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UM ESTUDO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE

UM ESTUDO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE

A STUDY ON INTERDISCIPLINARIDADE

 

Profª Marina Célia Requejo de Sá

Mestre em Adm. Cont. Financ. – UNIMONTE /SP

Professora da UNIBR- São Vicente

 

Resumo

Este artigo trata dos fundamentos da interdisciplinaridade e seu desenvolvimento global. Parte-se do pressuposto que esse processo pode influenciar de forma determinante não só o aprendizado escolar, mas também as fronteiras da ciência convencional; assim sendo, foram acompanhadas suas modificações institucionais que, não se limitando às fronteiras espaciais e temporais das disciplinas, desenvolvem novos saberes. Tem-se por objetivo estudar a atual prática de avaliação escolar, verificando as deficiências que a impede de ser mais coerente e honesta. Os preceitos teóricos fundamentam-se em Foucault (1961, 1963 e 1966), Fazenda (2011) e Luckesi (1995).

 

Palavras-chave: interdisciplinaridade, aprendizado, avaliação

ABSTRACT

This article is about the foundations of interdisciplinary and its global development. Starting by the standing point that this process can study the influence in a determinant way, not only the school learning, but also the science conventional frontiers, its institutional changes were followed that, not only limiting to the special and time frontiers of the subjects, develop new knowledge. It aimed to study the nowadays practice of school evaluation, searching the deficiencies that prevent it of being more honest and coherent. The theoretical rules founded in Foucault (1961, 1963 and 1966), Fazenda (2011) and Luckesi (1935)

 

Keywords: Discourse Analysis, Legião Urbana, music, history.

INTRODUÇÃO

Interdisciplinaridade é o processo que acompanha a evolução do mundo pós- modernidade e, diante de modificações institucionais e científicas, possibilita intercâmbio de ideias que criam novos conceitos, ampliando assim o campo do saber.

Este estudo tem o objetivo de considerar os fundamentos iniciais da Interdisciplinaridade, tema já bastante atual e controvertido na Europa e Estados Unidos enquanto no Brasil é admitido como possibilidade para uma sistematização da educação.

Nesse sentido, consideramos importante tecermos algumas considerações que julgamos relevantes, sem a pretensão de esgotarmos assunto tão complexo, árido e de suma importância para o aprendizado de nossos alunos e para o futuro de nossa sociedade.

DESENVOLVIMENTO

Fragmentação foi a palavra de ordem na grande virada ocorrida nos anos 60 em todo mundo. O movimento inicia-se depois da Segunda Guerra Mundial e estabeleceu uma mudança geral de paradigmas. Tal movimento trouxe a interpretação da psicologia, sociologia e antropologia. Estas, entre outras ciências já mais estudadas, impulsionaram o homem à libertação de seus conceitos e ideias.

Modificações institucionais criaram a radicalização de um processo com análises fragmentárias e transformáveis, as quais são os fundamentos da interdisciplinaridade.

Em 1960, foi criada a pílula anticoncepcional, a informática, novas técnicas psiquiátricas, entre muitas outras inovações as quais tornaram perceptíveis a fragmentação não só religiosa, psicológica, sociológica, antropológica como em outros campos do saber. As grandes histórias foram substituídas por pequenos e rápidos flashes de comunicação pós-modernidade. No mundo, maiores fatos libertaram a sociedade e esta criou uma rede de poderes que, para uma convivência pacífica, necessitou de acordos firmados à base da compreensão e da ética.
Segundo Machado (1969), em “Arqueologia do Poder”, notamos a forte e efetiva influência de Foucault no surgimento da interdisciplinaridade.

Em 1961, Foucault publicou “História da Loucura”, na qual seus saberes sobre o tema pretendiam estabelecer o momento exato e as condições de possibilidade do nascimento da psiquiatria. O livro trouxe uma grande inovação tecnológica como a resolução de se estudar em diferentes épocas, sem se limitar a nenhuma disciplina em um projeto o qual deixou de considerar a história de uma ciência como um desenvolvimento linear e contínuo. Foi estabelecida a relação entre os saberes, sendo cada um deles considerado possuidor de uma positividade específica, não se limitando às fronteiras espaciais e temporais da disciplina. Assim, a psiquiatria amplia-se para outros campos do saber; em arqueologia, o espaço se diversifica; em ambos os casos, é deixado o limite clássico para entrar para o campo social, político, religioso e jurídico.

Em 1963, Foucault publica “O Nascimento da Clínica” que nos apresenta uma ruptura radical entre a medicina moderna e seu passado numa nova disposição de conceitos, investigando sobre os princípios de organização da medicina em épocas diferentes, evidenciando que a moderna, fundamentada na história natural, se opõe à medicina clássica a qual encontra seus princípios na biologia. Mudam os procedimentos conceituais, surge uma interrelação de saberes, partindo do conhecimento da doença para o saber moderno do indivíduo como corpo doente.

Surge o saber extradiscursivo, mudando as relações entre o saber, seus objetos, conceitos e métodos diferentes.

Em 1966, o autor completa a trilogia com a publicação de “As palavras e as coisas” onde encontramos uma análise arqueológica que consiste em descrever a constituição das ciências humanas, a qual a partir de uma interrelação de saberes, estabelece uma rede conceitual que lhes cria espaço de existência, deixando de lado as relações entre os saberes e as estruturas econômicas e políticas. O objetivo do autor era generalizar interrelações conceituais capazes de situar os saberes constitutivos das ciências humanas sem pretender articular as formações discursivas com as práticas sociais. Segundo ele, há uma descontinuidade patente quando se aplica uma teoria, esta descontinuidade de conceitos gera formulações que, se inter-relacionando com saberes passados, criam novas implicações sobre o assunto que são as readaptações transformáveis. Podemos considerar que, no conjunto das citadas, obras visualizamos o nascimento da interdisciplinaridade.

Segundo Fazenda (2011) no final da década de 60, quando Hilton Japiassú, o precursor dessa área de estudos no Brasil, decidiu investigar a Interdisciplinaridade, frequentou por dois anos o laboratório de Jean Piaget onde a Teoria da Interdisciplinaridade estava sendo gestada.

Nessa convivência, acadêmicos que estudavam com Piaget sobre o valor do conhecimento específico das ciências e a possibilidade de extrapolar os limites destas. Após longa investigação, sobre a complexidade dos limites das ciências, numa atitude de liberação das amarras que impediam o afrouxamento das fronteiras, Piaget cria o conceito de transdisciplinaridade, imaginando com ele, a possibilidade de transgressão dos principais paradigmas fechados das ciências convencionais da época. A ciência convencional que vinha sendo colocada em questão passa a ser questionada na Escola, nas disciplinas que então se organizavam, e com elas o currículo. (FAZENDA, 2011, p. 18).

De 1990 a 1994, o Brasil adota uma política educacional por interdisciplinaridade; foi criada a Escola Padrão por meio de um decreto no governo Fleury, porém as mutações são constantes em nossa rede de ensino e logo os sistemas são substituídos por outros, sequencialmente, sem que se pense muito em como ficará a preparação de nossos alunos ou quais serão os seus saberes ou ainda como seus saberes ajudarão na tomada de decisões inevitáveis nas suas vidas.

Os pedagogos começam então a pensar numa maneira de inserir essa fragmentação de pensamento no ensino escolar considerando que os atuais meios, mais rápidos, de comunicação possibilitaram a criação de textos menores que analisados se mesclam criando uma nova ideia e ampliando o campo do saber.

No sentido de considerar os aspectos práticos sobre a interdisciplinaridade no Brasil, teceremos considerações sobre o artigo de Luckesi – “A atual prática da avaliação e democratização do ensino”. Nele, o autor analisa as dificuldades encontradas pelos professores para ensinar e avaliar, de forma honesta e ética, alunos da escola pública até a faculdade. Discute ainda sobre os princípios iniciais de conteúdos os quais deve ter o ensino a fim de acompanhar o aluno desde a escola popular até a faculdade. Um ensino que possa suprir suas deficiências e através de uma avaliação coerente e honesta lhe dê condições para adquirir qualidade de percepção e, a partir daí, ter o privilégio de conseguir chegar aos conhecimentos gerais da vida. Verificamos que só através das práticas interdisciplinares aplicadas em seu ensino, conseguirão isso.

Em relação aos nossos processos de avaliação, temos sempre manifestações latentes, pois estão sujeitos a patologias magisteriais permanentes que os levam a privilegiar determinados alunos, embora atualmente o professor esteja revestido de maior dose de bom senso.

Segundo Luckesi (1995), para a tão necessária avaliação dos alunos, depois de determinados períodos de aulas, os professores formulam provas ou testes através dos quais os mesmos possam expressar seu entendimento e compreensão sobre os que lhes foi ensinado. Muitas vezes, durante a elaboração das mesmas, inserem conteúdos extras com a finalidade de que os alunos se tornem mais atentos e mostrem que são bons mesmo. Quando os alunos não entendem a questão, respondem de qualquer modo, prejudicando o valor de suas notas ou conceitos que corresponderão ao seu nível qualitativo de aprendizagem e farão parte do seu histórico escolar. O professor poderá ainda atribuir pontos a mais ou a menos. Para o citado autor, é assim tem ocorrido o ritual de avaliação em nossas escolas brasileiras.

Nesse sentido, considerando que a avaliação estabelece um juízo de qualidade sobre dados relevantes, visando uma tomada de decisão, é preciso relembrar as três variáveis que, juntas, possibilitarão ser substancial o papel da avaliação:
1ª variável – Juízo de qualidade – juízos são afirmações ou negações sobre alguma coisa; para se fazer o juízo de qualidade é preciso recorrer ao juízo de existência que determina o que o objeto é, pois este juízo de qualidade acontece quando comparamos o objeto que está sendo ajuizado a um determinado padrão ideal de julgamento. No processo de avaliação, o dado de realidade é a conduta dos alunos e a essa realidade atribuímos qualidade a partir de determinado padrão ideal de conduta. Assim, o professor, tendo em mãos os resultados da aprendizagem dos alunos, os compara com a expectativa de resultado que considera padrão ideal de julgamento e lhe atribui uma qualidade que pode ser satisfatória ou insatisfatória.
2ª variável – o juízo de qualidade usado na avaliação deve ser fundado em dados relevantes da realidade; no caso da aprendizagem, ele deve ser fundado em propriedades “físicas” aqui entendidas como a conduta dos alunos, que será mais ou menos satisfatória à medida que se aproximar do padrão ideal adotado, ou seja, da expectativa que temos dessa conduta. Suprimir essas propriedades “físicas” significa qualificar ou desqualificar gratuitamente o aluno.
3ª variável – Tomada de posição – o juízo de qualidade implica uma tomada de posição, ou seja, estar a favor ou contra aquilo que foi julgado; nesta fase essa tomada de decisão se refere à decisão do que fazer com o aluno em relação à sua aprendizagem, considerá-la satisfatória ou insatisfatória.

A atual prática de avaliação no Brasil está levando em conta esses caracteres?
No caso do juízo de qualidade, o padrão ideal exigido deve ser estabelecido com clareza e levado em conta com honestidade para que a aprovação ou reprovação dos alunos não dependa da arbitrariedade do professor, mas sim da aprendizagem dos caracteres mínimos necessários de um juízo de qualidade fundamentado no real e não de forma antidemocrática. A definição de dados relevantes e sua utilização na avaliação evitarão o arbítrio momentâneo por parte do professor quando resolve “dar um ponto a mais” ou “dar um ponto a menos”, baseado em dados irrelevantes da aprendizagem. Essa conduta impede que o patamar cultural do aluno se eleve o que lhe possibilitaria uma melhor visão do mundo.

Em nosso cotidiano escolar, os alunos são classificados através de menções em notações numéricas ou verbais, posteriormente transformados em símbolos numéricos. Esta passagem permite que seja feito um “contrabando”. O professor necessita agir assim pelo fato de trabalhar com média de notas e não com um mínimo necessário de conhecimentos, forma pela qual os alunos podem ser aprovados sem deter os conhecimentos necessários numa unidade de ensino, atitude esta considerada antidemocrática.

Duarte (1995) considera que o professor tem o compromisso de formar cidadãos os quais conheçam seus direitos e deveres, podendo atuar na sociedade, no ambiente familiar, no trabalho e na vida política, também saber em quem votar, escolher bem seus representantes, os quais deverão lutar pelos direitos dos cidadãos.

Segundo Libâneo (1994, p.44), “a democratização do ensino supõe um sólido domínio das matérias escolares, com especial destaque à leitura e à escrita, como pré-condição para a formação do cidadão ativo e participativo.” Para ele, como toda a profissão, o magistério é um ato político porque se realiza no contexto das relações sociais.

Moreira José (2010), em seu artigo “Interdisciplinaridade e ensino”, comentando aspectos de ordem prática sobre a Interdisciplinaridade no Brasil, cita que, de acordo com Hernandez (1998) a educação precisa favorecer a compreensão dos alunos daquilo que se ensina para que possa agir sobre o que foi aprendido, porém insere mais uma exigência do ensino, o que se aprende deve ter relação com a vida dos alunos e dos professores. O trabalho do professor deve propiciar ao aluno a resolver questões problemáticas que o estimule a questionar, refletir e interpretar os fenômenos da realidade.

Para que isso ocorra precisamos abandonar práticas de ensino voltadas para a memorização, a repetição e distantes de qualquer forma que incite à reflexão. O professor, mudando seu comportamento, poderá enxergar as possibilidades que o aluno possui de aprender e transformar sua maneira de agir sobre o seu presente.

Para Moreira José (2010), vários autores, em suas recentes pesquisas sobre o tema, apontam que a aprendizagem dos alunos deve estar repleta de perguntas: de ordem existencial, conceitual ou de ordem prática; para eles, diversas perguntas críticas ou uma única questão bem projetada faz o papel de uma flecha que provoca impacto e penetração por onde passa atingindo e alterando seu estado de conhecimento.

O autor verificou que a Teoria da Interdisciplinaridade (Fazenda, 2011) se configura como a possibilidade conceitual, prática e existencial de fazer e respondera a essas perguntas.

Uma educação ou uma didática interdisciplinar fundadas na pesquisa compreendem que o importante não é a forma imediata ou remota de conduzir o processo de inquirição, mas a verificação do sentido que a pergunta contempla. É necessário aprendermos nesse processo interdisciplinar a separar as perguntas intelectuais das existenciais. As primeiras conduzem o homem a respostas previsíveis, disciplinares, as segundas transcendem o homem e seus limites conceituais, exigem respostas interdisciplinares. (Fazenda, 2011, 26).

Dessa forma, considerando que o ser humano sofre constantes transformações em seus ciclos de vida, seu processo de formação é contínuo e seu aprendizado influenciado pela perspectiva histórico-cultural na qual está inserido, visando à interdisciplinaridade; um exemplo a ser seguido é o “Projeto Teia do Saber” desenvolvido atualmente com grande sucesso numa das maiores favelas de São Paulo-Heliópolis. O SESI, em parceria com a da Secretaria de Estado da Educação de SP, propicia aos jovens alunos desse local atividades de formação extraescolares as quais garantem não apenas uma formação continuada, mas o encontro dos mesmos com a arte, a cultura, o esporte e outros saberes, sempre com acompanhamento psicológico de professores e profissionais altamente capacitados. Em entrevista à Rádio Bandeirante (17/3/14) a diretora responsável pelo projeto comentou que a finalidade maior do mesmo é preparar esses jovens para vida.

“Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova pedagogia, a da comunicação”. (Fazenda, 2011, p, 26)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nossos alunos enfrentam problemas, causados pela atual formação; esse fato permite que cheguem ao final do ciclo escolar sem a formação socio-cultural exigida.

Se a insatisfação com a educação ministrada nas escolas é um fato, como várias pesquisas a respeito de evasão e reprovação, bem como movimentos estudantis contestadores nos evidenciam, precisamos refletir sobre a necessidade de mudanças de atitude diante do problema do conhecimento, eliminando as barreiras entre o homem que a escola forma e o homem como ser do mundo.

Necessário se faz pensar a educação de forma não preconceituosa, onde todo o conhecimento é igualmente importante. No contexto da internacionalização, caracterizada por intensa troca entre os homens, a Interdisciplinaridade assume papel de grande importância na educação, pois, além do desenvolvimento de novos saberes, descortina novas realidades sociais e novas leituras de suas dimensões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FAZENDA, Ivani Catarina A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro – Efetividade ou Ideologia. 6. Ed. São Paulo: Loyola, 2011.

HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: Os Projetos de Trabalho. Porto Alegre. Artmed, 1998.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994(Coleção Magistério. Série formação do professor).

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação do Aluno: a favor ou contra a democratização do ensino? In: Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 1995; p. 66-80.

MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. X. 5 FOUCAULT
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MOREIRA, Mariana A. José. Interdisciplinaridade e ensino: dialogando sobre as questões da aprendizagem. Rev. Interdisciplinar, Volume 1, número 0, p.01-83, Out, 2010.

Publicação Oficial do GEPI- Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade –
Educação/ Currículo – Linha de Pesquisa: Interdisciplinaridade: PUC/SP.
R. Interdisciplinaridade, São Paulo, Volume 1, número 0, p.01-83. Out, 2010.
Distribuição eletrônica: pelo site: http://www4.pucsp.br/gepi/