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A IDENTIDADE DO PROFESSOR: DIMENSÃO PESSOAL

A IDENTIDADE DO PROFESSOR: DIMENSÃO PESSOAL

TEACHER’S IDENTITY: PERSONAL DIMENSION

 

Profª Sheila S. C. B. Borges

Mestre em Educação – UNISANTOS – Santos – S.P.

Professora da UNIBR – São Vicente

E-mail: teacher_sheila@hotmail.com

 

RESUMO

 

Este artigo tem como objetivo apresentar a dimensão pessoal que compõe a identidade do professor. Assim sendo, tomamos como conceitos essenciais para o estudo da identidade do professor: o autoconhecimento, com o intuito de compreendermos melhor como o professor (re)constrói sua identidade. Escolhemos como teórico para esta dimensão Morin (2001, 2003, 2006, 2008). Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa qualitativa, assim podemos compreender o professor em seu ambiente natural, a sala de aula, observando melhor seu comportamento, suas interações e as situações enfrentadas.

 

PALAVRAS-CHAVE: autoconhecimento, alteridade, identidade.

ABSTRACT

 

This article has as an objective to present the personal dimension that composse the teacher identity. Being so that, we consider as essential concepts to the study of the teacher identity, the self-knowledge, intending to understand better how the teacher (re)builds his/her identity. We have chosen as the theoritician Morin (2001, 2003, 2006, 2008)for this dimension . The data were obtained from a qualitative research, so we can understand the teacher in his/her natural habitat, observing better his/her behavior, his/her interactions and in the situations faced.

 

KEYWORDS: self-knowledge, alterity, identity.

INTRODUÇÃO

 

A identidade do professor é formada por três dimensões: pessoal, profissional e institucional ou organizacional. Abordaremos neste momento somente a dimensão pessoal, no entanto, faz-se necessário primeiro compreendermos o que vem a ser identidade. Temos como referencial teórico Morin (2006,2008), segundo o qual somente haverá “reforma” na educação se houver a “reforma do pensamento” dos educadores. De acordo com o autor, é a partir da “compreensão humana que se pode lutar contra o ódio e a exclusão” e, assim, reformar” o pensamento, pois, a partir do momento em que compreendemos o outro, não temos motivos para excluí-lo.

Para Morin, (2008) a identidade do sujeito é composta de um princípio de distinção (momento de separação do “eu” subjetivo do “eu” objetivo); de diferenciação (momento das transformações), e o de reunificação (momento da união da exclusão com a inclusão). Neste artigo, destacaremos os conceitos de sujeito, de conhecimento, de alteridade e de consciência, que interligados nos levam, de acordo com Morin (2008), ao autoconhecimento e, consequentemente, à conscientização.

DIMENSÃO PESSOAL

A Dimensão Pessoal, como mencionado no início deste artigo, encontra-se embasada nos conceitos de autoconhecimento e consciência (MORIN, 2001,2003,2006,2008).
Para compreendermos como se chega ao processo de autoconhecimento e conscientização, precisamos esclarecer alguns conceitos como: concepção de sujeito, conhecimento, alteridade e consciência.

Iniciamos pela concepção de sujeito (1º conceito) apresentada por Morin (2006). Como nos diz na epígrafe inicial, a identidade é composta de um princípio composto de três partes. A primeira: da distinção, o qual se refere à separação do sujeito em dois “Eus”; o subjetivo e o objetivo. o “Eu” subjetivo está relacionado à auto referência, ou seja, a capacidade que temos de nos referimos a nós mesmos; enquanto o “Eu” objetivo, refere-se à possibilidade de nos referirmos ao “não-eu”, aos “outros”. Trata-se da exo referência (referência ao mundo exterior).

De acordo com o autor, a diferenciação é a continuidade do “eu”, apesar das transformações físicas e psicológicas pelas quais passamos, não deixamos de ser nós mesmos. Seria o que Morin (2006) denomina de “permanência da auto-referência.” A reunificação, por sua vez, é composta de dois princípios que se interligam: o da inclusão e o da exclusão. A exclusão remete-se ao fato inclusão, de que somos únicos, ninguém pode ser “Eu”, mesmo irmãos gêmeos, não podem ser “Eu” no lugar do outro. A inclusão, por sua vez, faz oposição ao anterior, é o momento em que incluímos em nossas vidas: familiares, alunos, companheiros de trabalho etc. Este antagonismo se reflete de duas formas, como podemos perceber na afirmação de Morin (2006, p. 121): “o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e a devoção absoluta.” É neste princípio, que destacamos a comunicação entre sujeitos de uma mesma espécie, ou seja, de uma mesma cultura, de uma mesma sociedade.

Para que haja esta comunicação entre os sujeitos, a cultura e a sociedade é necessário o conhecimento (2º conceito). O que é mesmo o conhecimento?

Morin (2008, p. 64) diz que não podemos “separar o ser, o fazer e o conhecer.” O conhecer, como afirma o autor, é constituído de três operações:
• a tradução em signos/símbolos e em sistemas de signos/símbolos;
• a construção, ou seja, tradução construída a partir de princípios*regras (“programas”) que permitem constituir sistemas cognitivos articulando informações/signos/símbolos;
• a solução de problemas, “a começar pelo problema cognitivo da adequação da construção tradutora à realidade que se trata de conhecer.” (MORIN, 2008,p.58)

Assim sendo, o conhecimento é um objeto como os outros, ele serve para conhecermos outros objetos e a nós mesmos (autoconhecimento) (MORIN, 2001, 2008). O conhecimento é complexo, ou seja, tecido junto, é composto de experiências, aptidões, compreensões, assim como de emoções. É esta complexidade que reflete a temporalidade do conhecimento.

De acordo com Morin (2008, p.119), “a representação é composta de qualidades tais como: estabilidade, coerência, constância, totalização, globalização e constextualização.” Trata-se de uma configuração mental que formará uma imagem de coisas reais com uma apropriação subjetiva. Percepção, por sua vez, “refere-se a como recebemos a imagem através dos sentidos: tato, olfato, audição e paladar” (p. 119,120). A rememoração consiste, então, na representação duplicada e transformada em fantasia. O conhecimento humano é organizador de “representações (percepções, rememorações) e produtor de discursos, ideias, mitos e teorias, uma reflexão do espírito sobre si mesmo e suas atividades” (MORIN, 2008, p.225). Tomamos, aqui, o conceito de “representação”, em Morin, para compreender quais “qualidades” compõem a identidade do Professor.

A alteridade (3º conceito) trata da “dualidade implícita” que há no sujeito. É seu ego que ao mesmo tempo traz em si o outro ou a capacidade de comunicar-se com outrem. Morin (2006) considera “o outro não apenas como ego alter, um outro indivíduo sujeito, mas também com alter ego, um outro eu mesmo, com quem me comunico, simpatiza, comungo” (2006, p.123)

Ou seja, o “outro” não PE apenas um indivíduo sujeito alheio a mim, mas um outro “eu” mesmo, já que vejo o “outro’ através de minhas representações e é com ele que vivo, me comunico, simpatiza e comungo, posto que vivo em sociedade. É a etapa em que passamos da distinção à reunificação, momento em que incorporo outros “eus”, passando do “egocentrismo ao sociocentrismo” .

Ao falarmos de alteridade temos que retornar a ideia de representação que, de acordo com Morin (2008), é “a compreensão ou conhecimento dos próprios atos, sentimentos, pensamentos, intenções, finalidade dos outros” (p.159). Ou seja, compõem-se da projeção (de si para o outro) e da identificação (com o outro). Seria o que o próprio autor chama de complexos imaginários, formado pela interdependência de projeções, identificações e transferências.

Para o autor, a identificação, por sua vez, está relacionada à introjeção, momento em que o indivíduo se identifica com o outro, tornando ‘pessoal ou próprio o que lhe é exterior ou estranho.

As transferências, nada mais são do que o resultado da projeção e da identificação, de “sentido inverso” (MORIN, 2003, p.90). Por exemplo, podemos projetar a imagem de alunos comportados, estudiosos e atentos aos nossos alunos com uma tentativa de tornar o imaginário real e vice-versa.

O autor nos introduz, também, o conceito de self-deception, que seria o ato de mentir ou enganar a respeito de si mesmo. Este processo é resultado da necessidade de autojustificar seus erros e ilusões, projetando sobre o outro a causa do mal.

A consciência (4º conceito), por sua vez, é uma forma de conhecimento, é a reflexividade do espírito, é o retorno sobre si mesmo via linguagem. Permitindo-nos o conhecimento de nós mesmos (autoconhecimento), dando-nos o conhecimentyo integral daquilo que é, de onde está, do que realmente se sabe e do que certamente se ignora.

A consciência, como afirma Morin (2008), permite a autodescrição, a autocorreção e o auto-desenvolvimento do conhecimento, do pensamento, da psicologia e do comportamento do ser consciente.

Morin (2003) nos apresenta a tomada de consciência (conscientização) estando ligada a uma autoética, que, por sua vez, é resultado do autoconhecimento, de autoelucidação, de autocrítica; porém, a ética, de que nos fala o autor, não é a ética tradicional vinculada a valores religiosos, familiares ou cívicos, mas a ética da liberdade. Ressaltando, ainda, que a autoética é construída por meio da educação. É a conscientização da complexidade do mundo, da “complexidade humana”, ou seja, somos “tecidos juntos”: mundo e humanidade. Morin (2001) nos diz, ainda, que:

(…) compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno (MORIN, 2001, p. 55).

Assim sendo, é por meio do autoconhecimento que chegarmos à conscientização das experiências vividas ou serem vividas, que (re)constroem a identidade pessoal.

Portanto, o sujeito “professor” só poderá ser ele mesmo, ter alguma autonomia, a partir da compreensão de que para ser professor, é preciso que se levem em consideração os fatores externos, que ele necessita compreender para exercer sua profissão.

“Ressaltando que a distinção é formada do “eu-subjetivo”, ou seja, a ‘identidade para si” (DUBAR, 1995, p. 106), ou o que você quer ser, e pelo ‘eu-objetivo’, a identidade para o outro.

Podemos perceber, aqui, a manifestação dos dois “eus” na fala do Prof. E: o subjetivo se apresenta através da sua vontade de ser comprometido; o objetivo, no momento em que deixa transparecer que “o sistema” ( o outro) quer que ele seja comprometido.

Eu tenho que ser comprometido, seria desonesto até com o sistema, tem que se comprometer como que se faz. (Prof. E. Geografia, BORGES, 2008, p.57)

A Profª. J, ao comentar o que mudou em sua prática com os anos, manifesta seu “eu-subjetivo”, quando demonstra sua preocupação com o aluno enquanto indivíduo, e o “eu-objetivo”, quando diz preocupar-se mais com a transmissão de conteúdo no passado;

(…) eu tenho uma postura diferente, porque quando eu comecei, queria ser a professora que transmitia, eu não me preocupava com o aluno. Hoje, não, eu trabalho muito próximo ao aluno, isso é bom?Não sei, aí o aluno que tem que te responder. (Profª. J. Artes, BORGES, 2008, p. 57)

A diferenciação, por sua vez, traz como marca as transformações físicas e/ou psicológicas que o sujeito passa ao longo dos anos, sem que isso oculte ou modifique o “eu sujeito”. Podemos verificar estes momentos nas falas dos professores. A Profª J, por exemplo, não deixou de ser comprometida apesar de dar hoje, mais importância a sua família e a sua casa, pois o gostar de sua profissão a motiva, como afirma a seguir:

Ah, eu sou bastante,. Já fui bem mais. Hoje, a gente está meio dividida, não PE, e valoriza um pouco a família, a casa. Mas eu sou comprometida, na medida em que eu posso eu sou. Eu gosto, não é? (Profª. J, Artes, BORGES, 2008, p. 58)

Verificamos, nesta fala, que a transformação do Prof. I ocorreu na maneira de transmitir a matéria, procurando uma ligação com o real, no entanto, sem deixar de dar importância ao conteúdo teórico.

E hoje, eu procuro passar uma teoria tendo uma abordagem, extremamente prática, muito mais voltada para a realidade deles e para as necessidade de hoje. Lógico que tudo com fundamento teórico. (Prof. I, Biologia, BORGES,2008, p.134).

É esta complexidade (tecida junto), encontrada nas falas dos professores, que envolve os dois primeiros momentos do princípio que compõe a identidade do sujeito. “Um sentimento de certeza permeado de incertezas, em busca da religião do ser humano à essência do real, estabelecendo uma comunhão, reunificação “(MORIN, 2008, p. 147).

Neste sentido, “a reunificação é o momento em que o sujeito passa da exclusão, do egocentrismo ao sociocentrismo ou inclusão do outro (aluno).” (MORIN, 2008, p. 52).

No entanto, observamos na fala da Porfª. J, apesar de uma preocupação em compreender a cultura dos alunos, um certo egocentrismo ao negar-se a trabalhar com hip hop. Podemos dizer que não houve, neste momento, a reunificação do “eu subjetivo” com o “eu objetivo”.

(…) talvez se eu tentasse trabalhar uma cultura meio deles, um rap, um hip hop, este eu me nego, porque é muito “massa”, entendeu (…) (Profa. J, Artes, BORGES, 2008, p.59)

Constatamos, na fala do Prof. I, não apenas a reunificação dos dois “eus”, mas a divisão com os alunos da responsabilidade de participação na condução das aulas:

(…) tenho que fazer um trabalho extremamente sério e… como professor extremamente comprometido. Mas, infelizmente, tenho de dar um número de aulas que eu gostaria de estar dando (…) eu falo sempre para eles: quem dá aula não sou apenas eu, mas nós damos a aula (…) (Prof. I, biologia, BORGES, 2008, p.59)

O sujeito só pode atingir o outro através do conhecimento, que, segundo MORIN (2008), é a necessidade de “refletir sobre si mesmo, reconhecer-se, situar-se, problematizar-se” (p.34). Mas qual seria este conhecimento? De acordo com o pressuposto de que conhecimento é a tradução de símbolos, a construção de princípios e regras a partir da articulação de informações, chegando à solução de problemas através da compreensão da realidade, analisamos, a seguir, as falas dos professores a respeito da solução que encontraram para tornarem suas aulas mais interessantes.

A Profª. C encontrou suas soluções por meio do reconhecimento de seus erros e acertos, o que lhe ocasionou em um crescimento profissional, como vemos a seguir:

Eu acho que a gente vai aprendendo com seus acertos e seus erros. Acho que estou crescendo. (Profa. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.60)

O Prof. A encontrou, como solução, a separação dos alunos em dois grupos: os alunos melhores e os desinteressados, pois, acredita qie se deve investir nos alunos que têm mais potencial:

(…) o ideal seria você ter a mesma fala, o mesmo proceder para todos, mas todos querem. Então, aqueles que querem, você deve trabalhar com eles mais. É o que eu faço, dou provas diferenciadas para alunos melhores, exijo mais deles, porque eu sei que eles têm potencial. Então, se deve aproveitar o potencial do aluno, deve-se trabalhar com ele mais. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p. 61)

Um outro aspecto a ser observado, na dimensão pessoal, no processo de autoconhecimento, é o conhecimento do outro (conceito de alteridade) e auto-observação, como poderemos ver a seguir:

Não sei se a escola que não evoluiu com eles, ou se eles evoluíram demais. Parecem mais desinteressados que os alunos do passado. (Prof. E, Geografia, BORGES, 2008, p.148)

Percebemos, nesta fala, o questionamento do Prof. E em relação às atitudes dos alunos de hoje. Estaria a escola defasada para acompanhar a evolução dos alunos frente ao mundo atual?

Temos, aqui, o que Morin (2006, p.53) denomina de self deception: “a incompreensão do motivo que causaria o desinteresse do aluno, como obstáculo para uma autocrítica.” Há presente, também, um processo de projeção, ou seja, a transferência de uma representação ou imagens de alunos que existiam no passado, comparando-os com o presente, resultando em uma identificação negativa.

Continuando dentro deste processo de projeção/identificação e transferência, verificaremos como ocorreu em outros professores. A Profª. C, por exemplo, projeta em seus alunos a representação de alunos mais maduros por eles trabalharem durante o dia e estudarem à noite; ao mesmo tempo que se identifica com eles, ao colocar-se em seu lugar reconhecendo seu cansaço:

Eu acho que eles têm interesse sim, por essa maturidade que eles acabam adquirindo (…) eu acho que eles assim, mais cansados, vêm de um dia de trabalho, então à noite já para produzir custam mais. (Profa. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.61).

Por outro lado, a transferência ocorre quando passa os alunos de maduros e cansados a alunos sem limites, mesmo afirmando não ter problemas com eles: “não que eu tenha grandes problemas com eles, mas eu acho que o grande problema é o limite” (Profª. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.62).

Reconhecemos, na fala da Profª. J, a projeção/identificação através da preocupação com a falta de expectativa no futuro. Ou seja, ela se coloca no lugar do outro:

Eles não têm expectativa nenhuma de futuro. Eles vivem o hoje, e sem pensar que amanhã poderão vir a ser chefes de família, ter uma profissão, eles não têm ilusões, não têm sonhos. (Profª. J, Artes, BORGES, 2008, p.139)

Encontramos, na fala do Prof. I, o processo de projeção/identificação, quando consegue ver-se no lugar dos alunos mal orientados, passando a preocupar-se com eles:

(…) então, eu sinto que eles (alunos) estão muito mal orientados em relação á importância da educação. (…) Estou preocupado com a educação deles. (Prof. I, biologia, BORGES, 2008, p.62)

A transferência, no entanto, não aparece, neste professor, com o sentido inverso da projeção/identificação, mas como um reforço positivo. Ou seja, o professor continua preocupado com os alunos:

(…) (preocupado) com a educação deles como um todo, como cidadão, como aluno, como pessoa. (Prof. I, Biologia, BORGES, 2008, p. 63)

Através do questionamento a si próprio, de que tipo de professor é, e “a compreensão de que tem muito a aprender, percebemos que houve um processo de auto-observação”, conforme afirma Morin (2001, p.31-32). E, ao referir-se aos alunos, tem uma preocupação em tratá-los como indivíduos, respeitando-os, como podemos observar na fala a seguir:

Às vezes, eu tenho vontade de sair correndo. Eu acho que eu não vou conseguir fazer mais do que isso, ou o que estou fazendo não está muito bom. Então, eu acho que não sou a melhor, também acho que não sou a pior, acho que tenho muito a aprender. (Profª. C, Língua Portuguesa, BORGES, 2008, p.63)

Profª J também nos mostra que passou por um processo de auto-observação/autoconhecimento, pois reflete como suas aulas devem ser, e que se trata de uma profissão difícil: já que despertar o interesse de alunos sem perspectivas é desgastante. O que nos leva a perceber o que Morin (2006) chama de self-deception: uma autojustificativa, a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal. Vejamos o que ela fala:

Então, hoje enquanto professor, você tem que buscar muita coisa, muita novidade, porque eles sabem o que é uma aula diferenciada e bem feita. Então, é uma profissão extremamente desgastante hoje em dia, porque é assim, eu tenho uma amiga que tem um ditado que fala uma coisa muito certa: é a única profissão que você tem de brigar para trabalhar. Percebe, você primeiro tem de brigar com aluno para ele depois aceitar, eles são muito resistentes. (Profa J, Artes, BORGES, 2008, p.138)

Mais uma vez, encontramos o processo de auto-obervação/ autoconhecimento, na expressão do Prof. I. “é o sujeito refletindo sobre si mesmo, compreendendo seus limites”, conforme Morin (2001, p.31-32), apesar da identificação com o aluno. “No momento em que espera que esse compreenda o verdadeiro sentido da educação, transfere-se ao aluno uma responsabilidade inerente do professor”, tal como afirma Morin (2003, p.89-90), conforme observamos na fala do Prof. I a seguir:

Trabalho como um desesperado. É, acho que todo professor, a maioria leva a sério, pelo menos, todos aqueles que a gente conhece e conversa e tudo…Então quer dizer é um trabalho sério, quer dizer tenho que fazer um trabalho extremamente comprometido. Mas, infelizmente, tenho que dar um número de aulas que eu não gostaria de estar dando, até porque eu poderia estar descansando, poderia estar preparando mais aulas, se eu tivesse um tempo livre para isso. Mas o tempo hoje é extremamente restrito. (BORGES, 2008, p.64)

(…) a maioria está pouco preocupada com a própria educação…Eles sabem, mas não levam em conta o quanto a educação hoje é importante. Não que a educação vá garantir o futuro deles, obrigatoriamente, mas que pelo menos dê uma condição melhor para eles… (Prof. I, Biologia, BORGES, 2008, p.64)

Prof. A enquadra-se ao que Morin (2006) chama de “compreensão humana”, ou seja, compreender-se e aos alunos como sujeitos com sofrimentos e alegrias, reconhecendo no outro seus limites, evitando, assim, que conflitos se desenvolvam, como registramos a seguir:

Tem que estar à frente, a responsabilidade é sua. Você tem que ter sua postura. Como está muito difícil a parte disciplinar, você tem que procurar a amizade deles, procurar no sentido que você pode dar uma boa aula. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p. 64)

(…) exigir daqueles alunos que você sabe que eles têm capacidade, querem e, então, você exige mais deles, você trabalha em cima dele. Infelizmente, nem todos querem, não é? O ideal seria você ter a mesma fala, o mesmo proceder para todos, mas nem todos querem. (Prof. A, Matemática, BORGES, 2008, p.64)

Podemos ver que o compromisso com os deveres e as responsabilidades relativas à profissão é um elemento primordial para a constituição da identidade do professor. Trata-se aqui do processo de conscientização. Como verificamos nas falas dos professores.

Os cinco professores, que participaram da entrevista semi-estruturada, apontaram as seguintes características de um professor comprometido: “preparar o aluno para a vida”, “ser dedicado”, “leal”, “sério” e “gostar do que faz”.

Depois observarmos o posicionamento de alguns professores, poderíamos dizer que aquilo que os levaria a enfrentar as dificuldades encontradas e se diferenciarem dos professores desmotivados, seria a disposição a mudanças, o compromisso com a educação e, consequentemente, com os alunos. No entanto, outros fatores fazem parte da (re) construção de uma identidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dimensão pessoal permitiu-nos observar como o sujeito se relaciona com o conhecimento e com o outro. Enquanto sujeito, resultado de um processo de distinção, diferenciação e reunificação, notamos por parte dos professores, um comprometimento, momentos de incertezas e inseguranças, consciência da heterogeneidade dos alunos, uma preocupação com a sua aprendizagem e com o desenvolvimento do ser humano. Ao mesmo tempo, verificamos que o conhecimento foi adquirido, principalmente, através da experiência, da busca do novo, de novas técnicas, assim como de soluções para os problemas enfrentados em classe. Também, temos os alunos, especificamente do noturno, descritos como maduros, cansados, desinteressados, sem limites, sem expectativas e resistentes à nova cultura.

Ainda, nesta dimensão, percebemos momentos de “self deception” (MORIN, 2003), em que os professores manifestam suas desilusões e incompreensões, através de autojustificativas. Seria uma maneira de nos “auto-ocultarmos”, levando-nos à incompreensão do outro e de nós mesmos.

A representação dos professores sobre o que é ser comprometido também nos é revelada por meio das características apontadas como essenciais, a dedicação, a lealdade, a seriedade e o gostar do que faz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Sheila S. C. B. A identidade do professor do Ensino Médio: Autoconhecimento e Conscientização. Dissertação de Mestrado. Santos, Universidade Católica de Santos, 2008.

DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora, 1995.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.
____________. Ética, cultura e Educação. In: PENA-VEJA, A; ALMEIDA, C. R. S.; PETRAGLIA, T. (Orgs.) 2ed. São Paulo: Cortez, 2003.
____________. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
____________. O método 3: O conhecimento do conhecimento. Porto Alegre; Sulina, 2008.