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TRILHANDO A ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE PRODUÇÕES DE TEXTOS ESPONTÂNEOS

TRILHANDO A ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE PRODUÇÕES DE TEXTOS ESPONTÂNEOS

TREADING LITERACY THROUGH SPONTANEOUS TEXTS PRODUCTIONS

 

Elaine Pinto Miguel

Grad. Pedagogia e Bolsista do Programa de Iniciação Científica
Faculdade de São Vicente – UNIBR
elaine_miguel@hotmail.com
 

Hélio Rodrigues Júnior

Me. em Língua Portuguesa  PUC-SP
Faculdade de São Vicente – UNIBR
h-rodrigues-junior@uol.com.br

RESUMO
Este artigo é o resultado dos estudos realizados no Programa de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente, vinculada à linha de pesquisa Bases Linguísticas da Alfabetização e Letramento. O tema é a aquisição da escrita percorrida pela produção de textos espontâneos variados numa turma do 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental. Da compreensão da alfabetização, dos métodos e a produção de textos espontâneos levados à sala de aula alfabetizadora, construímos situações de leitura e de escrita. Partimos da seguinte problematização: A produção de textos espontâneos favorece o ensino e aprendizagem da escrita numa sala de aula alfabetizadora? Assim, objetivamos contribuir com o ensino da escrita no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Nossos pressupostos teóricos são: Cagliari (2010 e 2012), Ferreiro (1985, 2003 e 2004) e Ferreiro & Teberosky (1986).

PALAVRAS – CHAVE: Programa de Iniciação científica. Aquisição da escrita. Produção de textos

 

ABSTRACT

This article is the result of studies carried out in the Scientific initiation program Saint VincentCollege, linked to Linguistic Bases research line of literacy and literacy. The theme is the acquisition of writing travelled by the production of texts in a 2nd class varied spontaneous. I cycle year of elementary school. Understanding of literacy, the methods and the production of spontaneous texts brought to the classroom tutor, build reading and writing situations. We leave this problematization: Spontaneous texts production promotes the teaching and learning of writing in a classroom tutor? Thus, we aim to contribute to the teaching of writing in the first cycle of elementary school. Our theoretical assumptions are:Cagliari (2010 and 2012), Blacksmith (1985, 2003 and 2004) and Blacksmith & Teberosky (1986).

KEYWORDS: Scientific initiation program. Acquisition of writing. Texts production.

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho vincula-se à linha de pesquisa Bases Linguísticas da Alfabetização e Letramento[1], do Programa de Iniciação Científica da Faculdade de São Vicente – UNIBR, tematizando a alfabetização no 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental desenvolvida pela escrita de textos espontâneos.

Vemos que, na sala de aula alfabetizadora, é relevante e pertinente percorrermos o incremento da escrita pela criança a partir do texto como unidade de ensino, conforme apregoam os Parâmetros Curriculares Nacionais[2] (PCN), na contramão de muitas escolas que assumem, ainda, exercícios, métodos rígidos em suas atividades, como caminho para o aluno desenvolver suas habilidades de leitura e escrita.

Destacamos, também, que apesar de o aluno dominar a Língua Portuguesa na fala, quando ingressa no sistema escolar, as realizações pedagógicas não levam em consideração esse repertório e as hipóteses que ele tem sobre a escrita. Dessa forma, o alfabetizador assegura-se no ensino da forma ortográfica, por exemplo (CAGLIARI, 2012)..

A produção de texto é assumida por nós como o início e o fio condutor das práticas na sala de aula alfabetizadora. Assim sendo, a produção de textos espontâneos variados organiza o agir docente, em que ao aluno é oferecida a iniciativa da escolha por si quanto ao que quer escrever. Trata-se de organização didática para o aluno escrever seus textos, vivenciar a linguagem.

Consequentemente, permite ao professor conhecer melhor seu aluno e ensinar o que for preciso de maneira objetiva. Diante desse quadro, somos motivados pela seguinte problematização: Abrindo mão dos métodos tradicionais, a produção de textos espontâneos favorece o ensino e aprendizagem da escrita numa sala de aula alfabetizadora?

Para darmos conta dessa pergunta de pesquisa, em linhas gerais, objetivamos:

– contribuir com o ensino e aprendizagem da escrita no primeiro ciclo do Ensino Fundamental.

E mais:

– revisar os métodos de alfabetização;

– estudar a produção espontânea de textos relacionada com a alfabetização;

– propor atividade alfabetizadora por meio de produção textual;

– refletir sobre sala de aula alfabetizadora.

Recorremos à Emilia Ferreiro (1985, 2003 e 2004) e Emília Ferreiro & Ana Teberosky (1986) para versarmos sobre a alfabetização; Luiz Carlos Cagliari (2010 e 2012) e Lemle (2005) com o escopo de abordarmos os métodos de alfabetização; Luiz Carlos Cagliari (2010 e 2012) a fim de compreendermos o uso de textos espontâneos para a aquisição da leitura e da escrita; e Dolz & Schneuwly (2004) com o objetivo de organizarmos a Sequência Didática.

Ao final, concluímos que as produções espontâneas de textos variados revelam a compreensão do aluno quanto ao sistema escrito da língua e encaminham o professor a novas práticas a partir dos erros e acertos na aprendizagem.

 

REVISITANDO ALGUMAS CONCEPÇÕES ACERCA DA ALFABETIZAÇÃO: O ENSINO TRADICIONAL DOS MÉTODOS

A alfabetização, hoje, inicia-se, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº. 9394/96, nas primeiras séries do Ensino Fundamental, que compreende do 1º. ao 5º. ano, cujo objetivo é proporcionar a formação básica do cidadão, tendo como meio principal o pleno domínio da leitura e da escrita.

Entendemos a alfabetização como um processo pelo qual se adquire a propriedade do sistema da língua e das habilidades de utilizá-lo para escrever, isto é, a capacidade de valer-se das ferramentas e do conjunto de técnicas necessárias para exercer a arte e a ciência da leitura e a escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1986).

A criança, quando ingressa na escola, traz seu mundo de linguagem, enfim, dispõe de seu repertório lexical, de seu conhecimento enciclopédico e linguístico.  Ela é falante nativa da língua; entretanto a escola parece não dar muita atenção a isso, uma vez que dissocia a realidade da criança por métodos tradicionais de ensino ao alfabetizá-la.

Nessa esteira, Cagliari (2012, p.19) reverbera que “se a criança aprendeu a língua oral é também capaz de aprender a escrita, se não aprende é porque a escola não sabe ensinar e se a criança tem vontade de ir à escola, tem vontade também de aprender”.

É essencial, igualmente, que o professor tenha conhecimento sobre o conceito e métodos de alfabetização, para que assim possa instigar seus alunos. Podemos afirmar que a maneira como o professor concebe o ensino da língua pode contribuir positiva ou negativamente para o progresso da aprendizagem do seu aluno, podendo trazer-lhe tanto o sucesso quanto ao fracasso.

O insucesso da alfabetização pode ser respondido, de tal modo, pelas escolhas do professor alfabetizador. Por um lado, se ele diz não usar livro didático – a cartilha – para alfabetizar seu aluno, por outro, evidenciamos que muitos continuam organizando o seu próprio manual com uma série de atividades elaboradas em anos de trabalho.

Não importa a quais materiais recorrem, pois notamos que optam por lições organizadas sempre pelas famílias silábicas e

partem de uma palavra-chave, ilustrada com um desenho, e destacam a sílaba geradora, que é quase sempre a primeira sílaba da palavra. Em seguida, apresenta-se a família silábica daquela sílaba destacada. Vêm abaixo algumas palavras novas, escritas com elementos já dominados, mais elementos introduzidos na lição. Depois aparecem exercícios estruturais em que palavras são desmontadas e remontadas com elementos feitos de sílabas geradoras ou de pedaços de palavras. Ou, então, aparecem os exercícios de “faça segundo o modelo”. Há, ainda, um pequeno “texto” para leitura, cópia e ditado, e que pode servir também para exercício de interpretação de texto. Nas lições mais adiantadas, além das tradicionais cópias, aparecem os exercícios de escrita: “minhas primeiras frases” e “minhas primeiras histórias”. Recheando esse esqueleto, uma quantidade enorme de atividades, que vão desde a colagem de letras e palavras recortadas de jornais e revistas, até propostas de representações teatrais pelos alunos. Em geral, essas atividades dão a falsa impressão de que uma cartilha é diferente da outra. […] elas são diferentes apenas na maneira como aplicam o bá-bé-bi-bó-bu  (CAGLIARI, 2010, p. 83, grifos do autor).

Trata-se de uma forma tradicional de alfabetização, uma vez que consiste num método cujo papel do professor é transmitir seus conhecimentos para o alfabetizando. Dá-nos a impressão de que quem ensina é o detentor do saber, é aquele que sabe e acerta; ao passo que quem aprende é vazio, um receptor passivo, é quem erra. Com isso, destacamos que os professores ainda compreendem a alfabetização como uma técnica.

Ferreiro (2000) critica esse método tradicional da alfabetização, pois acredita que ele tende a introduzir o aluno à leitura com palavras aparentemente simples e sonoras, como: bebê, babá, dado. Ademais, de acordo com o ponto de vista da assimilação da criança, simplesmente não se ligam a nada.

Ela, ainda, defende que a leitura e a escrita são sistemas construídos paulatinamente (Ferreiro, 2004). No início da aquisição da escrita, as primeiras produções são de grande valor por se tratar do resultado de suas atividades cognitivas.

Ferreiro (2004) parte dessas vivências, e organiza algumas ações fundamentais sobre o processo de alfabetização inicial:

  • Restituir a língua escrita seu caráter de objeto social;
  • Desde o inicio (inclusive na pré-escola) se aceita que todos na escola podem produzir e interpretar escritas, cada qual em seu nível;
  • Permite-se e estimula-se que a criança tenha interação com a língua escrita, nos mais variados contextos;
  • Permite-se o acesso o quanto antes possível à escrita do nome próprio;
  • Não se supervaloriza a criança, supondo que de imediato compreendera a relação entre a escrita e a linguagem;
  • Não se pode imediatamente, ocorrer correção gráfica nem correção ortográfica (FERREIRO, 2004, p.44).

 

Notamos, logo, que os professores decidem as práticas alfabetizadoras a partir dos métodos, sejam os métodos sintéticos contra os métodos analíticos, fonéticos contra o global.

Ampliando a noção dos métodos, destacamos que

o método sintético insiste, fundamentalmente, na correspondência entre o oral e o escrito, entre som e a grafia. Outro ponto chave para esse método é estabelecer a correspondência a partir de elementos mínimos, num processo que consiste em ir das partes para o todo. Os elementos mínimos da escrita são as letras. Durante muito tempo se ensinou a pronunciar as letras, estabelecendo-se as regras de sonorização da escrita no seu idioma correspondente. Os métodos alfabéticos mais tradicionais abonam tal postura (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985, p.19).

A partir dos estudos de Lemle (2005), buscamos compreender os métodos de alfabetização. O método sintético é dividido em três tipos:

Alfabético ou Soletrativo

É o método conhecido como soletração, pois a leitura é realizada a partir da memorização oral das letras do alfabeto, para buscarmos as combinações silábicas e, posteriormente, as palavras.

O professor leva a criança a ler frases curtas até alcançar as narrativas. É nesse processo que a criança, portanto, vai soletrando as sílabas até decodificar a palavra. Por exemplo, a palavra bala é soletrada: b + a = ba > l + a + la {bala}.

Processo alfabético

Nesse tipo de método sintético, o aluno é levado a aprender de cor todo o alfabeto, identificar cada letra isoladamente, juntar as sílabas, palavras, frases e textos. O aluno assimila o nome das letras nas formas maiúsculas e minúsculas, a sequência do alfabeto e a agrupar as letras entre si, formando sílabas e palavras.

Método Fônico

O método fônico incide no aprendizado por meio do agrupamento entre fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino possibilita primeiro revelar o princípio alfabético e, progressivamente, tomar o conhecimento ortográfico próprio de sua língua, escrevendo textos produzidos especificamente para este fim.

Método analítico

Esse método conduz o aluno a decompor a palavra, levantando as partes que a compõe. Apresenta-se como:

Palavração

O professor apresenta a palavra ao aluno, acompanhada da imagem. Depois é levado a reconhecer as sílabas, letras e sons, ou seja, da unidade maior a menor. É nessa composição e decomposição que a criança busca novas palavras.

Setenciação

Como o próprio nome expressa tudo parte da sentença; nela, o aluno memoriza palavras, em seguida as sílabas, para, somente depois, formar novas palavras. Utiliza-se a estratégia de comparar palavras e isolar elementos conhecidos nelas, para ler e escrever novas palavras.

Global de textos

O ponto de partida é uma pequena história, uma narrativa, para, também, ir ao encontro de palavras e das sílabas. É um processo de decomposição como o anterior.

Desses métodos cartilhescos e instrucionais, passamos a abordar o uso de textos espontâneos para a aquisição da escrita.

O TEXTO ESPONTÂNEO COMO UNIDADE DE ENSINO: PONTO DE PARTIDA E DE CHEGADA PARA A ALFABETIZAÇÃO

 

Deixamos de lado o trabalho do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita com o método do bá-bé-bi-bó-bu; tampouco atividades que não desenvolvem as capacidades dos alunos, como podemos ressaltar nos métodos revisitados anteriormente.

Ademais, em oposição, afirma Cagliari (2010),

Alfabetizar é ensinar a ler e a escrever. Como já dissemos, o segredo da alfabetização é a leitura (decifração). Escrever é uma decorrência do conhecimento que se tem para ler. Portanto, o ponto principal do trabalho é ensinar o aluno a decifrar a escrita e, em seguida, a aplicar esse conhecimento para produzir sua própria escrita. CAGLIARI (2010, p.106),

A sala de aula alfabetizadora, portanto, deve proporcionar o exercício da leitura e da escrita para o aluno aprender a ler e a escrever. Em outras palavras, a alfabetização será realizada sem a reprodução de modelos dados pelo professor, mas pela iniciativa da leitura e escrita nas atividades escolares.

Cabe-nos ressaltar que se a criança descobre o sistema da escrita, ela aprende a escrever. Por isso, é pela leitura que se fornece o mundo da escrita, um caminho para a alfabetização: ler para escrever.

Acompanhando Cagliari (2010), apresentamos o sistema para a decifração da escrita dada pela leitura:
Conhecer a língua na qual foram escritas as palavras. Conhecer o sistema de escrita. Conhecer o alfabeto. Conhecer as letras. Conhecer a categorização gráfica das letras. Conhecer a categorização funcional das letras. Conhecer a ortografia. Conhecer o princípio acrofônico. Conhecer os nomes das letras. Conhecer as relações entre letras e sons (princípios de leitura). Conhecer as relações entre sons e letras (princípios de escrita). Conhecer a ordem das letras na escrita. Conhecer a linearidade da fala e da escrita. Reconhecer uma palavra. Nem tudo o que se escreve são letras. Nem tudo que aparece na fala tem representação gráfica na escrita. O alfabeto não é usado para fazer transcrições fonéticas (CAGLIARI, 2010, pp. 122-132).

As regras acima denotam o quanto o professor alfabetizador deve dominar o funcionamento da escrita e da decifração e como a escrita e a fala se relacionam; e o quanto a criança deve ser colocada em contato com o mundo da escrita.

Nesse percalço, notadamente, os textos projetam o aluno à compreensão da escrita. Assim, é por meio de texto que ele irá desenvolver concepções sobre a sua língua, como defendem os PCN, abandonando a memorização de grafemas e fonemas, o treino gráfico, a cópia e leitura de palavras e frases isoladas. O texto, portanto, torna-se a unidade do ensino.

A sala de aula alfabetizadora, ao oportunizar essas vivências, a problemática da linguagem emerge, envolvendo a escrita ao uso, às situações de interação, aos contextos, relações entre letras e sons. Isso faz com que a criança passe dos textos orais aos escritos, sem medo de errar, produzindo o que pensa.

Logo se vê que, ela, em alfabetização, de início, escreve pequenos textos. Os textos livres, produzidos espontaneamente por quem aprende, revelam o que sabem e como operam o sistema da língua, bem como os erros produzidos nos textos.

Desde essa fase, o texto a ser escrito deve ter um leitor real, não só se destinando à leitura e correção do professor. Chamamos a atenção do quanto a sala de aula é o espaço para o exercício de papéis sociais. As atividades de produção de textos podem formar pequenos livros de histórias, um mural, o jornal escolar, uma revista, a troca de correspondências, a construção de um diário, de um blog; enfim, o texto é voltado ao cumprimento das ações de linguagem.

Inúmeras são as atividades de produção; e os textos espontâneos ativam o fenômeno da escrita, considerando a realidade e o conhecimento que cada criança possui. Ela precisa escrever livremente; e a programação das atividades parte da leitura de textos variados. Nesse cenário, o alfabetizando é levado a desafios, a escrever sem modelos, a destinar seus textos a um público, conforme os meios de publicação já exemplificados.

O professor ao retomar os erros cometidos no texto, pelo aluno, fornecerá pistas das decisões erradas que tomou ao escrever. Conforme Cagliari (2010), podem ser problemas de escrita oriundos de dificuldades com as letras:

1. Escrever é fazer uma forma gráfica para ser lida: rabiscos são feitos para permitir a leitura de alguma ideia.


Figura 1: escrita por rabiscos[3]

2. Assinatura e escrita: registra o próprio nome por meio de rabiscos.


Figura 2: rabiscos[4]

3. Letras em vez de rabiscos: movimento em que substitui os rabiscos por letras juntadas aleatoriamente.


Figura 3: uso de letras[5]

4. A forma gráfica das letras: confusão entre as letras da escrita cursiva e bastão. O professor escreve pato   e o aluno interpreta JSATO .
Escrita espelhada: letras como c, s, z e n são escritas da esquerda para a direita.


Figura 4: espelhamento na escrita[6]

5. Segmentação: mistura entre a segmentação da fala com a escrita, não separando as palavras.


Figura 5: escrita sem segmentação[7]

A letra representa o som de seu próprio nome: as crianças são levadas a compreender que no nome da letra encontra-se o respectivo fonema. Escrevem HRA   no lugar de AGORA  .
Escrevendo só vogais ou consoantes: na escrita, apenas encontramos vogais ou consoantes, ou seja, exclusivamente um elemento da sílaba.

Figura 6: escrita só com vogais ou consoantes[8]

Formas morfológicas diferentes: na fala, o aluno encontra formas diferentes que são reproduzidas na escrita, como FIGO  em vez de FÍGADO , CRASSE   em vez de CLASSE .
Resultados pela metade: uso de palavras aos pedaços como BILETA em vez de BICICLETA .

Escrevendo foneticamente: uso da escrita como se fosse uma transcrição fonética.

Exemplo: TREIS = TRÊS; DIVEISENCUANDO = DE VEZ EM QUANDO

Troca de letra: uso indevido de letras.

Exemplo: DICI = DISSE; KAZA = CASA.

Hipercorreção: o aluno exagera na aplicação de uma regra. Se ele aprende que algumas palavras se escrevem com “e” mas se fala com o som de “i” (TOMATI = TOMATE). O aluno desdobra essa regra a outras: MÉDECO   em vez de MÉDICO  .
Surdas ou sonoras? O aluno troca consoantes oclusivas ou fricativas sonoras pelas correspondentes surdas, na escrita.

Exemplo: VACA   em vez de FACA  ; PATATA   em vez de BATATA .

Letras maiúsculas: letras maiúsculas aparecem no meio das palavras, pois tem dúvida quanto à grafia na forma minúscula ou cursiva.<

Exemplo: caCHorro  , JaKeline  .

Esses são alguns erros que os alunos cometem em suas produções espontâneas. Em todos esses casos, o aluno demonstra sua compreensão sobre o sistema da escrita. O texto é o começo das intervenções e o próprio fim. Na materialidade textual erguida pela criança, o professor, ao analisá-la, levanta os erros, as tomadas de decisão da criança, como ela entende a relação da oralidade com a escrita, como ela compreende, enfim, o sistema da língua.

Passamos a analisar algumas dessas produções espontâneas numa sala de aula alfabetizadora.

 

SITUAÇÕES DE LEITURA E DE ESCRITIA ESPONTÂNEA: RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS NUMA SALA DE AULA ALFABETIZADORA

No sentido de contribuirmos com o ensino da escrita numa sala de aula alfabetizadora, planejamos um conjunto de ações numa turma do 2º. ano do Ciclo I do Ensino Fundamental, de uma escola pública da rede municipal de São Vicente.

Mantivemos contato direto com o campo da pesquisa por um mês. Fomos autorizados pela gestão da escola a acompanhar as aulas da turma juntamente com a professora titular. Buscamos levantar um panorama da classe, da professora, dos procedimentos adotados para a alfabetização.

A partir daí, formulamos algumas intervenções para que a alfabetização também fosse favorecida pela produção de textos espontâneos variados. Organizamos, para tanto, uma Sequência Didática (SD) considerando os preceitos trabalhados por Dolz & Schneuwly (2004)[9]. Passamos a descrever:

Fomos os aplicadores da SD. No começo dela, levamos aos alunos vários textos como fábulas, parlendas, histórias em quadrinhos, pequenos contos. Numa roda de conversa, resumimos o enredo dos textos e pedimos que escolhessem um. Avisamos que o texto selecionado seria lido por todos e que, a partir dele, cada um poderia levantar livremente um tema para produzir um texto.

Os alunos escolheram As férias do sapinho Sapé[1] de Mineia Pacheco. Em seguida, fizemos uma leitura coletiva. Quem quisesse, lia, ou tentava ler partes do texto. Ao final, fizemos a releitura da história.

Em outro momento, levamos fantoches e brinquedos para as crianças. Com o auxílio desses objetos lúdicos, pedimos que reconstruíssem, oralmente, encenando a história lida.

Ao final da nossa ação, propusemos que os alunos escrevessem livremente. Das mais de trinta redações, iremos analisar três produções de textos da turma (t1, t2, t3,), para uma amostragem de nossa pesquisa.

t1:

Figura 1:  aluno 1, 2º. ano do EF I

EU GOSTO DE SORVETI DE CACHORRO
DA E SUCO DE BONECAS COMER PIPOCA CHOCOLATE
DE ABACACHI MORO COM A MÃE E IRMÃO QUE
GOSTA DE PIPA.

Fonte 1: aluno 1, 2º. ano do EF I

t2:

Figura 2: aluno 2, 2º. ano do EF I

Minhas ferias
Eu fui para a praia e fui
para o SHope eu pasiei Bastate
fui para igreja e minhas ferias
forão Boas eu cuti Bastate
eu gostei das minhas ferias
com sol
Fonte 2: aluno 2, 2º. ano do EF I

t3:


Figura 3: aluno 3, 2º. ano do EF

MINHAS FERIAS
Rebeca
FUI PASIA NA PRAI GRANDE CAMINHA. MÃE
CHEGEILA FUI PAPRAIA COM A MINHA MÃE
A MINHAI IRMA FUI PRA FESTA BRINQUEI I
FUIPRU PARQUE DE DIVESOS PASIEI
SIDIVERTI
Fonte 3: aluno 3, 2º. ano do EF I
A proposta de escrita escolhida por todos os textos (t1, t2 e t3) é a temática das férias. Os alunos escrevem sobre o universo do que gostam, do que fazem e para onde foram num período de descanso escolar. Só em (t1) que não foi antecipada a tematização pelo título Minhas ferias (t2), MINHAS FERIAS (t3). Observamos, muita influência e correspondência com o texto lido na SD.

Aplicam, na tarefa, uma reflexão sobre a própria vida, apresentando um pouco da vida e da história de cada um. Interagem com a língua, correspondem à função do texto que é a de um relato de experiência. Os papéis sociais são compreendidos e cumpridos no e pelo contexto.

A prática docente não se faz por atividades já cristalizadas pela tradição de uma sala de alfabetização. Não se prende à memorização,  a regras, a métodos engessados. O aluno está livre para fazer as suas escolhas quanto ao escrever. Pode colocar em prática seu conhecimento, as relações entre letra e linguagem que já domina.

Nos textos, ressalvamos que reconhecem a linearidade da fala e da escrita, confirmando que a escrita, antes de tudo, passa pela fala, pela leitura; portanto as sequências narrativas que as crianças leram e recontaram nas brincadeiras são retomadas nas produções espontâneas que fizeram.

Ao tomarem decisões no plano escrito, optam pela construção de pequenas frases à planificação de um pequeno texto. Nenhum aluno faz uso de rabiscos, garatujas. Percorrem a forma gráfica das palavras. Vale-nos notar que em (t1) e (t3), os alunos usam letras de forma e maiúsculas; em (t2), encontramos a escolha da letra de forma minúscula, algumas vezes misturada com a maiúscula, respeitada somente na marca inicial do texto. Não encontramos confusão entre o sistema gráfico das letras, portanto.

Somente em (t3), localizamos a falta de segmentação em algumas palavras. O aluno une algumas entre si: CHEGEILA. No mesmo texto, em PASIA, CAMINHA, PAPRAIA, FUIPRU, PASIEI, SIDIVERTI (t3), o aluno escreve, nessas passagens, como se estivesse fazendo a transcrição da fala, escrevendo foneticamente. É a oralidade influenciando a escrita e a criança não fazendo dissociações dos registros. Não escreve, respectivamente, PASSEAR, COM A MINHA, PARA A PRAIA, FUI PARA O, PASSEEI, SE VIVERTI. Não é sem tempo que estendemos incorreções gramaticais como nessa última sequência: ME DIVERTI no lugar de SE DIVERTI.

Encontramos o uso de palavras da mesma forma que são pronunciadas na fala, como SHOpe (t2). Nessa mesma palavra, há uma confusão entre letra maiúscula e minúscula, bem como em Bastate (por duas vezes) e Boas. Tudo em (t2).

Os desvios ortográficos são os destaques que ora fazemos em todos os textos: (t1) SORVETI em lugar de SORVETE e ABACACHI em lugar de ABACAXI; (t2) pasiei em lugar de passiei, Bastate em lugar de bastante, forão em lugar de foram e cuti em lugar de curti; (t3) PA, PRA, PRU, ocorrências quanto ao uso da preposição PARA, I em lugar de E, DIVESOS em lugar de DIVERSÕES.

O uso do I no lugar de E denota-nos uma hipercorreção em (t3). O aluno escreve BRINQUEI I e SIDIVERTI. Em outras passagens, registra o I no final de palavras PRAI (fragmentando a palavra PRAIA), MINHAI (seria MINHA IRMÃ, juntando à palavra anterior o começo da seguinte), PASIEI (PASSEI, seria a palavra). Sugere-nos que o uso ou a finalização em I seria a forma correta nas passagens que escreveu, influenciado pelas terminações verbais, como em SIDIVERTI (SE DIVERTI, no lugar de ME DIVERTI).

Chamamos a atenção sobre o emprego incorreto do acento gráfico, conforme o sistema da escrita. O til é usado corretamente tanto em (t1) e (t3). A pontuação só é usada ao final de (t1). Esses e outros aspectos gramaticais e os aspectos da textualidade ficam para uma outra pesquisa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa desenvolvida levou em conta, na alfabetização, o conhecimento que a criança já adquiriu em detrimento de um ensino mecânico, de repetição de exercícios, da memorização.

Escolhemos a produção espontânea de textos variados, justamente, por partir da leitura à produção da escrita de forma prazerosa, por não valorizar a cópia; e sim a criatividade, a espontaneidade, a ativação de conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e de textos do alfabetizado, ou seja, o mundo da linguagem e suas representações.

A partir daí, confirmamos que a escrita espontânea modifica a aplicação de uma atividade escrita na sala de aula alfabetizadora, sendo ela lúdica, capaz de gerar um espaço de convívio e de troca de experiências.

No percalço da programação das atividades, os alunos utilizaram a escrita apontada para a função pessoal e interacional, já que expressaram suas experiências a um interlocutor. Oportunizamos a escrita, assim, como um objeto cultural e de significação de mundo.

Constatamos que o tema escolhido pelas crianças está muito ligado aos fatos do dia a dia de cada uma, ou, até mesmo, revela a manutenção de uma tradição da sala de aula que é abordar o assunto férias.

Vislumbramos que, no processo de apropriação da escrita, cada criança possui um ritmo diferente no seu aprendizado, tanto que algumas dificuldades foram encontradas nos textos de cada uma, revelando erros na escrita espontânea, o que orienta as futuras ações do professor.

Examinamos que favorece à criança um processo de aquisição do código da escrita a partir da leitura, da fala, da oralidade: da consciência fonológica alcança a representação ortográfica das palavras.

Tentamos mostrar o texto como um ponto de partida e de chegada à alfabetização, propiciando atividade de leitura, de produção e de análise sobre o sistema da língua. A palavra não é trabalhada isoladamente, mas como uma unidade em funcionamento no texto. Buscamos as regularidades que caracterizam a escrita.

Ademais, observamos, nas produções dos alunos, alterações ortográficas como omissões ou troca de letras, algumas apoiadas à oralidade, erros por segmentação indevida, semelhanças fonéticas. São algumas dificuldades com a escrita.

Ressalvamos que a presença dos erros nos textos escritos sinaliza a relação que as crianças fazem com o esquema da língua, permitindo o professor a acessar a construção do conhecimento que a criança realiza no desdobramento do sistema fonológico em expressão escrita.

Cabe ao professor observar, também, que há muito acerto nas produções, os quais não são resultados de um acaso. Planejaram o percurso da ideia, ligaram as palavras entre si, mantiveram o tema. Tudo compõe o quadro do ensinar e do aprender em uma sala de aula alfabetizadora.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAGLIARI, Luiz. Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Editora Scipione, 2012.

____________________. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Editora Scipione, 2010.

DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 2004.

_____. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2000.

_____. Os processos de leitura e escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003.

FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1986.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática: 1999.

KATO, Mary A. Estudos em alfabetização. Campinas: Pontes, 1988.

_____. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 2009.

LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Editora Ática, 2005.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2003.

OLIVEIRA, João Batista Araújo. ABC do Alfabetizador. Belo Horizonte: Alfa Educativa, 2003.

SMOLKA, A. L. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo: Cortez, 1988.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2004.

_____. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

 

DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

PACHECO, Mineia. As férias do sapinho Sapé! Disponível em www.mineiapacheco.com.br. Acesso em 21 de agosto de 2014.

 

ANEXOS

Anexo A

Esquema da Sequência Didática

 

Fonte: Dolz & Schneuwly

 

Anexo B

As férias do sapinho Sapé!

Sapé era muito trabalhador, onde morava não havia ninguém que trabalhasse mais que ele, descansava apenas umas duas horas por dia, o restante das horas era apenas de trabalho, muito trabalhado.

Seus amigos sapos ficavam impressionados!

– Como consegue trabalhar tanto assim? – Falaram.

Até que um belo dia, nenhum sapinho do lago viu Sapé por lá trabalhando.

– Onde ele estaria? – Pensaram.

– Na certa, arranjou mais trabalho em outro lago!

Enquanto os sapinhos pensavam e se perguntavam onde Sapé estaria, ele em um lugar muito distante dali estava a contemplar a praia e a descansar em uma bela rede na sombra dos coqueiros.

– Trabalhar é bom demais, mas também é muito bom ter um merecido descanso! – Ele falava.

Entre um banho de mar, uma doce água de coco e grandes cochilos ele agradecia a Deus por aqueles momentos de descanso, mas agradecia mais ainda pelos dias de trabalho, pois eles eram necessários para os de descanso valer a pena.

Os sapinhos do lago já estavam desesperados. Onde o Sapé estaria?

– Na certa, ficou doente de tanto trabalhar. – Falaram.

Um mês depois em uma linda manhã de sol, os sapinhos ao acordarem viram Sapé mais disposto que antes voltando ao trabalho.

– Onde estava Sapé? Estávamos preocupados com você!

Então ele respondeu:

– Estava de férias, descansando, curtindo os dias de folga que me dei, pois até um sapinho trabalhador como eu deve saber o momento certo de parar, pois todos precisam de descanso.

Então Sapé voltou a sua rotina de antes, com mais coragem e muito mais força, pois quando paramos e descansamos voltamos mais dispostos para a nossa rotina de trabalho.

Parar e descansar é fundamental!

Fonte: Mineia Pacheco

 


[1] Ver Anexos.