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GOVERNANÇA E O DIREITO À EDUCAÇÃO

GOVERNANÇA E O DIREITO À EDUCAÇÃO

GOVERNANCE AND THE RIGHT TO EDUCATION

DOUGLAS PREDO MATEUS

Mestre em Direito Internacional
UNIBR – Faculdade de São Vicente
E-mail: douglasmateus@uol.com.br

Resumo

O termo “governança” vem sendo cada vez mais utilizado, transformando-se numa palavra muitas vezes vazia de sentido. Partindo da conceituação de governança e enfrentando o direito fundamental à educação nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e no ordenamento jurídico nacional, demonstramos a existência de algumas ferramentas de governança na educação e especialmente no tocante ao acompanhamento da utilização dos recursos públicos nessa área.

Palavras-chave: Governança, educação, recursos públicos

Abstract

The word “governance” has been used nowadays more and more, becoming a meaningless word. Adopting the concept of the word “governance” and according to the International Human Rights Treaties and the national law, we demonstrate the existence of governance tools in education and, specially, in monitoring the use of public resources in this area.

Key-words: governance, education, public resources

GOVERNANÇA

O termo “governança” vem sendo cada vez mais utilizado, transformando-se numa daquelas palavras ou expressões que todos utilizam, mas não têm muita certeza do que se trata; têm uma (vaga) ideia. Tal utilização “desenfreada” acaba, com o tempo, por “esvaziar” a expressão, deixando-a vazia de significado.

O Banco Mundial (1992, p. 1), em documento de 1992, define governança como “exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo”. (SANTOS 1997 apud GONÇALVES, 2005) entende que governança refere-se a:

Padrões de articulação e cooperação entre setores sociais e políticos e arranjo institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico.

Segundo Rosenau (2000, p. 15)

Governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências.

Para a Comissão sobre Governança Global (1992 apud GONÇALVES, 2005):

Governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns.

Por fim, Gonçalves (2005, p. 2) define governança como:

Meio e processo capaz de produzir resultados eficazes, sem necessariamente a utilização expressa da coerção. Mas a governança não exclui a dimensão estatal: ao contrário, acaba por envolve-la. Governança diz respeito, como já ressaltado (…) à “totalidade das diversas maneiras” para administrar problemas, com a participação e ação do Estado e dos setores privados. É evidente, porém, que a dimensão não-estatal é o traço proeminente e de certa forma inédito trazido pela governança ao debate e à formulação de políticas e de ações nos planos nacional e internacional.

DIREITO À EDUCAÇÃO

O direito fundamental à educação apesar de seu precedente histórico foi previsto pela primeira vez em um documento internacional no Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Diz o artigo 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1976, p. 5) em seu parágrafo 1º, que os Estados-partes reconhecem o direito de toda pessoa à educação e concordam em que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. A educação deverá capacitar ainda, todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover a paz.

No mesmo sentido, (Ibid.) o parágrafo 2, do citado artigo:

2. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito:
a) A educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos.
b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
c) A educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. (MAZZUOLI, Org., 2004)

No Brasil a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, reconhece a educação como direito social . Mais à frente, no art. 205, estabelece:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Na sequência, o artigo 208 especifica:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
(…)
IV- Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
(…)
§ 1º. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º. O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Complementa o artigo 211:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
(…)
§ 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

O ordenamento constitucional vigente, todavia, prevê o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito como direito público subjetivo, a progressiva universalização do ensino médio gratuito, mas ainda não garante o acesso ao nível superior, ensejando medidas do Estado para a efetiva implementação do direito à educação

DIREITO À EDUCAÇÃO E GOVERNANÇA

Como visto a educação é direito público subjetivo da população frente ao Estado. Na prestação desta especifica política pública, qual seja garantir o exercício de fato do direito à educação, garantido pela Constituição, o Estado, na busca dos resultados eficazes, divide a administração dos problemas com setores não estatais, num modelo com algum grau de governança, como a seguir demonstraremos.

No âmbito federal, já em 1961, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro, criou o Conselho Nacional de Educação, com atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro, “de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” . Os conselheiros são escolhidos e nomeados pelo Presidente da República, devendo pelo menos a metade ser indicados em listas elaboradas, mediante consulta a entidades da sociedade civil, nos termos do art. 8º, § 1º; e têm mandato de quatro anos, sendo que a cada dois anos há renovação de metade das Câmaras.

Tal mecanismo de participação da sociedade se repete no âmbito dos Estados. No Estado de São Paulo, por exemplo, o Conselho Estadual de Educação foi criado pelo artigo 1º, da Lei nº 7.940, de 7 de junho de 1963, e reorganizado pela Lei nº 10.403, de 6 de julho de 1971.

O Conselho Estadual de Educação tem como competências, dentre outras: a formulação dos objetivos e das normas para a organização do Sistema de Ensino do Estado; fixar critérios para o emprego de recursos destinados à educação, e fixar normas para a instalação e funcionamento de estabelecimentos de ensino públicos ou privados. O mandato dos conselheiros é de três anos, permitida a recondução.

Ampliando um pouco mais este leque de participação, a Lei Complementar estadual nº 444, de 27 de dezembro de 1985 , que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Paulista, em seu artigo 95 cria os Conselhos de Escola, de natureza deliberativa, no âmbito de cada Unidade de Ensino, tendo em sua composição, vinte e cinco por cento de alunos, vinte e cinco por cento de pais de alunos, além de docentes, especialistas de educação e demais funcionários da escola. Os membros são escolhidos entre seus pares, mediante processo eletivo.

Este conselho tem como atribuições deliberar sobre: diretrizes e metas da unidade escolar; alternativas para problemas de natureza administrativa e pedagógica; prioridades para aplicação de recursos da Escola e das instituições auxiliares; penalidades disciplinares a que estiverem sujeitos os funcionários, servidores e alunos da unidade, entre outras.

Em relação aos recursos para a manutenção e desenvolvimento da educação básica, também se pode afirmar que ocorre governança em algum nível, mais especificamente no tocante à fiscalização do emprego dos recursos.

A Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF prevê em seu artigo 4º, a criação de Conselhos de Acompanhamento e Controle Social, nas três esferas de poder, compostos por representantes dos segmentos envolvidos, vale dizer: representantes do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação ; dos Poderes Executivos Municipais, do Conselho Estadual de Educação, dos pais de alunos e professores das escolas públicas, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da delegacia regional do MEC ; dos professores e diretores das escolas públicas, dos pais de alunos e dos servidores das escolas , além, de representantes do órgão educacional do respectivo Poder.

Convém citar que a sistemática de financiamento da educação pública sofreu recente alteração por conta de emenda constitucional, que ampliou o rol de beneficiados pelo citado fundo. O anteprojeto de lei para a regulamentação da nova sistemática do fundo, prevê a ampliação dos Conselhos de Acompanhamento nas três esferas.

Parece-nos, dessa forma, que conseguimos demonstrar a existência de algumas ferramentas legais existentes para garantir, ainda que um pouco timidamente, a ocorrência de governança na educação nacional como um todo e no financiamento da educação especificamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos dados trazidos podemos afirmar que internamente existem ferramentas legais com vistas a garantir a governança tanto no tocante à fiscalização e gestão especifica dos recursos financeiros como no delineamento das políticas a serem implantadas visando garantir o acesso ao direito à educação.

Falta, contudo, o desenvolvimento e a formação de uma cultura de participação, para que os interessados e envolvidos no processo, sejam alunos, professores, gestores ou simplesmente membros da sociedade civil, participem nas respectivas instâncias contribuindo na elaboração, no acompanhamento e na fiscalização das políticas.

O atual estágio de nosso desenvolvimento civilizatório não permite mais do que sob a alegação de não conhecimento acadêmico ou profissional, parcelas da sociedade sejam alijadas, impedidas de participar na elaboração das políticas. É imprescindível, até por exigência legal, a participação mais ampla possível dos envolvidos no processo educacional, como forma de democracia e de accountability.

REFERÊNCIAS

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________. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: . Acesso em 19.mar.2013.

_________. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério. Disponível em: http://www.planalto.gov.br//ccivil_03/leis/l9424.htm. acesso em 19.mar.2013.

COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa comunidade global: relatório da comissão sobre governança global. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. In: ENCONTRO DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, 14., 2005, Florianópolis. Anais… Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de direito internacional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004

NAÇÕES UNIDAS. Pacto internacional de direitos econômicos, sociais e culturais, 16 de dezembro de 1966. Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_internacional.pdf.. Acesso em: 19.mar.2013.

ROSENAU, James N. “Governança, ordem e transformação na política mundial”. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernest-Otto (ed.). Governança sem Governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília: EdUnB, 2000, p. 12-41.

SÃO PAULO. Lei complementar nº 444, de 27 de dezembro de 1985. Dispõe sobre o estatuto do magistério paulista. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei%20complementar/1985/lei%20complementar%20n.444,%20de%2027.12.1985.htm. Acesso em 19.mar.2013.

___________. Lei nº 7.940, de 07 de junho de 1963. Dispõe sobre o conselho estadual de educação. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1963/lei%20n.7.940,%20de%2007.06.1963.htm. Acesso em 19.mar.2013.

___________. Lei nº 10.403, de 06 de julho de 1971. Reorganiza o conselho estadual de educação. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1971/lei%20n.10.403,%20de%2006.07.1971.html. Acesso em 19.mar.2013.

The World Bank. Governance and development. Washington: A World Bank Publication, 1992.