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Dossiê Programa Bolsa Alfabetização na UniBr

DOSSIÊ PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇÃO NA UNIBR

THE DOSSIER IN LITERACY GRANT PROGRAM – UNIBR

Professora-orientadora Drª Giselle Larizzatti Agazzi

giselleagazzi@terra.com.br

Me. Solange Padilha Oliveira Guimarães-UNIBR

spadilha@unibr.edu.br

Resumo

Esse dossiê traz uma breve apresentação do que é o Programa Bolsa Alfabetização como política pública do governo do Estado de São Paulo, inserido no Programa Ler e Escrever e seu histórico na Faculdade de São Vicente. Este programa desenvolve propostas para atingir a meta de alfabetizar as crianças de até oito anos de idade das redes públicas de ensino. Entre as ações desenvolvidas, está o Bolsa Alfabetização que possibilita a entrada do aluno universitário, estudante dos cursos de Letras e Pedagogia, na sala de aula dos segundos anos das escolas estaduais. O graduando, batizado de aluno-pesquisador, é orientado a realizar uma observação das relações de ensino e de aprendizagem e um registro das atividades didáticas desenvolvidas na sala de aula. O conjunto de textos aqui apresentados, escritos por professoras orientadoras, alunas e alunos, participantes do Projeto, estão estruturados para permitir ao leitor, não apenas entender como se dá uma política pública voltada para a educação, como também desenvolver reflexões críticas sobre as relações de ensino e de aprendizagem, sobre as relações entre teoria e prática, sobre a formação inicial e a formação continuada dos professores. O profundo envolvimento das alunas e alunos com a escola, os professores-regentes, a coordenação e os conhecimentos práticos e teóricos construídos nas ações orientadas e desenvolvidas no Projeto são verificados por meio dos textos registrados. Finalmente, apresentamos o Projeto Bolsa Alfabetização como possibilidade de uma formação do futuro docente que se deseja interventor na realidade de seus alunos.

Palavras-chave: Alfabetização – política pública – aluno-pesquisador – formação docente

ABSTRACT

This dossier is a brief presentation of what is the Literacy Grant Program as a public policy of the state government of Sao Paulo, inserted in Reading and Writing Program and its history at the College of São Vicente. This program is developing proposals to meet the target of teaching children up to eight years old of public education..Among the actions developed, is the Literacy Scholarship which allows the entry of the university student, from the courses of Literature and Pedagogy in the classroom of second year of the state public schools. The graduating, called student-researcher, are advised to conduct an observation of the relationship of teaching and learning and a reports of learning activities developed in the classroom. The group of papers presented here, written by guiding teachers and students, Project participants are structured to allow the reader not only understand how a public policy directed for education works, as well as develop critical reflections about the relationships of teaching and learning, on the relationship between theory and practice on the initial and continuing teachers education training. One can discern the deep involvement of the students and school students, teachers, conductors, coordination and the practical and theoretical knowledge in the following actions built and developed in the Project. Finally, we present the Literacy Scholarship Project as a possibility of training the future teachers who want to in the reality of their students

Key-words: Literacy – public policy – student-researcher – teacher education

A ideia de compor esse dossiê surgiu dos resultados obtidos com a adoção do Programa Bolsa Alfabetização, em 2009, pela UNIBR. É difícil mensurar os alcances desses resultados, uma vez que eles advêm das relações de ensino e de aprendizagem, da formação dos alunos da UNIBR, da qualidade de vida de comunidades que, por intermédio da ação dos pesquisadores, constroem as pontes necessárias para um mundo mais justo e igualitário. Apesar dessas dificuldades, é necessário sintetizar o percurso até o momento realizado, para avançarmos e aprofundarmos os aprendizados. Isso foi realizado em grande parte com a Primeira Jornada dos alunos-pesquisadores do Programa Bolsa Alfabetização da UNIBR, ocorrida em outubro de 2011; e, agora, com a produção deste primeiro documento.
Na primeira parte, “O Programa Bolsa Alfabetização na UNIBR”, por mim escrito, lê-se uma breve apresentação do que é o Programa e seu histórico na Faculdade São Vicente. Na segunda, “A construção da memória do futuro professor: depoimento da aluna pesquisadora Cristiane Fischer da Rocha”, pode-se entrever o profundo envolvimento das alunas com a escola, os professores-regentes, a coordenação e os conhecimentos práticos e teóricos construídos. Na terceira, “O Programa na prática”, escrito pelos alunos Felipe Santana, Nanci Maria Dias e Maria Aparecida Silva, procura ilustrar como se dá a investigação didática. Na quarta parte, “A formação da consciência crítica do futuro docente”, elaborado pela professora Solange Padilha, propõe um olhar sobre a contribuição do Programa para a formação inicial dos futuros professores.
O conjunto de textos assim estruturado permitirá à comunidade da UNIBR não apenas entender como se dá uma política pública voltada para a educação como também desenvolver reflexões críticas sobre as relações de ensino e de aprendizagem, sobre as relações entre teoria e prática, sobre a formação inicial e a formação continuada dos professores.
Boa leitura!

Referenciais bibliográficos:

Programa Ler e Escrever. Guia de Planejamento e Orientações Didáticas do Professor Alfabetizador – 1ª série – volume 1
LERNER, Delia. Palestra “Pesquisa de Investigação Didática”, proferida na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores – EFAP – auditório, 29 de julho de 2011.
Webgrafia:
http://lereescrever.fde.sp.gov.br/, consultado em outubro de 2011.

1.

O Programa Bolsa Alfabetização

Professora-orientadora Giselle Larizzatti Agazzi


O Programa Ler e Escrever é uma ação da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que desenvolve propostas para atingir a meta de alfabetizar as crianças de até oito anos de idade das redes públicas de ensino. Entre as ações desenvolvidas, está o Bolsa Alfabetização, um programa articulado ao Ler e Escrever que possibilita a entrada do aluno universitário, estudante dos cursos de Letras e Pedagogia, na sala de aula dos segundos anos das escolas estaduais.
O graduando, batizado de aluno-pesquisador, é um colaborador do professor da rede pública dos segundos anos. Sua atuação deve se desenvolver em torno do que o Programa chama de “exploração didática da sala de aula”. Os alunos-pesquisadores são orientados a realizarem uma observação das relações de ensino e de aprendizagem e um registro das atividades didáticas desenvolvidas na sala de aula. De acordo com o contexto, os graduandos intervêm em diversas situações, vindo a contribuir para as relações de ensino e de aprendizagem da escola receptora do Programa.
Os alunos-pesquisadores se reúnem com regularidade com o professor-orientador, que procura formar e orientar o olhar do aluno-pesquisador em consonância com as propostas do Programa e as bibliografias sugeridas nos cursos da UNIBR.  Também o professor-orientador tem sua formação continuada, em encontros regulares com a equipe técnica do Programa, com a professora formadora, Marisa Garcia, com a professora supervisora, Délia Lerner.
O que se vê é que assim como o acompanhamento do desenvolvimento do Programa se dá em diversas esferas, os beneficiados se multiplicam, alcançando os alunos da unidade escolar, os professores, coordenadores, pais, graduandos dos cursos de Pedagogia e de Letras. Nesse contexto, os alunos desempenham plenamente a função de sujeitos históricos, servindo de modelo para outros estudantes e para a comunidade em geral. Do olhar mais miúdo para o mais abrangente, o aluno-pesquisador, ao aproximar a teoria da prática, coloca em diálogo a realidade da escola pública e as perspectivas sobre ela, que são construídas com base no que se tem como “necessário” para a alfabetização plena.
Não é novidade o fato de as sociedades consumistas aprofundarem os problemas sociais. E não é novidade a observação de que o Brasil se desenvolve sobre os pilares do consumo seja de bens, seja de relações. Hoje, tudo é consumível, até mesmo o afeto. Em contextos como o nosso, cuja inversão de valores é acompanhada da manutenção da desigualdade social e cultural, urge que se construam Institutos de Ensino Superior de excelência, empenhados em formar professores conscientes da função da educação na construção de sociedades justas e fraternas.
Premida por tal necessidade, a UNIBR tem buscado assumir sua responsabilidade social junto à comunidade, procurando responder às demandas sociais do contexto em que a instituição se insere. Buscando ações efetivas no sentido de contribuir para a comunidade da Baixada Santista, a UNIBR adotou o Programa Bolsa Alfabetização.
Tendo início em 2009, o Programa começou na UNIBR com cinco alunos-pesquisadores. Em 2010, permaneceu com o mesmo número de alunos e classes beneficiadas, para em 2011 chegar a 35 alunos. Eles estão espalhados por dezessete escolas: um aluno na Aldeia Indígena Aguapeu, em Mongaguá, dois em São Sebastião, dois em Cubatão e trinta no Guarujá.

Professores em formação

As transformações que o curso de Pedagogia sofreu são notáveis. A movimentação das alunas nas suas turmas, os depoimentos que realizam nas aulas, os questionamentos, as intervenções que realizam e até mesmo a maneira como se expressam evidenciam que os alunos-pesquisadores estão tendo uma oportunidade única de formação inicial.   
Ao assumir o Programa como professora-orientadora, tive que assumir também inúmeros conflitos que iam desde a sua incorporação pelas campanhas políticas por algo que ele não é até a minha pouca formação em Alfabetização, apesar de já ter trabalhado com por dois anos com alfabetização de jovens e de adultos.
O Programa não é o segundo professor na sala de aula. Muito pelo contrário. Ele prevê o forte investimento na formação inicial dos futuros professores. Os alunos-pesquisadores, como o próprio nome evidencia, são graduandos. Se eles contribuem com as relações de ensino e de aprendizagem das crianças é porque são sujeitos históricos e não porque já sejam profissionais da educação.
Como o Programa me chegou às avessas e em um contexto bastante conturbado, vencer meus preconceitos só foi possível graças ao entusiasmo dos alunos-pesquisadores que já estavam atuando nele. Com a imagem dos nossos alunos interagindo com as crianças dos segundos anos.

2.

A construção da memória do futuro professor:
depoimento da aluna-pesquisadora Cristiane Fischer da Rocha

E.E Dr. Hugo Santos Silva
Aluna pesquisadora : Cristiane Fischer da Rocha
Coordenador : Waldomiro
Professora Regente : Patrícia

Minha decisão de entrar no Bolsa foi muito difícil, pois eu trabalhava em uma empresa há 3 anos com grande perspectiva de crescer, mas isso não me deixava feliz. Eu não entendia o que acontecia na faculdade, não conseguia assimilar as matérias, só pensava em vendas e atingir a meta do mês.
Foi quando a professora Giselle conversou com minha classe a respeito do Bolsa. A princípio eu me interessei, mas não tive coragem (essa é a palavra ), porque eu teria de largar meu emprego. Não sabia como seria trabalhar em Guarujá, pois dependemos de balsa para lá chegar; alem do trânsito de Santos com engarrafamento constante… tudo isso me fez desistir, na primeira chamada.
No decorrer dos meses, ouvi depoimentos das alunas pesquisadoras: sentia que elas falavam com o coração e estavam muito felizes em estarem ali, e que passavam por tudo aquilo que eu temia: trânsito, balsa, condução demorada. Mas era tudo muito gratificante!
Não pensei duas vezes, pedi as contas da empresa em que trabalhava antes mesmo de ter alguma certeza de que iria ser chamada no Bolsa. Eu sabia que estando desempregada, eu enfrentaria qualquer obstáculo. Criticaram-me muito, mas a Profª Giselle me passou tanta verdade, que eu me encantei pelo projeto; fiz meu cadastro, logo em seguida fui chamada.  Não esperei nem um mês para iniciar no dia 25/04 .
Meu primeiro dia na escola, foi pura emoção! eu ainda estava muito ligada em vendas, atingir metas e quando coloquei os pés dentro da escola, voltei à minha infância, ao ensino fundamental, o qual na época era o primário. Isso me deu uma alegria em saber que existem outros campos para se trabalhar e que eu estava onde eu sempre sonhei, trabalhando com crianças em área escolar.
O coordenador Waldomiro me recebeu muito bem; mostrou toda a área da escola, me falou do horário de entrada e saída, disse que era muito feliz em ter esse projeto na escola dele. Ele me deixou muito à vontade e continua desta mesma forma. Até hoje me trata como se eu fosse um bibelô da escola, alguém que está ali pra somar. Ele me apresentou aos professores e para a professora-regente Patrícia. Ela me tratou super bem, me apresentou para as crianças e foi uma troca tremenda de afeto. A professora me deixa a par de todos os projetos feitos em classe e me deixa até mesmo participar do semanário.
Logo no primeiro dia de aula, as crianças se apresentaram para mim, me elogiaram e disseram seus nomes. Eu me encantei por todos e ainda hoje eles têm um respeito enorme por mim, e eu por eles. Se eu saio da classe para resolver qualquer situação externa, eles ficam tristes; quando eu volto, parece que não me veem há muito tempo, sendo que não chego a ficar nem 5 minutos fora. Eu percebo que eles são muito verdadeiros e sinceros. Eu fico muito satisfeita, porque é sinal que ajudo de alguma forma. Sei que eles me ajudam bastante a aprender e entender o mundo da Pedagogia e isso não tem preço.
Eu sei que, a partir de agora, terei outra visão de como trabalhar em sala de aula com os educandos, saí da teoria e fui para prática. Cada dia em classe é muito diferente do outro, vários universos no mesmo espaço; encontro de classes sociais diferentes, cor e religião. Hoje, eu já entendo como agir quando houver problema de racismo em se tratando de cor, rejeição por classes sociais diferentes, crianças com níveis totalmente diferentes de  aprendizado… O professor tem que saber lidar com essas situações.
            
Eu vejo que a professora Patrícia faz tudo tão bem, explica de várias formas uma mesma lição para que todos possam entender; fala da forma em que as coisas têm que ser ditas.  Os alunos refletem a respeito, pedem desculpas, aprendem.  Eu fico olhando e agradeço por ter essa oportunidade de ver essas situações do cotidiano escolar.

3.

O programa na prática

Alunos pesquisadores Felipe Santana, Nanci Maria Dias e Maria Aparecida Silva
Colégio Estadual Profº Galdino Moreira- Guarujá

A atividade proposta pela professora foi realizada na aula de ciências e mostra com clareza que se pode trabalhar com alfabetização em qualquer matéria. A professora entrega uma folha para cada aluno e pede para que eles desenhem uma árvore e que também coloquem o nome das partes da árvore. Depois, do desenho, a professora pede para que os alunos escrevam o nome de duas frutas, duas flores, duas ervas medicinais e dois legumes.
Nessa atividade, os alunos não podem usar os cadernos. Eles devem escrever do jeito que sabem. Isso é o que torna a atividade mais interessante e proveitosa. A professora vai de mesa em mesa, conforme solicitada pelos alunos e verifica qual a dúvida que eles apresentam. Então, ela levanta uma dúvida para que a classe resolva e, de uma certa forma, todos começam a participar. Isso acontece de maneira geral, até mesmo os mais tímidos participam.
É o que se vê no trecho transcrito abaixo da gravação realizada para a investigação didática, quando os alunos procuram soletrar “Tronco”. A partir da observação e reflexão da intervenção da professora, pudemos concluir que a alfabetização pode se dar na produção de textos em diversas disciplinas.

Transcrição da situação didática investigada:

O aluno Pesquisador Felipe Santana diz:

“ Prova de ciências,os alunos têm que escrever o nome das frutas, flores e folhas, agora eles estão desenhando uma árvore, e eles têm que nomear as partes da árvore”.

Professora Graça diz:
– Bom, todo mundo! E aí? Folha, fruto…
O aluno Diogo passa e diz:
– Licença ae tiô, o tio tá caindo.
O aluno Leonardo diz:
– Ô tia, não dá pra ver direito esse giz de cera, olha aí ó!
Yasmim diz:
– Assim tia, óh?
Marcelo diz:
– Esqueci de colocar a raiz!
Professora Graça diz:
– Você tá fazendo assim
Yasmim diz:
– O tia! assim óh?
– O tia! Assim óh?
Professora Graça diz:
Tá sequinho, deixa eu pegar um outro lá, ah! Eu já tenho aqui óh!
Yasmim diz:
– Ô tia!
– Tia é assim?
Diogo diz:
– Ah, a Yasmim não deixa!
Leonardo diz:
– Ô Yasmim! Empresta a verde?
Diogo diz:
-Ô Yasmim! Pode emprestar a verde pra ele?
Yasmim diz:
– Cuidado com o meu lápis!
Professora Graça corrigindo o exercício de Karolaine diz:
– Não! Você colocou o “R”, eu quero o “TRO”…O que vem antes? TRO, TRO, como é TRO?
Yasmim diz:
– Eu já sei! É aqui óh…TRONCO!
Diogo diz:
– TRO é o T-R-O!
Professora Graça diz:
– Isso! T-R-O…TROOONCO!
Diogo diz:
– E no final tem um “R”, ô… no meio tem um “R”…
Professora Graça diz:
– TROOONNCO, ON…como é o ON? TRON?
Diogo diz:
– É o “O”! É?
Professora Graça:
– Porque o TRO…o TRON tem uma letra no meio, qual é?
Diogo diz:
– É o “R” !
Professora Graça diz:
– Ah…então vai ficar TRORCO!!
Marcelo diz:
– É o “N” !
Karolaine diz:
– É o “N” !
Professora Graça diz:
O “N” ! TROONCO! Isso, agora tá certinho, muito bem!!
Professora Graça diz:
Então,vamo lá!
As crianças falam todas ao mesmo tempo.
Professora Graça diz:
– Bom, então vamo partira pra segunda etapa.
Diogo e os meninos falam aomesmo tempo. A Profª Graça diz ao fundo:
– Aqui a folha, isso…Lê aqui ó “ FRUUUTAS! Não! Aqui é pra por o nome!
Professora Graça Diz:
– Como é o FRU?…Marcelo, como é o FRU?
Marcelo diz:
– É o “F”…não…é o F-R-U
Professora Graça diz:
– Isso! Então põe o FRU, FRUTA!
Professora Graça diz:
– E o TÁ? FRUTA, onde é o FRU?
As crianças começam a falar juntas ao mesmo tempo.
Professora Graça diz:
– Ah, tá faltando a raiz e escrever aqui…TROONCO, cadê o TRONCO, sobrou todo mundo com a madame.
Alunos juntos falam
– Tá certinho! Isso Alisson! FRUUUTA!
– Bom, partindo pra segunda etapa!
Karolaine diz:
Tia! Tá Certo?
Professora Graça responde:
– É, agora as partes com vogais.
Karolaine diz:
– Ô tia! Agora posso deitar?
Professora Graça diz:
– Só maçã que tá faltando alguma coisa em cima do “A”
Karolaine diz:
– Ah! O tiozinho!!!
Professora Graça retruca:
– Isso! O acento, “Tiozinho”…Bom!
Karolaine diz:
– Do “A” do “Ç”?
Profª Graça diz:
– É maçã…maçã…Sabe o que é maça?
Yasmim diz:
– É o M-A-Ç
Karolaine diz:
– É com “Ç”?
Professora Graça responde:
– É com “Ç”! O “A” sim “Maçã”
Os Alunos chamam a Profª Graça por diversas  coisas.
Professora Graça Diz:
Não rabisca a mesa, que a ,mesa foi limpa!
Marcelo Diz:
– Não tia, eu vou apagar!
Professora Graça diz:
– Não é pra apagar! É pra não escrever! Óh, ela lavou a mesa todinha antes e ficou limpinha.
Caio diz:
– Professora!
Professora Graça diz:
– Que bom, que bom!
Diogo Diz:
–  Que bom, que bom!
Professora Graça diz:
– Olha você tá alfabetizado hein… Legal! Parabéns!!!!
Professora Graça diz:

– Partindo para segunda….

CONCLUSÃO

Concluímos que a professora faz a mediação entre o registro escrito formal e as hipóteses de escrita levantadas pelas crianças, para que elas construam o próprio conhecimento: a professora faz a segmentação das palavras e leva o aluno a compreender e refletir sobre a maneira correta de escrever a palavra.
A professora Graça usa a dialética, fazendo com que todos participem sem fazer qualquer repreensão ao aluno que intervém na sua fala. Ela procura explorar o que cada criança sabe e conhece, aprendendo também o repertório dos alunos.
Desse modo, todos os alunos da classe acabam participando, até mesmo os mais tímidos. A maneira de intervenção da professora, estimulando os alunos a pensarem sobre as diferenças entre a linguagem oral e a escrita, motiva-os e quebra assim o paradigma de que para alfabetizar é necessário usar maneiras repetitivas e mecânicas.

4.

A Formação da consciência crítica do futuro docente, que se deseja interventor na realidade dos seus alunos:

O Projeto Bolsa Alfabetização do FDE como possibilidade dessa formação

Solange Padilha Oliveira Guimarães

INTRODUÇÃO

A escola é o local onde deve acontecer a transmissão dos bens culturais construídos pela humanidade, ao longo da história humana, às gerações futuras. É sua responsabilidade intrínseca, atribuída pela sociedade que  a instituiu. Essa mesma sociedade espera que a escola cumpra seu papel de formar suas crianças e jovens, os quais devem ser inseridos na vida social como cidadãos atuantes e perpetuadores dessa sociedade.
Os profissionais que recebem a formação para atuarem na dinâmica escolar são membros dessa sociedade que a escola se insere e, portanto, vivem as mesmas  questões sociais dos seus alunos, ou, pelo menos, devem  conhecer essa realidade. Mas, percebemos, na nossa longa experiência como profissional da escola de Ensino Fundamental e Médio, nas redes pública e privada, ocupando as funções de professora e de coordenadora pedagógica, que muitos professores não desenvolvem  uma prática interventora, ou seja, não se posicionam com um comprometimento atuante na mudança da realidade dos seus alunos. Por que razão isso acontece, já que muitos deles pertencem à mesma comunidade escolar?
Entendemos que o papel da docência não pode ser reduzido ao mero treino em habilidades práticas, mas envolve a formação de profissionais da Educação cuja atuação seja vital para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Entendemos como sociedade democrática aquela em que todos os cidadãos têm acesso aos bens culturais e materiais construídos pela humanidade, aliada à convivência pacífica,  na diversidade.
Nesse sentido, o educador e a educadora precisam desenvolver a conscientização do seu papel de mediadores da leitura do mundo, juntamente com seu aluno e aluna, na busca constante da superação de uma realidade presente. Podemos afirmar que a educação ocorre nessa condição, a da superação de uma realidade, fato, conhecimento, atitude, para a construção de uma nova realidade, ou seja, o ser que foi educado superou uma situação anterior.
Mas, a nossa preocupação, nesse texto, é de desenvolver uma breve análise da formação do futuro educador/educadora que receberam, em  sua formação inicial, as práticas educativas as quais promovem/possibilitam a consciência crítica, para uma atuação interventora na realidade dos seus alunos. Destacamos o Projeto Bolsa Alfabetização para exemplificar o que afirmamos no texto.
O conceito de consciência crítica, segundo Paulo Freire
Em Pedagogia do Oprimido Paulo Freire (1977) apresentou uma reflexão sobre suas experiências na educação de analfabetos camponeses, desenvolvendo a temática do diálogo – pronúncia da palavra que transforma o mundo – entre as diferenças culturais, para a superação das dificuldades comuns. O autor propôs, nessa obra, um compromisso político do educador em conduzir o desvelamento do mundo objetivo, pela dialogicidade, na superação das consciências ingênuas, por meio da educação como prática da liberdade, aquela que permite o desenvolvimento de uma consciência crítica.
O autor nos fala, também, de uma conscientização que vai além de perceber a realidade objetiva, mas, na dinâmica da ação-reflexão-ação (práxis), o ser humano possibilita problematizar suas ações num processo contínuo, dialético, e transformar esta realidade, que novamente poderá será problematizada.
Assim, o sujeito se faz e refaz e se descobre sujeito da própria história. Para Freire (1977), a transformação do mundo só acontece neste movimento que é práxis. Mas, a conscientização do sujeito não acontece separadamente dos demais. As consciências críticas e transformadoras do mundo são construídas no diálogo entre os homens, no mundo social.
Nesse sentido, a conscientização crítica – que é oposta à ingênua – faz-se pela capacidade que o ser humano possui de se afastar da sua realidade e admirá-la, ou seja, num processo de reflexão das suas ações problematizadas – práxis – o ser humano retorna à ação para modificá-la.            
Tão logo percebam a sua condição, libertam-se, ou seja, transformam-se em pessoas tornadas conscientes de si mesmas, da sua realidade, e conscientes do mundo social como obra humana, cuja responsabilidade do próprio destino é tão somente sua. Para Freire:

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “des-vela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens¹.

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¹ FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. p. 26

A conscientização é resultado da práxis, ou seja, a conscientização não é apenas perceber ou enxergar a realidade a sua volta, mas, numa posição curiosa, investigadora, pesquisadora, analisar essa realidade sob todos os seus aspectos constitutivos – filosóficos, dogmáticos, ideológicos, – para possibilitar a construção de uma nova realidade. Essa nova realidade também deve ser alvo de crítica e análise constante, sendo essa dialética a dinâmica de transformação do mundo. 
Freire chama de libertação o ato de assumirmos a nossa posição de sujeitos da história. Então, após o exercício da ação-reflexão que é práxis,  este sujeito atua, decide e modifica a própria história. Poderíamos dizer, então, que o processo de humanização – desenvolvimento da identidade humana – é tecido na teia das relações sociais, historicamente e dentro de um contexto; ou seja, é o resultado daquilo que fazemos – nossas ações – em interação com o que recebemos – nossas condições, em confronto com as respostas que damos a esses desafios.
Assim sendo, ao confrontarmos a teoria de Freire com a nossa vivência na formação de futuros educadores e  educadoras, que desejamos como interventores na realidade de seus alunos, poderemos evidenciar a consciência crítica como elemento necessário a essa formação.
A nossa preocupação se evidencia, nesta questão, sobre o que provoca a assunção da consciência crítica do nosso aluno, futuro educador/educadora? Ou seja, o que provoca o momento da decisão, de opção/resposta diante das questões  da prática educativa? Quais as práticas educativas que promovem o desenvolvimento da consciência crítica do nosso futuro docente,  permitindo-lhe a leitura da realidade de seus alunos e a sua efetiva intervenção?
A questão Teoria-prática na formação inicial dos alunos da Pedagogia e a contribuição do Ler e Escrever para a conscientização
A formação profissional exige rigor metodológico; exige competência para que o saber sistematizado possibilite o desenvolvimento da curiosidade do aluno por esse saber, permitindo a formação das consciências críticas. Freire² nos fala que a competência profissional do professor promove o respeito do aluno pelas suas aulas, traduzindo-se num clima propício para o aprendizado, pois ambos, professor e aluno, estão no processo de ensinar e aprender. Para o autor, “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”³

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² Idem.
³ SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, Sujeito, História. .p.9

No momento em que  o profissional da sala de aula é sujeito de sua prática, essa formação o habilita para  uma constante ação-reflexão-ação dessa prática, que se faz e refaz na dinâmica do processo ensino-aprendizado, fruto do seu trabalho. A escola existe para que o aluno aprenda os conteúdos das várias ciências e, principalmente, na escola de ensino básico, aprenda a ler, muito bem; a escrever e desenvolver o raciocínio lógico. Somente de posse destas condições, o aluno poderá ser inserido, efetivamente, na sociedade como cidadão atuante.
O Bolsa Alfabetização é parte integrante do Programa Ler e Escrever  para as escolas do EF, da rede oficial, no atual governo do Estado de São Paulo. Visa, preferencialmente, fazer a leitura da prática da sala de alfabetização, ou seja, a sua finalidade principal, dentre outras, seria de resolver a questão do analfabetismo funcional, estabelecido como uma praga nas escolas brasileiras. Para isso, o Bolsa Alfabetização, em parceria com as IES formadoras de  futuros professores, inserem os alunos dos Cursos de Pedagogiae de Letras na sala de aula de alfabetização, orientadas por uma professora da IES, para fazer a intervenção nas situações de dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita dos alunos. A aluna, o aluno recebem uma bolsa de quinhentos reais, mais duzentos reais como auxílio de passagens, do Estado.
No início do ano letivo de 2009, cinco alunas da UNIBR – Faculdade de São Vicente foram inseridas no Projeto Bolsa Alfabetização, orientadas por uma professora doutora, para a intervenção nas atividades pedagógicas das classes de alfabetização, em escolas do município de São Vicente.

A experiência com esse projeto nos mostrou que o diálogo dos alunos formandos,  com a prática problematizada, permitiu e permite o desenvolvimento das consciências críticas por meio da dialética entre o agir e o refletir para agir, ou seja, é o momento da reflexão crítica sobre a prática que, ao ser admirada, desvela a realidade concreta, na qual a escola está inserida.
Nesse sentido, confirmamos que a educação é um processo mediatizado pela realidade que professor e aluno apreendem, possibilitando o desenvolvimento de uma conscientização dessa realidade, para a  intervenção e transformação da mesma. O processo de intervenção só pode ser construído na sua dialogicidade, ou seja, na relação de troca permanente entre educador-educando mediados por suas experiências sociais e culturais, para, juntos, transformar o mundo. Segundo Freire:
A educação problematizadora está fundamentada sobre a criatividade e estimula uma ação e uma reflexão verdadeiras sobre a realidade, respondendo assim a vocação dos homens que não são seres autênticos senão quando se comprometem na procura e na transformação criadoras. [..] A educação problematizadora – que não aceita nem um presente bem conduzido, nem um futuro predeterminado – enraíza-se no presente dinâmico e chega a ser revolucionária. 4
A educação problematizadora, postulada por Freire,  se faz presente na dinâmica do ProjetoBolsa Alfabetização , pois, o nosso aluno que está sendo formado para atuar na sala de aula, adquire uma postura dialógica, no movimento de ação-reflexão, que é práxis,  possibilitando o desvelar das consciências ingênuas, e, ainda, construindo a possibilidade de ler a realidade para modificá-la.

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4 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. p.35

REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. Uma Introdução ao Pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez. 1979
___________. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1983
SEVERINO, Antonio Joaquim. Educação, Sujeito, História. São Paulo: Olhho D’água, 2005.p.91