência, por isso, é pertinente compreender possíveis conflitos ou descontentamentos expressos no momento da autoavaliação.

Uma vez definidos os agentes sociais e o campo, necessário se faz o entendimento das regras, explícitas ou não; a pretensão e as estratégias adotadas na busca daquilo que se julga objeto do seu interesse. Conforme Bourdieu, “cada campo confina assim os agentes a seus próprios móveis de interesse… “(BOURDIEU, 2001, p.117).

A partir das premissas acima, verificam-se as aspirações de cada agente em relação ao que se deseja. Como o cerne da questão versa sobre a relação docente e discente, não se pode deixar de observar que, em termos gerais, embora ambos busquem a mesma finalidade (um ensinar e outro aprender), existem entre eles situações potencialmente conflituosas. Dessa forma, para o docente lograr êxito é necessário bem mais do que o exclusivo domínio de conteúdos ou utilização de práticas pedagógicas de sucesso.

Assim como entre o emissor e o receptor, o meio pode intervir e produzir ruídos na decodificação da mensagem, pois lecionar envolve questões, as quais não se limitam à ação docente; se por um lado, problemas nas instalações físicas, nas dimensões das salas de aulas, na acústica e quantidade de alunos interferem no desempenho docente; por outro, o nível de dificuldade da disciplina e as práticas avaliativas se associam ao comportamento desinteressado do discente, em dissonância, portanto, com os objetivos do Ensino Superior.

Segundo Bourdieu (1989),

[…] as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes. (BOURDIEU, 1989, p.11)

Por isso, é normal que ocorra a disputa pela legitimação do poder simbólico, conforme afirma Bourdieu (1989).

O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo em que Durkheim chama de o conformismo lógico, que quer dizer “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências” (BOURDIEU, 1989, p.9)

Tendo em vista que a sala de aula é um campo no qual se encontram posições antagônicas entre os diversos atores, os quais desejam legitimar suas posições, é comum o surgimento de estratégias, cujos objetivos tendam à dominação ou à consecução das finalidades de cada grupo social ou dos indivíduos.

Ao se observar a avaliação institucional sob a ótica de um jogo de poderes, pode-se questionar a validade prática do jogo? Como se comportaram seus “jogadores[2]”? Quais são as regras explícitas ou implícitas? O que se pode considerar como vitória nesse jogo?

No primeiro momento, é preciso pensar, de acordo com Bourdieu (2004), nas relações no interior de campo, como uma situação em que está “em jogo um conjunto de pessoas que …participa de uma atividade regrada, uma atividade que sem ser necessariamente produto de obediência à regra, obedece acertas regularidades” (BOURDIEU, 2004. p.83). Tal afirmação associa-se à autoavaliação, pois embora a única regra seja o avaliador realizar a avaliação com o máximo possível de coerência em relação aos questionamentos propostos, não se pode afirmar com veemência que seja atendida. De acordo com os preceitos de Bourdieu (2004):

O jogo é um lugar de uma necessidade imanente. Nele não se faz qualquer coisa impunimente […] Quem quiser ganhar nesse jogo, apropriar-se do que está em jogo […] e as vantagens a ele associadas deve ter o sentido do jogo. (BOURDIEU, 2004, p.83)

Em se tratando de avaliação institucional, as estratégias podem ser usadas na busca de subverter a regra habitual do jogo, com a intenção, bilateral, de minimizar efeitos danosos ou meritórios.

Essa dinâmica de conveniência é discutida por Bourdieu (2004):

A noção de estratégia é o instrumento de uma ruptura com o ponto de vista objetivista e com a ação sem agente que o estruturalismo supõe (recorrendo, por exemplo, à noção de inconsciente). Mas pode-se recusar ver a estratégia como o produto de um programa inconsciente, sem fazer dela o produto de um cálculo consciente e racional. Ela é o produto do senso prático como sentido do jogo, de um jogo social particular, historicamente definido… (BOURDIEU, 2004, p.81)

De acordo com a concepção de autoavaliação e as relações entre os partícipes, deve-se considerar certa relativização de seu uso como instrumento de mensuração de desempenho docente, uma vez que não é possível extrair informações fidedignas, as quais reflitam o retrato institucional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este Artigo trouxe à luz da Academia as discussões a respeito da autoavaliação Institucional e as relações entre os protagonistas desse instrumento. Ao longo do processo avaliativo e, consultados os teóricos em avaliação, foi possível apreender e apontar a importância da conscientização dos envolvidos como fator fundamental para o sucesso da avaliação institucional.

Se por um lado, há convergências conceituais entre os estudiosos e teóricos abordados nesta investigação acerca da necessidade premente das IES relevarem a qualidade de ensino, por meio da autoavaliação; por outro, encontram-se também convergências entre eles sobre a fragilidade do sistema de avaliação, conforme se constatou ao longo deste trabalho.

Em seu conjunto, os processos avaliativos devem constituir um sistema, o qual permita integrar as diversas dimensões da realidade avaliada; assegurar as coerências conceituais, epistemológicas e práticas, bem como atingir os objetivos dos diversos instrumentos e modalidades.

É oportuno frisar que o processo autoavaliativo não se presta à função de controle e fiscalização para, em virtude disso, ampliar o papel do Estado na Instituição.  Essa inclinação para o controle e para a regulação é inerente ao poder; contudo, a resistência dos atores-sujeitos (principalmente, professores) ao processo avaliativo advém, provavelmente, do caráter punitivo, historicamente construído, o qual dificulta sobremaneira o estabelecimento, nas instituições de ensino superior, de uma conscientização da importância da autoavaliação.

A participação anônima no processo de Avaliação Institucional dificulta a comprovação de hipóteses, pois se torna impossível identificar e entrevistar os discentes que apresentaram discrepância em suas avaliações; porém, ao analisar as atas e relatórios de CPA, além da própria vivência como docente e sujeito avaliado, apontam-se situações interferentes no processo: grau de dificuldade da matéria lecionada, nível de exigência do docente, nível de interesse dos discentes, proximidade entre a avaliação e o período de provas e, finalmente, a inexistência de uma prática avaliativa.

Durante a sensibilização pró-avaliação, presenciaram-se conversas entre os discentes sobre represália a professores por meio do instrumento avaliador.

Tal conduta não é apenas uma prerrogativa discente, uma vez que se trata de um binômio (avaliador e avaliado); logo, o inverso deve ser considerado, ou seja, a empatia com a classe pode também descaracterizar os resultados.

A avaliação interna ou autoavaliação é uma ferramenta importante à disposição do gestor, pois seu resultado desvela os pontos frágeis e aponta os aspectos positivos, permitindo, dessa forma, o monitoramento e o planejamento das ações necessárias à melhoria da instituição. Como se disse, a ampla participação no processo da autoavaliação ainda é um problema a ser resolvido, pois a resistência, principalmente dos professores, consiste no caráter punitivo de seus resultados. Na análise dos dados coletados, não foram desconsideradas as fragilidades existentes em um processo, cujos atores podem ser avaliadores e avaliados, e, que, invariavelmente, colocam-se como agentes ocupantes de lugares distintos em um campo comum.

Finalmente, ressalta-se o envolvimento complexo da Avaliação Institucional, no que tange ao tratamento e à utilização dos resultados coletados. Estes devem implicar na busca de qualidade e eficiência do ensino superior; nunca em instrumento de controle e regulação tanto dos processos de avaliação externa quanto da autoavaliação, embora tal prática seja inerente ao jogo de poder e à realização das estratégias dos agentes envolvidos neste processo.

 

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 [1] Grifos nossos.

[2] Grifos nossos.