indice3

A RELIGIÃO VERDE

A RELIGIÃO VERDE

GREEN RELIGION

Sidney Vida

Advogado e professor universitário
UNIBR – Faculdade de São Vicente

E-mail: sidneyvida@gmail.com

Resumo

O presente trabalho faz uma leitura dos movimentos denominados “sustentabilidade” e “ecologismo”, referindo-os à doutrina da “luta de classes”, na qual este último desempenha o papel do “proletariado” e o primeiro, o dos “detentores do poder econômico”. Para tanto, recorre-se: a) à Economia, para descrever as características da Técnica (ou tecnologia) e das três fases; b) à Filosofia e à Teologia a fim de expor as características da inteligência do homem e sua relação com a religião; c) a autores que tratam da Sustentabilidade e Ecologismo, de modo a explicitar, por seus escritos, a substituição da racionalidade e objetividade pelo sentimentalismo e subjetividade, ou seja, da ciência pela religião onde o deus a ser adorado é a “Mãe-Terra”. Por fim, cita-se a “Carta da Terra”, pondo-se em destaque algumas de suas características principais, que corroboram o ponto de vista central deste trabalho, que os citados movimentos podem ser englobados sob a denominação “Religião Verde”.

Palavras-chave: meio-ambiente, sustentabilidade, política, economia e religião.

ABSTRACT

This work analyzes the movements called “sustainability” and “ecology”, making references to the “war of classes”, where this last item plays the proletariat’s role. The former items talk about the holders of economic power. For this, we use: a) economics, when are described the characteristics of technique (or technology) and its three phases; b) philosophy and theology to describe the man’s characteristics of inteligence and his relationship with religion; c) authors who write about sustainability and ecologism in a way that it’s possible to describe, using their texts, the substitution of rationality and objectivism for subjectivism and sentiment. The change from science to a religion where the adored god is the “Mother Earth”. In the end, it is cited the “Letter of Earth”, explaining some of its main characteristics that confirm the focus of this work, that the movements cited above could be called in a new “Green Religion”.

Keywords: environment, sustainability, politics, economics, religion.

INTRODUÇÃO

A relação entre o homem e o meio-ambiente foi descrita primeiramente por Santo Isidoro de Sevilha (560-616), o qual relacionou os padrões de conduta do homem ao clima. No terceiro quarto do séc. XIX, Haeckel (1834-1919) faz uso do termo “ecologia”, como a relação do organismo vivo com o meio ambiente; foi seguido por Ratzel (1844-1904) e Vidal de la Blanche (1845-1918), os quais também admitiram a relevância de tal relação.

De todos os seres vivos, o homem é o que mais interfere na natureza, tanto positivamente (protegendo-a de outros homens) quanto negativamente (destruindo algumas de suas partes). É ele que fornece ao conjunto de tudo quanto tem existência material algo imaterial: o conhecimento fundamentado das razões que comandam o existir das coisas, naturais ou não. Isto é assim porque o homem, ao mesmo tempo em que pertence à natureza – e por isso exige condições específicas para existir (assim como o sapo, que precisa viver em lugar úmido; o camelo, em lugar seco; o pinguim, em lugar frio, e assim por diante) – por outro, cria essas mesmas condições para garantir a própria vida, e vida confortável.

Assim sendo, o homem é materialmente produto do meio natural e transformador do meio natural. È a única espécie que tanto se adapta ao meio quanto adapta o meio a si. Por isso, é a única classe capaz de viver em toda extensão, latitude e longitude da terra. Assim, o pinguim, por natureza, nunca veria o camelo, caso não atuasse entre os dois a engenhosidade humana, criando zoológico com seções adaptadas a cada um desses animais. Somente o homem é capaz de viver no habitat do pinguim e do camelo, porque ou se adapta a ele ou o adapta a si – logo, é capaz de criar habitat no deserto para o pinguim e em regiões frias para o camelo.

A importância do meio ambiente não pode ser desprezada; e tanto não o é que, tão logo foram inventadas tecnologias com alto poder de destruição e poluência, e os efeitos de seu uso se tornaram manifestos, passaram a surgir os mais diversos grupos empenhados na defesa do meio ambiente e das criaturas que o compõem.

É de se lamentar que, no ardor dessa defesa, e considerando que a destruição e a poluição de vastas áreas do planeta são obras do homem, considerável parte desses grupos de início motivada por razões aceitáveis, tenha descambado para a pura e simples desvalorização do homem. Começaram por fazê-lo ao desprezarem o princípio de justiça que foi resumido pelas palavras “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Este princípio já tinha sido formulado de maneira extensa há 1200 anos – no tempo que dista de Moisés a Jesus. Com Moisés, estava contido nas “duas Tábuas da Lei”, a primeira relativa ao “direito divino”, quando se impõe, sob a forma de Direito Positivo, o imperativo de adorar, respeitar e amar a Deus sobre todas as coisas; e prossegue, na segunda, com o dever de respeitar e amar o próximo, começando pelos pais, passando pelos comunitários e chegando aos estranhos. Possui o senso da diferença e antítese entre o certo e errado, entre o bem e o mal. Em vista desta capacidade exclusivamente presente no homem, de agir segundo propósitos e imbuído do senso de distinção entre o certo e o errado, ele se sente o centro do universo, pois é a partir do ponto de referência estabelecido por sua inteligência que tudo se torna conhecido; entretanto, ele também

…é egocêntrico, no sentido de que seu impulso natural é tantar fazer o resto do Universo servir a seus próprios propósitos. Ao mesmo tempo, tem consciência de que, longe de ser o verdadeiro centro do Universo, ele próprio é efêmero e dispensável; e sua percepção consciente também lhe diz que, na medida em que ele dá vazão a seu egocentrismo. (TOYNBEE, 1987, p. 20)

O movimento ecologista é em si mesmo louvável, como o MST no Brasil; porém, tornou-se criticável pelos exageros a que chegou: começando pela defesa do legítimo direito de todos os cidadãos terem onde morar e do que viverem; em seguida, passou a comportar-se como grupo revolucionário, negando o direito de propriedade alheio, ao mesmo tempo afirmando o próprio, por meio de invasões de terras e depredação do patrimônio alheio. Tal movimento se transformou em instrumento político, no qual o apreço pela verdade e justiça fraqueja, uma vez que justiça é não reter nem tomar o que ao outro pertence por direito.

Nesse sentido, o direito divino e o direito do homem têm sido grandemente vilipendiados por tal movimento, uma vez que os grupos a ele vinculados manifestam um traço comum. Vale citar o caso de Barry Commoner, nascido em 1917, no Brooklin e também Ivan Illich, sacerdote apóstata:

[Barry Commoner] considerado um dos mais avançados ecologistas norte-americanos, em meio à crise do marxismo, redescobre o socialismo no sentido ecológico, apontando-o como fator primordial na luta pela proteção da natureza. O ecologismo como ideologia penetra até mesmo em certos setores da Igreja. Cabe lembrar, a propósito …[Ivan Illich]… figura cercada de certo mistério…autor de vários livros sobre temas ecológicos e fundador do Centro de Informações e Documentação (CIDOC), de Cuernavaca (México), foco ativíssimo da fermentação progressita e da teologia da libertação. (SOUSA, GARCIA, CARVALHO, 1988, p. 194)

Sem dúvida, estamos diante do (ou inserido no) fenômeno cujo nome dá título a este trabalho, “A Religião Verde”.

2. A TROCA DA BANDEIRA VERMELHA PELA BANDEIRA VERDE

Com a queda do muro de Berlim em 1989, as esquerdas do mundo inteiro tornaram-se órfãs de uma bandeira política única. Deste modo, a bandeira política tremulada pelos maiores genocidas do século passado, e por que não dizer de todos os tempos da humanidade – Lenin, Stalin, Pol Pot, Fidel Castro e tutti quanti – perdeu muito do seu sentido. Com a queda das ilusões comunistas/socialistas, as esquerdas buscaram desesperadamente uma nova bandeira para brandir e vibrar. Mudaram-se apenas as cores, do vermelho para o verde; trocou-se a fantasia de cada ator. Antes, a disputa era “pobres versus ricos”; agora, “ambientalistas versus capitalistas”; porém, os fins são os mesmos: o ataque direto à economia de mercado, ao capitalismo, ao Estado Democrático de Direito, às instituições hierárquicas como um todo (Constituição, Câmara dos Deputados, Senado, Poder Judiciário, Igreja, a qual ao longo de dois milênios ensinou uma moral a qual, sempre que foi obedecida, caracterizou homens empenhados em fazer o bem e afastar-se do mal).

Propõem um mundo futuro e melhor, sem, contudo, explicarem como pode ser melhor um mundo onde o status do homem é rebaixado, o da planta e dos animais elevado, estes ficando sob cuidadosa proteção da lei e aquele não.

2.1 TORNANDO-SE APRENDIZ DE FEITICEIRO

Quando o homem nega a ordem natural das coisas, por exemplo, que existe naturalmente uma hierarquia presidindo o existir das coisas, acaba por se tornar um aprendiz de feiticeiro o qual sucumbe vitima de forças por ele mesmo desencadeadas; pois quem diga que não existe hierarquia natural, que negue serem algumas coisas superiores a outras – como o homem em relação às demais espécies animais – abdica da razão confirmada por observação elementar. Assim: tome-se um ser humano qualquer. Caso se lhe corte o pé, será um ser humano manco; se lhe cortar o outro pé, será um ser humano impedido de locomover-se; se, além disso, cortarem-se-lhe as pernas, tornar-se-á um cadeirante; se, além disso, lhe cortarem os braços, um total inválido; no entanto, será o mesmo ser humano, todavia, incapacitado de deslocar-se localmente. Caso todos os seus órgãos sejam deixados intactos e seja apenas cortada sua cabeça, então morrerá, não será mais um ser humano, mas, sim, somente um cadáver. Isso demonstra a hierarquia natural naquilo que procede da natureza, como o corpo humano. Negá-lo é abdicar da inteligência, a qual é própria e exclusiva do homem.

Com a inteligência desfocada da realidade, impelidos a não perceber e admitir a realidade e sua natural hierarquia, não é pequeno o número dos que são dirigidos por bandeiras ideológicas; que afirmam a necessidade de se criar uma nova realidade, onde a vida do animal é mais importante que a do homem. Exemplo deste tipo de mentalidade é o ocorrido no dia 14 de novembro de 2011, no Zoológico Municipal de Sorocaba, no Estado de São Paulo: um mecânico, aparentemente embriagado, entrou no espaço reservado aos macacos, que o atacaram, mordendo-o no braço, ferindo-o bastante, a ponto de ele precisar de ajuda para ser retirado da água.

As coisas tomaram este rumo em razão da desvalorização do homem e a valorização, em seu lugar, do dinheiro e de outras espécies de animais. A valorização do dinheiro é própria da sustentabilidade, pois a ação a ser empreendida tem de ser “economicamente viável”; caso contrário, será inapelavelmente abortada. A valorização das espécies vegetais e animais acima do homem é própria do ecologismo, que opõe subjetividade e o sentimentalismo à objetividade e racionalismo da sustentabilidade, sobre o que passaremos a discorrer.

3. ECONOMIA E SUSTENTABILIDADE

Defendendo a noção de que o fator impactante e modificador da sociedade é o surgimento de novas técnicas, no que diverge de Marx o qual atribuía essas mesmas modificações à “luta de classes”, Santos refere a divisão da técnica em três fases: a eotécnica, a paliotécnica e a neotécnica, das quais diz que são

sucessivas, mas superpõem-se umas à outras; isto é, estamos hoje, nos países mais civilizados, na neotécnica, mas ainda perduram elementos da eotécnica e da paleotécnica.
Cada fase tem seus meios específicos de utilizar e gerar energias e suas formas especiais de produção. (SANTOS, 1962, p. 87)

A noção marxista de luta de classes insere-se no contexto da paleotécnica, inaugurada pela Revolução Industrial, ocorrida em meados do séc. XVIII na Inglaterra. Nesta fase, a filosofia predominante é a do “lucro imediato e desenfreado” diferenciando-se da eotécnica pelo fato de, nesta, o mecânico (ou a técnica) é qualitativo (predomínio do artesanato). Na paliotécnica, o predomínio é do mecânico quantitativo, na qual predomina “a destruição, o desperdício” não estranhando que no ápice desta fase a luta de classes tenha assumido proporções espantosas as quais levaram aos embates mais sangrentos os trabalhadores do mundo inteiro.

Contra os males desta fase surge a neotécnica, na qual os primeiros frutos espetaculares começaram a surgir

nos Estados Unidos, na Suécia, na Alemanha Oriental, na Noruega, na Holanda, na própria Inglaterra, etc. / Esta época, mais curta que a outra, está sendo substituída em muitos aspectos pela biotécnica, a fase prevista por Kropotkine, em que se dará a incorporação do orgânico ao mecânico…”, [pondo fim ao] espírito e às formas de vida e de exploração paleotécnicas. (SANTOS, 1962, p. 99)

pois deve-se ter em mente que

cada fase tem seus meios específicos de utilizar e gerar energias e suas formas especiais de produção. Finalmente, cada fase cria tipos particulares de trabalhadores, especializa-os de acordo com modalidades determinadas, estimula certas aptidões e atenua outras, e desenvolve certos aspectos da herança social. (SANTOS, 1962, p. 87)

A neotécnica caracteriza-se fundamentalmente pelo esforço do homem colocar a ciência a seu serviço, as máquinas a serviço do homem e não o contrário, como se deu na fase anterior, paleotécnica.

Uma vez que a Economia exibe suas características conforme a técnica, e as invenções do homem impactam a sociedade, compreende-se que a sustentabilidade é o convite a que o maior número possível de empresas e pessoas se engaje no esforço de eliminar das sociedades humanas os malefícios provocados pela paleotécnica e seu espírito predatório. Espírito este que acompanha o modo de produção de riqueza de tal período, caracterizado pela exploração interminável de recursos finitos que, para serem acessados, requerem o esburacamento da terra: petróleo, minas de ouro, de carvão e de outras riquezas minerais etc., o que inapelavelmente transforma o homem num apêndice (substituível) de máquinas. Noutras palavras, a definição mesma de sustentabilidade, utopia ou não, manifesta este espírito neotécnico e biotécnico, pois algo para ser sustentável tem de ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. Dentre as razões que podem impedir o atendimento a tais critérios, podemos citar a “religião verde”, tema deste trabalho.

4. A INTELIGÊNCIA HUMANA E A RELIGIÃO

Assim se pronuncia Santo Tomás de Aquino sobre o nome religião, sua origem e acepções:

Há que dizer-se que, conforme escreve Santo Isidoro no livro Etimologia, chamamos religioso, palavra derivada, segundo disse Cícero, de reeleição, a quem revisa e como que relê o que diz respeito ao culto divino. Assim, pois, a palavra religião provém, segundo parece, de reler o que diz respeito ao culto divino, pelo fato de que a tais matérias há que dar-lhes muitas voltas em nosso interior, segundo nos é dito em Prov. 3, 6: Em todos os caminhos, pensa em Deus. Ainda que também se possa supor que tem esse nome devido a nossa obrigação de reeleger a Deus, a quem perdemos por negligência, como diz Santo Agostinho no Livro X de Cidade de Deus, cap. 7. Ou pode, assim mesmo, pensar-se que a palavra religião deriva de religar, e daí a frase de Santo Agostinho no livro Da verdadeira religião, cap. 8: A religião nos religa ao Deus único e onipotente. Pois bem, seja que a religião assim se chame pela repetida leitura, pela reeleição do que por negligência perdemos ou pela religação, o certo é que propriamente significa ordenamento a Deus. (AQUINO, ST, 2002, II-II, q.81, r)

O comentador desta parte da Suma, intitulada “Tratado da Religião” (q.80-100), Pedro Fernández Rodríguez, explica que “Dado que la religión es parte de la justicia, dice necesariamente relación a otro, y, en este caso, a Dios.”, ao que é válido acrescentar a observação que Deus, tal como a religião assim o entende, não raramente costuma ser substituído por algum ente portador de atributos como grande poder e inteligência, que o caracterizam como superior ao homem.

Verifica-se que o mesmo sentido de submissão (adoração ou outra atitude humana qualquer de subserviência) está implícito no pensamento de autores modernos, onde se lê que

assim como a célula constitui parte de um órgão, e cada órgão parte do corpo, assim cada ser vivo é parte de um ecossistema, como cada ecossistema é parte do sistema-Terra, que é parte do sistema-Cosmos. O sistema Gaia revela-se extremamente complexo e de profunda clarividência. Somente uma inteligência ordenadora seria capaz de calibrar todos esses fatores. Isso nos remete a uma Inteligência que excede em muito a nossa. Reconhecer tal fato é um ato de razão e não significa renúncia à nossa própria razão. Significa sim render-se humildemente a uma Inteligência mais sábia e soberana do que a nossa. (BOFF, 2009, p. 55-6)

com a diferença da mudança de nível daquilo que se adora, Deus no primeiro caso, e “Inteligência mais sábia” no segundo.

O mesmo tipo de raciocínio está presente entre os gregos, de quem herdamos a Filosofia, bem como nas demais civilizações antigas e extintas e mesmo na atual à qual pertencemos. Entendendo que por trás de toda regularidade há inteligência e algum tipo de poder, admiraram-se aqueles povos com a regularidade do movimento de corpos imensos, denominados “planetas”, porque deslocam-se regular e permanentemente num determinado “plano” e entenderam haver por trás deles elevadíssima inteligência dotada de poder imenso. Inteligência porque algo ou alguém definiu o itinerário (o plano no espaço) a ser seguido graças ao movimento regular de cada um dos corpos, ou seja, os planetas; poder porque, caso contrário, não haveria como fazer com que cada um respeitasse a sua órbita própria. Deram nomes a essas inteligências e as cultuaram, chamando-as Selene, Vênus, Marte, Apolo, Saturno e assim por diante.

Assim, invariavelmente ocorre que o homem, ao defrontar-se com algo transcendente, que ultrapassa sua capacidade de criar e agir, mas somente lhe é possível compreender, costuma render-se à atitude religiosa, de adoração e servidão. Isto é assim porque o homem é criatura dotada de intelecto autônomo, o que foi postulado por Platão e demonstrado por Aristóteles, podemos demonstrar tal autonomia do intelecto da seguinte maneira: é fácil observar que certos macacos utilizam-se de pedaço de pau para alcançar alimento de seu interesse. Além deste uso do pedaço de pau, usam-no para algumas outras finalidades, seja coçar-se, intimidar possível rival e assim por diante; entretanto o uso que fazem de tal instrumento restringe-se a uma pequena quantidade de funções. O homem, na posse do mesmo instrumento, usa-o para um indefinido número de funções, uma vez que seu intelecto lhe permite captar a intencionalidade possível do objeto (aquilo que com ele pode ser feito), ou os seus diversos e imprevisíveis encaixes no contexto atual ou futuro. Isto somente é possível porque a inteligência do homem lhe permite fazer abstração de si mesmo, permitindo-lhe mergulhar nas características do objeto, seja este inanimado ou animado.

Dessa forma, se manifesta a autonomia do intelecto do homem: ele “se separa” do próprio corpo, da própria afetividade (do indivíduo) e se coloca pela perspectiva do objeto que caia dentro de sua esfera de atenção, separação esta que não se verifica em nenhum outro animal diferente do homem.

Ao fazer esta operação, a inteligência do homem assume perspectiva (mental) totalmente impossível de ser vivenciada por ele física e concretamente. Assim é com os planetas, por exemplo. O homem, imaginando-se autor do itinerário a ser seguido por tais corpos enormes e distantes, compreende-se necessitado de, para mantê-los como são e onde estão, inteligência e poder incomensuráveis.

Uma vez que o fenômeno está lá, confirmado pelo sentido da visão, o telescópio só passou a ser usado sistematicamente como instrumento de observação astronômica por Galileu, no séc. XVI), aos antigos só restava fazer um enorme aporte de imaginação e chamar de “deuses” às causas das regularidades que viam.

Esta mesma autonomia do intelecto humano está na base do impulso religioso. Em face de alguma inteligência ou poder superior, é natural que o homem procure associar-se-lhe de modo a obter vantagem, proteção, poder. Por exemplo, uma instituição de ensino, como a UNIBR, associa ao seu nome o nome de outras instituições “de peso” para aumentar sua credibilidade pública, deste modo atraindo novos alunos e fidelizando os já inscritos. Igualmente, o homem, face a uma inteligência ou poder incomensuravelmente superiores ao seu, procurará estabelecer alguma maneira de agradá-la e, portanto, atrai-la para o seu lado – ou para colocar-se ao lado de tal inteligência poderosa – tornando-se então mais forte, mais inteligente e mais protegido.

É por meio da religião que o homem procede para associar-se ou “cooptar” o poder da inteligência superior; e o que caracteriza a religião é o sacrifício. Se não há sacrifício, não se trata de religião, portanto. O sacrifício é a ação física, concreta, por meio da qual o homem expressa formalmente seu desejo de associação com o que entende ser-lhe superior, como explica Santo Tomás de Aquino:

O culto a Deus deve ser prestado não somente com atos interiores, mas também com atos exteriores. “(…)”…o culto divino precisa usar de coisas corpóreas para que por elas, que são como sinais, a mente humana desperte para atos espirituais… a religião possui atos interiores que lhe pertencem, essencial e principalmente, e atos exteriores, que são secundários e ordenados para os atos interiores. (AQUINO, ST, 2002, II-II, q.81, a.7, r)

Este dado, o sacrifício, é elemento central e caracteriza a religião, razão porque nela se constitui uma casta de indivíduos responsáveis pelas formalidades ritualísticas e cerimoniais da prática sacrificial. “Qualquer coisa se aperfeiçoa quando se submete ao superior” (AQUINO, ST, 2002, II-II, q.81, a.7, r). Adorar, praticando atos exteriores, é fazer justamente isso, submeter-se ao superior. O que se justifica levando-se em conta a necessidade do espírito humano ser dirigido pelo sensível.

Tal premissa é aceita também modernamente, pois a entendemos como ato de razão e não renúncia à própria razão “… render-se humildemente a uma Inteligência mais sábia e soberana do que a nossa.” (BOFF, 2009, p. 56)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sustentabilidade e o ecologismo estão entre si assim como, segundo a doutrina da “luta de classes”, de Karl Marx, estão os detentores do poder econômico e o proletariado. Para a sustentabilidade, o que não for economicamente viável é empreendimento descartado; para o ecologismo, para dar-se o empreendimento importa somente que seja ecologicamente correto. Para este a primazia é dos animais e das plantas; para aquele, da economia.

O curso dos acontecimentos tem mostrado a prevalência e força psicológica do ecologismo, o qual se manifesta francamente oposto à sustentabilidade. Esta valoriza a ciência, a racionalidade e a objetividade e rejeita a religião; aquele valoriza a religião (bem entendido, a religião criada e proposta pelo próprio movimento e não alguma das outras de existência milenar) e rejeita a ciência, a racionalidade e a objetividade.

No meio dessas duas tendências em disputa, está a maioria dos seres humanos, quiçá alheia a essas questões e debates, embora sofrendo as consequências da prevalência de uma ou outra a cada momento. Uma das principais, se não a principal consequência desta disputa, é o rebaixamento do valor do homem, pois no plano do Direito: o crime ambiental é inafiançável, enquanto o homicídio é afiançável.

Este resultado não poderia ser diferente, uma vez que, em se tratando de religião, há sempre a necessidade do sacrifício, e a mais nobre vítima sacrificial sempre foi e é o homem.

Nesse sentido, trazendo à baila esta discussão, o trabalho tem por finalidade atuar como um alerta, aclarando cada parte em conflito e comparando-as com uma terceira, mais antiga e ainda presente no psiquismo de grande parte da população mundial, a fé cristã, com seu critério de justiça que eleva o homem a uma dignidade divina. É esta parte, a terceira mencionada, a que vai sendo progressivamente eliminada do contexto da vida humana das gerações atuais.

Que as pessoas capazes de agir eficientemente no momento histórico em que vivemos deem sua contribuição para restaurar a dignidade do homem. Este trabalho pretende ser uma contribuição com este processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 1. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

Bíblia Sagrada. 39. ed. São Paulo: Paulinas, 1982.

BOFF, Leonardo. A Opção Terra – a Solução Para a Terra não Caiu do Céu. Rio de Janeiro: Record, 2009.

O Globo. Disponível em:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/11/homem-invade-recinto-de-macacos-e-fica-ferido-em-zoo-de-sorocaba-sp.html.
Acesso em 14/11/2011.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Tratado de Economia. T. I. São Paulo: Logos,1962.

SOUSA, José Pedro Galvão de. GARCIA, Clovis Lema; CARVALHO, José Fraga Teixeira. Dicionário de Política. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988.

TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe Terra, uma história narrativa do mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.