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DIALOGISMO E IRONIA: A COMPREENSÃO DO DISCURSO IRÔNICO DE ALUNOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

DIALOGISMO E IRONIA: A COMPREENSÃO DO DISCURSO IRÔNICO DE ALUNOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

DIALOGISM AND IRONY: THE IRONIC DISCOURSE UNDERSTANDING OF FOREIGN LANGUAGE STUDENTS

Profª. Roberta dos Santos Rodrigues

Mestranda em Língua Portuguesa – PUC/SP

E-mail: soyremolacha@hotmail.com

RESUMO

Comunicar-se em língua estrangeira é muito mais do que decodificar palavras ou saber empregar o léxico na construção de frases, é também compreendê-la e estar atento à intencionalidade que há por detrás do discurso. Partindo desse princípio, este breve artigo enfocará relações dialógicas na compreensão do discurso irônico em relação a aprendizes de língua estrangeira.

PALAVRAS-CHAVE: dialogismo, ironia, língua estrangeira

ABSTRACT

Communicate in a foreign language is much more than decode words or learn to employ the lexicon in the construction of sentences, it is also to understand and be aware of the intentionality that behind the discourse. Based on this principle, this brief article will focus on understanding the dialogical relations discourse ironic in relation to foreign language learners.

KEYWORDS: dialogism, irony, foreign language

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é focalizar as relações dialógicas entre o eu e o tu (locutor e interlocutor) as quais auxiliam no processo do discurso irônico, levando em consideração sua importância para aprendizes de língua estrangeira.

A ironia assemelha-se muito a um jogo em que o locutor lança um enunciado com intenção preestabelecida e o interlocutor tem a função de chegar ao sentido verdadeiramente pretendido pelo emissor da mensagem. Nesse processo comunicativo, o interlocutor terá de utilizar as ferramentas que dispõe, isto é, para que o sentido irônico seja alcançado, é necessário que o interlocutor compartilhe do mesmo conhecimento de mundo do locutor, para que, dessa forma, infira e preencha as lacunas que o enunciado irônico propositalmente deixa no momento da enunciação. O emissor da mensagem conta com a aceitação desse sentido. É parte do jogo mencionado anteriormente que o interlocutor construa o enunciado juntamente com o locutor.

O que acontece com muita frequência com alunos de língua estrangeira é que aprendem e sabem o significado dos vocábulos, mas a compreensão de determinado enunciado vai muito mais além. Como uma pessoa pode entender uma piada ou mesmo uma ironia se desconhece aspectos inerentes à cultura, política ou cultura de uma sociedade?

Assim sendo, faz-se necessária a explanação de alguns fatores como o dialogismo e a inferenciação, que constituem o processo de construção do sentido irônico, inseridos dentro do contexto de ensino-aprendizagem de língua estrangeira.

O DIALOGISMO E A IRONIA

A ironia ocorre quando há a subversão da enunciação. Brait (1996), para explicar o conceito de ironia, comenta sobre a noção de literal e figurado. De acordo com a autora (1996), a ambiguidade essencial do discurso irônico está em aceitar, de modo simultâneo, seu sentido literal e figurado para qualificar a recepção. A ironia é composta de dois discursos, e cabe ao interlocutor fazer a junção de significação dita literal e a irônica pretendida pelo locutor.

Sob esse aspecto, o conceito de dialogismo, segundo Bakhtin (2003), é extremamente importante. O autor (2003) o concebe como um princípio que constitui a linguagem e a condição de sentido do discurso. O plano de desdobramento do dialogismo de Bakhtin (2003), em relação à ironia é fundamental, uma vez que, para o discurso irônico obter sucesso, é necessária a interação entre locutor e interlocutor, ou seja, é importante que haja adesão do que foi dito pelo locutor por parte do interlocutor.

O discurso irônico joga essencialmente com a ambiguidade, convidando o receptor a, no mínimo, uma dupla decodificação, isto é, linguística e discursiva. Esse convite à participação ativa coloca o receptor na condição de co-produtor da significação, o que implica necessariamente sua instauração como interlocutor. (BRAIT, 1996, p. 28).

Dessa maneira, pode-se dizer que o papel de ambos, locutor e interlocutor, para a existência da ironia é fundamental. O interlocutor deve estar preparado no momento em que a mensagem é transmitida. Muecke (1995) afirma que, se entre o público do locutor existam aqueles que não se dispõem a compreender, o que há em relação a eles é um equívoco e não uma ironia.

Para ilustrar, Umberto Eco (apud SALINAS, 1996) relata que lhe escreveu, certa vez, uma professora dizendo que se preocupava com o fato de que seus alunos, aprendizes de espanhol como língua estrangeira, não tinham a capacidade de compreender o sentido irônico contido em alguns artigos jornalísticos que lhes deu como trabalho. Para entender o que foi dito e perceber quais fatores poderiam dificultar a compreensão por parte dos receptores, os alunos, segue um esquema, no qual também é possível ter uma ideia de como esse processo de transmissão e recepção do discurso irônico ocorre:


Figura: esquema de transmissão e recepção do discurso irônico.

No esquema anterior, nota-se que a mensagem parte do locutor com um significado preestabelecido, sentido literal e figurado fundem-se, tornando-se a obra da ironia; esta chega ao interlocutor, que parte em busca da interpretação. Segundo Christine (apud MUECKE, 1995), além da competência linguística para interpretar, o interlocutor também tem de manifestar um conhecimento cultural semelhante a do ironista, para que possa, dessa forma, fazer as devidas inferências e explicitar o que foi implícito. Pode-se dizer que um dos fatores para a não compreensão de um enunciado irônico está justamente aí, isto é, locutor e interlocutor não compartilharem as mesmas informações, prejudicando, assim, todo o processo.

IRONIA E AS ABORDAGENS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Levando em consideração a compreensão da ironia de alunos de língua estrangeira, é necessário evidenciar as abordagens, segundo Krashen (apud SHÜTZ, 2014), ao que diz respeito ao ensino-aprendizagem de línguas. As hipóteses de language acquisition e language learning são importantes aqui, pois, dependendo do modo que o estudante irá aprender o idioma poderá ter mais ou menos dificuldades em compreender uma ironia.

Na abordagem de language learning, o aluno tem contato com o idioma num ambiente artificial, o da sala de aula, assim sendo, a maior preocupação é em relação à estrutura da língua, de sua escrita e, por essa razão, há um distanciamento do convívio sócio-cultural, onde surge uma real situação de comunicação. Já no language acquisition, o estudante tem um contato direto com o idioma e está inserido num ambiente que propiciará maior e real interação com falantes nativos, o que elevará sua noção social e cultural do país em que está aprendendo o idioma. Tal abordagem é semelhante ao processo de aprendizagem de língua materna.

É possível afirmar, portanto, que o aluno de língua estrangeira ao aprender um idioma por meio da abordagem de language acquisition terá maior facilidade em compreender os sentidos de um discurso irônico ao se deparar com o mesmo em uma situação de comunicação.

IRONIA E INFERENCIAÇÃO

Sob o prisma do que diz Grice (apud SALINAS, 1996), em sua teoria da conversação, a ironia rompe com a máxima da qualidade. O fato ocorre por ser a ironia um recurso linguístico que contem duas informações, literal e figurada, uma delas não se pode provar como verdadeira. Tal violação à máxima pede participação maior do interlocutor no sentido de peneirar informações e acrescentar outras por conta própria, a fim de ajudá-lo na apreensão do sentido.

Preencher as lacunas deixadas pelo discurso irônico, no entanto, não é tarefa fácil, ainda mais quando a língua dos interlocutores não é a materna. Para realizá-la, o falante tem de fazer inferências, utilizando dados que constituem seu conhecimento prévio. Contudo, se tal conhecimento não for compartilhado, quer dizer, se locutor e interlocutor não estiverem de acordo no momento da transmissão do discurso irônico, o processo da ironia pode ser interrompido.

As inferências, portanto, “[…] constituem estratégias cognitivas por meio das quais o ouvinte ou o leitor, partindo da informação veiculada pelo texto e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói novas representações mentais […]”. (KOCH, 2004, p. 39). Isso quer dizer que, para esse “jogo” da ironia, um dos participantes espera que o outro faça uma inferência. Para alguns, um desafio, para outros, trata-se de necessidade:

Muitas vezes, em meus artigos, a ironia não é um vício, senão uma necessidade. Ao ter de condensar complexos discursos em quatro mil e quinhentos espaços à maquina (o que tenho a minha disposição), a ironia, que por natureza é uma elipse e implica pressupor tantas coisas, nasce por exigência de síntese. (ECO apud SALINAS,1996, [s.p.]).

Desse modo, pode-se afirmar que o discurso irônico não serve apenas para deixar em aberto o significado de uma questão, o que contraria, conforme Muecke (1995), o tradicional enfoque da ironia como uma figura de linguagem que pretende dizer algo contrário ao que foi dito; na realidade, a ironia é um recurso que ativa uma gama de interpretações subversivas em um discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi explanado, a respeito da ironia em relação a estudantes de língua estrangeira, é possível concluir que o aprendiz que mais se preocupar em reunir informações relacionadas à cultura, sociedade, política, entre outros, do país do qual a língua se origina, seguramente, estará mais preparado para apreender qualquer sentido que um interlocutor lhe tente passar.

É evidente que pessoas que adquirem língua estrangeira em ambiente natural estarão mais aptas a interagir dentro de certo processo comunicativo; portanto, aprender por meio de um sistema artificial ou natural, o certo é que os aprendizes têm de ter a consciência de que saber um idioma vai muito mais além da simples tradução de vocábulos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz. Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: EDUSP, 1994.

BRAIT, Beth. Ironia em perspectiva polifônica. São Paulo: UNICAMP, 1996.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2003.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MUECKE, Douglas Colin. Ironia e irônico. São Paulo: Perspectiva, 1995.

SALINAS, Carlos. Por qué es tan “difícil” ironizar con extranjeros?. Revista Casi nada, Barcelona, n. 8, [s.p.], nov. 1996. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.

SHÜTZ, Ricardo. Assimilação natural x ensino formal. English made in Brazil, [s.l.], [s.p.], jul. 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.