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O CÃO SEM PLUMAS: IMPLÍCITOS CULTURAIS DO PERNAMBUCANO

O CÃO SEM PLUMAS: IMPLÍCITOS CULTURAIS DO PERNAMBUCANO

THE DOG WITHOUT FEATHERS: PERNAMBUCANO’s CULTURAL IMPLICITS

MARIA DE LOURDES GASPAR TAVARES

Doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica. PUC-SP
UNIBR Faculdade de São Vicente-SP
mlgaspartavares@uol.com.br

RESUMO

 Este artigo está situado na área da Análise do Discurso, com vertente crítica sociocognitiva e na linha de pesquisa Variedades do Discurso. Tem por tema os implícitos culturais do pernambucano, examinados em expressões linguísticas da linguagem poética de João Cabral de Melo Neto. Está fundamentado nos pressupostos teóricos da Análise Crítica do Discurso, com vertente sociocognitiva, tendo Teun van Dijk (1992, 1997, 2000) como seu maior representante. Nesse sentido, as noções de cultura e ideologia estão circunscritas nas categorias analíticas Discurso, Sociedade e Cognição, com visão multi e interdisciplinar. Por pressupostos metodológicos, entre outros, tem-se a leitura heurística, a hermenêutica e a de reconstrução histórica, conforme Jauss (1979) e Zilberman (1989), a intertextualidade, segundo Kristeva (1974), a interdiscursividade, Maingueneau (1997), bem como, por critério, o ponto de vista do leitor- pesquisador. A hipótese, que orienta o estudo realizado, considera que a linguagem poética não se reduz a uma função estética. No caso deste Artigo, no discurso literário de João Cabral de Melo Neto, em seu poema O cão sem plumas, as figuras construídas decorrem de uma seletividade lexical, guiada pela cultura do grupo social, no qual se insere o poeta. Logo, toda enunciação é direcionada por intenções e estas estão relacionadas aos marcos de cognição social com suas crenças, de forma a guiar a criação poética por traços culturais. A amostra analisada é composta por textos selecionados da História do Brasil, do discurso da Geografia e do discurso Literário, tematizados no período colonial e na época de construção do poema. O procedimento metodológico adotado é o de percorrer as expressões linguísticas do poema, produzido pelos diferentes discursos indicados, em busca de valores positivos e negativos intra e intergrupais.

PALAVRAS-CHAVE: Implícitos culturais. Intertexualidade. interdiscursividade. 

 

ABSTRACT

This article is situated in Speech Analysis Area, with sociocognitive critical branch and in research line of Speech Varieties. It has as theme Pernambucano’s cultural implicits,  examined in linguistics expressions of João Cabral de Melo Neto poetic language. It is founded in the theoretical suppositions of Speech Critical Analysis, with sociocognitive branch having Teun Van Dijk (1992, 1997, 2000) as its major representative. In this sense, culture and ideology notions are circumscribed in the analytical categories of Speech, Society and Cognition, with multi and interdisciplinary vision. Through methodological suppositions, among others, we have the heuristics reading, the hermeneutics and the historical construction according to Jauss (1979) and Zilberman (1989), the intertextual approach, second Kristeva (1974), the inter-speech, Maingueneau (1997), as well as, by criteria, the reader-researcher point of view. The hypothesis, that guide the taken study, considers that the poetical language does not reduce itself to as aesthetic function. In the case of this article, in the literary speech of João Cabral de Melo Neto, in this poem “the dog without feathers”, these constructed figures are a result of a lexical selection, guided by the social group culture, in which the poet is in. then all enunciation is directed by intentions and these are related to the marks of social cognition with their faiths, in a way to guide the poetical creation by cultural traces the reviewed samples is composed by selected texts of History of Brazil, the one to cover the speech on Geography and the literary speech, focused in colonial period and in the poem construction time. The methodological procedure adopted is the one to cover the linguistics expressions in the poem, produced by different indicated speeches, in search of positive and negative, intra and intergroup values.

KEYWORDS: Cultural implicits. Intertextuality. Interdiscursivity.

 

INTRODUÇÃO

Como se sabe, a atenção dos linguístas, a partir da década de 1960, volta-se para o uso efetivo da língua, e, dessa forma, a unidisciplinaridade cede o lugar à multidisciplinaridade, uma vez que a linguagem humana é caracterizada por diferentes naturezas, tais como a histórica, social, ideológica, cultural, neurológica, fisiológica e a da própria língua.

Assim sendo, os estudos da linguagem procuram centrar-se no texto e no discurso presente no uso efetivo da língua; todavia, há ainda hoje diferentes concepções para os termos texto e discurso. Este Artigo entende o texto como a expressão verbal e discurso como uma prática de interação social, institucionalizada na e pela sociedade, onde tal prática ocorre.

De acordo com os fundamentos de van Dijk (1992), a Análise Crítica do Discurso, ACD, está relacionada à Escola de Frankfurt e, de forma geral, tem por objetivo analisar o discurso com uma visão crítica, de forma a denunciar o domínio das mentes das pessoas pelo discurso. Este trabalho, embora fundamentado na ACD, com vertente sociocognitiva, tem por objetivo encontrar traços da cultura nordestina do pernambucano, memorizados socialmente, com base nas expressões linguísticas, efetivamente em uso na linguagem poética. A noção de cultura, a partir da multidisciplinaridade, torna-se complexa, podendo conter significados relativos a valores sociais ideológicos, normas de condutas sociais, tradições, rituais, folclore, entre outros. Este Artigo situa o termo cultura, circunscrito na inter-relação das categorias analíticas Sociedade, Discurso e Cognição, embasado nos pressupostos de van Dijk (1992).

Entende-se que a sociedade pode ser definida por uma estrutura de papéis sociais, e, embora a sociedade seja o funcionamento destes papéis sociais, propicia, dessa forma, a relação entre as pessoas. O discurso é uma prática sociointeracional, pela qual se constrói socialmente as formas de se representar o mundo em língua. Todas as formas de representação do mundo são entendidas como formas de conhecimentos avaliativas, ou crenças, que decorrem da projeção de um ponto de vista para se focalizar o social.

Cada ponto de vista é orientado por objetivos, interesses e propósitos comuns, os quais levam as pessoas a se reunirem em grupos sociocognitivos diferentes, pois cada grupo tem seu próprio ponto de vista. Este cria um determinado estado de coisas para o que ocorre no mundo. Dessa forma, como cada grupo social constrói o seu próprio ponto de vista, há constantes conflitos. O ponto de vista social dá origem, ao ser projetado, às coisas e aos seres do mundo, formas específicas de conhecimentos.

Para van Dijk (2000), a Cognição é social e define-se pelas formas de conhecimentos avaliativas, ou seja, marcos de cognição social. Segundo a vertente sociocognitva da ACD, Sociedade, Discurso e Cognição são categorias inter-relacionadas de maneira que uma se define pela outra. Assim sendo, verifica-se que as formas de conhecimentos avaliativas são construídas no e pelo grupo social por meio do discurso.

Ainda segundo a ACD (van Dijk 2000), a Análise do Discurso tem seu ponto de partida na fala para o discurso. Nesse sentido, há uma dialética entre o individual e o social, pois ao mesmo tempo em que o social guia os conhecimentos individuais, os individuais modificam o social, em uma interação constante. Em outros termos, os discursos públicos constroem formas de conhecimentos sociais para as pessoas, todavia, estas mesmas pessoas modificam os conhecimentos sociais.

Nessa perspectiva, selecionou-se o poema O cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto, que é um evento discursivo particular. Esse interage com as cognições sociais, tendo em vista o diálogo cultural do poeta com a sociedade brasileira, em relação ao grupo de pernambucanos que integra a região nordeste do Brasil.

O poema selecionado faz parte de uma trilogia, complementada pelos poemas O Rio e Morte Vida Severina. Justifica-se a seleção do poema O cão sem plumas por se tratar do rio Capibaribe, que é pernambucano. O Capibaribe banha a faixa norte e leste do Estado de Pernambuco; nasce na serra de Pesqueira, no lago do Angu, e tem um curso de cerca de 290 km até chegar à cidade de Recife.

O poema O cão sem plumas é composto por 4 (quatro) partes e 419 versos. A primeira parte, denominada “Paisagem do Capibaribe I”, possui 104 versos; a segunda, “Paisagem do Capibaribe” II, 121 versos; a terceira, “Fábula do Capibaribe”, 101 versos e a quarta, “Discurso do Capibaribe”, 90 versos.

Por meio da segmentação do poema é possível reconstruir a História do Brasil: desde o Tratado de Tordesilhas, do período colonial, das invasões em pernambuco, dos holandeses, da Companhia das Índias Ocidentais, da importância de Maurício de Nassau para a região,  da época de luxo e riqueza, da economia da cana-de-açúcar e algodoeira, do declíneo, até o Governo do Presidente Gaspar Dutra.

A reconstrução Geográfica retrata o percurso do Capibaribe no passado até 1950. A degradação de sua paisagem, dos homens que povoam as margens do rio, cujos corpos acabam decompostos e misturados à lama capibarenha; do abandono, da poluição, da morte das águas antes límpidas e férteis.

Em seu poema O Cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto denuncia a decadência do Capibaribe e o tratamento dado aos habitantes miseráveis de suas margens:

(…)O homem, porque vive/ choca com o que vive/ Viver é ir entre o que vive/ O que vive/ incomoda de vida/ O que vive/ choca/ tem dentes, arestas/ é espesso/…porque é mais espessa/ a vida que se luta/cada dia/o dia que se adquire/cada dia/como uma ave/que vai/ cada segundo/conquistando seu voo/ (NETO, J.C.B.M.,1999, págs.115-116)

Em virtude da extensão do poema, citada anteriormente, não é possível inseri-lo neste Artigo; todavia, fica a referência bibliográfica ao final do presente texto.

No poema analisado, para João Cabral de Melo Neto, o rio Capibaribe é representado por uma narrativa, cujo enunciado textual apresenta:

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Tal enunciado é relativo a contemporaneidades diferentes, cuja Situação Final está focalizada no poema selecionado como texto-base, para a leitura da linguagem poética e sua expressão cultural.

Nesse sentido, tem-se por ponto de partida a visão de Silveira (2000), a qual define cultura como um conjunto de crenças relativas ao vivido e ao experienciado socialmente, de forma a construir valores que têm raízes históricas e são modificados em cada contemporaneidade devido ao aparecimento de novas dificuldades. Por esta razão, as crenças sociais são valores que traçam normas de condutas, as quais guiam as atitudes das pessoas para a resolução de novos problemas; dessa forma, é necessário que se articule o imaginário com a memória social, na qual está armazenada a cultura do grupo social, a fim de se projetar o futuro, resolvendo os conflitos atuais.

Nesse contexto, em O cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto representa, com valor negativo, o estado de vida do pernambucano, ou seja, no momento de produção do poema (1950), de forma a tematizar a estagnação, a pobreza, a fome e a podridão. Como se disse, o poeta faz uma denúncia do estado de abandono no qual se encontrava o povo pernambucano, expresso, metonimicamente, pelo rio Capibaribe e com especificidade, em sua foz, na cidade do Recife.

Neste Artigo, defende-se que a linguagem poética não se reduz a uma função estética, no e pelo discurso literário de João Cabral de Melo Neto; os versos construídos decorrem de uma seletividade lexical guiada pela cultura do grupo social, no qual se insere o poeta. Logo, toda enunciação é direcionada por intenções e estas estão relacionadas aos marcos de cognição social com suas crenças, de forma a guiar a criação poética, por traços culturais.

Os estudos acerca da identidade têm suscitado discussões nos mais diferentes campos das Ciências Humanas e Sociais. Segundo Sellan (2001, p. 6), “ a busca do que somos e de nossa representividade na vida social tem sido uma constante nesse momento de transição por que passam as sociedades contemporâneas.”

Justifica-se a seleção do texto-base O cão sem plumas, por ser relativo ao rio Capibaribe, tipicamente pernambucano.

Os intertextos e interdiscursos da História, da Geografia, da Enciclopédia e da Documentação, têm, por critério, partir a linearidade do texto enunciado. A seleção do discurso da História, por sua institucionalização pelo Poder público o qual controla a imposição de conhecimentos, por meio da Escola, busca construir formas avaliativas do que aconteceu no Brasil, desde suas raízes históricas. Assim sendo, pelo discurso institucionalizado, constroem-se crenças genéricas as quais participam das cognições sociais dos brasileiros. Foram selecionados também textos do discurso da Enciclopédia, a fim de complementar a amostra anterior. Ilustra-se também com o discurso enciclopédico, uma vez que faz parte das Ciências Sociais; no entanto, embora tenha como ponto de partida o discurso da História, procura complementá-lo com as demais Ciências Sociais, para apresentá-lo como um discurso público e institucionalizado, direcionado a iniciantes no “saber”.

A pesquisa acerca dos fatos históricos correspondentes ao Tratado de Tordesilhas até o Governo Gaspar Dutra foi realizada em Enciclopédias, no caso, Enciclopédia Delta Universal (1987), Larousse Cultural (1998), bem como na obra de Cotrim ( 2000), Haldelmann(1978) e Prado Júnior (1998).

As leituras realizadas da linguagem poética de João Cabral de Melo Neto do texto-base propiciaram, pela atribuição de valores positivos e negativos, um levantamento de crenças presentes no marco de cognição social do pernambucano, enquanto grupo sociocognitivo do nordeste brasileiro, confrontadas com crenças de outros grupos sociais brasileiros, de maneira conflitante.

  

A QUESTÃO DA IDENTIDADE SOCIAL

Em princípio, a vertente sociocognitiva da ACD considera a noção de identidade como relativa ao constructo social-pessoal, ou seja, uma representação mental elaborada de forma a responder com o que uma pessoa se identifica socialmente.

As perguntas que o estudioso deve-se fazer são: o que é, exatamente, uma identidade cultural e o processo de identificação? O que implica, exatamente, a construção dessa representação mental? Como se dá tal construção? Os membros de um grupo podem ser considerados como tal, somente por participar da ideologia do grupo? Quando eles identificam a si próprios como membros do grupo?

Segundo Van Dijk (1997 b), as respostas a serem dadas a essas questões situam-se nos limites de uma teoria da Identidade Social, da Cognição Social e da Sociologia.

Para o autor, a autorrepresentação que as pessoas fazem de si mesmas, ao se constituírem como membros de várias categorias de grupos – mulheres, homens, pernambucanos, vicentinos, jornalistas, professores, entre outros – está situada na memória episódica, ou individual, e compreende uma construção gradual a qual decorre de experiências pessoais, modelos, dos acontecimentos. Tais representações, por serem construídas em sociedade, são guiadas por conhecimentos sociais e, desse modo, a autorrepresentação procede dos modos pelos quais outros membros do grupo, ou membros de outros grupos veem, definem e tratam os indivíduos como pessoas. Em outras palavras, as identidades de grupo podem ser mais ou menos abstratas e desligadas do contexto, do mesmo modo que o são as representações sociais. Os vicentinos, por exemplo, constroem sua identidade, enquanto membros de um grupo regional, tendo como ponto de partida os demais grupos, como os viram ou como os identificaram ao interagir com eles.

Os membros de grupos sociais, nesse sentido, partilham várias identidades, mais ou menos estáveis, por meio dos contextos pessoais, pois estão dinamicamente mudando de papéis sociais. Assim, em situações concretas, algumas destas identidades podem ser mais proeminentes que outras, de tal modo que, em cada situação, a proeminência, a hierarquia ou a pertinência da identificação com o grupo monitorarão as práticas sociais reais. Os membros de classes diferentes, por exemplo, atuam com papéis sociais diferentes, no mesmo grupo regional.

 Relacionar o dado e o novo, segundo Palma (1998), na leitura do poético, requer uma visão multidisciplinar, como processo socio / histórico / cognitivo / psíquico / ideológico / interacional. Para tanto, não basta apenas considerar, esteticamente, a magia do poético. É preciso ir mais além: fazer do mundo da leitura a leitura de mundos.

Para Zilberman (1989), a leitura de reconstrução histórica é uma etapa do processo hermenêutico: leitura compreensiva, retrospectiva e de reconstrução histórica. Por meio dela, o texto que estava mudo passa a ter voz, uma vez que resgata o seu diálogo original.

Este Artigo aborda a leitura de reconstrução histórica, a qual recupera a relação que a obra tem com o tempo. Nesse sentido, para Zilberman (1989), a leitura histórica, hermeneuticamente, corresponde à etapa da aplicação de Jauss (1979) o qual explica a importância de uma obra, na história. Dessa forma, a compreensão e a interpretação estética necessitam da leitura de reconstrução histórica, a qual se revela como parte do processo dialógico, próprio da hermenêutica literária, desde que se considere o texto literário uma resposta a uma pergunta construída pelo poeta, na época de produção do seu poema.

A hermenêutica literária, de modo geral, admite hoje que nenhuma leitura é inocente ou feita sem pressupostos. Assim sendo, a reconstrução histórica implica que o intérprete conheça intertextos e interdiscursos, os quais intervenham na localização do texto na época de sua produção, as mudanças pelas quais passou, provocou e o modo como foi assimilado, na linha do tempo.

Atualmente, o processo hermenêutico tem sido tratado como uma forma de introduzir o leitor da linguagem poética em uma simbolização do mundo, a fim de considerar o texto poético como uma prática específica discursiva social e histórica, manifestada pela fala. Além disso, é preciso avaliar outros fatores presentes nas atividades de leitura, como a “noção de sujeito, a natureza dos protagonistas do discurso, a situação deles no tempo e no espaço, o propósito da interação comunicativa.” (SILVEIRA, 1998, p.141).

No caso da poesia, “as leituras devem sempre centrar-se no significado mais amplo do texto, significado que não se confunde com o que o texto diz, mas reside no modo como o texto diz.” (LAJOLO, 1997, p. 50)

Segundo Ortony (1993), dois pontos são considerados, na leitura do texto poético:

1º. o emissor, ao utilizar a linguagem, diz uma coisa pensando em outra; e

2º. a discrepância entre o dito e o pensado.

No que se refere à primeira, verifica-se, entretanto, que não é uma prerrogativa exclusiva da linguagem poética; logo, não é um dado suficiente para caracterizar o texto poético. A segunda característica destaca a discrepância entre o dito e o pensado, pelo ‘fingir’ figurativo, forma indireta de expressão, gerando anomalias, em termos de co-texto e contexto. A inter-relação entre co-texto e contexto decorre da reconstrução histórica.

A partir das saliências deixadas pelo poeta em O cão sem plumas, levantou-se um corpus de intertextos relativos aos interdiscursos da História.

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Para Sánches (1992) o discurso da História apresenta-se como uma prática sociointeracional específica, que se define pelo registro de um material real, porém representado por um determinado ponto de vista, relativo aos participantes do Poder.

Goldman (1989), ao tratar do discurso da História, define-o a partir do fazer do historiador, ou seja, como o historiador constrói seus textos, a partir do exame de documentos existentes. A História não trabalha com a reconstrução do fato ocorrido, e sim com as versões textuais desse fato, já registradas em documentos, consideradas oficiais. É, a partir dessas versões, que o historiador reconstrói o ocorrido no passado, tornando-o um fato histórico.

A História é construída pelo Poder. Os discursos institucionalizados e públicos têm seus contextos globais organizados por três categorias: Poder, Controle e Acesso. O Poder controla o que tem acesso ao público, para dominar as mentes das pessoas; cancela, dependendo de seus interesses, os valores sociais que presume negativos para si e maximiza outros valores que lhe são favoráveis, contruindo, com isso, uma nova escala de valores, projetada nas cognições sociais. Logo, o discurso da História, como um discurso público institucionalizado, produz e reproduz ideologia.

Em se tratando da teoria da história, o termo História refere-se quase sempre ao suceder temporal, do tipo narrativo, independentemente da forma como este suceder chega ao nosso conhecimento.

No que se refere ao período Colonial, o discurso da História, consequentemente, tem um papel fundamental para a construção das cognições sociais, enquanto crenças genéricas e crenças específicas. Esse discurso constrói para seu público as representações mentais avaliativas a respeito de um fato sucedido no passado, que não foi presenciado nem vivido pelos grupos sociais contemporâneos, mas que lhes é relatado. Logo, analisar, com visão crítica, o discurso da História do Brasil, relativo a Pernambuco, ao Recife e ao rio Capibaribe abre perspectivas para a compreensão dos marcos de cognição social, das crenças específicas, da memória social do brasileiro e das crenças genéricas.

Examina-se a construção da identidade ideológico-cultural do pernambucano, a partir do tema: rio Capibaribe: com plumas e sem plumas, representado, ideologicamente, pelo Poder econômico e político, nas seguintes dimensões:

– dimensão identidade e status– que identifica os pernambucanos por um status adquirido, ou seja, a doação de terras pelo rei de Portugal num sistema de capitanias brasileiras; depois, um status conquistado, pois, graças à região geográfica, a prosperidade de Pernambuco teve início com o cultivo da cana-de-açúcar e do algodão, que atraiu grande número de europeus para a região.

– dimensão identidade e valor, pois os pernambucanos, ao deixarem de representar o papel do grupo sociorregional mais importante no Brasil, perdem o status adquirido e conquistado e entram em fase de estagnação socioeconômica, com o ciclo do café, em São Paulo, que muda para o sudeste o polo econômico, artístico e político do Brasil.

Segundo Kristeva (1974), um texto é sempre um intercâmbio discursivo, uma tessitura polifônica, neste sentido, fundamentando-se nos estudos de Bakhtin, quase desconhecidos no ocidente até o final da década de 1960 do século XX, Julia Kristeva designou o fenômeno do dialogismo intertextual como intertextualidade.

Para Tavares (1999) o que caracteriza a intertextualidade é introduzir um novo modo de leitura que faz estalar a linearidade do texto. Assim sendo, cada referência intertextual é o lugar de uma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmática do texto, ou então voltar ao texto-origem, precedendo a uma espécie de anamnese intelectual, em que a referência intertextual aparece como elemento paradigmático deslocado e originário de uma sintagmática esquecida. Na realidade, a alternativa apenas se apresenta aos olhos do analista. Estes dois processos operam na leitura e na palavra intertextual, semeando o texto de bifurcações que lhe abrem, aos poucos, o espaço semântico.

Em se tratando dos textos assimilados, o estatuto do discurso intertextual é assim comparável ao de uma super-palavra, uma vez que os constituintes deste discurso já não são palavras, e, sim, fragmentos textuais.

O vocabulário utilizado pela intertextualidade é a soma dos textos existentes. Opera-se, portanto, uma espécie de separação no nível da palavra, uma promoção do discurso com um poder infinitamente superior ao do discurso monológico corrente. Basta uma alusão para introduzir no texto centralizador, um sentido, uma representação, uma história ou um conjunto ideológico.

O texto de origem lá está, virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. Isso confere à intertextualidade uma riqueza e uma densidade excepcionais. Em contrapartida, é preciso que o texto citado admita a renúncia à sua transitividade: ele já não fala, é falado. Deixar de denotar, para conotar. Já não significa por conta própria, passa ao estatuto de material, como reconstrução mítica, em que colecionam mensagens pré-transmitidas para reagrupá-las em novos conjuntos, numa incessante reconstrução a partir dos mesmos materiais; são sempre os mesmos fins chamados a desempenhar o papel de meios: os significados transformam-se em significantes e vice-versa. Toda palavra e toda leitura intertextual cabem neste movimento.

A colonização inicial de Pernambuco seguiu o sistema de capitanias hereditárias, instaurado pelo rei de Portugal, no Brasil. Por meio das expressões grandes famílias espirituais da cidade, o intertexto da História é retomado, verificando-se que o sistema de capitania foi composto por principados feudais.

Para a Coroa, a posse da Capital é representada com valor positivo. Por essa razão, o regime de capitanias é estabelecido segundo dois critérios:

– o donatário ser pessoa de confiança da corte portuguesa;

– ter dinheiro para poder explorar por si só e enviar a Portugal o capital ambicionado.

O extracionismo do pau-brasil, para Portugal, é representado com valor positivo. Por essa razão, a capitania de S. Vicente aufere 100 léguas da Costa, em relação à Capitania da Nova Luzitânia, que apenas recebe 50 léguas. Nesse sentido, entende-se que, para a Corte portuguesa, Martim Afonso de Souza atenderia melhor à ambição portuguesa de lucro e de posse de capital.

No que se refere ao vivido pelos pernambucanos, durante o regime de capitanias, o grupo social é organizado por uma estrutura de papéis que se define por doador/ donatário.

Os versos trazem as expressões lama, mangue, foz de muitos rios, verifica-se no intertexto da História que Duarte Coelho, o qual servira com destaque durante anos no Oriente, recebeu a capitania, denominada Pernambuco, a feitoria fortificada, com uma extensão de 60 léguas, desde o rio São Francisco até o Igaraçu, ao longo das costas das atuais províncias de Alagoas e Pernambuco (título de 21 de janeiro de 1535).

O status conquistado pelos pernambucanos resulta do empenho, da luta, da vontade e do sucesso, bem como resume a narrativa histórica desse grupo social, que pode ser apresentado em três grandes fases: portugueses, holandeses e, novamente, portugueses.

O ciclo do açúcar em Pernambuco dá aos pernambucanos status conquistados, pois com a produtividade e exportação de açúcar para a Europa, os nobres portugueses, que receberam terra na região, passam a atender tanto aos interesses de Portugal quanto aos seus próprios interesses.

No poema, tem-se cão sem (com) plumas, árvores pingando os mil açúcares, das salas de jantar pernambucanas, as grandes famílias espirituais da cidade, chocam ovos gordos de sua prosa, na paz redonda das cozinhas, ei-las a revolver viciosamente seus caldeirões, de preguiça viscosa, se a moenda lhe mastiga o braço, vida mastigada, palácios.

Segundo Gilberto Freire (2002), só a colonização latifundiária e escravocrata teria sido capaz de resistir aos obstáculos enormes que se levantaram à civilização do Brasil pelo europeu. Só a casa-grande e a senzala. O senhor de engenho rico e o negro capaz de esforço agrícola e a ele obrigado pelo trabalho escravo.

A quantidade de açúcar e o alto preço do produto proporcionaram no século XVI e no século XVII não só o luxo como, sobretudo, a luxúria, entre os senhores de engenho do Brasil; tudo concorrendo para o maior ócio dos senhores.

Dessa forma, o intertexto traz representado em língua os seguintes valores:

– o enriquecimento, decorrente da produtividade, propiciou o luxo, o conforto, as construções nobres de Portugal, ou seja, palácios. As margens e a foz do Capibaribe foram transformadas em ruas, praças, cais, pontes etc, como cópia da riqueza europeia. Nesse contexto, tanto o negro como o preto passam a ser representados como marginais na sociedade e sem alma. Estes podiam ser chicoteados, torturados e mortos, pois não eram considerados seres humanos.

No texto-base, lama preta e a cor preta mantêm essa representação de sujeira, mal cheiro, estagnação.

Os holandeses, em busca do Poder econômico, se interessam por Pernambuco. Além disso, a semelhança com a Holanda propicia a invasão, pelo príncipe Maurício de Nassau e seus colaboradores.

Maurício de Nassau tem conhecimento e experiência suficientes para fazer a drenagem das águas lamacentas do rio Capibaribe e edificar uma cidade com perspectivas de se tornar grandiosa; como nos versos do poema em estudo, é nelas, mas de costas para o rio, no extremo do rio, o mar se estendia.

Maurício de Nassau também inicia a plantação de cravo, canela, noz-moscada, gengibre, arroz e caju.

Tais intertextos são representados com valor positivo aos holandeses, os quais trouxeram o desenvolvimento, a drenagem geográfica e a fortificação da região de Pernambuco. Essas atitudes tornaram Recife uma capital federal, diferenciando-a das demais cidades brasileiras, pois os holandeses privilegiavam o setor urbano para exportação do açúcar e algodão; drenagem e povoação do Capibaribe, com especial preservação dos arrecifes, os quais impediam a invasão da água do mar, tal qual, na Holanda.

O status adquirido (donatário e sesmeiros) passa a status conquistado, inicialmente pelos portugueses, com o açúcar e o algodão; depois, com a Companhia das Índias Ocidentais, os proprietários das terras, próprias para o —-cultivo da cana de açúcar, com o objetivo de conquistar a riqueza, por meio da cultura açucareira na região.

Durante a presença holandesa, tanto na dimensão identidade e status, quanto na dimensão identidade e valor, a Companhia das Índias Ocidentais representa o Poder; já, na dimensão envolvimento, os proprietários de engenhos, produtores do açúcar, representam o Poder.

Assim, o Poder é exercido pela Holanda. Esse poder tem por Controle Maurício de Nassau e o Acesso, os senhores de engenho os quais continuam a produção açucareira.

Para os historiadores e enciclopedistas brasileiros, o domínio da Coroa portuguesa é representado de forma negativa, pela política expansionista, pois Portugal tem por interesse e objeto adquirir capital. Por essa razão, em princípio, os pernambucanos são representados em seu status adquirido como uma luta de portugueses que se querem brasileiros, ou seja, sobreviver criativamente às adversidades impostas de fora para dentro.

 Maingueneau (1997) conceitua o discurso como o ponto de intersecção de outros discursos, pois contém uma série de categorias comuns a esses, tais como: a polifonia, a intertextualidade, o conteúdo implícito e o caráter pragmático.  Nesse sentido, discurso é o espaço da linguagem em funcionamento e a sua articulação com o contexto social; por isso, o discurso é a linguagem em ação, o lugar em que se produz o uso do sistema da língua, ou seja, língua em contexto, língua não coisificada, mas língua em pleno funcionamento.

Para Maingueneau (1997), no âmbito dos sentidos, o discurso se produz como manifestação resultante da inserção do ato de comunicação no universo do pensamento que o engloba e o transporta para um sistema de relações com outras manifestações do mesmo universo. Essas outras manifestações do universo do pensamento, outros discursos, outras frases, o contexto discursivo, etnológico e ideológico operam na codificação das mensagens como geradores de sentido, por eles mesmos, e servem na compreensão do seu interpretador para a identificação de significados e sentidos, sejam eles subjacentes, implícitos, simbólicos ou míticos.

Ao tratar da Análise do Discurso, com uma visão pragmática, Maingueneau (1997), propõe resgatar a cultura e o meio, em cujo interior um documento nasceu, assim como compreender as condições que permitiram sua existência. Por essa razão, embora este Artigo esteja fundamentado na ACD, faz uma revisão de Maingueneau.

Para o autor, analisar o discurso apenas com uma visão linguística não é satisfatório; por isso, defende que é necessário considerar a dualidade radical da linguagem, ao mesmo tempo integralmente formal e integralmente atravessada pelos embates subjetivos e sociais. Esses conflitos delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado. Assim, uma Análise do Discurso precisa considerar as condições históricas de produção, segundo as quais o que se disse e o como se disse estão intertextualizados a fim de se analisar a interdiscursividade do discurso do Eu com o do Outro, a alteridade, considerando-se, pela dialogia discursiva dos espaços discursivos, o conflito ideológico.

 Em 1950, presidia o Brasil Eurico Gaspar Dutra. A política de Dutra é bastante criticada: por um lado, conseguiu equilibrar o orçamento da nação e estabilizar a cotação do cruzeiro no mercado monetário internacional, por outro, a má utilização das divisas acumuladas no decorrer da Guerra, a importação sem critérios e desenfreada de produtos estrangeiros e a dissolução do Departamento Nacional do Café, com a consequente liquidação dos seus estoques, foram alvo de severos ataques por parte dos oposicionistas.

A atividade pastoril, sobretudo, ainda é exercida; a bovina e a caprina, todavia, foram signitivamente restringidas devido à estiagem, ao adensamento da povoação, à divisão de terras e às pequenas lavouras de algodão.

Os interdiscursos da história propiciam a reconstrução histórica do referente rio Capibaribe, seu curso, suas margens, os ribeirinhos e a cidade do Recife, em sua foz. Por se tratar de um eixo narrativo, têm-se a designação cão, por ser um animal doméstico, fiel, submisso e dócil, responsável por guardar e defender seu dono; é selecionado, portanto, para a construção metafórica do rio Capibaribe. Por sua vez, o rio Capibaribe é selecionado para a construção metafórica de Pernambuco, devido a seu curso e a sua foz, que representa para o pernambucano a vontade de vida devido às suas águas, o que torna suas margens locais de concentração populacional.

Na época da produção do poema, o rio Capibaribe e suas margens passam à estagnação que causa a pobreza, o desemprego e a fome.

Com o governo de Dutra, não só ocorre a manutenção da perda de poder dos senhores de engenho, como ocorre o início da perda de poder das oligarquias paulistas, devido ao imperialismo norte-americano sobre o Brasil. Em Pernambuco, essa política amplia a situação desastrosa, iniciada com a saída dos holandeses e o término do ciclo do açúcar.

A estagnação, a lama, a desumanização do pernambucano decorre da passividade destes para se restaurarem como cão com plumas.

O mesmo não ocorre em São Paulo, pois a introdução do capital estrangeiro, o leva a seu desenvolvimento, embora ao término das oligarquias paulistas.

Em síntese, o que se pode verificar pelo discurso da História:

– as representações são sempre positivas em relação ao passado, relativo aos holandeses, à cana de açúcar e ao algodão;

  • valores negativos, atribuídos ao término do ciclo do açúcar, devido à incompetência dos senhores de engenho, que não se modernizaram tecnicamente nem souberam competir com o mercado estrangeiro;
  • valor negativo, atribuído, também, à mudança do eixo econômico do Nordeste para São Paulo;

No que se refere ao texto-base, João Cabral de Melo Neto representa a vida em Pernambuco, pela estagnação, poluição e decadência.

O autor, no seu discurso dialógico, progride deserto para estagnação e passividade, nas quais o homem se desumaniza em rio e o rio se humaniza na desumanização.  Os resultados obtidos indicam que, segundo o discurso da História, as metáforas focalizam:

Cão com plumas: Apogeu, progresso;

Cão sem plumas: Decadência, Estagnação

O conjunto de intertextos propicia responder que:

– Pernambuco nunca foi privilegiado pela política econômica da Colônia, do Império e da República;

– O povo pernambucano sofre uma imposição de fora para dentro pelos regimes políticos:

  • a)durante a colonização, o donatário não possuía condições econômicas para atender às exigências econômicas de Portugal, embora fosse amigo da Corte portuguesa;
  • b)Pernambuco tem status conquistado pela produção do açúcar e do algodão que leva essa região a ser objeto de interesse dos holandeses.

Estes propiciam o desenvolvimento econômico, social, artístico e adaptação geográfica de alto nível. Com a expulsão dos holandeses ocorre uma ruptura que veio de fora para dentro pela retomada regional da Coroa Portuguesa.

  • c) O status adquirido por Pernambuco, na produção do açúcar e do algodão, é retirado de fora para dentro com a mudança do eixo econômico para o Sudeste.

Os pernambucanos não atribuem valor negativo ao seu conservadorismo, o que os leva a manter uma agronomia antiquada e sem competitividade; todavia atribuem valor negativo à mudança imposta pelo Império para o eixo econômico do Sudeste, ou seja, a economia monocultoral cafeicultora.

Esses valores constroem o discurso fundador de João Cabral de Melo Neto, o qual, dialogicamente, denuncia a estagnação dos pernambucanos, presente no preconceito atual existente para o eixo Sul/Sudeste, em relação a eles, representando-os como preguiçosos, incapazes e estagnados.

Logo, os resultados obtidos indicam que a linguagem poética, embora se diferenciando da linguagem da prosa e do cotidiano, é guiada por crenças específicas e genéricas de forma a serem estas a unidade imaginária cultural do poético.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este Artigo, ao centrar seu ponto de partida no discurso, concebendo-o como interação cognitivo-social, postula ser necessário examinar o que é ensinado e repetido em Sociedade, em interações simbólicas que, nesse caso, compreendem o verbal escrito e outras atividades de grupo, por exemplo, autores que representem a sua terra em linguagem poética.

Defender a existência de uma identidade, sob a forma de um constructo pessoal e social, é afirmar que esta identidade tanto garante a identificação da pessoa quanto dos grupos aos quais ela se integra, com os quais ela interage.

Frente ao fato, a memória de longo prazo é o lugar de armazenagem de conhecimentos sociais e individuais. Dessa forma, os conhecimentos sociais são construídos no e pelo discurso em interação, inerentes às práticas sociais discursivas que guiam os atores na representação de seus papéis. Os conhecimentos individuais são construídos pela relação entre o indivíduo e o mundo, com base nas suas experiências pessoais; todavia, é necessário considerar que os conhecimentos pessoais são guiados pelos sociais, em uma constante interação do Eu com o Outro, de forma que o Outro se torne o Eu social do individual.

Em síntese, a noção de identidade cultural é tão difusa quanto a de identidade social, uma vez que pode abarcar desde dimensões muito amplas até muito restritas; nesse sentido, portanto, abarca desde a nação brasileira até grupos regionais e sociais muito restritos.

Segundo van Dijk (1997 b), do ponto de vista sociocognitivo, a ideologia é uma noção, pois o que existe são várias ideológicas sociais, pois há uma multiplicidade de marcos cognições sociais e de papéis sociais.

Para o autor, tratar a questão da ideologia, como um componente cognitivo-social, implica considerar:

  • as ideologias são sistemas de crenças e, por essa razão, precisam ser estudadas em um marco de cognições sociais, a fim de se verificar as suas relações com os objetos mentais e os processos que os constroem;
  • ignorar as dimensões cognitivas das ideologias e analisá-las somente em termos de práticas, formações e de estruturas sociais, propicia uma redução imprópria dos fenômenos sociais e uma visão incompleta das ideologias;
  • as ideologias são adquiridas, partilhadas, utilizadas e modificadas socialmente por membros de grupo e, por isso, são um tipo especial de representações mentais partilhadas;
  • as ideologias são reproduzidas por meio de seu uso cotidiano, pelos membros sociais no cumprimento de práticas sociais discursivas institucionais além de eventos discursivos particulares;
  • as ideologias têm fundamentos sociais e cognitivos que abarcam o conhecimento e as opiniões dos membros sociais. Por isso, a dimensão social das ideologias está em uma dialética com os seus usos pessoais por parte dos membros de um grupo social.

Nas palavras de van Dijk (1997 b) ,as ideologias formam a base axiomática das representações sociais partilhadas por um grupo e por seus membros, constituindo fenômenos mentais e sociais. O estudo das ideologias está situado na área de estudos socio-históricos a respeito das ideias de grupos sociais e de períodos históricos específicos, pertinentes à construção destas ideias. Tais grupos formam outras ideologias, com base na imposição da ideologia do Poder da época. Essas ideologias mantêm-se nas raízes históricas das ideias da Nação brasileira, pelos discursos institucionalizados.

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