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INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR

INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR

INTERDISCIPLINARITY IN HIGHER EDUCATION

Prof. Engels Marx das Chagas

Me. Engenharia Metalúrgica e de Minas pela UFMG
Professor da UNIBR-São Vicente

engels.professor@gmail.com

RESUMO

Este artigo trata da aplicação do método interdisciplinar no ensino superior. Tal método tem se colocado no caminho dos pesquisadores, os quais buscam um projeto antropológico para a educação e que preconiza formar professores partindo do cotidiano de suas práticas e rotinas pedagógicas, envolvendo ética, estética, memória e estado de temporalidade, modificando-se o conceito estendido de educar. Estudos recentes revelam que a interdisciplinaridade convive com concepções diversas, revelando uma sinergia polissêmica. A proposta acadêmica deste trabalho não é estabelecer uma concepção epistemológica, nem de per si é contestativa ou poliândrica. É um olhar de um operador de uma engrenagem do sistema de ensino, ante a necessidade de saber como os atores envolvidos no ensino-aprendizado devem ter autoridade (pelos meios de execução) e responsabilidade (pelos resultados) na efetividade da interdisciplinaridade.

PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade, Ensino Superior, Foucault, Educação, Avaliação, Exame.

ABSTRACT

This article deals with the application of interdisciplinary method in higher education, a method that has been placed in the path of the researchers who seek an anthropological project for education and train teachers advocating starting from their everyday teaching practices and routines involving ethics, aesthetics, state of memory and temporality, modifying the extended concept of educating.
Recent studies reveal that interdisciplinarity coexists with various conceptions, revealing a polysemous synergy. The academic purpose of this paper isn´t to establish an epistemological conception, nor in itself is contestativa or polyandrous. It is a interrogative look of an operator of a gear of the education system, given the need to know how the actors involved in the teaching-learning should have the authority (by means of execution) and accountability (for the results) at the effectiveness of interdisciplinarity.

KEYWORDS: Interdisciplinary, Higher Education, Foucault, Education, Evaluation, Examination.

INTRODUÇÃO

As ideias de Michel Foucault têm sido referenciadas em diversos campos do conhecimento e tal influência tem sido apontada com notoriedade na educação. Nesse aspecto, o objetivo da análise de Foucault é estabelecer relações entre saberes e atribuir-lhes positividade específica e estabelecer compatibilidades por meio de fronteiras temporais. Teorias e ideias são transportadas e traduzidas de uma área para outra e validadas independentemente de serem do campo de aplicação das ciências, exatas, humanas ou sociais.

Esse movimento constitui na área da educação uma metodologia de ensino crítica, conceituando os relacionamentos como um caminho crítico para esclarecer e fundamentar a teoria, eliminando a abordagem científica como pressuposto de aprendizado de conteúdos para o educando, mas utilizando os relacionamentos contextuais para levá-lo aos princípios científicos.

A academia tem como missão formar cidadãos ativos e solidários para conviver e interagir com a comunidade, contribuindo, dessa forma, com as competências adquiridas para uma sociedade mais justa e solidária. Assim, os valores-fins da academia devem viabilizar as condições para que o educando una conhecimento e posturas éticas, estéticas e políticas as quais constituam base para o processo de transformação cultural da sua época histórica.

A crítica de Foucault, que emerge na História da Loucura ao colocar o louco como um sujeito o qual demanda intervenção, controle e manejo, não é pontual, mas extensiva a toda história da humanidade. Nesse aspecto, Foucault é precisamente polêmico. A transposição para a área do ensino parece ter levado alguns pedagogos a atribuir as consequências desse vício aos professores; atribuindo-lhes certa perversão ao castigar o aluno nas avaliações do aprendizado. E as diretrizes governamentais; e a administração do ensino? É como atribuir toda culpa da tortura ideológica ao agente da tortura e inocentar o poder que o permite torturar. O poder individual é apenas cúmplice do poder institucional.

A partir da fragmentação dos conteúdos, os pedagogos passaram a trabalhar o conceito de qualidade das avaliações do educando, chegando ao conceito de interdisciplinaridade.

A INTERDISCIPLINARIDADE

A interdisciplinaridade está na ordem do dia do ensino superior do Brasil. Apesar de muito já se ter debatido o assunto, ganhou ênfase no momento atual por conta do desempenho dos alunos nas avaliações do ENEM e ENADE. A própria abordagem atual do tema revela uma prática de ensino e avaliação que está muito longe de ser evidente. É um conceito e uma prática ainda em construção e desenvolvimento dentro das ciências e do ensino das ciências, sendo estes dois campos distintos nos quais a interdisciplinaridade se faz presente.

Em muitas instituições de ensino superior, a interdisciplinaridade apresenta-se como um dos princípios pedagógico-científicos propostos como fundamentais. Mas será mesmo uma meta viável na estrutura escolar vigente? Sob que condições se pode evitar que se torne mais um mito? Um mito que serviria para camuflar contradições estruturais das práticas pedagógicas e científicas e manter intactas as regras instituídas por um jogo desigual de saber-poder.

Os estudos de Michel Foucault, na linha da arqueologia do saber e da genealogia do poder, talvez possam nos oferecer alguns subsídios. Ao pesquisar o aparecimento histórico das Ciências Humanas, Foucault (1990) constata que elas são o produto de uma interrelação de saberes, que revela uma ordem interna, constitutiva do saber, a qual ele chama de épistémè¹ . Esse pensamento é usado por Ivani Fazenda ao conceituar a interdisciplinaridade.

Entendemos a Interdisciplinaridade como um movimento que possibilita o diálogo entre os seres humanos e os saberes. Isto impõe uma nova consciência; o ensino pautado na comunicação convergente dos programas de estudo das disciplinas, no diálogo entre os professores e alunos em uma perspectiva de troca e enriquecimento de saberes individuais e experiências de vida, proporcionando a alegria da busca e do conhecimento, pois ‘Hoje, mais do que nunca, reafirmamos a importância do diálogo, única condição possível de eliminação das barreiras entre as disciplinas. Disciplinas dialogam quando as pessoas se dispõem a isto (…) (FAZENDA, 2003, 50). Os grifos são nossos.

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¹Episteme – Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926 – 1994), episteme é o paradigma comum aos diversos saberes humanos em uma determinada época que, por se embasarem numa mesma estrutura, compartilham as mesmas características gerais, independentemente de suas diferenças específicas.

Para Foucault (1990), em uma cultura e em dado momento só existe uma épistémè (daí seu aspecto de globalidade) e revela um a priori histórico (daí sua profundidade) o qual torna possível os diversos saberes e a própria ciência. Assim, a formação dos saberes e a relação entre eles devem ser buscadas não em nível gramatical (das frases), nem lógico (das proposições), mas em nível dos enunciados, os quais constituem um discurso.

A disciplina constitui-se, pois, num conjunto de mecanismos, os quais esquadrinham o espaço, decompõem e recompõem as atividades para adequar os gestos com as atitudes e objetos, estabelecem a seriação dos atos e a acumulação de forças, compõem as forças individuais sob comando centralizado.

O sucesso e o funcionamento do poder disciplinar se devem ao uso de instrumentos simples como o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame.

Na visão de Luckesi (2014), o exame difere da avaliação. Os exames são pontuais, classificatórios e seletivos (ou excludentes), enquanto a avaliação é não-pontual, diagnóstica e inclusiva.

Além de esquadrinhar o espaço, de subdividir e recompor as atividades, a disciplina capitaliza o tempo e as energias dos indivíduos, de maneira que sejam susceptíveis de utilização e controle. Isto mediante quatro processos: divisão da duração em segmentos, organização de sequências, finalização de cada segmento por uma prova, estabelecendo-se séries temporais diferenciadas.

Esta reconstrução e problematização do tema interdisciplinaridade no momento atual devem levar em conta o alerta para a necessidade de se explicitar e enfrentar as relações de poder disciplinar a partir das quais atualmente estão se configurando discursos e projetos de interdisciplinaridade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto atual, o conceito de interdisciplinaridade não pode ser reconstruído pelo professor ou entre professores simplesmente. A simplificação e a ausência de um planejamento global podem levar a uma postura epistemológica inadequada, devido à dificuldade de se operacionalizar o conceito e que isso seja compatível nacionalmente. Ainda mais nocivo, corre-se o risco de criar uma prática de exame e intitulá-la de interdisciplinaridade. A prática dos exames ou a prática da avaliação não servem a si mesmas, mas sim a um determinado projeto. Tanto os exames como a avaliação são práticas subsidiárias de determinados projetos de ação. No nosso caso, subsidiárias de projetos pedagógicos.

É contraditório desejar praticar avaliação dentro da pedagogia tradicional. Praticar um currículo tradicional e avaliar são coisas incompatíveis. Para um currículo tradicional é adequada a prática de examinar. Para a prática de avaliar, necessitamos de um currículo centrado no desenvolvimento, na construção, na experiência da igualdade e da democracia, no seu mais preciso sentido.

O atual “estado da arte” mostra que o ENADE é um exame; por meio dele têm-se ameaçado de fechamento instituições de ensino superior. O Exame do Ensino Médio (ENEM) iniciou-se com a característica de avaliação, mas está caminhando para ser um exame, como meio de auxiliar a seleção para a o ingresso na Universidade.

A implementação de um sistema de avaliação interdisciplinar precisa ser construída a partir de seus principais agentes, um processo para atender as necessidades do cliente final – o educando. Além dos professores, outros operadores atuam no processo interdisciplinar: o MEC e as instituições de ensino, já que desenvolvem políticas, regulam e controlam a atividade de ensino no âmbito nacional.

A avaliação interdisciplinar pressupõe uma metodologia de ensino interdisciplinar, em todos os níveis educacionais, que garanta o sucesso da aprendizagem para o aluno.

Avaliação da aprendizagem é o ato de diagnosticar o desempenho do estudante, tendo em vista auxiliá-lo a chegar ao nível necessário de aprendizagem; a nota ou conceito é a forma de registrar em documentos cartoriais da escola a qualidade final do desempenho do educando, que sempre deveria ser satisfatória, caso a aprendizagem seja efetivamente construída pelos processos e atos pedagógicos de ensinar. Aprendizagem satisfatória não significa, em si, aprovação; mas conduz a uma aprovação. Assim, a aprovação não é o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada.

A aprendizagem satisfatória depende do investimento na qualidade do ensino, centrada no sucesso do educando.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTI, Valdir Pedro. Interdisciplinaridade: um conceito polissêmico. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de Biociências e Faculdade de Educação da Universidade do Estado de São Paulo, para obtenção do título de mestre em ensino de ciências.

FAZENDA, I. Interdisciplinaridade. Revista GEPI 2010:11 São Paulo: PUC, 2010

FAZENDA, I. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 2011.

FERNANDES, Ana Izabel dos Santos e PACHECO, Rogéria Silveira. Diálogo, currículo e interdisciplinaridade: um caso na Fundação Liberato. Disponível em: http://www.liberato.com.br/upload/arquivos/0131010716345316.pdf. Acesso em: 13/03/2014 01:22:25.

FLEURI, Reinaldo Matias. Interdisciplinaridade: meta ou mito? Revista Plural, n.4, ano 3, janjul. 1993. Disponível em:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/freire/fleuri.pdf. Acesso em 13.03.2014.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 23 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação do aluno: a favor ou contra a democratização do ensino? In: Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1995; p. 66-80.

___________________.Entrevista sobre avaliação da aprendizagem, concedida ao Jornal do Brasil e publicada no dia 21/07/00. Disponível em: Http: www.luckesi.com.br. Acesso em: 13 março 2014.

LUCKESI, Cipriano C. Entrevista publicada na Folha Dirigida. Rio de Janeiro, Edição nº 1069, de 06/10/2006, no caderno “Aprender”, pág. 9. Disponível em: Http: www.luckesi.com.br. Acesso em: 13 março 2014.

MENEZES, José Euclimar Xavier de. As fronteiras interdisciplinares do pensamento de Foucault. CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012.

RICCIO, Edson Luiz; MENDONÇA NETO, Octavio Ribeiro de e SAKATA Marici Cristine Gramacho. Movimentos de teorias em campos interdisciplinares: a inserção de Michel Foucault na contabilidade. Revista de Administração Contemporânea, 2. ed. Especial 2007.