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O uso de computadores no ensino de matemática

O USO DE COMPUTADORES NO ENSINO DE MATEMÁTICA

THE USE OF COMPUTERS ON MATHEMATICS TEACHING

Ms. Cláudia Cristina Soares de Carvalho

Faculdade de São Vicente – UNIBR

claucrimat@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste texto é propor uma reflexão a respeito do uso de computadores no ensino de matemática. Discutem-se principalmente as características e potencialidades educacionais de dois tipos de recursos computacionais: o Objeto de Aprendizagem e o Micromundo. Um objeto de aprendizagem é um recurso digital cujo objetivo é dar suporte à aprendizagem de um conceito. Micromundo é um caso particular de Objeto de Aprendizagem. Pode-se dizer o Micromundo é o objeto de Aprendizagem que permite ao usuário a construção de suas próprias ferramentas, comandos e representações. Por meio da apresentação de dois exemplos de Micromundos – o Mathsticks e a MusiCALcolorida – e um exemplo de Objeto de Aprendizagem – o Consecutivo – considera-se a questão da importância das ferramentas computacionais para o desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para conceitos matemáticos. Conclui-se que é possível usar os computadores para proporcionar experiências matemáticas que vão além de refazer eletronicamente as atividades realizadas comumente na escola. É possível desenvolver novas representações para alguns conceitos, como é o caso da representação da regularidade de uma sequência usando a linguagem Logo e a representação musical e colorida dos números decimais.

Palavras-chave: computadores, objetos de aprendizagem, micromundos e ensino de matemática.

ABSTRACT

The aim of this paper is to present a reflection about the use of computers on mathematics teaching. Mainly, the educational features and capabilities of two types of computing resources – the Learning Objects and the Microworld – are discussed. Learning Object is a digital resource that is used to support the learning of a concept. Microworld is a particular case of Learning Object. It is possible to say that the Microworld is the Learning Object that allowspeople to build their own tools, commands and representations. By presenting two examples of Microworld – the Mathsticks and the MusiCALcolorida – and an example of Learning Object – the Consecutivo – the question of the importance of computing tools for the development of new representational structures of mathematical concepts is considered. To conclude, it is possible to use the computers to provide mathematic experiences that go beyond to repeat electronically the activities commonly performed at school. It is possible to develop new representations to some concepts, such as the representation of regularity of a sequence using Logo language and the musical and colorful representation to decimal numbers.

Key-words: computers, learning objects, microworlds and mathematics education.

INTRODUÇÃO

A inserção de computadores no cenário educacional brasileiro iniciou-se em meados da década de 70 por meio da iniciativa de algumas universidades como a UFRJ, UFRGS e UNICAMP. Naquela época, a ideia de instrução programada de Skinner estava em ascensão e encontrou nos computadores um meio flexível para sua aplicabilidade. Segundo Valente (1995, p. 4), a finalidade dos programas de instrução programada era promover a formação de cidadãos capazes de executar tarefas predeterminadas com regras específicas. Neste contexto, nascia a instrução auxiliada por computador ou “computer-aided-system”, também conhecida como CAI ou CAS. Na versão brasileira estes programas ficaram conhecidos como PEC – Programas Educacionais por Computador.
Na década de 80, com as ideias construtivistas permeando o cenário educacional brasileiro, os computadores passaram a ser vistos não só como máquinas que auxiliam a instrução, mas como ferramentas que promovem a construção do conhecimento. Neste contexto, o Ministério da Educação brasileiro instituiu o programa EDUCOM cuja finalidade era a criação de ambientes educacionais usando o computador como recurso para promover aprendizagem. Segundo Valente; Almeida (1997, p. 8),no nosso programa, o papel do computador é de provocar mudanças pedagógicas profundas ao invés de automatizar o ensino ou preparar o aluno para ser capaz de trabalhar com o computador.
Quatro décadas se passaram depois dos primeiros movimentos de inserção dos computadores na educação brasileira. Durante este período, os computadores evoluíram e ficaram cada vez mais portáteis e acessíveis financeiramente ao cidadão brasileiro. Recursos tecnológicos digitais se tornaram cada vez mais presentes nas salas de aula brasileiras. Grande parte das escolas públicas já possui salas de informática e televisões conectadas a aparelhos de DVD. Nas escolas privadas é possível encontrar lousas digitais, projetores de imagens ligados ao computador e câmeras de vídeo/foto que podem ser utilizadas pelo professor a qualquer momento. Além disso, muitos alunos, mesmo com pouca idade, já possuem diversos aparelhos eletrônicos portáteis como celulares, vídeos-game, câmeras digitais, aparelhos multifuncionais contendo tocadores de áudio, vídeo, calculadora etc.
A disseminação das tecnologias na população mundial ocorre tão intensamente que nosso momento atual já é chamado de “era digital” e na escola sentimos o impacto dessa imersão tecnológica. Começamos a ver, por exemplo, alunos digitando em seus celulares mensagens SMS para outros colegas enquanto estão assistindo às aulas. Trabalhos que antes eram entregues em folha de almaço, hoje são enviados ao professor via e-mail. Alunos se sentem motivados quando as aulas ocorrem na sala de informática e já andam sem paciência para exposições com lousa e giz.
Diante de tantas evoluções tecnológicas, contrastes ainda são notados, principalmente no ensino público. Muitas escolas brasileiras não foram equipadas com computadores e sobrevivem em condições precárias sem terem mesas e cadeiras para os alunos assistirem às aulas. Há instituições de ensino que possuem salas com computadores “às moscas” ou que apresentam equipamentos defasados e com problemas de manutenção.
É no contexto da “era digital” e das discrepâncias tecnológicas que os educadores precisam refletir sobre o papel das tecnologias no ensino e na aprendizagem. Será que se ensina melhor utilizando recursos tecnológicos digitais? Será que os alunos aprendem mais quando estão num ambiente com tais recursos? Como é a qualidade desse tipo de material? Eles ajudam ou atrapalham? Algumas dessas questões serviram de inspiração para a realização deste artigo.
O objetivo deste texto é propor uma reflexão a respeito do uso de computadores no ensino de matemática. Dentre todo universo de recursos computacionais, usados para fins educacionais, discute-se o emprego de duas ferramentas específicas: os Objetos de Aprendizagem e os Micromundos. A respeito dessas ferramentas, são apresentadas definições, exemplos utilizados em sala de aula, exemplos em construção e referenciais teóricos, pertinentes ao campo da educação matemática, os quais dão suporte ao uso de tais ferramentas em sala de aula.

AMBIENTES COMPUTACIONAIS

A evolução dos equipamentos computacionais e a disseminação de seu uso na escola fizeram com que diversos pesquisadores no campo da educação matemática se interessassem em desenvolver softwares auxiliadores no processo de construção do conhecimento matemático em sala de aula. Muitos desses softwares são conhecidos como Objetos de Aprendizagem (learningobjects), outros ainda são chamados de Micromundos.

Objetos de Aprendizagem

Segundo Wiley (2000) existem muitas definições para o termo Objetos de Aprendizagem. Muitas delas são extremamente abrangentes de tal modo que um Objeto de Aprendizagem poderia ser qualquer coisa a nossa volta: uma carta, uma história em quadrinhos, um personagem de um filme etc. Para limitar a interpretação do termo e fornecer uma definição condizente com o uso do mesmo em pesquisas acadêmicas, Wiley (2000, p.7) propõe que Um objeto de aprendizagem é qualquer recurso digital que pode ser reusado para dar suporte à aprendizagem.
Os objetos de aprendizagem podem ser caracterizados a partir de suas funcionalidades e quantidade de recursos disponíveis ao usuário. Wiley (2000, p. 21-22) propôs cinco tipos de Objetos de Aprendizagem:
(1) Fundamental: possui apenas um recurso digital o qual não pode ser combinado com outro. A foto de uma pessoa resolvendo uma equação serve como exemplo.
(2) Combinado-fechado:. apresenta um número pequeno de recursos combinados, os quais não são individualmente acessíveis para reuso. Um vídeo mostrando uma pessoa resolvendo uma equação com um áudio de fundo explicando o processo de resolução exemplifica o tipo de objeto de aprendizagem pertencente a esta categoria.
(3) Combinado-aberto: encerra um amplo número de recursos digitais, os quais podem ser combinados pelo computador em tempo real quando há uma solicitação do usuário. Um exemplo deste caso é uma possível página na internet sobre resolução de equações com disponibilidade de imagens, textos, vídeos e sons, que somente vêm à tona ao serem solicitados pelo usuário.
(4) Apresentação-geradora: relaciona estrutura e lógica para combinar e/ou gerar outros Objetos de Aprendizagem dos tipos 01 e 02. São softwares os quais permitem a combinação ou construção de outros softwares mais simples.
(5) Apresentação-instrucional: caracteriza-se pelo fato de relacionar estrutura e lógica para combinar e/ou criar qualquer outro tipo de Objeto de Aprendizagem. Além disso, possui recursos os quais possibilitam interação do usuário e a avaliação de tais interações. Pode-se pensar num software o qual possibilite ao usuário selecionar recursos audiovisuais, e outros ligados à programação, para a escrita de equações e sua respectiva resolução.
Uma das principais características de um objeto de aprendizagem é a possibilidade de reuso em outros contextos por meio da combinação dos mesmos e do desenvolvimento de sequências de ensino que os articulem.
A questão do reuso é tão importante que já levou comunidades de pesquisa ao desenvolvimento de normas para a produção e catalogação de Objetos de Aprendizagem. O objetivo dessas normas é permitir a acessibilidade da população em geral por meio de um sistema de busca inteligente na internet. Essa foi a proposta do InstituteofElectricalandElectronicsEngineers (IEEE) o qual desenvolveu o Learning ObjectMetadata (LOM). Tal método descreve as características relevantes de um Objeto de Aprendizagem, usadas para sua catalogação em repositórios. Outra iniciativa, em nível nacional, foi a criação do projeto Rede Interativa Virtual de Educação (RIVED). O projeto foi desenvolvido em 2001 pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação Brasileiro (MEC) com o propósito de produzir conteúdos pedagógicos digitais, na forma de Objetos de Aprendizagem, para diferentes áreas do conhecimento e, com isso, possibilitar melhorias nas condições de ensino e aprendizagem e difundir o uso de tecnologias. Os recursos digitais produzidos no RIVED ficam disponíveis à população num site¹ na internet.

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¹ http://rived.mec.gov.br/site_objeto_lis.php

Micromundos

Segundo Healy; Kynigos (2010, p. 63), foi o pesquisador Seymour Papert o qual utilizou pela primeira vez que a palavra Micromundo no campo da educação matemática em 1972, na segunda edição do International Congresson Mathematics Education (ICME).
Naquele momento, o micromundo foi concebido como um ambiente em que as tecnologias digitais forneceriam uma maneira alternativa de aprender matemática.
Para Pappert (1986, p. 155), no projeto de um Micromundo, deve-se levar em consideração o fato de o ambiente deixar o aprendiz adquirir o conceito com um exemplo simples e acessível; possibilitar o desenvolvimento de jogos, atividades, artes etc. que tornem relevante o trabalho no Micromundo e permitir o desenvolvimento de conceitos necessários dentro da experiência nesse mundo.
Healy; Kynigos (2010, p.64-65) afirmam que com o advento dos softwares dinâmicos, os Micromundos, cuja principal característica era a reconstrução de conceitos por meio da linguagem de programação, foram aos poucos perdendo força no cenário educacional; entretanto, a possibilidade de criação de macros nesses ambientes dinâmicos manteve no ambiente computacional a principal característica dos Micromundos: permitir ao aluno o desenvolvimento de suas próprias ferramentas para explorar e modificar o cenário do ambiente em que o mesmo está trabalhando.
Hoyles; Noss; Adamson. (2002, p. 30) consideram que os Micromundos são ambientes onde as pessoas podem explorar e aprender a partir do que elas recebem de resposta do computador no retorno de suas explorações. Além disso, também consideram que há a ideia de que os estudantes não devem só interagir com as ferramentas do Micromundo, mas que possam modificá-las usando a programação.
Pode-se notar que as definições de Micromundo dadas anteriormente possuem características em comum. A primeira delas é o fato deles serem ambientes computacionais que permitem ao aluno a exploração de um conceito matemático. É a partir da exploração e da interação dos alunos com as ferramentas desse ambiente que a aprendizagem ocorre. Outra característica comum, e talvez a que diferencia o Micromundo de outros ambientes computacionais, é o fato dos alunos poderem criar suas próprias ferramentas dentro do ambiente e modificá-lo da maneira que deseja.
Um exemplo bastante conhecido de Micromundo é o softwareSuperLogo. Nesse ambiente, o aluno pode usar ferramentas simples para construir figuras clássicas da geometria plana e explorar suas propriedades. Além disso, usando uma linguagem de programação simples, o aluno pode criar suas próprias figuras ou novos comandos para manuseá-las.
Ao comparar a ideia de Micromundo e Objetos de Aprendizagem, chega-se à conclusão de que o Micromundo é um caso particular de Objeto de Aprendizagem. Pode-se dizer o Micromundo é o Objeto de Aprendizagem o qual permite ao usuário a construção de suas próprias ferramentas, comandos e representações.

MULTIPLICIDADE DE REPRESENTAÇÕES

Há vários motivos os quais fazem com que os computadores sejam o foco de pesquisas no campo da educação matemática. Um desses motivos é o fato das ferramentas computacionais permitirem o desenvolvimento de softwares de diferentes formas de representação de um conceito matemático e a rápida articulação entre essas formas de representação.
Muitos pesquisadores da educação matemática têm desenvolvido softwares os quais dão suporte às múltiplas representações de um conceito e têm testado esses ambientes em sala de aula a fim de saber como essas ferramentas auxiliam a aprendizagem de matemática.Kieran;Yerushalmy (2004) elaboraram um artigo contendo uma discussão panorâmica a respeito dos artigos submetidos ao 12° ICMI Study². Esses pesquisadores notaram um aumento expressivo nas pesquisas envolvendo ambientes as quais suportam múltiplas representações; afirmam que as tecnologias, por meio das múltiplas representações, podem enriquecer a compreensão conceitual da álgebra e seus processos.
Neste contexto, fala-se também no uso de computadores para o desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para a matemática.
Uma infraestrutura de representação é um conjunto de símbolos e regras de utilização, difundidos socialmente, que permitem a representação de conceitos e ideias de forma escrita, pictográfica, gráfica etc. A escrita fonética, para a comunidade em geral, e a álgebra, para a comunidade matemática, são exemplos de infraestrutura de representação, pois, devido a sua difusão social, permitiram aos humanos a capacidade de comunicar, construir e acumular conhecimento através do tempo e do espaço e resolver problemas que em épocas remotas não poderiam sequer ser acessados.
Uma vez que as tecnologias foram difundidas pelo mundo e os computadores passaram a fazer parte da rotina do ser humano, Kaput; Schorr (2007, p. 31-32) passam a considerar a influência de tais recursos no desenvolvimento de novas infraestruturas de representação. Os pesquisadores afirmam que a ferramenta computacional permitiu a evolução da maneira com que se representam os conhecimentos matemáticos e o olhar dinâmico sobre conceitos,  de tal modo que, muitas vezes, parecem novos conceitos e não apenas uma representação diferente.

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² ICMI: International Commission on Mathematical Instruction.

De forma importante, considerados juntos, as estratégias representacionais não são meramente uma série de funcionalidades de um software suportando algumas atividades curriculares, mas equivalem a uma reconstituição de ideias-chave (KAPUT, SCHORR, 2007, p. 35).

Segundo Kaput, Schorr (2007, p. 32) o uso de computadores no ambiente escolar e no meio acadêmico pode trazer três tipos de consequências para a maneira como se representam os conceitos matemáticos.
Na primeira conseqüência, verificam-se as mesmas representações dos conceitos matemáticos sendo realizadas no ambiente computacional. Não há mudanças na representação dos conceitos. A mudança ocorre no meio em que essas representações se tornam disponíveis à sociedade. Nesse momento, o conhecimento produzido de maneira estática e inerte se torna compreensível de outros modos, usando-se a notação tradicional num sistema computacional. Pode-se fazer isso a partir da criação de relações entre gráficos dinamicamente mutáveis, equações e tabelas. Isso já ocorre com o uso de alguns CAS (Computer Algebra System).
A segunda consequência está relacionada ao uso dos meios computacionais e de suas potencialidades dinâmicas para tornar possível a reconstrução de conceitos e/ou teorias.  É o caso dossoftwaresCabri-Géomètre e SuperLogo, os quais permitem a reconstrução da geometria Euclidiana e do SimCalc, o qual possibilita a recontrução da relação entre a matemática do movimento e o cálculo diferencial e integral.
A terceira consequência é a utilização dos computadores para a construção de novos sistemas de conhecimento empregando novas infraestruturas de representação. Devido às potencialidades organizacionais, lógicas, diâmicas e audiovisuais dos computadores, os novos sistemas de conhecimentos apresentarão múltiplas formas de representação, notação e relacionamentos do mesmo fenômeno. Uma vez difundida e utilizada pela sociedade, essas representações serão a base de uma nova infraestutura a qual proporcionará ao ser humano novas formas de compreender os conceitos, utilizá-los e resolver problemas que os envolva. A ampliação do ambiente SimCalc, desenvolvida  pelos pesquisadores do Kaput Center na Universidade de Massachussets, é um exemplo desse tipo de consequência.
Ao se trazer à tona a discussão a respeito das múltiplas representações de conceitos matemáticos e da possibilidade de desenvolvimento de novas infraestruturas de representação para esses conceitos no ambiente computacional, também inseri-se no mundo acadêmico fatores os quais podem auxiliar na avaliação dossoftwares voltados ao ensino. Com tais ideias em mente, pode-se verificar se os ambientes computacionais (1) apenas reproduzem na tela aquilo que poderia ser feito com papel e lápis, (2) trazem novas contribuições permitindo a representação de conceitos de um modo que não poderia ser feito usando-se outros recursos, (3) apresentam múltiplas representações para um conceito e permitem a articulação dinâmica dessas representações e (4) possibilitam ao aluno a criação de sua própria representação para o conceito em questão.
Na próxima seção, são apresentados alguns exemplos de Objetos de Aprendizagem e Micromundos e discutido como favorecem a articulação e o desenvolvimento de representações para alguns conceitos matemáticos.

ALGUNS EXEMPLOS

A seguir apresentam-se os MicromundosMathsticks e MusiCALcolorida e o Objeto de Aprendizagem Consecutivo. Além da apresentação dos ambientes, é discute-se as potencialidades representacionais de cada um deles.

Mathsticks

O micromundo Mathsticks foi desenvolvido pelos pesquisadores Richard Noss, Lulu Healy e CeliaHoyles, na Universidade de Londres,tendo como suporte a linguagem Logo de programação. Tal ambiente possibilita o trabalho com a generalização de padrões figurais, construídos pelo usuário com o auxílio de ferramentas disponíveis presentes na tela do computador. A criação desse Micromundo teve como motivação a constatação de que os métodos utilizados por alunos nas atividades com padrões figurais resumiam-se à construção de tabelas numéricas, as quais não expressavam a estrutura do padrão e conduziam a induções ingênuas.
Na figura 01 tem-se a imagem da tela inicial do Mathsticks. Ela é composta basicamente por (1) uma tartaruga, por (2) ícones no formato de setas direcionais, palitos e pontos, (3) por uma caixa de texto para registrar comandos Logo e (4) por uma caixa de texto para a entrada de comandos Logo.

Figura 01: Tela inicial do Mathsticks.

Para começar a construção de uma figura geométrica neste ambiente basta clicar nos ícones com formato de palito, ponto ou seta. Ao clicar, a tartaruga desenha o objeto selecionado na tela do computador. Por exemplo, se um aluno clicar sobre um palito vertical, a tartaruga desenhará essa imagem na tela. Ao clicar na seta para cima, a tartaruga dará um pulo para cima. Todos os procedimentos realizados na construção de uma figura ficam registrados na forma de comando da linguagem Logo, numa caixa de texto presente do lado direito da tela, para que o aluno possa observar e perceber padrões nas ações realizadas, durante sua construção.
O Mathsticks tem na sua essência as ideias de Pappert (1986, p. 151), ou seja, é […] um ambiente de aprendizagem interativa baseado no computador onde os pré-requisitos estão embutidos no sistema e onde os aprendizes podem tornar-se ativos, arquitetos construtores de sua própria aprendizagem.
O Micromundo em questão possibilita uma nova forma de pensar sobre as generalizações de padrões figurais, oferecendo um ambiente que combina o ritmo das ações com o visual e a representação simbólica diferente da utilizada tradicionalmente em sala de aula. Os padrões aparecem na tela do computador na forma figural ou na forma de comando na linguagem Logo.
Segundo Noss, Healy; Hoyles (1997, p. 210), este Micromundo é uma ferramenta útil para explorar a interação entre a criação do visual e os significados simbólicos.
O Mathsticks foi inspirado em padrões usando palitos, os quais são atividades presentes no currículo escolar. A proposta deste ambiente não é o transporte da atividade realizada em lápis e papel para o computador, como propõe o nível 01 discutido em Kaput; Schorr (2007, p. 32). Devido ao dinamismo das ações realizadas e da representação do registro dessas ações numa linguagem não familiar ao aluno (Logo), trata-se de um “mundo novo” de palitos, impossível de ser visitado sem a ajuda do ambiente.

MusiCALcolorida

A MusiCALcoloria é uma calculadora a qual permite a representação de números reais de três formas distintas: a numérica, a colorida e a musical.
Segundo Healy;Kynigos (2010, p. 68), este ambiente computacional foi inspirado na ColourCalculator, inicialmente desenvolvida pela pesquisadora canadense Nathalie Sinclair da Simon Fraser University. Na versão de Sinclair, as ferramentas presentes na interface do ambiente não permitiam aos usuários a criação de novos objetos. Por este motivo, no momento de sua criação, a ColourCalculator não era considerada um Micromundo.
Um pequeno grupo de pesquisadores, professores e estudantes brasileiros, ligados à Universidade Bandeirante de São Paulo, colaboraram entre si para o redesenho da ColourCalculator e desenvolveram a MusiCALcolorida. Neste novo ambiente, os usuários podem criar suas próprias músicas e sequência de cores e recombiná-las a fim de compreender a estrutura decimal dos números reais.

Figura 03: Raiz quadrada de três representada na MusiCALcolorida.

Na figura 03, pode-se observar seis elementos que constituem a interface da MusiCALcoloria:

(1) Uma calculadora tradicional contendo os algarismos arábicos e as operações adição, subtração, multiplicação, divisão, potenciação e radiciação.
(2) Um painel que divulga a representação musical de um número real obtido quando se realiza uma operação na calculadora. A representação musical associa uma nota musical a cada algarismo do número real, de tal forma que se obtém uma música longa quando o número possui muitas casas depois da vírgula. É o caso da raiz quadrada de três, apresentada na figura 03, que contém infinitas casas decimais. No painel, ainda observa-se elementos os quais controlam aspectos sonoros da representação musical dos números reais. Por meio dele, pode-se modificar o tipo de instrumento, o tom e o tempo dos sons.
(3) Uma caixa de texto onde aparecem os números reais que são resultados das operações realizadas na calculadora. No exemplo da figura três, tem-se a representação numérica da raiz quadrada de três.
(4) Um painel que mostra a representação colorida do número real obtido como resultado de uma operação realizada na calculadora. Essa representação associa uma cor diferente a cada algarismo do número real resultante das operações realizadas na calculadora.
(5) Um painel que apresenta uma série de botões e barras de rolagem contendo desafios para os usuários, ferramentas que permitem modificar as teclas da calculadora e ativar ou desativar o áudio.
(6) Um painel que apresenta uma barra de rolagem para que o usuário decida quantas casas decimais do número real ele deseja ver ou ouvir.
Segundo Healy;Kynigos (2010, p. 69) este micromundo permite aos usuários uma experiência numérica, usando diferentes sentidos, o que torna a MusiCALcoloria uma ferramenta apropriada para o trabalho com cegos e surdos, proporcionando uma matemática mais inclusiva.
A MusiCALcoloria comporta representações para um número real diferentes daquelas utilizadas numa aula tradicional realizada no ambiente com papel e lápis. É um exemplo de Micromundo que contribui para a formação de novas estruturas de representação de conceitos.

Consecutivo

Consecutivo é um Objeto de Aprendizagem desenvolvido por esta autora junto ao grupo de Tecnologias Digitais e Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo. A proposta deste ambiente computacional é engajar os alunos no processo de elaboração de justificativas formais às propriedades da soma e do produto de números consecutivos.

Figura 04: Interface do Consecutivo.

Na figura 04, tem-se a imagem da interface do Consecutivo e nota-se em destaque cinco componentes do ambiente:
(1) Uma reta numérica no centro da tela, na qual o usuário poderá envolver alguns números consecutivos com uma figura retangular.
(2) Um painel dinâmico o qual oferece ao usuário a escolha de quantos números consecutivos deseja envolver; por qual número deseja começar a sequência de números consecutivos; o valor da soma e do produto do conjunto de números escolhido.
(3) Um painel em que o aluno poderá escolher visualizar o valor da soma e do produto dos números consecutivos com outra representação como a numérica, algébrica ou figural.
(4) Um painel o qual mostrará a representação da soma e do produto dos números consecutivos na forma escolhida pelo usuário, como numérica, algébrica ou figural. Na figura 04, apresenta-se um exemplo de representação numérica para os números consecutivos.
(5) Um painel onde aparecerão tarefas a serem realizadas pelos usuários. As tarefas solicitarão a prova de algumas propriedades sobre números consecutivos. Pode aparecer no painel, por exemplo, uma tarefa a qual solicite ao aluno a prova de que a soma de três números consecutivos é divisível por três ou de que o produto de dois números consecutivos é um número par.
O Consecutivo será composto de atividades suportadas por múltiplas representações dos números consecutivos a fim de fazer com que os alunos, por meio da exploração do ambiente, percebam propriedades, elaborem conjecturas e justificativas formais.
Haverá três tipos de representações disponíveis para os números consecutivos, sua soma e produto: a numérica, a algébrica e a figural. Muitas dessas representações poderiam ser realizadas sem a ajuda do computador, num ambiente composto apenas por papel e lápis. É o caso da representação de um número natural pela sua decomposição em fatores primos; entretanto, a contribuição do ambiente computacional está no dinâmismo com que se pode alterar a representação de um mesmo número e o rápido transitar entre as mesmas. Por este motivo, o ambiente que esta autora desenvolverá não faz apenas uma simples transição para o computador das representações tradicionais dos números consecutivos, ele as articula de modo a proporcionar ao aluno um conhecimento integrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fazer uso eficiente e significativo das tecnologias digitais em sala de aula talvez seja o maior desafio desta década para os educadores. Em meio à massiva inserção de poderosos recursos digitais no dia-a-dia dos cidadãos, os professores ainda são os responsáveis por realizar um ensino expositivo o qual ocorre em grande parte em salas de aula com giz, lousa, papel e lápis.
Para superar-se o desafio proposto pela “era digital”, é necessária uma reflexão profunda a respeito do papel das tecnologias no ambiente escolar. Elas ajudam? Atrapalham? Melhoram o desempenho dos alunos ou pioram?
Neste artigo encontram-se estudiosos na área de educação matemática, os quais abordam a questão da inserção dos computadores no ensino. Tais pesquisas, por meio da criação de Objetos de Aprendizagem e Micromundos, vislumbram o acesso dos estudantes às tecnologias de uma forma que lhes possibilite uma mudança qualitativa na forma de construir conhecimento. Neste contexto, não basta usar os computadores para “colocar uma roupa diferente” nas atividades realizadas comumente na escola. A preocupação dos pesquisadores em educação matemática é proporcionar ambientes os quais permitam novas formas de representação de conceitos matemáticos, mais dinâmicas e interativas.

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MeioEletrônico

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